2,7 bilhões de pessoas se desesperaram sem ele; mas, para outros 5,1 bilhões, não fez diferença
Ruy Castro, Folha de São Paulo, 06/10/2021
Na segunda (4), dia do apagão do Facebook e derivados, meu telefone fixo não tocou mais que o de sempre. Continuou a tocar pouco. Meu email também não recebeu mais mensagens que o normal. Só o bastante para me manter razoavelmente conectado ao planeta. E ninguém me bateu à porta em desespero por uma xícara de açúcar. Como a maioria de meus amigos e conhecidos sabe que não pertenço a redes sociais nem troco mensagens por WhatsApp e sequer possuo celular, as pessoas não tiveram de se rebaixar àqueles meios primitivos para se comunicar comigo — não mais que o de costume, o que fazem achando graça.
Donde o caos que se instaurou na Terra e infernizou a vida de 2,7 bilhões de pessoas, dizem, não me afetou. Nem a mim nem aos 5,1 bilhões que também não usam esses apetrechos —soube por informações de cocheira que o mundo, naquele dia, tinha 7,8 bilhões e quebrados de habitantes. Eis uma ideia que me reconforta: a de que não estou sozinho no atraso.
Imagino que muitos dos 5,1 bilhões ainda carentes desses dispositivos não tenham escolha. Devem ser pessoas no mais triste patamar da escala, como os refugiados afegãos, os imigrantes haitianos e os brasileiros que brigam por ossos nos lixões. Nessas condições, nem lhes passa pela cabeça possuir um smartphone. No meu caso, é uma opção mesmo, e por bom motivo: tenho medo de ficar dependente.
Já fui dependente de outros produtos e sei como acontece. É algo de que, pelo uso continuado, torna-se fisicamente impossível passar sem, mesmo ante a perspectiva da morte. Talvez a agonia de não se poder ficar cinco minutos sem o Facebook não leve à morte física, mas mata algo também fundamental: a capacidade de exercer a suavontade.
“Ferramentas” hoje cômicas como o telefone, o email e até o torpedo ainda me oferecem toda a comunicação de que preciso. Se Joe Biden quiser falar comigo, terá de ser por uma delas.
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