(The last leaf / O. Henry - 1945)
Tradução de Terezinha Pereira – 2000
Tempos atrás, grande número de pessoas que gostavam de arte nos Estados Unidos, mudavam-se para Greenwich Village, um bairro de New York. Apreciavam a vida boêmia do lugar e achavam divertido viver entre tantos artistas. Os prédios e os apartamentos eram em geral muito antigos, com aparência de sujos, mas isso somente contribuía para tornar mais interessante o lugar. Na parte de cima de uma velha casa de três andares, Sue e Johnsy tinham seu ateliê. Uma delas era do estado do Maine e a outra da Califórnia. Elas haviam se encontrado no restaurante de um hotel da Eighth Street. Ambas eram artistas que haviam chegado recentemente a New York para ganhar a vida.
Isso foi em maio. Em novembro, naquele tempo, ainda estranha e rara, uma doença que os médicos chamaram de pneumonia, surgiu na cidade, ora tocando com seu dedo insensível, um aqui, outro ali. A doença atacou Johnsy e ela ficou prostrada, mal se mexendo na sua cama de ferro pintado, olhando através da pequena janela a parede branca do prédio do outro lado da rua.
Uma manhã, o médico chamou Sue no corredor da casa.
- Ela tem apenas uma chance em dez de recuperar-se, disse ele enquanto sacudia o termômetro, e esta chance depende principalmente do desejo dela de melhorar. Mas sua amiguinha pôs na cabeça que está morrendo. Ela está preocupada com alguma coisa?
- Ela queria pintar um quadro da Baía de Nápoles algum dia, disse Sue.
- Não, algo mais importante. Um homem, talvez?
- Não.
- Bem, quem sabe isso seja o resultado da febre e de seu estado geral de fraqueza física. Mas, quando um paciente começa a ter como certo que está morrendo, então eu desconto metade da força dos medicamentos. Se você tiver a felicidade de fazê-la interessar-se por algo, em perguntar por exemplo, a respeito de assuntos da última moda de roupas femininas, então posso assegurar-lhe que, suas chances de melhora, passam para de uma em cinco, em vez de uma em dez.
Após o médico sair, Sue foi para o seu quarto e chorou. Depois, tentando não mostrar sua tristeza, entrou no quarto de Johnsy assobiando. Johnsy estava deitada sob cobertores com o rosto voltado para a janela. Sue parou de assobiar, pensando que Johnsy estivesse dormindo. Mas, logo ouviu um leve ruído repetido várias vezes. Sue correu para o lado da cama. Johnsy estava com os olhos bem abertos. Ela estava olhando pela janela e contando de trás para a frente.
- Doze, disse ela e um pouco depois disse onze, então dez e nove e então oito, sete.
*****
Sue olhou pela janela. O que estaria Johnsy contando? Lá havia apenas um cinzento e escuro terreiro e a parede branca da casa do lado. Uma velha, bem velha parreira, seca desde a raiz, subia até o meio da parede. A fria brisa do outono havia soprado quase todas as folhas da parreira até que seus galhos ficassem pelados.
- O que é? Perguntou Sue.
- Seis, disse Johnsy calmamente. Elas estão caindo mais rápido agora. Três dias atrás havia quase cem. Dava-me dor de cabeça contá-las. Mas agora está fácil. Lá vai mais uma. Agora há somente cinco folhas.
- Cinco o quê, querida? Diga-me.
- Folhas. As folhas da parreira. Quando a última folha da parreira cair, eu também partirei. Sei disso há três dias. O médico não lhe disse?
- O médico não disse tal coisa. É pura tolice, disse Sue. Que ligação há entre estas velhas folhas com sua saúde? E você gostava gostava tanto dessa velha parreira! Por favor, não seja tola. O médico disse-me esta manhã que suas chances de ficar boa eram excelentes. Agora tente tomar um pouco de sopa e deixe-me voltar ao trabalho que preciso ganhar dinheiro para comprar-lhe um bom vinho do Porto.
- Não é preciso comprar mais nenhum vinho, disse Johnsy, fixando seus olhos na parede branca da casa do lado. Quero ver a última folha cair antes do escurecer. Então também irei.
- Johnsy, querida, disse Sue curvando-se sobre ela. Prometa-me que ficará de olhos fechados e não ficará olhando por aquela janela até eu terminar o meu trabalho?
- Você não poderia desenhar no seu quarto? Disse Johnsy com indiferença.
- Prefiro ficar aqui com você, disse Sue. Também não quero que fique olhando para aquelas folhas mais sem graça.
- Diga-me logo que você tiver terminado, disse Johnsy, fechando os olhos e recostando-se pálida e serena. Porque eu quero ver a última folha cair. Estou cansada de esperar. Cansada de pensar.
- Tente dormir, disse Sue um pouco depois. Preciso descer por um minuto para alcançar o senhor Behrman que deverá posar de modelo para mim. Logo voltarei. Não se mova e, por favor, prometa-me não olhar pela janela.
O velho senhor Behrman era um pintor que morava no primeiro andar abaixo de onde elas moravam. Tinha mais de sessenta anos. Era um artista frustrado. Sempre havia desejado pintar um quadro que pudesse ser considerado uma obra-prima, mas ainda não havia começado a fazê-lo. Por muitos anos ele não havia pintado coisa alguma, a não ser, de vez em quando, algo relacionado a trabalho comercial ou publicitário. Ele ganhava pouco servindo de modelo para aqueles jovens artistas que não podiam pagar por um bom modelo profissional. Bebia muito whiskey e, sempre quando estava bêbado, falava a respeito da importante obra que ainda iria pintar. Era um destemido e ardoroso homenzinho que se julgava um cão de guarda protetor das duas jovens artistas que viviam no andar de cima, com as quais era muito afetuoso.
*****
Sue encontrou Behrman em seu mal iluminado ateliê. Num canto da sala ficava uma tela branca que há vinte e cinco anos esperava para receber os primeiros traços da prometida grande obra. Sue falou-lhe a respeito da estranha idéia de Johnsy a respeito da última folha e disse que temia que Johnsy realmente morresse quando a última folha caísse.
O velho Behrman bradou:
- Há pessoas no mundo que são ingênuas o bastante para acreditarem que vão morrer simplesmente porque folhas caem de uma velha parreira? Nunca havia ouvido tal coisa. Por quê você permite essas idéias ridículas entrarem na cabeça dela? Oh, pobre senhorita Johnsy !
- Ela está muito doente e muito fraca, explicou Sue, e a febre tem deixado a cabeça dela cheia de idéias estranhas.
Johnsy estava dormindo quando os dois subiram. Sue cerrou a cortina e fez sinal a Behrman para irem para o outro quarto. De lá, assustados, eles olharam a parreira. Mudos, entreolharam-se por um momento. Caía uma chuva fria misturada com neve. Behrman sentou-se e preparou-se para posar para Sue. Quando Sue acordou na manhã seguinte, encontrou Johnsy com os olhos arregalados, olhando a janela.
- Abra a cortina. Quero ver, disse ela calmamente.
Sue fez o que a amiga pediu. Mas, oh, após a pesada chuva e o forte vento, uma folha ainda estava dependurada na parreira. A última folha. Ainda de um verde escuro, ela pendia de um galho a uns seis metros do chão.
- É a última, disse Johnsy. Pensei que certamente cairia durante a noite. Ouvi o vento e a chuva. Ela cairá hoje e então morrerei.
- Querida Johnsy, disse Sue encostando seu rosto junto ao da amiga no travesseiro, pense em mim se não quer mais pensar em você mesma. O que farei?
O dia passou vagarosamente e, mesmo através do escuro que foi chegando com o entardecer, elas podiam ver a solitária folha ainda dependurada no galho de encontro a parede. Com a vinda da noite, o vento começou a soprar outra vez e a chuva começou a cair com força. Mas, na manhã seguinte, quando Johnsy pediu que a cortina fosse aberta de novo, a folha ainda estava lá. Johnsy permaneceu um longo tempo olhando-a . Então chamou Sue:
- Tenho sido uma má garota, Sue, disse Johnsy. Alguma coisa tem permitido que a última folha fique lá, exatamente para mostrar-me como tenho sido desagradável. Um pecado querer morrer. Agora traga-me um pouco de sopa e coloque alguns travesseiros atrás das minhas costas . Vou sentar e ver você cozinhar.
Um tempo depois Johnsy disse:
- Sue, algum dia vou pintar um quadro da Baía de Nápoles.
O médico chegou à tarde.
- Você está se comportando bem, disse ele segurando a mão magra de Johnsy. Na próxima semana ou mais ou menos antes disso, estará perfeitamente bem. Agora preciso ir para ver outro paciente no andar de baixo. Seu nome é Behrman. Ele é algum artista, acredito. Pneumonia também. É um homem velho e fraco e o quadro dele é muito grave. Não há esperanças para ele mas, estou encaminhando-o para o hospital a fim de proporcionar-lhe mais conforto.
No dia seguinte Sue aproximou-se da cama onde a amiga estava deitada.
- O médico me disse que você está perfeitamente bem, disse Sue, colocando o braço em volta dos ombros de Johnsy, que sorriu-lhe com alegria. Não é maravilhoso! continuou Sue. Mas agora tenho uma coisa importante a lhe dizer. O velho senhor Behrman morreu de pneumonia nesta manhã no hospital. Ficou doente apenas dois dias. Eles o encontraram na sala, na manhã do dia em que apareceu doente, sozinho, com dor e febre. Seus sapatos e roupas estavam completamente molhados e gelados. Não podiam imaginar onde ele havia estado numa noite terrível como aquela. Então, encontraram uma lanterna ainda acesa, uma escada e algumas outras coisas que indicaram que, durante o vento e a chuva, ele havia subido e pintado uma folha verde na parede da casa do lado. Você não achava estranho que a folha nunca movia quando o vento soprava? Ah, querida! Essa foi a verdadeira obra-prima do Behrman. Ele pintou-a lá, na noite em que a última folha caiu.
(Tradução premiada no “IV Festival Universitário de Literatura XEROX / Livro Aberto- 2000, publicada em 2001, São Paulo, Grupo Editorial Cone Sul”)
Em tempo
A última folha no cinema (o 3º episódio, dirigido por Jean Negulesco)
Páginas da Vida, O. Henry's Full House, 1952, Henry Koster, Henry Hathaway, Jean Negulesco, Howard Hawks, Henry King
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