terça-feira, 10 de janeiro de 2023

Coitado, morreu alegre

No dia 30 de outubro de 2022, lá pelas 11 horas da noite, Mundo (ou Raimundo) encheu a cara de uísque comemorando a derrota (na eleição presidencial) do idiota, execrável, farsante e fascista, cujo nome vocês já sabem. Ele, o maldito, se diz religioso, mas Mefistófeles não é ateu, frequenta as igrejas de todas as religiões.

Mundo participou de tudo quanto é manifestação pública, nos últimos 4 anos, do Fora o crápula, fora o cavalgadura, fora o escroto e fora o lazarento. 

Mundo nasceu em 1949, é aposentado dos Correios e já fez um monte de besteiras na vida. E algumas boas. Por exemplo, torce para o time do Santos desde 1958. Claro, na época, moleque ainda, ficou encantado com Dorval, Mengalvio, Coutinho, Pelé e Pepe. E de se sobra, Zito e Gilmar.

Mundo é cinéfilo. Durante a pandemia assistiu 700 filmes. Onde? No iutubi, DVD (tem uma coleção razoável), Netflix, HBO, Amazon, Disney, Mubi e fora aqueles filmes ou séries que copia da internet. Sim, Mundo é um copista como o diabo gosta.

Mundo ficou feliz com 30 de outubro? Sei não. No certo ficou alegre. Em conversas dizia não saber o que era felicidade. E justificava. Para Freud, uma utopia, para Confúcio a felicidade seria a harmonia entre as pessoas e para Buda a liberação do sofrimento e superação do desejo através do mental. Para Mundo, Confúcio matou a charada, felicidade não existe. Dizia, “me mostre um bicho mais em não-harmonia que humanos. A mortandade nas guerras do século XX, demonstra. Pulsão pela morte. Gente como o beócio, o criminoso e o carrasco, derrotado no dia 30 de outubro, prova”.

Mundo foi solteiro, casado, divorciado e viúvo. Desse sapeca-iáiá surgiram dois filhos. “Uns malas sem alças que se deram bem na vida. Encontro com eles vez ou outra”. 

Mundo mora só desde antes da pandemia. Antes passou por um perrengue daqueles. Além da hipertensão teve câncer de próstata. Fez tratamento e conseguiu controlar o monstro. Vai morrer fazendo exame de PSA e tomando remédio de pressão.

Mundo mora num apartamento de 70 m2. Modesto, muita luz e ventilação. Tem plantas na varanda. Na sala um vaso com uma árvore da felicidade (polyscias fruticiosa) de 1 metro altura. 

Mundo, no dia 31 de outubro, estava no quarto lendo quando resolveu ir até à cozinha. Na passagem pela sala, descalço, escorregou no maldito piso liso azulejado molhado pela água que tinha transbordado do vaso da árvore da felicidade, aguado há pouco pelo Mundo. A tragédia veio a cavalo. Ele bateu com a cabeça na quina de uma cadeira. A vizinha do apartamento ao lado bateu na porta e nada. Assustada com o barulho chamou o condomínio que com uma chave reserva entrou. Lá estava Mundo estirado no chão já sem vida. Morreu 24 horas após o abjeto, o parvo, o covarde e o estrupício ter sido defenestrado pela população.

E que ironia, o Mundo morreu porque tinha aguado a árvore da felicidade.

Mundo foi enterrado no dia 2 de novembro, dia de finados. No dia seguinte visitei o túmulo. E lá tinha uma lápide, talvez já combinado antes com os filhos, com os seguintes dizeres: 

Coitado, morreu alegre

Com PSA 0,23 e pressão 12 por 9

Mundo

Vitória, 2 de novembro de 2022



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