Lula é cobrado por indígenas na ONU: 'Nossas crianças continuam morrendo'
Jamil Chade - Terras indígenas no Brasil - ISA, 10/07/2024
Lideranças indígenas afirmam que, apesar das medidas adotadas pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva, continuam ameaçados pela violência, pelo garimpo, pela fome e por doenças. A queixa foi apresentada na reunião do Mecanismo de Especialistas da ONU sobre Direitos dos Povos Indígenas, em Genebra.
Nos últimos dias, especialistas, ongs e líderes indígenas realizaram reuniões na ONU, pedindo que o organismo amplie sua atenção ao que está ocorrendo no Brasil e que cobre o governo Lula a agir.
Um dos porta-vozes da operação no exterior é Júlio David Ye'kwana, presidente da Associação Wanasseduume Ye'kwana, da Terra Indígena Yanomami. Ele representa a Aliança de Defesa Territorial entre os povos Kayapó, Yanomami e Munduruku. "Somos os três povos mais afetados pelo garimpo ilegal de ouro no Brasil", disse.
Durante a reunião, outra liderança indígena também tomou a palavra. Doto Takak Ire, liderança Kayapó da Terra Indígena Menkragnoti, insistiu sobre a existência da uma rede de crime organizado atuando em suas terras.
"Tem máquinas pesadas nos nossos territórios, os garimpeiros estão metidos com o crime organizado e o ouro é vendido internacionalmente", disse.
Sua cobrança foi direcionada tanto para os governos estrangeiros quanto ao Brasil.
"É necessário que todos os países se comprometam em verificar a origem do ouro que estão comprando", pediu. Suíça e Canadá são os principais importadores de ouro do Brasil. Em 2022, lideranças indígenas pediram que refinarias suíças se comprometessem a não comprar ouro de Terras Indígenas, porém, a falta de mecanismos de rastreamento eficientes prejudicam a fiscalização.
"Queremos que a ONU cobre o Brasil para criar leis para controlar a cadeia de comercialização do ouro e o uso das máquinas escavadeiras", disse.
Seu apelo é para que o governo crie leis para controlar o comércio de mercúrio e proibir o seu uso na mineração. "É urgente que o Supremo Tribunal cancele a Lei 14.701 de 2023 e o governo avance com a demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu do Povo Munduruku e todas as outras", pediu.
Ele ainda criticou o Congresso Nacional, que vai analisar a PEC 48. "O Congresso brasileiro é contra nós e muitas vezes a ameaça vem na forma da lei", disse. "Hoje a ameaça é a mineração ilegal do oro, mas amanhã poderá ser o regulamento da mineração industrial dentro das nossas terras indígenas", alertou.
"Não queremos nenhum tipo de exploração dos recursos naturais em nossos territórios", completou.
Missão
Ao longo da semana, o grupo de indígenas apoiado pelo Instituto Socioambiental (ISA), Greenpeace, Instituto Iepé, Rainforest Foundation Norway e Instituto Race and Equality, ainda estão entregando dados aos relatores e equipes da ONU mostrando que o garimpo em territórios dos povos Kayapós, Yanomami e Munduruku disparou 495% entre 2010 e 2020.
Segundo eles, em 2023, a exploração ilegal de ouro em Terras Indígenas na Amazônia brasileira resultou no desmatamento diário de uma área equivalente a quatro campos de futebol. Nas terras dos povos Kayapó, Munduruku e Yanomami se concentram 95% dos garimpos ilegais, totalizando 26,7 mil hectares destruídos até meados de 2024.
As lideranças Kayapó e Ye'kwana ainda apresentaram as seguintes demandas ao estado brasileiro, em reuniões fechadas com equipes da ONU:
1. Concluir em caráter emergencial a desintrusão da TI Yanomami e implementar a desintrusão das TIs Munduruku e Kayapó;
2. Apresentar planos de proteção territorial permanentes para todos os territórios, que incluam: (i) implementação e/ou recuperação de bases de proteção territorial; (ii) controle efetivo do espaço aéreo; (iii) monitoramento remoto regular do desmatamento dentro das Terras Indígenas, com resposta rápida dos órgãos de comando e controle diante de novos alertas; (iv) formação de agentes indígenas para contribuir com a proteção territorial; (v) promoção de patrulhas regulares nas zonas sob pressão; (vi) garantia da segurança das lideranças e organizações indígenas ameaçadas por garimpeiros.
3. Garantir a expansão das pesquisas sobre contaminação mercurial nas pessoas e nos peixes que consumimos; a célere elaboração de um plano de acompanhamento e tratamento das pessoas contaminadas; e de um plano de descontaminação dos rios;
4. Desenvolver e implementar mecanismos para aprimorar a transparência e o controle da cadeia produtiva do ouro, tanto dentro do território nacional quanto nos destinos das exportações;
5. Controlar a comercialização ilegal do mercúrio, sobretudo nas fronteiras do país;
6. Controlar a comercialização de máquinas utilizadas no garimpo, como retroescavadeiras, e exigir que os fabricantes rastreiem o seu uso;
7. Concluir a demarcação da TI Sawre Muybu, do Povo Munduruku. Todos os processos de demarcação no Brasil foram severamente impactados pela Lei 14.701/2023. É urgente que o Supremo Tribunal Federal julgue a inconstitucionalidade desta lei; e
8. Garantir que não haja mineração em Terras Indígenas no Brasil, nem qualquer outro tipo de exploração que afete a salvaguarda dos biomas que nós povos indígenas sempre fizemos. Não queremos substituir o garimpo pela mineração, mas sim o garimpo pela floresta saudável.
Reportagem
Texto que relata acontecimentos, baseado em fatos e dados observados ou verificados diretamente pelo jornalista ou obtidos pelo acesso a fontes jornalísticas reconhecidas e confiáveis.
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