domingo, 14 de julho de 2024

Anomalia magnética

Assunto correlato  já discutido neste blog em PARAÍSO GEOMAGNÉTICO. Ver aqui 

Anomalia magnética pode atingir voos? Magnetismo já afetou aeroporto em SP

Alexandre Saconi, UOL, 14/07/2024

 
Imagem ilustrativa da AMAS (Anomalia Magnética do Atlântico Sul), criada pela Nasa Imagem: Reprodução/Nasa

Recentemente, o crescimento e divisão de uma região anômala no campo magnético do planeta Terra em uma região situada sobre o Brasil deixou os cientistas em alerta. Denominada Amas (Anomalia Magnética do Atlântico Sul), ela se estende das regiões Sul e Sudeste do Brasil até o continente africano. Essa anomalia é observada de perto justamente por ser uma região onde a intensidade do campo magnético está ficando menor. Como isso pode afetar a aviação?

Aviões usam bússolas até hoje

Os aviões mais modernos e quase todos usados na aviação comercial utilizam bússolas, que se orientam pelo magnetismo da Terra. Na verdade, esse dispositivo é usado como alternativa caso o sistema de navegação por GPS (Sistema de Posicionamento Global) falhe.
Ainda, próximo ao pouso, ao voar manualmente, ou seja, sem o auxílio de instrumentos, os pilotos devem apontar o nariz do avião para uma direção magnética específica para se manterem alinhados com a pista. Por isso esse instrumento ainda é tão importante para as aeronaves.

 
Cabine de comando de um Airbus ACJ A220: Bússola analógica fica localizada no painel central para situações onde os instrumentos eletrônicos estejam com problemas Imagem: Airbus

Aviões podem ser afetados?

De acordo com Daniele Brandt, professora do IAG-USP (Instituto de Geofísica, Astronomia e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo), essa anomalia não coloca os voos em risco. Ocorre que o campo magnético tem três dimensões: inclinação, declinação e intensidade.
A inclinação pode ser para cima ou para baixo em relação ao solo. A intensidade é o quão forte ou fraco esse fenômeno se manifesta, e é justamente nesse aspecto que a anomalia está.
Daniele esclarece que o campo magnético da Terra não se manifesta de maneira uniforme. "A Amas diz respeito a uma região na superfície do nosso planeta onde observamos a intensidade do campo geomagnético mais fraca do que o esperado por um campo dipolar", diz a especialista.

Isso é esperado, já que o magnetismo do planeta muda constantemente. O núcleo do planeta é formado por metais, principalmente ferro e níquel em altas pressão e temperatura, segundo Daniele.
"O campo magnético da Terra não é estático, ele varia com o passar dos anos. Isso porque o campo é gerado nas profundezas do nosso planeta e a fonte que o gera é um material metálico em estado líquido que compõe o núcleo externo e está em constante movimento", diz a professora da USP. Essa movimentação ocorre, principalmente, pelas diferenças de temperatura e composição entre a base e o topo do núcleo externo (movimento de convecção) e pela rotação do planeta. "Com o passar dos anos, o campo geomagnético vai mudando, os polos geomagnéticos vão se deslocando, assim como a declinação, a inclinação e a intensidade em um determinado local também vão sendo alteradas no tempo", diz Daniele.
Declinação: Bússola não aponta para o norte real

 
Mapa da declinação magnética da Terra: Bússola aponta para o norte magnético em vez do norte geográfico. Apenas sobre as linhas verdes a bússola aponta para o mesmo norte nas duas situações Imagem: NOAA/NCEI

A bússola aponta para aquele conhecido como norte magnético, que não é o mesmo que encontramos no mapa. Ele não é fixo, e se desloca com o passar do tempo, já que sua origem se dá pelo movimento da porção líquida do núcleo da Terra.
O que consideramos como polo norte no mapa não é para onde as bússolas apontam, na verdade. O norte magnético fica mais ao lado, perto do Canadá e da Groenlândia. "A direção apontada pela bússola magnética forma um ângulo com o norte geográfico, este ângulo é chamado de declinação magnética", diz Daniele Brandt.
A diferença entre os dois nortes, o magnético e o verdadeiro, é chamada de declinação. Ela varia conforme a localização no planeta, e os pilotos usam ela para corrigir suas rotas em voo eventualmente.

O que a anomalia irá afetar de fato?

Segundo a professora da USP, o campo geomagnético serve como um escudo que nos protege dos ventos solares (radiação e partículas emitidas pelo Sol). "Entretanto, para nós, que vivemos na superfície da Terra, e para os aviões, que sobrevoam a altitudes menores que 12 km, ainda estamos protegidos dos ventos solares - mesmo vivendo aqui na região da anomalia", diz Daniele. "Acabam sendo afetados pela anomalia os satélites que orbitam a mais de 400 km de altitude, altura em que o campo magnético se torna ainda mais fraco. Quando um satélite passa pela região da anomalia, ele pode apresentar falhas ou é desligado temporariamente para evitar danos, a depender da atividade solar também", diz Daniele.

Quando o magnetismo afeta a aviação?

Segundo Annibal Hetem, professor do curso de engenharia aeroespacial da UFABC (Universidade Federal do ABC), primordialmente, a aviação é afetada quando há mudança na declinação magnética. "Alterações na inclinação e na intensidade (como é o caso da Amas) não são tão relevantes para os voos", diz o professor. "Essa anomalia dificilmente poderá afetar os voos e transportes via navegação, pois, nos dias de hoje, utilizamos os sistemas GPS. Antigamente, no tempo da navegação via bússolas, esse fenômeno iria afetar a precisão dos transportes. Eventualmente, algumas espécies migratórias de animais podem ser afetadas, principalmente aquelas que utilizam o campo magnético como referência", afirma Hetem.
Ele ainda afirma que não há motivo para pânico, pois a anomalia é uma variação relativamente pequena no campo total. "Os aeroportos, por exemplo, não terão necessidade de mudar seus equipamentos ou sinalizações ligadas ao tema", diz o professor da UFABC.

Aeroporto de Guarulhos já foi afetado

A declinação magnética sofre alterações com o tempo de acordo com a região do planeta. Vale lembrar que a Anomalia Magnética do Atlântico Sul não é diretamente relacionada com a declinação, que afeta a aviação diretamente. "O campo magnético já mudou várias vezes ao longo da história da Terra desde quando começou a ser medido, em 1831, e ele não é igual em toda parte do planeta", destaca Hetem. As linhas magnéticas apresentam pequenas variações de local para local. Por isso um aeroporto tem de fazer alterações em sua dinâmica e outros, possivelmente, não.

Foi o caso do aeroporto internacional de Guarulhos, em São Paulo, no ano de 2022. A declinação magnética na região sofreu uma alteração que obrigou a concessionária do local a realizar mudanças.
Ocorre que as pistas dos aeroportos possuem números bem grandes, entre 01 e 36, pintados em cada uma das suas cabeceiras. Esses números são o ângulo que a bússola magnética dos aviões deverá estar marcando, dividido por dez e começando pelo norte, e é o rumo para onde as aeronaves devem seguir para pousarem alinhados com o eixo central da pista.

 
Número 06 no aeroporto de Rio Branco (AC) indica que a bússola dos aviões deve estar apontada para 60º na hora do pouso Imagem: Divulgação/Programa de Aceleração do Crescimento

No geral, o último número sempre é desprezado e, caso seja superior a cinco, é arredondado para cima. Por exemplo, uma pista em que a bússola está apontada para "090º" terá a numeração "09", e a que está alinhada a 177º, por exemplo, vira pista 18.

Quando há duas ou mais pistas paralelas, esses números são acompanhados de letras. A pista da esquerda ganha a letra "L", de left (esquerda), a da direita passa a ser acompanhada da letra "R", de right (direita), e, se houver pista central, esta levará a letra "C", de center (centro). Essas referências são sempre a partir do ponto de vista do piloto.

No caso do aeroporto de Guarulhos, ele possuía duas pistas, cada uma até então com os números 27 e 09 na cabeceira e acompanhadas das letras L e R conforme a posição do em que o avião se encontra. Com a alteração no campo magnético da Terra, o Decea (Departamento de Controle do Espaço Aéreo), órgão ligado à FAB (Força Aérea Brasileira) determinou que as pistas passem a ser denominadas 10L/28R e 10R/28L a partir daquele ano.

É uma pequena mudança, mas, se tratando de vidas humanas, a precisão é fundamental. Foi a primeira vez que isso ocorreu no local desde que ele foi inaugurado em 1985. A FAB (Força Aérea Brasileira) diz que esse tipo de mudança no campo magnético "ocorre lentamente e, em média, modifica um grau a cada dez anos".

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