20 anos depois
Lula, o mercado e as elites econômicas devem considerar que tudo mudou
Luiz Carlos Bresser-Pereira, FSP, 13/11/2022
Em dezembro de 2002, o então presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), escolheu os ministros para o seu governo. Vinte anos depois, fará o mesmo: definirá o gabinete que o ajudará a governar o Brasil.
O mercado financeiro e a centro-direita esperam que ele adote os mesmos critérios e escolha dirigentes na área econômica simpáticos a eles. Não há razão para Lula escolher uma equipe econômica que conflite com o mercado financeiro e as elites econômicas, mas tanto o presidente quanto essas elites deverão considerar que tudo mudou nestes 20 anos.
Em primeiro lugar, mudou o norte global —ou mundo rico. Em 2002, estávamos no auge do neoliberalismo, e as únicas políticas legítimas eram as políticas da ortodoxia liberal. O desenvolvimentismo era considerado mero "populismo".
O neoliberalismo, porém, começou a entrar em crise em 2008, com a grande crise bancária que se desencadeou nos Estados Unidos. Entrou em crise política em 2016, com a eleição de Donald Trump e o referendo favorável ao brexit. Mostrou seu caráter equivocado em 2020, com a pandemia de Covid-19, durante a qual o papel econômico do Estado em minorar seus efeitos negativos foi muito grande. E, em 2021, o neoliberalismo entrou em colapso com a nova política decididamente desenvolvimentista de Joe Biden, trazendo o Estado de volta —e seguida de perto pelos principais dirigentes europeus.
O neoliberalismo e a ortodoxia liberal, dominantes entre 1980 e 2020, fracassaram porque os resultados que produziram foram decepcionantes. As taxas de crescimento baixaram, a instabilidade financeira aumentou e os salários dos trabalhadores e da baixa classe média estagnaram.
O Brasil também mudou muito nestes 20 anos. O neoliberalismo fracassou aqui ainda mais radicalmente que no norte global. A economia brasileira está quase estagnada desde 1980. Só houve um momento melhor no governo Lula. As elites econômicas, porém, não perceberam que esse fracasso aconteceu tanto aqui quanto lá fora e continuam mergulhadas no seu neoliberalismo dependente.
A centro-esquerda e os desenvolvimentistas mudaram nestes 20 anos. Muitos já não acreditam que, para ser desenvolvimentista e retomar o crescimento com estabilidade e gradual alcançamento, basta a política industrial — uma política microeconômica.
E o populismo econômico de alguns deles, que pensavam que além disso o Estado devia gastar mais, aumentar os salários e o consumo para ser bem-sucedido, perdeu muito de sua força em razão dos repetidos fracassos dessa política. Agora muitos desenvolvimentistas de centro-esquerda sabem que, para promover o desenvolvimento, além de política industrial e de responsabilidade fiscal, é fundamental uma política macroeconômica desenvolvimentista voltada para manter a conta corrente do país (externa) equilibrada, e a taxa de câmbio, competitiva.
Não é o caso aqui discutir quais as políticas intermediárias necessárias para que a conta corrente seja equilibrada e a taxa de câmbio compatível com a reindustrialização. É certo, porém, que a retomada do desenvolvimento não será viável no médio prazo se esses dois objetivos não forem assegurados.
Com a vitória de Lula, o risco da barbárie foi evitado, mas nada assegura a retomada do desenvolvimento econômico. E, sem ele, não será possível diminuir a pobreza e a desigualdade, voltar a financiar o SUS e realizar os investimentos necessários para que os objetivos da mudança do clima sejam atingidos.
Existe agora uma oportunidade para a retomada do desenvolvimento, que foi aberta com a mudança ocorrida no norte global. Este não será mais tão agressivo em se opor a políticas desenvolvimentistas bem pensadas e que se impõem.
Lula e aqueles que o apoiam, assim como a centro-direita que o vê com reservas, deverão considerar essas mudanças, que foram profundas. Ao escolher seus ministros da área econômica, o futuro presidente estará também decidindo se o Brasil sairá da quase estagnação secular ou não.
Luiz Carlos Bresser-Pereira
Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)
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