sábado, 25 de setembro de 2021

Reforma Administrativa - PEC 32

É hora de desarmar o desastre. A PEC 32 é uma bomba-relógio 

Reforma aprovada em comissão da Câmara muda vida de novos servidores. Veja principais pontos

Texto da reforma administrativa foi aprovado em Comissão Especial. Proposta ainda passará pela análise do plenário da Câmara e Senado

Fernanda Trisotto, 24/09/2021, O Globo

A comissão especial da Câmara dos Deputados concluiu, já na madrugada desta sexta-feira, 24/09/2021, a votação da reforma administrativa. A proposta de emenda à Constituição (PEC) 32 altera regras para os futuros servidores públicos.

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Apresentada como uma alternativa para a modernização do estado, a PEC acabou desidratando durante a análise em comissão especial e, além de promover algumas mudanças no RH do estado, acabou incorporando alguns benefícios a categorias específicas, como as forças de segurança pública.

O texto ainda será analisado no plenário da Câmara, onde precisa de 308 votos para avançar. Caso isso se concretize, a proposta segue para o Senado. 

Veja os principais pontos que afetam a vida dos futuros servidores

Quem é afetado

A PEC propõe mudanças somente para futuros servidores do Executivo, do Legislativo e para pessoas com mandatos públicos. Não atinge os membros de Judiciário, como juízes e promotores.

Contrato e estabilidade

Como é:

Todos os servidores têm estabilidade.

Como fica:

Todos os servidores concursados manterão a estabilidade, mas há previsão para desligamento por desempenho insuficiente.

Estágio probatório

Como é:

Aprovados em concurso entram no estágio probatório, que dura três anos. Podem ser dispensados nesse período por mau desempenho, mas só acontece com 0,2%.

Como fica:

Em vez de avaliação no fim do período de teste, futuros servidores terão seis avaliações, uma a cada semestre, nos três anos. Caso obtenha um resultado insatisfatório em dois ciclos de avaliação, o servidor pode ser exonerado.

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Demissão

Como é:

O servidor só pode ser demitido em caso de sentença judicial definitiva ou infração disciplinar. A demissão por mau desempenho, prevista na Constituição, nunca foi regulamentada.

Como fica:

PEC mantém a possibilidade de demissão após sentença judicial e em função de resultado insatisfatório na avaliação de desempenho. Nesse caso, o servidor com desempenho insatisfatório em duas avaliações consecutivas ou três intercaladas terá um processo administrativo aberto para análise do desligamento por um colegiado. Foi acrescentada a possibilidade de demissão caso o cargo seja extinto ou considerado desnecessário ou obsoleto.

Redução de jornada

Como é:

Não há previsão de redução para todos os servidores. Há possibilidade de corte de 20% para cargos de confiança.

Como fica:

PEC prevê possibilidade de redução de salário e jornada dos servidores em até 25% em caso de crise econômica. As normas gerais para essa redução serão definidas em lei federal a ser editada.

Vedação de benefícios

Como é:

Existe um conjunto de benefícios que são recebidos pela maioria dos servidores, como progressão e promoção por tempo de serviço, licença prêmio e adicional por tempo de serviço. Um grupo mais restrito tem acesso a outros benefícios, como férias acima de 30 dias e aposentadoria compulsória como forma de punição. Especialistas avaliam que são privilégios.

Como fica:

Futuros servidores não terão acesso a alguns benefícios. Estão na lista dos benefícios extintos a licença prêmio, licença-assiduidade ou outra licença decorrente de tempo de serviço, férias acima de 30 dias pelo período aquisitivo de um ano, adicional por tempo de serviço (como anuênio), aposentadoria compulsória como modalidade de punição, adicional ou indenização por substituição (exceto a substituição interina de cargo em comissão e função de confiança), progressões ou promoções apenas por tempo de serviço, parcelas indenizatórias sem previsão de requisitos e critérios de cálculo definidos em lei.

Essas vedações afetam os seguintes grupos de servidores: ocupantes de cargos eletivos (que enquadra os políticos com mandatos), membros dos Tribunais e Conselhos de Contas, ocupantes de cargos e titulares de empregos ou de funções públicas da administração direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.

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A PEC do retrocesso administrativo: reforma blinda ainda mais a ineficiência

Nova versão do relatório cede a pressões da elite do funcionalismo público sem corrigir erros do projeto do governo. Distorce procedimentos de avaliação e, mais grave, reforça o caminho na direção de um Estado policial

Ana Carla Abrão, Arminio Fraga e Carlos Ari Sundfeld, 19/09/2021

A nova versão do relatório do deputado Artur Maia, apresentada na última quarta-feira à Comissão Especial da Reforma Administrativa, consegue ser pior do que a primeira, já objeto de manifestação nossa (“A Contrarreforma Administrativa”, artigo publicado em 04/09/2021).

O relator cedeu ainda mais às pressões puramente corporativas de associações de servidores públicos. Deixou de corrigir os erros do projeto do governo e contribuiu com novos desvios de sua autoria, constitucionalizando o que deveria eliminar.

E pior: o relatório previu vantagens e proteções cujo único sentido é, distorcendo a Constituição democrática de 1988, reforçar a caminhada em direção a um Estado policial no Brasil. Nosso país precisa reagir enquanto é tempo.

O serviço público brasileiro tem grandes problemas. Há excesso de carreiras, com reservas de mercado injustificáveis. A elite desfruta de privilégios injustos enquanto o restante dos servidores não é devidamente valorizado ou atua em condições inadequadas.

Faltam avaliações de desempenho. A produtividade geral é baixa, assim como a qualidade dos serviços. São raras as demissões de maus servidores. Falta mínima flexibilidade, algo indispensável à gestão de pessoas.

Qual a responsabilidade das atuais normas constitucionais? Em vários casos, nenhuma. Por exemplo: a Constituição, em seu artigo 41, já prevê ser necessário avaliar os servidores. Por que não acontece? As leis de regulamentação até agora não foram feitas. E os governos não mostram interesse em avaliar serviços e servidores.

Nenhuma mudança na Constituição vai resolver essa lacuna. Mas sempre é possível incluir novas exigências para dificultar ou inviabilizar avaliações.

A proposta do relator fez exatamente isso. Equiparou procedimentos de avaliação a processos punitivos, uma completa distorção. E reservou à própria corporação o controle das decisões de dispensa de servidores ineficientes. Ou seja, blindou ainda mais a ineficiência.

Outro instrumento de gestão de pessoas é a contratação temporária, importante em todas as áreas e largamente usada nas administrações modernas. O relatório procura inviabilizá-la. A principal estratégia é reservar a servidores permanentes a execução de extensa lista de “atividades finalísticas”.

Ali é possível identificar um a um os lobbies das elites do serviço público, que circulam com desenvoltura no Congresso Nacional. Mas não é só. O relatório quer impedir contratações temporárias para a “gestão governamental” – na prática, o mesmo que as proibir para qualquer atividade.

O mais grave é a tentativa de mudar a Constituição para fazer do Brasil uma república de policiais. O relatório se esmera em conceder privilégios a grupos ligados à segurança pública.

Cria monopólio de acesso ao cargo de delegado-geral da Polícia Federal, imuniza com foro privilegiado os delegados-gerais das polícias civis dos estados, dá aposentadorias e pensões especiais a policiais e outros agentes de segurança, e assim por diante.

Nada a ver com reforma administrativa. É pura captura do Estado por grupos de servidores armados.

A atual proposta, que se originou no Executivo e já chegou torta, a cada passo mais se afasta do objetivo de melhorar a gestão de pessoas. Se aprovada, fará a própria Constituição se tornar um empecilho às reformas necessárias. O episódio mostra que lobbies corporativos conseguem se sobrepor a todo bom senso e às intenções de avanço.

Os interesses da coletividade se perdem na falta de liderança, de clareza e de compromisso com a agenda de país. A cada PEC que se aprova, a ordem constitucional vai sendo desviada para servir às elites do serviço público.

Precisamos sim avançar o quanto antes na reorganização do Estado. O caminho correto e viável passa por regulamentar por lei o que a Constituição já comanda e caminhar na direção da desconstitucionalização das normas do RH público.

É hora de desarmar o desastre. A PEC 32 é uma bomba-relógio. Não estamos mais discutindo reforma do Estado ou melhoria do RH público. Sua tramitação tem de ser encerrada.


Ana Carla Abrão é economista e sócia da consultoria Oliver Wyman; Arminio Fraga é ex-presidente do Banco Central; e Carlos Ari Sundfeld é professor titular da FGV Direito SP.

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