domingo, 26 de setembro de 2021

Marechal Cândido Rondon

Minissérie 'O hóspede americano', com Chico Diaz e Aidan Quinn, detalha a expedição Rondon-Roosevelt

Produção estreia na HBO Max; para diretor, Bruno Barreto, os dois personagens históricos era 'eram odiados pela esquerda e pela direita'

Talita Duvanel, 26/09/2021, O Globo

O ator americano Aidan Quinn ouviu pela primeira vez o nome do Marechal Cândido Rondon quando morou por seis meses em Belém, em 1989. Na ocasião, gravava o longa “Brincando nos Campos do Senhor”, de Hector Babenco. Soube, por alto, que era um “explorador” importante do Brasil, mas pesquisou pouco. Estava diante de uma floresta pela primeira e tinha um longa complicado para filmar (“Era pra durar três meses, levou seis”, relembra ele).

Teddy Roosevelt, interpretado por Aidan Quinn; Marechal Cândido Rondon, vivido po Chico Diaz Foto: Helena Barreto / Divulgação

Quase 30 anos depois, reencontrou Rondon, agora de forma mais profunda. E não só ele. Também a floresta, não do Pará, mas a do Mato Grosso, onde rodou a minissérie baseada em fatos reais “O hóspede americano”, dirigida por Bruno Barreto, que estreia hoje às 23h na HBO e na  HBO Max. Nos quatro episódios, Aidan Quinn vive o ex-presidente americano Theodore Roosevelt, que esteve no Brasil entre novembro de 1913 e maio de 1914 na Expedição Científica Rondon-Roosevelt. Ele e o coronel Cândido Rondon, vivido pelo ator Chico Diaz, embrenharam-se na região amazônica a fim de mapear o curso do Rio da Dúvida, batizado ao fim da viagem de Rio Roosevelt.

A série é centrada no americano, que esteve no poder entre 1901 e 1909 e foi responsável por leis antitruste e políticas ambientais de conservação, embora tenha retirado terras de povos originários. Mas traz também um capítulo importante da biografia de um emblemático brasileiro na construção do Brasil do início do século XX. Nascido em Mimoso, no Mato Grosso, descendente de europeus e índios, Cândido Mariano da Silva (o sobrenome Rondon veio depois)  formou-se engenheiro militar no Rio e participou ativamente da proclamação da República. No governo militar, integrou a equipe de construção das linhas telegráficas no interior do país e, com o tempo, galgou posições importantes no corpo de engenheiros militares. Sua política de integração não-violenta dos índios tinha o lema de “morrer se preciso for, matar nunca”.

— É muito oportuno falar de Rondon e de Roosevelt agora. Vivemos uma crise mundial de polarização, de falta de complexidade. Quis contar essa história porque os personagens não são binários. Ambos eram odiados (inclusive) pela esquerda e pela direita — diz Bruno Barreto. — Essa história é sobre poder, mortalidade e a mãe natureza. Os dois caras eram muito poderosos. Um deles foi um dos presidentes mais célebres dos Estados Unidos. E Rondon também era muito poderoso. Ele tinha (naquela época) consciência da importância da mídia, tanto que filmava tudo. Aquilo era o equivalente ao Instagram hoje.

Coronel Rondon e a equipe da expedição Foto: Helena Barreto / Divulgação

As imagens capturadas nas expedições militares (conhecidas como “Comissão Rondon”), que duraram do início do século XX até a década de 1930, ajudaram Chico Diaz na pesquisa sobre o personagem. Até onde se sabe, esse material está guardado na Cinemateca e não estava no galpão da Vila Mariana, que pegou fogo no fim de julho.

—Rondon mostrava tudo no cinema. Era um homem da mídia — diz Chico, que também leu o livro “Rondon conta sua vida”, de Ester de Viveiros, já fora de catálogo, durante a preparação.

Tanto Bruno quanto Chico têm vontade de ver a história do brasileiro não como cicerone, mas como estrela principal de sua própria viagem, numa produção com tempo e espaço para que se explore mais camadas do militar. Rondon, além de patrono das armas da Comunicação das Forças Armadas, por todo o  trabalho na integração telegráfica, é quem implementou o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), em 1910, uma espécie de embrião da Funai.

— Merece um filme ou uma série só para ele. Claro que não será vivido por mim, porque o tempo está passando (risos) — diz Chico, que nasceu na Cidade do México, filho de uma brasileira e de um paraguaio. — Há essa latino-americanidade em mim muito forte, da qual eu me orgulho muito. O Rondon é um pouco isso. Ele mostra e prova a fibra e a inteligência do povo latino-americano.

A historiadora Laura Maciel Antunes, autora de “A nação por um fio: caminhos, práticas e imagens da Comissão Rondon”, acha, no entanto, que as homenagens tecidas ao Marechal em ruas, praças, museus e ações culturais, muitas vezes “silenciam alguns aspectos violentos e questionáveis” da atuação dele. Várias pesquisas revisionistas já falam sobre castigos físicos e violência para manter a disciplina da tropa (como é mostrado na série), o trabalho forçado de indígenas, civis e praças nas expedições da chamda “Comissão Rondon”, e as doenças que dizimaram aldeias e acampamentos.

—Tanto Rondon quanto a maioria dos funcionários do SPI eram militares de formação e carreira que julgavam legítimo e desejável estabelecer um controle ou tutela do Estado sobre as populações indígenas. Orientação semelhante guiou Rondon durante as expedições militares - diz Laura.

Ocupar, administrar e controlar territórios e populações, fossem elas indígenas, trabalhadores rurais, posseiros ou ribeirinhos, eram lemas que orientaram essas duas frentes de atuação, sob o comando militar de Rondon.

Teddy

Enquanto Rondon não rouba a cena, ficamos com os detalhes de Theodore Roosevelt, que assumiu a presidência dos EUA em 1901 após a morte de William McKinley. Ele ficou oito anos no poder e enfrentou alguns dos homens mais ricos do país, como JP Morgan, com leis antitruste e desapropriação de terras para transformá-las em parques nacionais. Ao mesmo tempo em que se tornou o primeiro presidente a receber um homem negro na Casa Branca (o intelectual Booker T. Washington), tinha posições racistas contra a população negra do Sul e os indígenas.

Em junho, o Museu de História Natural de Nova York, que patrocinou a viagem de Roosevelt ao Brasil em troca de espécies de nossa fauna e flora, concordou em retirar uma estátua do político que ficava na entrada do prédio. Nela, Teddy está num cavalo e, atrás dele, de um lado um homem negro e, do outro, um indígena. A imagem era tida como um símbolo de colonialismo e racismo.

— Nos EUA, o americano sabe muito sobre o Franklin Delano Roosevelt (parente distante de Theodore e presidente de 1933 a 1945), mas do Theodore não se sabe. Ele foi meio “cancelado”, porque era republicano, gostava de caçar e de arma. Era um cara muito complexo, agressivo realmente. Sofria de uma certa incontinência verbal — diz Bruno, cuja série “O hóspede americano” estreia na HBO dos Estados Unidos amanhã.

O Hóspede Americano | Trailer Oficial | HBO Max

Estreia: série sobre Rondon e Roosevelt éoportuna para resgatar o orgulho perdido




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