Nobel de Física se demitiu do Google para falar do perigo da inteligência artificial: o que ele diz?
Britânico Geoffrey Hinton, de 76 anos, foi laureado por seu trabalho pioneiro no desenvolvimento do aprendizado de máquina
Por Roberta Jansen, O Estado, 08/10/2024
... Na década de 1980, Hinton dava aulas de ciência da computação na Universidade Carngie Mellon, na Pennsylvania, nos EUA, mas deixou a instituição e foi para o Canadá. Na época, a maioria das pesquisas em IA nos EUA era financiada pelo Departamento de Defesa e Hinton era contra o uso da tecnologia no campo de batalha. Em 2012, Hinton e dois de seus alunos na Universidade de Toronto, Ilya Sutskever e Alex Krishevsky desenvolveram uma rede neural capaz de analisar milhares de fotos e aprender a identificar determinados objetos nas imagens – trabalho que lhe valeu o Nobel anunciado hoje. Em 2018, Hinton e dois colaboradores receberam o prêmio Turing, frequentemente chamado de Nobel da computação, por seu trabalho em redes neurais...
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Se várias vezes as escolhas do Comitê do Nobel costumam ser classificadas como desconectadas de seu tempo, o anúncio dos laureados com o prêmio de Física deste ano vai em direção oposta, jogando luz em um debate contemporâneo: os potenciais e riscos da inteligência artificial para a humanidade.
O prêmio foi concedido a John Hopfield, de 91 anos, da Universidade de Princeton (EUA), e Geoffrey Hinton, 76 anos, da Universidade de Toronto (Canadá), por seu trabalho pioneiro no campo das redes neurais artificiais e do ‘machine learning’.
Em maio do ano passado, Hinton pediu demissão de um alto cargo no Google e, em entrevista ao jornal americano The New York Times, denunciou o perigo das novas tecnologias em desenvolvimento que ele mesmo ajudou a criar.
Laureado com o Nobel de Física deste ano por seu trabalho pioneiro no desenvolvimento da inteligência artificial, o britânico Geoffrey Hinton alertou para os riscos da nova tecnologia (Chris Young/The Canadian Press via AP, File)
Em 2018, Hinton e outros dois colaboradores de longa data receberam o prêmio Turing, frequentemente chamado de “Nobel da computação”, por seu trabalho em redes neurais.
Em entrevista na manhã desta terça-feira, 8, concedida logo após o anúncio do prêmio, Hinton afirmou que a transformação imposta pela IA nos próximos anos será comparável à da Revolução Industrial, no século 19. “Mas, em vez de superar as pessoas na força física, vai superar as pessoas na força intelectual”, afirmou.
“Não temos experiência de conviver com coisas mais inteligentes do que nós”, disse Hinton na entrevista. “E vai ser maravilhoso em muitos aspectos, vai nos dar um atendimento médico melhor; tornar quase todos os campos mais eficientes. Com um assistente de IA, as pessoas conseguirão executar o mesmo volume de trabalho em muito menos tempo”, acrescentou.
“Isso vai trazer aumentos brutais na produtividade. Mas também temos de nos preocupar com uma série de possíveis consequências ruins, particularmente com a ameaça de que essas coisas saiam do controle”, continuou o pesquisador.
Um jornalista presente lembrou da entrevista de Hinton ao The New York Times, em que ele admitia se arrepender de certos aspectos de seus trabalhos diante dos riscos a médio e longo prazo.
“Há dois tipos de arrependimento”, explicou. “Há o arrependimento que sentimos quando fazemos algo que sabíamos que não deveríamos fazer. E há aquele arrependimento de algo que fazemos em certas circunstâncias e que pode acabar não terminando bem. Meu arrependimento é desse segundo tipo. Nas mesmas circunstâncias, eu faria o mesmo de novo, mas estou preocupado com as consequências, possibilidade de termos sistemas mais inteligentes do que nós e que assumam o controle.”
Em 1972, ainda como estudante de pós-graduação na Universidade de Edimburgo, no Reino Unido, Hinton começou a trabalhar com redes neuronais – sistemas matemáticos que simulam o funcionamento do cérebro e são capazes de aprender a partir da análise de dados. (...)
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Há 50 anos, Ali azarão destronava Foreman em luta icônica do boxemundial
Para biógrafo de Muhammad Ali, não haverá outro duelo como o chamado 'Rumble in the Jungle'
Eduardo Ohata, fsp, 29/10/2024
A mais célebre luta de todos os tempos, a "Rumble in the Jungle" ("Batalha na Selva", em inglês), duelo no qual um então desacreditado Muhammad Ali vira o jogo e recupera o cinturão de campeão mundial dos pesados sobre o invicto nocauteador George Foreman, no Zaire (atual Congo), completa 50 anos nesta quinta-feira (30).
O duelo, tema do documentário contemplado com o Oscar "QuandoÉramos Reis" (1996) e do livro "A Luta", do badalado Norman Mailer, entre inúmeras outras formas de mídia, não corre o menor risco de perder seu posto, segundo o autor e principal biógrafo de Ali, Thomas Hauser.
"Não haverá outro combate como a ‘Batalha na Selva’", analisa com exclusividade à Folha Hauser, autor da premiada biografia "Muhammad Ali, His Life and Times" (Sua Vida e Sua Época). "[The Rumble] é um componente central na construção da lenda de Muhammad Ali quando falamos sobre suas realizações dentro do ringue, trata-se da vitória de maior significado para ele."
Apesar de apontar a relevância e o caráter único da "Rumble in The Jungle", Hauser faz uma ressalva: Em sua visão, dentro do ringue, existiram combates nos quais Ali mostrou mais qualidades atléticas ou que foram mais parelhas e emocionantes para o público; essa tampouco foi a luta de maior impacto histórico envolvendo ou não Ali.
"O auge de Ali como lutador foi quando era mais jovem [contra Cleveland Wiliams, em 1966, ao expor todo sua condição atlética e reflexos], e o duelo mais dramático, emocionante, do qual participou foi o último da trilogia com Joe Frazier [em 1975, após o qual Ali afirmou que foi "o mais próximo que chegara da morte"]", explica Hauser.
"Houve lutas mais relevantes no impacto histórico, como Jack Johnson x James Jim Jeffries; Joe Louis x Max Schmeling 2; ou mesmo Ali x Joe Frazeir 1", prossegue Hauser, que além de autor, foi colunista de uma das principais publicações norte-americanas de pugilismo durante os anos 2000, a "International Boxing Digest".
Johnson, o primeiro campeão dos pesados negro defendia o cinturão contra Jeffries, a "grande esperança branca", campeão de enorme prestígio, que retornava invicto da aposentadoria por clamor popular para tentar derrotá-lo.
Na revanche com Schmeling, o americano Louis nocauteou seu antigo algoz, alemão chamado por muitos no período da Segunda Guerra Mundial como "campeão de Hitler". No primeiro de seus três duelos, o islâmico Ali, crítico da Guerra do Vietnã e do racismo, duelou com Frazier, dono do cinturão mundial e que, segundo seu predecessor, representava o sistema.
A "Rumble in the Jungle" foi a plataforma para Ali, já um dos grandes campeões da história, provavelmente o mais carismático, demonstrar sua genialidade, impressionar quem não era seu fã, ser elevado à condição de lenda, transcender o esporte e se tornar parte da cultura pop.
Ao desembarcar no Zaire, Ali era o grande azarão. Afinal, Foreman havia destruído, de forma rápida e brutal, os dois únicos adversários a terem vencido Ali no boxe profissional.
Foreman impôs seis quedas para vencer Frazier em dois assaltos e pulverizou Ken Norton, também no segundo assalto. Enquanto isso, a aura de Ali havia sofrido golpe por conta das derrotas para essa dupla. O consenso era de que Ali não era o mesmo atleticamente. Houve quem afirmasse temer pela integridade física e pela vida de Ali.
O que se testemunhou foi genialidade pura em ação. Ali soube que não poderia trocar golpes com Foreman, e tampouco tinha mais "pernas" naquele ponto da carreira para "dançar" à sua frente durante 15 assaltos. Criou e utilizou então a tática do "rope-a-dope", na qual ficava parado, encostado às cordas, esquivando-se das "bombas" de Foreman, enquanto, no processo, o campeão mundial se desgastava e o seu psicológico pouco a pouco derretia.
Para acelerar o desgaste, Ali falava para Foreman que ele não tinha pegada, que errava golpes, que sua situação ficaria ainda pior quando começasse a bailar pelo ringue. Foreman finalmente foi nocauteado no oitavo assalto, por golpes de Ali, mas também pela exaustão física e mental.
Após a luta, um jubilante Ali deu uma bronca geral por não acreditarem em suas chances e terem feito dele o azarão.
"Eu avisei a vocês, todos meus críticos, que era o maior de todos os tempos quando venci Sonny Liston [por seu primeiro título mundial, em 1965], e eu avisei hoje que não havia deixado de ser o maior de todos os tempos", criticou. "Jamais digam novamente que serei derrotado, jamais façam de mim o azarão até que eu esteja com 50 anos, então, talvez, pode ser que vocês estejam corretos."
Tampouco prejudicou o caráter icônico da "Rumble in the Jungle" o fato de Foreman se aposentar poucos anos depois, tornar-se pastor, empresário, ficar conhecido por uma geração por causa do grill que levava seu nome, retornar dez anos depois, amado pelo público e, 20 anos após a derrota para Ali, recuperar seu cinturão e se tornar o mais velho campeão da categoria aos 45 anos.
De 1974 para cá, o boxe produziu campeões dos pesados fenomenais, como Mike Tyson, Evander Holyfield, Lennox Lewis, os irmãos Vitali e Wladimir Klitschko, Tyson Fury etc. Mas nenhuma de suas lutas atingiu o status da "Rumble in the Jungle". E, segundo Hauser, nem eles e nenhum futuro campeão pesado produzirá um combate que a superará.
"Porque nenhum deles é Muhammad Ali", justifica Hauser.
Ao ser questionado se a percepção do combate sofrerá mudanças nas próximas décadas, Hauser diz que sim. "Perdeu-se aquilo que Ali-Foreman representa em termos sociais porque, embora saibam que Ali se sacrificou por seus princípios, as pessoas não entendem quais eram esses princípios", argumenta Hauser. "Certamente a mensagem de Ali era de tolerância, e não de divisão."
George Foreman vs Muhammad Ali - Oct. 30, 1974 - Entire fight - Rounds 1
- 8 & Interview
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Discreto herói da seleção do tri, Everaldo é estrela do Grêmio 50 anos após morte
Acidente de carro há cinco décadas matou o lateral esquerdo, figura tática importante do time campeão mundial em 1970
Marcos Guedes, fsp, 26/10/2024
É, de longe, o lance mais emblemático da história do futebol brasileiro. Após uma série de plásticas fintas no campo de defesa executadas por Clodoaldo, Rivellino lança Jairzinho na ponta esquerda. A bola é passada a Pelé, que, a dois passos da meia-lua, vira levemente a cabeça para perceber a chegada de Carlos Alberto, pela direita, para fechar o placar da final da Copa do Mundo de 1970: Brasil 4 x 1 Itália.
Poucos lembram que a jogada começou com um carrinho de Everaldo para recuperar a bola –com enorme ajuda de Tostão, que fez a pressão inicial e controlou a posse após o bote certeiro do lateral esquerdo. Ou que ele participou, com passes simples, do segundo gol, de Gerson, e do terceiro, de Jairzinho.
Everaldo teve papel importante na conquista do tri - Acervo - 7.jun.70/AFP
Se os lances do Brasil de 1970 eram recorrentemente iniciados com uma ação descomplicada do gaúcho, também os textos a seu respeito têm uma fórmula batida. Apontam-no como o herói discreto do time que é aclamado como o maior da história, com Pelé, Gerson, Tostão, Jairzinho, Rivellino, Carlos Alberto, Clodoaldo… Mesmo a dupla de zaga, formada pelos viris Brito e Piazza, é recordada com maior frequência, pelo arranjo tático do técnico Zagallo, que recuou o volante Piazza para a defesa.
Everaldo, em geral, é citado com algum adjetivo na linha semântica do esquecido, do quase anônimo. Mesmo quando partiu, em 27 de outubro de 1974, há 50 anos, apenas quatro após a conquista do tri no México, o noticiário foi relativamente frio, com detalhes sobre o acidente automobilístico ao qual não resistiu–também morreram sua mulher, Cleci, uma de suas filhas, Deise, e sua irmã,Romilda; outra filha, Denise, então com seis anos, sobreviveu.
"O Dodge Dart aproximava-se velozmente de Porto Alegre. Vinha a uns 140 km por hora pela BR-290 e já tinha atingido o município de Guaíba; estava a apenas 45 km de seu destino. O caminhão Mercedes-Benz, uma enorme jamanta, tinha acabado de ser abastecido de óleo Diesel, num posto. E seu motorista, certamente com pressa de voltar para casa, reapareceu de repente na pista da BR-290, sem fazer a devida sinalização", relatou a Folha, em sua edição de 29 de outubro. "Houve o choque, ao mesmo tempo inevitável e espetacular."
Surgiram diferentes versões sobre a colisão, que envolveu a imprudência de ao menos um dos motoristas, provavelmente dos dois, em uma época no qual o uso do cinto de segurança era raro. O certo é que ele interrompeu a trajetória de Everaldo, àquela altura já mais política do que esportiva.
Quando bateu o carro na BR-290, o porto-alegrense voltava de Cachoeira do Sul, onde participara de um jogo festivo –no dia do acidente, o Grêmio enfrentou o Caxias, pelo Campeonato Gaúcho, e ele não foi convocado nem para o banco de reservas. No interior, esteve em comícios e deu sequência à sua campanha para deputado estadual pela Arena (Aliança Renovadora Nacional), o partido da ditadura militar.
"Ultimamente, Everaldo era muito mais um político do que um jogador de futebol", observou a Folha, no texto "A morte de um dos nossos tricampeões".
Essa vida pública foi catapultada pelo reconhecimento obtido na Copa de 1970. Antes mesmo do tri, às vésperas do embarque para o México, os jogadores da seleção tiveram encontro com o presidente da República, o gaúcho e gremista Emílio Garrastazu Médici, no Palácio Guanabara. Segundo Roberto Sander, autor de "1970 – Enquanto o Brasil Conquistava o Tri", o lateral "recebeu atenção especial", afinal era o único representante do Rio Grande do Sul em um elenco que, exceção feita a ele, só tinha atletas de clubes paulistas, cariocas e mineiros.
Everaldo não embarcou como titular. O dono da posição era o habilidoso e jovem Marco Antônio, do Fluminense, de apenas 19 anos, mas havia duas questões. O garoto era um lateral ofensivo em um time com setecentos camisas 10, no qual provavelmente faria mais sentido –e fez– um jogador que priorizasse a marcação, não o apoio ao ataque. E era isso, um garoto, que dava sinais de não estar mentalmente pronto para uma Copa do Mundo.
De acordo com relato de Tostão, o adolescente "passou a semana toda queixando-se de dores nas pernas" e dizia apenas que "talvez pudesse jogar" a partida de estreia, contra a Tchecoslováquia. "O médico Lídio Toledo percebeu, os jogadores também, o medo do lateral, e foi escalado o saudoso Everaldo: jogador aplicado, marcador, gaúcho macho", contou o centroavante de 1970 no livro "Tostão – Lembranças, Opiniões, Reflexões sobre Futebol".
Estava aberto o caminho para o lateral do Grêmio, titular em cinco das seis partidas da campanha e peça importante na engrenagem armada por Zagallo. Sua função, ao lado de uma porção de atletas capazes de fazer o muito difícil, era fazer o fácil.
"Era do tipo firme, que desarmava, passava e fazia um jogo competente. Sem grandes brilhos, mas extremamente eficiente. Ele jogou todos os jogos com a mesma intensidade, do mesmo jeito. Não teve um momento em que se destacou demais, nem de menos", recordou Tostão, hoje colunista da Folha, à reportagem.
"Acho que o jeito dele fora de campo tinha a ver com o jeito dele de jogar: uma pessoa muito compenetrada, muito segura, muito prática, de pouca conversa, sempre firme, com seriedade. Foi importante para a seleção, ainda mais que o outro lateral, o Carlos Alberto, apoiava muito o ataque. Então, o ajuste aconteceu naturalmente", acrescentou.
Ainda que sem o destaque dos craques da seleção, Everaldo teve reconhecimento por seu trabalho no tri, especialmente no Rio Grande do Sul. Um dos agrados que recebeu foi um carro, oferecido por uma concessionária, um Dodge Dart destruído há 50 anos. Outro foi a inclusão de uma estrela dourada na bandeira do Grêmio, homenagem ao primeiro jogador campeão do mundo como representante de um clube gaúcho.
Everaldo, a estrela dourada em nossa bandeira l GrêmioTV
Consolidado como um atleta importante e reconhecido como um marcador leal, recebeu em junho de 1972 o Prêmio Belfort Duarte, entregue pelo Conselho Nacional de Desportos a jogadores sem expulsão em dez anos, com ao menos 200 partidas. Então, três meses depois, irritado com a marcação de um pênalti para o Cruzeiro, deu um soco na cara do árbitro José Faville Neto –nem esperou o cartão vermelho; apenas caminhou até o vestiário.
Foi, na prática, o seu último ato como jogador. Suspenso por um ano, encontrou no retorno a lateral esquerda do Grêmio dominada por Jorge Tabajara. Então, deu-se por satisfeito e começou a perseguir uma carreira política.
Já na volta do México, ele agradecera efusivamente a Médici pela lei que reservava parcela do dinheiro da loteria federal aos tricampeões. "O que vai me dar a vida mais regular será esse prêmio do presidente, ou seja, os 9% da loteria até a minha morte", disse, em entrevista à Rádio Guaíba. "E eu acho que até a minha morte tem bastante tempo ainda."
Não tinha.
Ficaram as memórias, como as da filha Denise, hoje com 56 anos, sempre saudosa do pai sambista, fã de Lupicínio Rodrigues. Ficou a estrela na bandeira do Grêmio, time ao qual Everaldo chegou menino, aos 13 anos, e pelo qual foi tricampeão gaúcho, em 1966, 1967 e 1968. E ficou a marca no maior time de futebol da história.
"Ontem o moço exagerou", relatou a Folha no dia seguinte ao 4 a 1 sobre a Itália. "Reuniu tudo aquilo que conhece de futebol e fez uma exibição particular, sem esquecer um momento a equipe. Duro como aço, leal como poucos, sério e conciso na hora crítica, enfeitou seu jogo com discretas filigranas."
Discretas filigranas. Até as filigranas de Everaldo eram discretas.
"Everaldo. Everaldíssimo."
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Vladimir Carvalho
Morre Vladimir Carvalho (1935 - 2024), documentarista do cinema novo,aos 89 anos
Cineasta de filmes como 'O País de São Saruê', sobre a seca na Paraíba, também trabalhou com Eduardo Coutinho
fsp, 24/10/2024
Vladimir Carvalho, um dos mais importantes documentaristas brasileiros, morreu na manhã desta quinta-feira, aos 89 anos. O cineasta sofreu um infarto em Brasília, foi internado quando seus rins pararam de funcionar e foi submetido a hemodiálise, mas não resistiu. A informação foi confirmada pela família do cineasta.
Um dos maiores nomes do cinema brasileiro, Carvalho produziu mais de dez documentários sobre política e história nacionais em mais de 50 anos de carreira. Dirigiu obras como "Romeiros da Guia", de 1962, "O País de São Saruê", de 1971 — seu trabalho mais célebre, sobre as secas constantes na região de Rio do Peixe, na Paraíba —, "Barra 68: Sem Perder a Ternura", de 2001, "Rock Brasília: Era de Ouro", de 2011, e também foi assistente de direção em "Cabra Marcado para Morrer", de Eduardo Coutinho.
Irmão mais velho do também cineasta e fotógrafo Walter Carvalho, o cineasta nasceu em Itabaiana, na Paraíba, em 1935. Em 1959 começou a trabalhar como crítico em um programa de rádio, "Luzes do Cinema" e, neste mesmo ano, Linduarte Noronha o convida para escrever o roteiro de "Aruanda", do qual também seria assistente de direção, com João Ramiro Mello, em 1960.
"Aruanda" se tornou um marco no cinema brasileiro ao retratar a população de uma área remanescente de quilombo na Paraíba, tema que Noronha já abordara antes, numa reportagem jornalística.
Cena do filme "Couro de gato" episódio de "Cinco vezes favela" ((1961) de Cacá Diegues (Escola de samba Alegria de Viver), Joaquim Pedro de Andrade (Couro de gato), Leon Hirzman (Pedreira de São Diogo), Marcos Farias (Um favelado) e Miguel Borges (Zé da cachorra) - Divulgação
Carvalho conheceu Glauber Rocha na Universidade da Bahia, em Salvador, e participou da vertente de documentários do movimento do cinema novo. Produziu seu primeiro filme em 1962, o curta-metragem "Os Romeiros da Guia", feito com João Ramiro.
Foi convidado por Eduardo Coutinho para ser assistente em "Cabra Marcado para Morrer", mas as filmagens foram interrompidas com o golpe militar de abril de 1964. Quando o Exército passou a perseguir a equipe do filme, que só seria retomado e finalizado 20 anos depois, Vladimir providenciou às pressas um abrigo para Elizabeth Teixeira, viúva de João Pedro Teixeira, o "cabra marcado".
Em seguida, se refugiou em Campina Grande, na Paraíba, e de lá seguiu para o Rio de Janeiro, camuflado na fictícia identidade de José Pereira dos Santos. Instalado no Rio, Vladimir retomou o trabalho em cinema. Foi ser assistente de Arnaldo Jabor em "Opinião Pública" e viveu na cidade até o fim da década de 1960, quando a trocou por Brasília, onde morava.
Em 1967, o fotógrafo Fernando Duarte lhe convida para realizar o projeto do núcleo de produção de documentários do Centro-Oeste na Universidade de Brasília, onde passou a lecionar.
Quando decidiu filmar o curta "Incelência para um Trem de Ferro", de 1972, Vladimir chamou Walter para ser seu fotógrafo. Sem experiência no cinema e temeroso de errar, Walter titubeou. Vladimir buscou tranquilizá-lo: "Você é meu irmão. Se der errado, não conto a ninguém". Deu tão certo que Walter recebeu um prêmio pelo trabalho e nunca mais se afastou do cinema.
"Muito difícil falar do Vladimir", diz o irmão, WalterCarvalho. "Meu irmão era 12 anos mais velho, eu era muito garoto quando ele me aplicou o cinema. E me ensinou tudo o que eu sei."
Vladimir criou também a Fundação Cinememória, que abriga todo seu acervo –que conta com 23 títulos de documentários, mais de 5.000 livros, equipamentos de projeção cinematográfica, fotos, roteiros, materiais audiovisuais em diversos formatos, entre outros – e fundou a Associação Brasileira de Documentaristas em 1994.
O velório de Vladimir será no Cine Brasília, sala tradicional e sede do festival de cinema da cidade, a partir das 9h30, com sepultamento agendado para as 14h. Ele deixa a esposa, Maria do Socorro.
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Aposentou, morreu
Almoço das Aposentadas e dos Aposentados da Adufes promove reencontros entre colegas com música e palestra sobre aposentadoria.
A Adufes realizou nesta quarta-feira, 2 de outubro, o Almoço das Aposentadas e dos Aposentados, na sede do Sindicato. Dezenas de filiadas e filiados estiveram presentes no evento que se transformou em uma grande confraternização na qual a categoria pode reencontrar as/os colegas de trabalho.
Antes do almoço, foi realizada a palestra “A corrosão da aposentadoria no contexto da contrarreforma da previdência e as lutas atuais”, com a professora Maria Lúcia Lopes, da Universidade de Brasília (UnB), que também é diretora do Andes-SN, com participação aberta para toda a categoria.
Comentário sobre
Para além de almoços, festas e assistência jurídica
Excelente a palestra da professora Maria Lucia Lopes da Silva, 3ª Vice-presidente do Andes SN. Gostei e aprendi muito sobre o tema. Não houve a cobertura da comunicação / jornalismo do sindicato; a fala da Maria Lúcia deveria ser gravada e publicada no canal do iutube da Adufes. Seria um belo registro e percebi que havia ninguém da diretoria durante esta fala. O assunto não envolve só aposentados e aposentadas. Envolve docentes em exercício. Maria Lúcia detonou o Funpresp. Me parece que aposentadas e aposentados (de 30 a 40% dos sindicalizados-as), para esta diretoria, estão mortos. Coitada, ela não sabe que os mortos não morrem.
Um artigo da palestrante
"Contrarreforma da Previdência Social sob o comando do capitalfinanceiro" de Maria Lucia Lopes da
Silva
Alguns livros da palestrante
Previdência social no Brasil: (des) estruturação do trabalho e condições para sua universalização, Maria Lucia Lopes da Silva, 2012, Cortez Editora
Trabalho e população em situação de rua no Brasil, Maria Lucia Lopes da Silva, 2009, Cortez Editora
A Contrarreforma da Previdência Social no Brasil: uma Análise Marxista, Maria Lucia Lopes da Silva, 2021, Papel Social
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Antônio Cicero
Minha vida se tornou insuportável, diz Antonio Cicero em carta de despedida; leia
Morto nesta quarta (23), poeta fez um procedimento de morte assistida na Suíça, onde a prática é legalizada; imortal da ABL, ele é irmão e parceiro musical da cantora Marina Lima
Cleo Guimarães, fsp, 23/10/2024
Morto nesta quarta-feira (23) aos 79 anos, o escritor carioca Antonio Cicero escreveu uma carta de despedida que, a seu pedido, foi distribuída a amigos pelo seu marido, o figurinista Marcelo Pies. Antes de enviá-la, Pies mandou outra mensagem, em que anunciava as circunstâncias da morte do companheiro:
"Queridos amigos, venho com muita tristeza avisar que nosso amado Cicero acaba de falecer, hoje 23 de outubro de 2024, aos 79 anos. Estamos em Zurich na Suíça e viemos à associação Dignitas para o procedimento de eutanásia/suicídio assistido. Já faz um tempo que ele vinha planejando isso junto a eles, mandando documentos, etc. Ele insistiu muito que ninguém soubesse. Também fez questão de ser cremado. Fomos a Paris por uns dias nos despedir da cidade que ele tanto admirava."
Pies, criador do fardão trajado por Antonio Cicero em sua posse na Academia Brasileira de Letras, em 2017 (ele também assina os de Fernanda Montenegro e Gilberto Gil), repassou a carta em que o poeta se despede dos amigos. Leia a íntegra:
"Queridos amigos, Encontro-me na Suíça, prestes a praticar eutanásia. O que ocorre é que minha vida se tornou insuportável. Estou sofrendo de Alzheimer. Assim, não me lembro sequer de algumas coisas que ocorreram não apenas no passado remoto, mas mesmo de coisas que ocorreram ontem. Exceto os amigos mais íntimos, como vocês, não mais reconheço muitas pessoas que encontro na rua e com as quais já convivi. Não consigo mais escrever bons poemas nem bons ensaios de filosofia. Não consigo me concentrar nem mesmo para ler, que era a coisa de que eu mais gostava no mundo. Apesar de tudo isso, ainda estou lúcido bastante para reconhecer minha terrível situação. A convivência com vocês, meus amigos, era uma das coisas – senão a coisa – mais importante da minha vida. Hoje, do jeito em que me encontro, fico até com vergonha de reencontrá-los. Pois bem, como sou ateu desde a adolescência, tenho consciência de que quem decide se minha vida vale a pena ou não sou eu mesmo. Espero ter vivido com dignidade e espero morrer com dignidade. Eu os amo muito e lhes envio muitos beijos e abraços!"
'Guardar', de Antonio Cicero: conheça poesia do imortal da ABL
Guardar
Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la. Em cofre não
se guarda coisa alguma. Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto
é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por ela, isto é,
velar por ela, isto é, estar acordado por ela, isto é, estar por ela
ou ser por ela.
Por isso melhor se guarda o voo de um pássaro
Do que pássaros sem voos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica, por isso se
declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.
ANTONIO CICERO declama "Guardar"
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O que é poesia?; leia texto de Antonio Cicero publicado na Folha em 2010
(...)
O que é poesia?
O POETA Edson Cruz perguntou "O que é poesia?" a diversos poetas. 45 responderam. Cada um deu uma resposta diferente, embora não necessariamente incompatível com as dadas por cada um dos demais. A pergunta era na verdade um pretexto para pensar sobre a poesia. O resultado se transformou num livro.
Eu mesmo participei do livro e recentemente, ao reler o que lá dissera, lembrei-me que já havia respondido a essa pergunta de outros modos. Por exemplo, supondo que a poesia é aquilo que faz de um poema um poema, escrevi uma vez que ela consiste no grau de escritura de um texto. A ideia é que um poema (bem) realizado é um texto dotado de um altíssimo grau de escritura.
Isso supõe que alguns escritos são mais escritos do que outros. Digo isso tendo em vista algumas das mais importantes características do discurso escrito, em oposição ao oral. Abstraindo dos modernos meios de gravação de voz, considero evidentes as seguintes três proposições:
1. Enquanto o discurso oral é efêmero, o discurso escrito tem uma permanência indefinida;
2. enquanto o discurso oral é fluido e aberto, isto é, está sempre em movimento, como a vida, e sujeito a mudar a todo instante, o discurso escrito é fixo e fechado, e não é sujeito a mudança;
3. enquanto o discurso oral se realiza ou se concretiza plenamente quando falado, o discurso escrito se realiza ou se concretiza plenamente quando lido.
Pois bem, embora todo discurso tenha uma permanência indefinida, não a tem na mesma medida. A permanência de um rascunho, por exemplo, ou de um bilhetinho, ou de um torpedo, ou de uma mensagem de celular, ou de um memorando não costuma ser muito grande. É assim quase tudo o que se escreve e não se publica.
Mas é também assim quase tudo o que se publica. Os jornais são guardados nas bibliotecas e nos arquivos, mas quem os lê senão, de tempos em tempos, um historiador? Um texto que não é lido não se concretiza plenamente. Ora, esse é o destino não só dos periódicos, mas, de modo mais inexorável ainda, de 99,9% dos livros. Assim, no que diz respeito à primeira característica do discurso escrito, que é a da permanência, entra em jogo a sua terceira característica, que é a de se concretizar ao ser lido. A mera permanência física de um livro está longe de significar a permanência plena ou concreta do seu texto.
Já a qualidade de ser fixo e fechado parece, à primeira vista, ser compartilhada igualmente por todos os textos, enquanto duram. Na verdade, porém, não é bem assim. Posso, por exemplo, considerar os rascunhos de um poema meu como as transformações pelas quais ele passou antes de ficar pronto.
Se eu fotografasse cada uma dessas transformações, fizesse slides dos fotogramas, colasse uns nos outros como numa fita de cinema e pusesse essa fita num projetor, creio que veria o poema a se mexer como se fosse um desenho animado. Ele pareceria, então, fluido como uma fala; e, caso se tratasse de um poema ainda não terminado, de modo que eu continuasse a adicionar fotogramas a essa fita, ele pareceria também aberto como uma fala.
Os textos que dizem coisas de caráter prático ou mesmo cognitivo, tais como os textos técnicos e científicos, são mais ou menos assim, abertos e fluidos, pois, caso contrário, o que dizem acaba por deixar de ser verdadeiro, de modo que eles se tornam obsoletos e deixam de ser lidos, isto é, deixam de se concretizar. Assim também enciclopédias ou dicionários mantêm-se vivos porque são atualizados por novas edições.
Os textos que não estão sujeitos a esse tipo de descartabilidade são aqueles cujo valor -atenção: neste ponto, não há como não empregar juízos de valor- não depende de serem verdadeiros ou falsos. Assim são os textos literários que, valendo por si, pertencem antes à ordem dos monumentos do que à dos documentos. É assim que as Musas de Hesíodo se orgulham de saber "dizer muitas mentiras parecidas com a verdade".
Pois bem, dentre os textos literários, que valem por si e são os mais escritos dos escritos, os mais escritos de todos são os poemas. Por quê? Porque consistem em formas puras. No limite, não há, neles, diferença entre o que dizem e o modo como o dizem. Como não se pode, num poema, separar o significado do significante, a rigor não se pode dizer em outras palavras o seu significado. É por isso que, no que diz respeito a um poema, parece-me em geral menos apropriado falar de "tradução" do que, como dizia Haroldo de Campos, de "transcriação".
Pela última vez, Ruy Castro 30/10/2024
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Marina Lima - Não Sei Dançar (Acústico MTV) 2003
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Aziz Ab’Sáber 100 e o plantador de floresta
Homenagem marca o centenário de nascimento do geógrafo Aziz AbSáber
Seu trabalho foi fundamental para a compreensão e preservação dos ecossistemas brasileiros
Reinaldo José Lopes, fsp, 24/10/2024
Uma mesa-redonda aberta ao público e o lançamento de um livro, ambos organizados pela SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), devem marcar o centenário de nascimento do geógrafo Aziz Ab’Sáber (1924-2012), cujo trabalho, ao longo do século 20, foi fundamental para a compreensão e preservação dos ecossistemas brasileiros.
Filho de um mascate (vendedor itinerante) libanês e nascido em São Luiz do Paraitinga (SP), no Vale do Paraíba, Ab’Sáber começou a cursar geografia e história na USP aos 17 anos de idade, enquanto também trabalhava como jardineiro na universidade. Fez seu doutorado na mesma universidade e para lá retornou como professor depois de dar aulas no ensino básico e na PUC-SP.
A especialidade do pesquisador paulista era a geografia física, dando especial atenção às interações entre o relevo, o clima e os ambientes naturais das diferentes regiões brasileiras. Com isso, tornou-se um dos responsáveis pela classificação de grandes biomas (mata atlântica, cerrado, amazônia etc.) adotada pelas gerações seguintes de professores e estudantes brasileiros.
Ao lado do zoólogo Paulo Vanzolini (1924-2013), seu colega de universidade, o geógrafo formulou a chamada teoria dos refúgios como ferramenta para tentar explicar a biodiversidade amazônica, em especial no que diz respeito às áreas de endemismos (com espécies de distribuição localizada, que só ocorrem em determinados trechos da mata).
A ideia é que essas zonas de endemismo teriam surgido principalmente durante o Pleistoceno ou Era do Gelo (entre 2,6 milhões de anos e 11 mil anos atrás), fase da história da Terra marcada pela instabilidade climática e por fases de frio intenso.
No caso amazônico, um planeta mais frio teria significado menos chuva, com uma contração das zonas de floresta densa e úmida e a expansão das áreas de vegetação aberta, semelhantes ao cerrado. A mata fechada teria ficado subdivida em diversas "ilhas", cujos animais e plantas passaram a ter trajetórias evolutivas isoladas e, assim, deram origem a espécies diferentes.
A ideia ajudou a definir áreas prioritárias para a conservação de espécies no país, tema a respeito do qual Ab’Sáber também teve atuação de ativista, criticando flexibilizações que tornaram mais permissivo o Código Florestal (legislação que impõe limites ao desmatamento no Brasil).
A SBPC homenageia o geógrafo nesta quinta (24) com uma mesa-redonda no Salão Nobre do Centro MariAntonia, da USP, na capital, a partir das 14h. O evento será aberto pelo filósofo Renato Janine Ribeiro, presidente da SBPC, e terá participação de Francisco de Assis Mendonça, professor da UFPR, Helena Nader, presidente da Academia Brasileira de Ciências, Aldo Malavasi, professor aposentado do Departamento de Genética da USP, Roseli de Deus Lopes, professora da Escola Politécnica da Universidade , e de Tales Ab’Sáber, professor da Unifesp e filho do homenageado.
Também será lançado o livro "Leituras Indispensáveis 4:
Contribuições do Prof. Aziz Nacib Ab’Sáber", obra organizada por Mendonça.
O evento será transmitido pelo canal da SBPC
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O plantador de florestas que sonha restaurar a Amazônia
Fundador da Belterra, que planta agroflorestas em áreas degradadas, Valmir Ortega é finalista do Prêmio Empreendedor Social 2024 na categoria Inovadores Sociais do Ano
Eliane Trindade, fsp, 23/10/2024
É no entorno da baía de Camamu, com suas belas praias e cachoeiras, que o mato-grossense Valmir Ortega, 56, plantou as raízes da Belterra Agroflorestas.
Escolha que não tem a ver com as belezas naturais que fazem a fama da região, com destinos como Boipeba, Morro de São Paulo e Maraú.
O geógrafo que virou gestor público, ativista ambiental e empreendedor social chegou em busca do lado B do município: a outrora pujante cultura cacaueira, que entra em declínio definitivo com a praga da vassoura de bruxa.
"A Bahia ainda é o berço do cacau", diz Ortega, ao visitar novas plantações em parceria com pequenos e médios produtores locais. Só que agora os cacaueiros florescem à sobra de bananeiras e de açaí, em sistemas agroflorestais (SAFs) implantados pela Belterra.
"Estamos em uma paisagem que tem alto potencial de restauração", diz ele, referindo-se a uma área de Mata Atlântica que recebe enorme pressão de degradação desde 1500. Na reocupação do século 21, a missão dos forasteiros é reconectar fragmentos de florestas e recompor a paisagem local, unindo sustentabilidade e retorno econômico para os agricultores.
Com tal visão, Ortega se tornou um plantador de florestas em 7 estados. Fundou em 2020 a startup dedicada à restauração de terras degradadas em biomas ameaçados como Amazônia, Mata Atlântica e Cerrado.
Criou um modelo de negócio baseado em parceria rural (arrendamentos de 10 a 20 anos, em vários formatos) para garantir uma transição sustentável do uso da terra, oferecendo assistência técnica, acesso a capital e ao mercado, a partir de estruturação de cadeias de diversos produtos.
Uma solução com potencial de escala diante do desafio de restaurar 80 milhões de hectares que já foram desmatados ou viraram pasto na Amazônia.
"Precisamos competir com a pecuária, com a soja, oferecendo alternativas mais relevantes que a monocultura e o boi, ao criar modelos econômicos capazes de gerar renda com a biodiversidade e restaurar milhões de hectares" Valmir Ortega
Fundador da Belterra Agroflorestas
A Belterra nasce de uma consultoria para o Fundo Vale em 2019, ao testar o modelo em mil hectares da mineradora no Pará. O CNPJ seria criado um ano depois. Em seguida, vêm as parcerias com gigantes como Cargill e Amazon. A região de Carajás (PA) é onde hoje se espalham os maiores projetos da empresa.
O Pará foi casa de Ortega por quatro anos, quando ele ocupou o cargo de Secretário Estadual do Meio Ambiente, no governo Ana Júlia Carepa (PT), entre 2006 e 2010. "Eu nunca tinha visto a governadora antes, mas ela queria alguém de fora, que não tinha ligação com os conflitos do Estado e a política local."
Na época do convite, Ortega era diretor do Ibama em Brasília, no final do primeiro governo Lula. "Parte da área que eu dirigia se transformou no ICMBio", orgulha-se.
O novo secretário levava na bagagem anos de experiência no setor público, com passagem pelo gabinete da ministra Marina Silva. Ortega coordenou programas para preservação do Pantanal e participou da criação do CAR (Cadastro Ambiental Rural).
Nas últimas duas décadas, o neto de imigrantes espanhóis que se estabeleceram na região de Itaporã, atual Mato Grosso do Sul, tornou-se figura onipresente na formulação e implantação de um conjunto de políticas públicas e de programas governamentais na área ambiental.
Como diretor de Ecossistemas no Ibama, atuou na gestão do sistema de unidades de conservação federal. "Só na Amazônia, naqueles quatro anos, foram criadas 30 milhões de hectares em áreas protegidas."
A soma chega a 60 milhões de hectares, estima Ortega, ao calcular também o esforço dos estados. "Foi fantástico participar desse processo que resultou em mais de uma Alemanha em área protegida."
Ele se define como progressista, capaz de atuar em parceria com fazendeiros bolsonaristas. "Venho de uma trajetória de militância social de esquerda, mas dialogo sem preconceitos, criando pontes para fazer transformações", diz. "Independentemente da posição ideológica, o agricultor vai participar se entender que estamos oferecendo uma oportunidade econômica."
Jogo de cintura de quem assumiu de vez o cartão de visitas de "CEO de startup". "Fui todas as extensões da internet: gov, ong, edu", brinca ele, casado com Daniela Canisso, 46, advogada que atua na área de direitos humanos.
"Valmir vai da Faria Lima à roça. Tem a mente voltada para o mundo e o coração na terra", define ela. O casal tem dois filhos: a psicóloga Gabriela, 24, e Gustavo, 14, além de compartilhar o sonho de plantar florestas. "Escutamos muito que não ia dar certo, mas trabalhamos duro para provar ser possível."
É de Curitiba que Ortega pilota a Belterra, nome inspirado na localidade que abrigou o projeto fracassado de uma Fordlândia em plena Amazônia. "Belterra é uma lembrança do que não é para se fazer. Temos que respeitar a cultura local e desenvolver modelos de negócios adequados, pois a força da floresta é maior do que tudo. Se não formos capazes de trabalhar essa força a nosso favor, seremos sempre derrotados."
A vitória almejada pelo ex-ourives que bancou os estudos burilando joias é semear florestas produtivas. "Nos desafiamos a pensar larga escala para chegar a milhões de hectares no futuro."
BELTERRA EM NÚMEROS
Parceiras em curso para implantar 40 mil hectares de sistemas agroflorestais de cacau;
Ganhos por hectare 10 vezes maiores do que o cultivo da soja e até 40 vezes superior ao obtido com gado nos sistemas agroflorestas implantados;
Contratos ativos com 378 produtores rurais e outros 1.350 em negociação para 2025/2026;
3 milhões de mudas de cacau por ano, produzidas em viveiros próprios, com 700 mil biopotes, em substituição aos recipientes plásticos;
Produção de 500 toneladas de mandioca, 1.200 toneladas de banana e 7 toneladas de cacau neste ano;
Geração de 382 postos de trabalho.
Conheça os demais finalistas em Folha Social+. Engaje-se e, se puder, doe para esta iniciativa na plataforma MobilizAção, em folha.com/plataformamobilizacao2024.
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CEM ANOS DA COLUNA PRESTES (1924-2024) - ANITA LEOCÁDIA PRESTES vídeo
Soldados negros esquecidos na história foram base da Coluna Prestes há 100 anos
'Poder militar é a única força organizada no Brasil', disse Prestes à Folha em 1986
Líder comunista foi além dos temas políticos e contou ao jornal sobresua vida pessoal
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Se um filme de 1h30 é um longa, o que era 'E o Vento Levou', com 4h03 de duração?
Ruy Castro, fsp, 19/10/2024
Não se passa um dia sem que, ao ler uma reportagem ou conversar com alguém sobre cinema, eu não fique confuso. As pessoas falam sobre o longa que viram ontem, perguntam-me se já fui assistir a esse ou aquele longa, qual o meu longa favorito do Woody Allen ou se tenho uma lista dos maiores longas do cinema. Significa que os filmes não são mais filmes. São longas. E o que me intriga é por que isso aconteceu. Sempre pensei que a classificação de "longa" para um filme fosse para diferenciá-lo dos "curtas", que são os curtas-metragens. Mas quantos "curtas" assistimos por ano no cinema a ponto de precisar distingui-los dos "longas"?
Conheço o cinema desde o tempo do cinema surdo, e os únicos curtas a que me lembro de ter assistido foram os desenhos de Tom & Jerry ou Pernalonga. Tinham a metragem de um rolo —oito minutos. E o que se seguia a eles não era um "longa", mas um filme de metragem normal, com entre uma hora e meia e duas de projeção. Noventa e nove por cento dos filmes duravam esse tempo.
O um por cento restante, sim, eram os longas-metragens: filmes como "Ben-Hur" (1959), de William Wyler, com 3h32; "Lawrence da Arábia" (1963), de David Lean, com 3h57; e o campeão em todos os sentidos, "E o Vento Levou" (1939), de Victor Fleming, com 4h03. "Berlim Alexanderplatz" (1980), de Reiner Werner Fassbinder, foi feito como série para a TV alemã, mas, com nada menos que 15h30, chegou também às telas —acho que o espectador tinha de se hospedar no cinema, como num hotel. Não fui ver, por medo de morrer de velhice.
Os longas, ou seja, filmes com três ou mais horas de projeção, precisavam ser blockbusters porque, com muito tempo na tela, tinham menos sessões por dia. Os estúdios só os bancavam se fossem bilheteria certa. Mas, às vezes se enganavam e tinham de engoli-los, casos de "O Rei dos Reis" (1960), de Nicholas Ray, com 2h41, "A Bíblia" (1966), de John Huston, com 2h54, e o campeão mundial do prejuízo, "Cleópatra" (1963), de Joseph L. Manckiewicz, com 4h03, que quase quebrou a Fox.
Se, hoje, qualquer filme de 1h30 é um "longa", é porque a vida deve ter ficado curta.
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A resposta CHOCANTE de Breno Altman ao SIONISTA na Adufepe, UFPE10/03/2024 vídeo
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Uma comédia screwball
'Anora' expõe de modo cômico a decadência dos valores modernos
Vencedor de Cannes, o longa mostra a trajetória de uma garota de programa e o filho de um oligarca russo que se apaixonam
Inácio Araujo, fsp, 16/10/2024
A primeira reação da plateia, ao sair da sessão prévia de "Anora", promovida pela Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, foi de estupefação. O que aconteceu? O que significa esse filme ganhar o Festival de Cannes?
O colega Marcelo Miranda, de cara, diagnosticou o gênero do filme: "É uma comédia screwball". Isso situa de imediato o espectador desconcertado. Trata-se de uma "comédia maluca", como ficou conhecido no Brasil esse tipo de comédias pautadas por comportamentos excêntricos.
As explicações sobre a premiação não chegam a ser convincentes. O ano foi fraco em Cannes, sobrou para "Anora". Ou ainda, Greta Gerwig, presidente do júri, é estadunidense e da mesma turma (geração) de Sean Baker, o diretor. Nepotismo e interesses diversos são moeda corrente nas premiações de festivais. Passemos.
O filme trata da trajetória de Anora, ou Ani, uma garota de programa que, numa boate, convida os frequentadores para danças eróticas e, como consequência, vai para os quartos reservados com eles.
Como é neta de imigrantes russos, Ani se vira bem na língua de Vanya —papel de Mark Eidelstein —, cliente jovem, mimado, capaz de transar sem abandonar seu videogame, bêbado, inútil e, sobretudo, arquimilionário. Ou seja, o filho irresponsável de um oligarca russo.
O fato é que Vanya se toma de amores por Ani, a pede em casamento, compra-lhe uma aliança caríssima e toca para Las Vegas, onde se casam. Até aí o filme carrega esse lado conto de fadas, com Ani toda feliz. O lado "screwball" se manifesta desde que os pais de Vanya ficam sabendo das extravagâncias do rebento e desembarca nos EUA uma tropa de choque armena, comandada pelo infeliz, porém violento Toros, com a missão de dar um fim à alegria da dupla e desfazer o casamento irresponsável.
É o momento em que Ani mostra quem é "lutadora como tudo" e se dispõe a defender o casamento, ela que se julga apaixonada pelo rapaz. Vanya também mostra quem é — fraco, arruinado pelos mimos e pela riqueza sem fim. A comédia se estabelece junto com a confusão e, diga-se, Sean Baker a conduz com segurança, o que não é tão fácil. A comédia se reforça com a chegada dos quase monstruosos pais de Vanya.
De tudo resulta um filme agradável e talvez bem menos inconsequente do que pareça. Pois ali estão considerações nada inoportunas — ou justamente inoportunas— sobre certa degeneração dos valores, que entronizou o dinheiro como o que existe de mais importante do mundo.
Ter dinheiro e bens em abundância quase infinita — apanágio de trilionários, oligarcas etc.— coloca algumas pessoas no topo da sociedade. Não importa o que possam produzir, nem a fonte da riqueza. O dinheiro legitima a si mesmo.
Na outra ponta estão os pobres. No caso, Ani, cuja função é servir a esses ricos e também aos que pegam as beiradas da riqueza e ao menos sonhar em enriquecer, com fantasias de Cinderela. Enquanto isso não acontece, Ani é considerada indigna de pertencer à família do oligarca. Mas o que os separa, de fato?
Essa é uma questão lançada por "Anora" e que se endereça à maneira como valores tipo integridade ou senso do dever caíram de moda e foram substituídos pelo cinismo argentário, que adquiriu poder enorme sobre o andamento do mundo em décadas recentes.
É preciso dizer, por fim, que Sean Baker conseguiu fazer reviver um gênero que conheceu seus grandes dias nos anos 1930, sobreviveu esporadicamente graças a certos filmes, como os de Billy Wilder e ressurgiu com Peter Bogdanovich nos anos 1970, mas numa chave nostálgica. Esse exercício à volta da comédia centrada em personagens excêntricos pode não ser o que se espera de uma Palma de Ouro, mas se deixa ver agradavelmente e está longe de ser desprezível.
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Conheça Cavala, dona de bordel lésbica que se tornou a vereadora maisvotada de Dourados (MS)
Isa Marcondes, 46, teve como slogan de sua vitoriosa campanha a frase 'A cidade está uma zona e de zona eu entendo'
F5 17.out.2024 Anahi Martinho
Conhecida como Cavala, Isa Marcondes tem 46 anos e é dona do bordel mais famoso de Dourados, em Mato Grosso do Sul. Com o slogan "A cidade está uma zona e de zona eu entendo", foi eleita vereadora com 2.992 votos, maior número dentre todos os candidatos.
Isa é do partido Republicanos e foi também a única mulher entre os dez mais votados da cidade, que tem 240 mil habitantes e 21 cadeiras na Câmara Municipal.
Mãe, avó, empresária, conservadora e "sapatão raiz" —é assim que ela se define. Em entrevista ao F5, Isa diz que vem sofrendo até ameaças de morte, mas que não tem medo de "peitar os homens". "Minha zona é mais organizada do que essa cidade", diz.
Qual a sua profissão? Sou dona de zona, dona de boate. Sou conhecida aqui na cidade como Cavala.
É uma casa de prostituição? É uma casa de meninas. Só trabalho com mulher bonita. Elas fazem o corre delas. Eu tenho uma boate, vendo bebidas, mas o esquema é delas, o dinheiro é delas, elas fazem [os programas] por fora. Não é crime, sempre trabalhei com tudo certinho, nunca tive problema com a Justiça. Sou honesta, nunca mexi com coisa errada dentro da minha boate. Se tivesse coisa errada, eu já tava presa, o que eles mais querem é ter algo contra mim.
Quem quer ter algo contra você? Você tem inimigos na cidade? Eles estão doidos porque a dona da zona ganhou. Mas quero provar para a sociedade que dentro da noite existem pessoas honestas. Tem gente aqui que é da igreja, que sobe no púlpito, mas é vagabundo e ladrão. Engana os fiéis, mente para a mulher, rouba dinheiro do povo, mas dentro da zona eles bebem e contam as maracutaias deles. Minha vida está em risco porque eu enfrentei esse sistema.
Está sofrendo ameaça de morte? Estou. Mas eu não tenho medo desses homens. Sou da noite, sou sapatão raiz. Ando sem colete à prova de balas. Se chegar minha hora, vai ser Deus. Sou dona de boate, tenho a faculdade da vida, a faculdade da noite. Entrei para a política porque cansei de ver tanta canalhice nessa cidade. Eu peito esses homens.
Já sofreu homofobia? Eu não sofro com essas coisas porque eu atendo esses caras. Conheço bem o que eles fazem na noite. Mas sofri muito quando era nova. Minha mãe era muito rígida, ela via que eu era lésbica, mas queria que eu casasse. Então eu namorei, noivei, casei e engravidei. Eu não era feliz, mas hoje não me arrependo, porque tenho minha família.
Você gosta de ser avó? Como é a relação com seu neto? Meu neto é tudo para mim, ele mudou minha vida. Eu era muito 'vidaloka'. Parei de beber, parei de farrear. Hoje o pai do meu filho é meu melhor amigo, ainda somos casados no papel. A gente viaja junto, com neto, com filho, se ele tiver namorada, ela vai, se eu tiver minha gata, eu levo. Sou mulher, gosto de mulher, mas em nenhum momento usei a pauta GLS para pedir voto. Minhas conquistas de voto foram pela garra, amor e carinho que tenho pelo povo.
Quais são suas bandeiras ideológicas? Você é de direita? Entrei no Republicanos porque me identifiquei com o partido e me aceitaram muito bem. Mas hoje larguei mão desse negócio de direita e esquerda. Eu sou do povo. Já fui de direita radical, mas, quando fui para São Paulo, caiu minha ficha. Vi os bastidores da política e peguei nojo.
O que você viu? Vi as pessoas da direita falarem da esquerda e fazerem igual. Só falam bonito, mas a corrupção é a mesma.
Você viu corrupção? Denunciou? No meu ver, cargo comissionado é corrupção, por exemplo. Sou contra cargo comissionado. É isso que estraga nosso país. Tinha que ter processo seletivo. Ganhei essa eleição com sete pessoas e dez cabos eleitorais que a coligação cedeu para mim. Só recebi R$ 5 mil do fundo eleitoral. Teve gente que investiu R$ 1 milhão e não teve nem 500 votos. Por isso estão doidos comigo. Fui a mais votada porque fiz um trabalho de fiscalização. Entrei em UPA, liguei para empreiteira, desmascarei maracutaia. Nenhum voto meu foi comprado, não dei gasolina, não dei cesta básica. Foi na raça.
Tem alguma religião? Eu sou católica, mas não frequento igreja. Tenho Deus no meu coração. Respeito todas as crenças, respeito todo mundo. Pode ser macumbeiro, pode ser o que quiser. Não tenho preconceito com ninguém. Pode casar mulher com mulher, homem com homem. Cada um que siga seu caminho. Defendo todas as famílias.
Mas os seus clientes são casados e traem as mulheres? Ir na zona não é traição. Pagou, tchau e bênção. Ninguém quer saber de homem chorando aqui, não. Traição é ter amante na rua.
O que pretende fazer no seu mandato? Eu vou por o pau pra torar. Vou pedir uma CPI para investigar a obra superfaturada da Câmara daqui, gastaram quase R$ 20 milhões numa reforma. Você já viu uma Câmara Municipal dentro de shopping? Pagando R$ 60 mil de aluguel? Estão roubando na nossa cara. Eles humilham o povo. Sei que não tenho poder para acabar com a corrupção da noite para o dia, mas vou pedir auditoria, vou meter CPI nesse povo.
É um município com muitas fazendas. Sim, aqui é do agro. Aqui é rico, tem gado, tem soja. Mas nada disso é investido na cidade. Dourados é a segunda maior cidade do estado [atrás apenas da capital, Campo Grande] e não tem nem aeroporto. É uma vergonha. Não tem creche, as crianças ficaram três anos sem escola na rede municipal. Por isso que eu usei a frase como slogan: 'Dourados tá uma zona e de zona eu entendo'. Minha zona é mais organizada que essa cidade.
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'O sertanejo é a música do fascismo brasileiro', diz Pedro Cardoso
Ator critica 'temática monótona' dos cantores e afirma que o ritmo é 'sobre ser corno'
F5 17.out.2024 Leonardo Volpato
O ator Pedro Cardoso, 61, fez críticas ao ritmo sertanejo, afirmou que não considera que existam artistas verdadeiros à frente do segmento e que a música seria 'do fascismo brasileiro'.
Em entrevista à Rádio Bandeirantes, o intérprete de Agostinho de "A Grande Família" (Globo) polemizou. "Não sei se tem algum artista verdadeiro ali. Mas, na minha opinião, é uma temática completamente monótona e de baixíssima inspiração. Não é à toa que essa é a música do fascismo brasileiro. É uma música vazia, de interesse teórico, sobre assunto nenhum. É uma música sobre nada, sobre ser corno ou não ser corno", opinou.
Segundo o ator, é injusto chamar o segmento de sertanejo, já que, na opinião dele, apenas músicas mais antigas, como "No Rancho Fundo", mereceriam essa nomeação.
"E agora tem um problema de 'ser corno e não ser corno', de 'minha namorada me largou e eu larguei minha namorada'. O único assunto que eles têm é uma questão da masculinidade e da fidelidade feminina", afirmou.
Cardoso ainda chamou os cantores de "comerciantes agrícolas brasileiros muito apegados à cultura estadunidense", e completou que eles seguem caminhos que o dinheiro vai fazendo para a arte.
Alguns cantores sertanejos se manifestaram contrários às declarações. "O comentário dele é tão inútil quanto o papel que ele representou", disse o cantor Rio Negro, da dupla com Solimões.
"Esses pseudointelectuais sempre com uma análise profunda. Nos diga, grande Agostinho, qual música podemos ouvir? Qual roupa podemos vestir? O que podemos falar?", disse Hugo Pena.
Pedro Cardoso Instagram
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O governador do Rio não sabe quem foi Amaro Cavalcanti e também não procurou saber
Ruy Castro, fsp, 16/10/2024
O Largo do Machado, aqui no Rio, abriga um belo prédio. É o Colégio Estadual Amaro Cavalcanti, obra do arquiteto Béthencourt da Silva, construído em 1875 e uma das quatro escolas criadas pessoalmente pelo imperador dom Pedro 2º para promover a educação pública. Ali, entre suas paredes, em 1929, a então secretária de Educação do Distrito Federal Cecília Meireles produziu uma pioneira exposição sobre o cinema educativo. De 1935 a 1939, foi sede da revolucionária Universidade do Distrito Federal, fundada por Anísio Teixeira e destruída por Gustavo Capanema. Em 1963, ganhou o nome de Amaro Cavalcanti. O prédio é tombado. Essas informações estão na Wikipédia, ao nosso fácil alcance e do governador do Rio, Cláudio Castro.
Cláudio Castro quer mudar o nome do Colégio Amaro Cavalcanti para Colégio Senor Abravanel, o popular Silvio Santos. É natural. Cláudio Castro sabe que Silvio Santos foi um bem-sucedido camelô eletrônico e não sabe quem foi Amaro Cavalcanti. E também não procurou saber. Para sua instrução, aqui vão alguns dados sobre ele, também à disposição na Wikipédia.
Amaro Cavalcanti (1849-1922) foi um educador, jurista e diplomata cearense. Formou-se como professor nos Estados Unidos e, na volta, contribuiu para a modernização do ensino básico no Brasil. No Rio, foi um dos autores da Constituição de 1891, diretor do Colégio Pedro 2º, ministro do Supremo Tribunal Federal, prefeito da Capital Federal e ministro da Fazenda no governo Delfim Moreira. Como diplomata, foi consultor jurídico do Ministério das Relações Exteriores e membro da Corte Permanente de Arbitragem de Haia.
Poucos brasileiros têm currículo tão invejável e em tantas categorias. Mas Amaro Cavalcanti está morto há mais de 100 anos. No Brasil, isso é suficiente para que as mais nobres biografias se esfarelem diante da chegada de novos valores, mesmo pífios como Silvio Santos. Dizem que Silvio Santos fez as primeiras letras por ali, na região do Catete, daí a homenagem. É reconfortante saber que Silvio Santos fez as primeiras letras.
Não duvide. Cláudio Castro, um dia, também será nome de colégio.
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PROFESSORA E PROFESSOR
Professor no Brasil enfrenta instabilidade enquanto ainda busca valorização
País não avançou na melhoria salarial para seus 2,4 milhões docentes do ensino básico, umas das metas da década
Isabela Palhares, fsp, 14/10/2024
Para avançar na educação, o Brasil precisa investir nos seus 2,4 milhões de professores à frente da educação básica. Mas os desafios só crescem.
A carreira majoritariamente feminina — mulheres representam de 96% dos docentes no ensino infantil a quase 59% no ensino médio — e cada vez mais qualificada — mais de 80% dos profissionais têm ensino superior completo —ainda carece de reconhecimento e melhores condições de remuneração.
Na última década, o país não conseguiu avançar na melhoria salarial dos docentes. O PNE (Plano Nacional de Educação) estabelecia que até 2024 o Brasil deveria equiparar o rendimento médio dos professores da rede pública ao dos demais profissionais com ensino superior.
Ilustração Carolina Daffara
Em 2012, os professores recebiam em média 65,2% do salário dos demais profissionais. Esse percentual subiu para 86,9% em 2023. No entanto, os dados do Inep, órgão do MEC (Ministério da Educação), mostram que a redução da diferença ocorreu, em grande parte, pela queda do rendimento bruto dos demais profissionais, que teve uma perda real de 20,9% no período.
A média do rendimento bruto dos professores teve um acréscimo real de 5,3%, o que representa um aumento de apenas R$ 249,66 em 11 anos.
"Não temos muito o que comemorar nesse dia do professor [15 de outubro]. Apesar de termos estabelecido estratégias para melhorar as condições de trabalho do docente, o que vimos na última década foi a desvalorização, precarização e desmoralização do professor", afirma Márcia Jacomini, professora da Unifesp que pesquisa política educacional e gestão escolar.
Em 2023: Demais profissionais (R$5.660,99) e Profissionais do magistério (R$4.919,53)
Jacomini destaca que a piora dos resultadoseducacionais vivida no país nos últimos anos está, entre outros fatores, relacionada ao aumento da instabilidade na profissão. Ela lembra que o sucesso do trabalho do professor depende do estabelecimento de vínculo com o estudante.
É justamente nessa relação que se insere um novo desafio, com o aumento de docentes contratados sem vínculo efetivo para atuar nas escolas públicas. Nos últimos dez anos, o Brasil viveu uma inversão na forma de contratação dos professores. Os contratos temporários, que deveriam ser exceção, já são maioria em muitas redes públicas de ensino do país.
Um relatório do Inep mostra que o percentual de professores temporários nas redes estaduais saltou de 31,6%, em 2014, para 52% em 2023. Nas redes municipais, passou de 26,6% para 34,2%, no mesmo intervalo. O aumento ocorreu no período em que o Brasil estabeleceu em lei que essa proporção deveria cair, sendo limitada a no máximo 10% dos docentes que atuam na educação básica.
A meta foi incluída no PNE, como uma das estratégias para melhorar o ensino, por haver um consenso de que esse tipo de contratação faz com que os professores atuem em condições mais precárias, o que, consequentemente, reflete no desempenho dos estudantes.
Como temporários, os professores recebem salários mais baixos, costumam trabalhar em mais escolas e com mais turmas, não têm plano de carreira e nem mesmo a garantia de continuar na mesma unidade durante todo o ano letivo.
"Não só não avançamos, como ainda retrocedemos naquilo que o país havia pactuado como estratégia para melhorar a qualidade do ensino. A falta de estabilidade não é ruim apenas para o professor, mas também para a organização da escola e, principalmente, para o aluno que não consegue estabelecer um vínculo com quem tem aula", avalia Jacomini.
Há dois anos como professor temporário da rede estadual de São Paulo, Anderson Fabrício dos Santos Júnior, 21, convive diariamente com os efeitos da instabilidade de seu contrato. Na última semana, ele perdeu as aulas que tinha em uma das três escolas que trabalha. Seu salário de cerca de R$ 5.300 deve ser reduzido em R$ 2.000. "Eu vivo sempre na instabilidade, nunca sei quantas aulas vou ter, em quantas escolas vou trabalhar, qual vai ser o salário do próximo mês. Isso tem um impacto enorme na minha saúde emocional e financeira", conta Anderson, que é professor de sociologia e filosofia.
Ex-aluno da rede estadual paulista, ele se lembra ter vivido essa situação diversas vezes. "Como aluno, eu lembro dessa sensação horrível de ter aula com um professor que gostava muito e ele sumir. Ficava uma sensação de abandono. Agora vivo isso do ponto de vista do professor."
Aos 69 anos, Israel Silva Júnior trabalha desde 2011 como professor temporário da rede estadual de São Paulo. Apesar de adorar dar aula e ter contato com os estudantes, ele conta que tem buscado outra profissão para ter maior estabilidade financeira e conseguir se aposentar. "Há anos convivo com a instabilidade de ser temporário, mas a situação se agravou muito. Nesse ano, por exemplo, o governo mudou as regras de atribuição e eu fiquei três meses sem receber. Eu sou chefe de família, tenho filho, não posso ficar nessa insegurança", conta.
Em nota, a Secretaria de Educação de São Paulo, do governo Tarcísio de Freitas (Republicanos), disse que reconhece e valoriza os profissionais da rede estadual de ensino. Informou que, depois de uma década sem a contratação de professores efetivos, a pasta realizou um concurso público no ano passado.
A previsão é que 15 mil docentes de ensino fundamental e médio sejam contratados. Segundo a secretaria, cerca de 12 mil vão ser chamados para começar a dar aulas no próximo ano letivo. Questionada, a pasta não informou quantos professores temporários terão os contratos encerrados no fim deste ano e poderão ficar sem trabalho em 2025.
Como forma de incentivar estados e municípios a fazerem concursos para docente de forma mais frequente e reverter a proporção de temporários, diversas entidades educacionais têm proposto ao Ministério da Educação a criação de uma prova nacional para o ingresso de docentes na rede pública.
A elaboração do exame está sendo avaliada pelo governo Lula (PT), como parte de uma série de estratégias para melhorar a formação e seleção de professores que atuam na educação básica. Em 2012, quando Fernando Haddad era ministro da Educação, uma proposta semelhante foi analisada, mas não avançou.
A carta do Antônio Cícero
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