No front, na fuga, no “paraíso”: visões de Erich Maria Remarque sobre a Era da Catástrofe
CARLOS NÁSSARO ARAÚJO DA PAIXÃO *
Este trabalho surge como uma proposta de se analisar as possibilidades de abordagens temáticas da obra do romancista Erich Maria Remarque. O principal objetivo será mapear possíveis temas de estudo e análise presentes na obra do autor alemão para buscar entender importante período e fatos da História do Século XX. O recorte temporal será compreendido entre os anos 1914 – 1945, período compreendido por alguns historiadores como a época da guerra total e por ser este o contexto presente nos romances do autor em questão. Este também é chamado de a Era da Catástrofe nas palavras de Erich Hobsbawm. O historiador britânico fala de um período onde as esperanças no progresso, na ciência, na razão humana e nas conquistas da modernidade foram sepultadas pela barbárie, pela carnificina e pelo medo, provocados pelas guerras mundiais e por todos os seus desdobramentos.
Até 1914 a Civilização Ocidental, capitaneada pela Europa apresentava uma plena fé no progresso, na ciência e nas conquistas materiais, representadas pelo crescimento industrial. Vivia – se então a Belle Époque. A ruptura com hábitos provincianos, as viagens com meios de transportes mais eficientes, o acesso às idéias em circulação, a utilização de novas máquinas e equipamentos provocaram a produção de outra imagem da Europa. Esta transformação foi representada nas artes plásticas, música e literatura. Era o processo de construção e de vivência do Modernismo(SILVA, 2003: 14). Vale ressaltar que os dados acima devem ser relativizados, uma vez que elementos pré-industriais continuavam a fazer parte do espectro socioeconômico epolítico e grande parte da população mundial, incluindo grande número de europeus ainda estavam destituídos do acesso a bens e informações que circulavam à época.
A emergência da Guerra representou colapso, catástrofe e ruptura em relação à época imediatamente anterior. Este acontecimento significou uma quebra no desenvolvimento do projeto moderno pensado pelos iluministas do século XVIII e de alguma maneira desenvolvido no século XIX e início do XX. A crença na razão humana, no seu poder de libertação, no seu progresso e desenvolvimento, foi revista e contrastada com a dura realidade do front.
O primeiro bombardeio, os primeiros tiros de metralhadora fizeram com que ruísse toda concepção de mundo que foi ensinada a uma geração. O significado da Guerra é tão marcante que historiadores como Hobsbawm e Rémond, consideram que foi ela que inaugurou o século XX, ou seja, o século passado deve ser entendido a partir dos temas provenientes de suas ressonâncias diretas e indiretas. Nas palavras de Hobsbawm (HOBSBAWN, 1996: 30)
(...) o grande edifício da civilização do século XX desmoronou nas chamas da guerra mundial, quando suas colunas ruíram. (...). Sua História e, mais especialmente a história de seu colapso e catástrofe devem começar com a da guerra mundial de trinta e um anos.
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* Professor da Universidade do Estado da Bahia – UNEB, Campus XIII – Itaberaba/BA. Mestre em História pela UNEB, Campus V – Santo Antonio de Jesus/BA.
Anais do XXVI Simpósio Nacional de História – ANPUH • São Paulo, julho 2011
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Outro fato surgido com a guerra foi a ressignificação do conceito de guerra e paz, “„paz‟ significava „antes de 1914‟: depois disso veio algo que não mais merecia esse nome” ( HOBSBAWN, 1996: 30). Até 1914 nenhum conflito entre nações havia atingido proporções mundiais, seja do ponto de vista do número de nações envolvidas, dos recursos disponibilizados, das tropas mobilizadas e principalmente do número de mortos.
Inaugurou – se também uma “era do massacre”, com a utilização de novos armamentos (metralhadoras, tanques, aviões, armas químicas) e de técnicas modernas de combate (a blitzkrieg, a experiência das trincheiras na Frente Ocidental). Esta tecnologia de guerra moderna foi traduzida em números. Muitos milhões de mortes em ambos os lados.
A experiência dos campos de batalha brutalizou a guerra, a política e os próprios homens. Todos que participaram direta ou indiretamente do conflito foram marcados e apresentaram um processo de desenraizamento e ruptura frente às experiências anteriores. Nas palavras de Paul, protagonista de Nada de Novo no Front “Desde que estamos aqui [no front] nossa vida foi cortada, sem que tenhamos contribuído para isso. Muitas vezes, procuramos um motivo, uma explicação, mas não conseguimos achá-la”. Ninguém saiu ileso do contato com a guerra.
Aqueles que a experimentaram não puderam ficar indiferentes ao fato. A tomada de posição significou a adesão a uma visão de mundo e a uma postura política, no mundo marcado pelas ideologias do período entre guerras. A maioria dos soldados saiu inimigos da guerra, pois sofreram no corpo e na mente toda a violência e barbárie do conflito. O outro grupo, do qual Hitler e a maioria dos ultra-direitistas do pós-guerra eram exemplos, “extraíam da experiência partilhada de viver com a morte e a coragem um sentimento de incomunicável e bárbara superioridade” (HOBSBAWM, 1996: 34).
Dentre outros elementos presentes no contexto e que marcaram indelevelmente as mentes, as memórias e as percepções dos homens, podem – se destacar a ascensão do nazifascismo em várias partes da Europa, com seu arsenal de violências, perseguições, delações, medos, migrações, desenraizamentos, deslocamentos. E a eclosão da Segunda Guerra Mundial. Com sua mobilização de máquinas de guerra e pessoas jamais vistas, esta guerra envolveu e transformou todo mundo. Políticas, hegemonias, economias, não seriam as mesmas após o conflito.
Além dos aspectos políticos e econômicos o conflito gerou um processo de alteração das sensibilidades e percepções frente às visões de mundo e à realidade. O pós-guerra assistiu ao surgimento de uma nova geração de artistas, intelectuais, escritores que tiveram no conflito seu referencial fundamental. Sua produção foi profundamente marcada pelas transformações geradas nos anos de guerra total. O imediato pós-guerra (anos 1920) é chamado de “anos loucos”: cinismo, niilismo, relativismos frente às certezas, à cultura, à civilização ocidental, regados à grandes doses de hedonismo e melancolia.
Os escritores, artistas e intelectuais narraram suas trajetórias na guerra de acordo com sua inserção social e suas experiências particulares no conflito. D. H. Lawrence, F. Scott Fitzgerald, Ernest Hemingway, James Joyce, Erich Maria Remarque, entre outros, foram alguns dos representantes desta geração.(SILVA, 2003: 11-24). E é justamente a partir desta percepção produzida pelos escritos literários que tentaremos captar alguns sinais produzidos na época em questão.
As renovações provocadas pela chamada Escola dos Annales gerou, entre outras mudanças, as possibilidades de diálogo da história com outros campos disciplinares. A princípio este diálogo foi produtivo com a sociologia; depois a economia e a demografia se mostraram os interlocutores mais requisitados. Somente a partir da década de 1970, depois de mais uma onda de renovações, a literatura começa a se aproximar novamente da história de maneira mais efetiva. A chamada Nova História Cultural, vem desenvolvendo diálogos proveitosos com a antropologia - vide trabalhos de Darnton, Natalie Davis, Ginzburg - e com a Literatura e Crítica Literária - Chartier, Darnton, La Capra, White, Pesavento.
Pensamos nesta relação entre a história e a literatura a partir de dois caminhos, que mesmo representando perspectivas diferenciadas de análise, não se excluem e que foram fundamentais para o desenvolvimento deste texto. Uma delas é considerar o texto literário uma fonte para a História. Na qual o este é percebido como produto do contexto e que metodologicamente é preciso buscar a sua lógica social, interrogando-o. E pensar que autor e obra são acontecimentos datados e valem pelo que expressam aos seus contemporâneos. “ Para os historiadores a literatura é, enfim, um testemunho histórico.” (CHALHOUB, 1998: 7).
Outro caminho é entender o texto literário como produtor e disseminador de representações sociais. O texto literário leva o leitor (e o historiador) ao clima, ao “espírito” de uma época, traduz o modo das pessoas pensarem sobre o mundo e sobre si mesmas, quais seus códigos morais e valorativos. A literatura é uma representação do real, a partir dela se pode acessar, ler o imaginário social, neste caso “é a literatura que fornece os indícios para pensar como e porque as pessoas agiam desta e daquela forma” (PESAVENTO, 2005: 83).
A história nessa relação de aproximação com a literatura utiliza ferramentas ficcionais. Admite a impossibilidade de chegar ao passado tal qual ele aconteceu, trabalha com a noção reconstrução – para os mais ousados e radicais, invenção – de um tempo passado, lida com a noção de verossimilhança e aproxima-se demasiado da literatura. A história torna - se neste sentido uma ficção controlada. O controle se dá pelo método, pelo procedimento, pela concepção de conhecimento, pela maneira com aborda o objeto e formula os problemas a partir deste, é controlado pelas fontes e pelas perguntas que se faz a elas. Há na história uma busca constante pela verdade do acontecido, em se chegar o mais próximo possível da realidade passada, enfim a história tem a verdade como um alvo, mesmo não sendo possível atingi-lo.
Retomando os autores marcados pela guerra e que enfrentaram uma mudança em sua percepção de mundo e produziram representações sobre sua época, destaco a obra de Erich Maria Remarque e as nuances percebidas por este escritor dos acontecimentos elencados acima.
Erich Maria Remarque nasceu Erich Paul Remarque em 1898, em Osnabruck, Alemanha. Aos dezoito anos, ainda um jovem estudante foi para as trincheiras da Frente Ocidental, tendo sido ferido várias vezes. Em 1929, publicou seu livro de maior sucesso e impacto Im Western Nichts Neues (Nada de novo no front). Pouco antes de Hitler assumir o poder Remarque deixou a Alemanha, onde seu romance causava mal estar nos sentimentos de nacionalismo e honra do exercito e de setores da sociedade alemã já humilhada pelos tratados do pós-guerra.
Em 1933, o filme inspirado no livro teve sua exibição proibida e seus livros queimados em praça pública pelos nazistas. Em 1938, perdeu sua cidadania alemã. Ao sair da Alemanha se refugiou na Suíça e nos Estados Unidos, onde adquiriu cidadania em 1947. Morreu em 1970, na Suíça.
Sua produção alcançou o número de treze romances publicados. Uma marca de sua produção é a proximidade temática, geralmente suas personagens são anti-heróis desprovidos de convicções, estas foram perdidas na guerra, ou nas perseguições políticas e ideológicas; o absurdo da guerra e sua desumanização do homem; o clima constante de angústia, melancolia e medo; as situações experimentadas por refugiados de guerra, sua agonia, insegurança, desterritorialização e possíveis laços de solidariedade. Outra característica é que as obras cobrem apenas um período determinado: 1914 – 1945, com poucas variações pós-1945.
Diante de obra tão vasta são variadas as possibilidades de trabalho e as escolhas metodológicas. Neste texto cinco romances foram utilizados como fonte: Nada de novo no front (1929); Náufragos (1941); Arco do Triunfo (1945); Tempo para viver Tempo para Morrer (1954); Sombras no Paraíso (1971, publicação póstuma).
Uma das saídas é analisar cada um dos romances em todas as suas características. Delimitando temporalidades, temáticas, foco narrativo, personagens e suas representações sociais. O tempo e o escopo do presente trabalho impossibilitam tal empreitada. A outra é escolher temas para análise e lançar mão dos romances para interrogá-los de acordo com as afinidades temáticas. Por fim, outra postura é agrupar os romances de acordo com suas afinidades temáticas explorando cada um dos temas. Por conta do caráter deste texto optamos pela última possibilidade metodológica, deixando as outras abordagens para uma futura análise.
Temporalmente as obras abarcam a Primeira Guerra, o período entre guerras, de ascensão e dominação nazista, a Segunda Guerra e o seu final. Seus livros, através das representações dos fatos e experiências, abrem e fecham o período. Sua trajetória pessoal e as marcas da guerra e das perseguições sofridas se tornaram o substrato fundamental para sua produção.
Em relação aos temas possíveis de serem abordados podemos destacar a guerra e todos os seus desdobramentos nas vidas das pessoas; a convivência com morte e sua banalização; a condição de existências dos refugiados de guerras e dos regimes totalitários; a perda da identidade, o desenraizamento, a desterritorialização e o expatriamento; a presença e a convivência constante com o medo.
Os livros que abordam diretamente a temática da Guerra são Nada de Novo no Front, sobre a Primeira Guerra e Tempo para viver Tempo para morrer, sobre a Segunda Guerra, embora o tema também apareça em outros romances do autor. A experiência da guerra se mostrou traumática para o autor de várias maneiras. A primeira percepção que aparece nos textos é uma atitude francamente anti-beliscista e marcado por um humanismo pacifista. Isto pode ser entendido como uma reação à brutalidade e ao absurdo da guerra. Traz a idéia de que eles, soldados, estavam sendo jogados para a morte, por causas que não eram as deles (REMARQUE, 2008: 40)
[...] No seu entender, uma declaração de guerra deve ser uma espécie de festa do povo, com entradas e músicas, como nas touradas. Depois, os ministros e os generais dos dois países deveriam entrar na arena de calção de banho, e, armados de cacetes, investirem uns sobre os outros. O último que ficasse de pé seria o vencedor. Seria mais simples e melhor do que isso aqui, onde quem luta não são os verdadeiros interessados.
E a experiência do conflito, dos meses e anos passados entre o front, as trincheiras e os hospitais havia se entranhado e tatuado em seus corpos e mentes a sensação de que não havia mais a possibilidade de uma vida sem guerras e a certeza de que esta os arrancou aquilo que de mais importante poderia existir na vida de um jovem, a alegria de viver, a vivacidade e a esperança no futuro (REMARQUE, 2008: 75).
Ele tem razão. Não somos mais a juventude. Não queremos mais conquistar o mundo. Somos fugitivos. Fugimos de nós mesmos e de nossas vidas. Tínhamos dezoito anos e estávamos começando a amar a vida e o mundo e fomos obrigados a atirar nele e destruí-los. A primeira bomba, a primeira granada explodiu em nossos corações. (...). Não acreditamos mais nas coisas; só acreditamos na guerra.
A experiência provocou uma ruptura temporal radical em relação ao período imediatamente anterior, “que mais havia para nós? Algumas paixões, um pouco de fantasia e a escola; nossas vidas não iam mais longe. E, disso tudo, nada sobrou” (REMARQUE, 2008: 23). O corte foi tão profundo que uma licença e uma volta para casa, antes de ser um alívio aos horrores das trincheiras, revelaram o quanto a guerra havia transformado os soldados. Trauma, desencanto e total falta de fé e perspectiva no futuro marcou a geração no pós-1918. A guerra foram eles, os soldados, que a fizeram e a sofreram, convivendo diariamente com o medo e a angústia, “Além disso, o ar irrespirável, espesso e vicioso afeta nossos nervos. Estamos como que sentados no nosso próprio túmulo e esperamos apenas que desabe sobre nós, enterrando-nos.” (REMARQUE, 2008: 91).
A morte, companheira inseparável nos campos de batalha, tornara - se algo tão banal, quanto terrificante (REMARQUE, 1995: 5)
A morte cheirava diferente na Rússia do que na África. Na África, sob o pesado fogo inglês, os cadáveres também ficavam expostos entre as linhas, mas lá o sol trabalhava depressa. À noite o vento trazia o cheiro adocicado, sufocante e pesado – (...) – mas já no dia seguinte começavam a murchar, a aderir à terra, infinitamente cansados, como se quisessem aconchegar – se a ela – e mais tarde , quando já se podia buscá-los, muitos estavam leves eressequidos, (...). Areia, sol e vento tornavam a morte seca. Na Rússia, a morte era viscosa e fedorenta.”
Foi desta maneira que Graeber, protagonista de Tempo para viver, tempo para morrer, conseguiu construir a imagem mais comum do seu cotidiano enquanto soldado das tropas alemãs durante a Segunda Guerra. Era preciso está preparado para lidar com a constante tensão da perda de camaradas e da própria vida, o vilipendiar da sua condição humana, o constante deslocar-se de acordo com as vontades dos oficiais superiores.
No segundo grupo de livros, Náufragos, Arco do Triunfo e Sombras no Paraíso, temos os possíveis temas a serem abordados. A condição do refugiado: Kern, Ravic e Robert Ross – os dois últimos nomes falsos, quase não se lembravam do nome verdadeiro – personagens principais dos respectivos romances eram alemães refugiados antes e durante a segunda guerra e viviam fugindo dos agentes da imigração.Ravic, protagonista de Arco do Triunfo, era um médico alemão refugiado que prestava serviços ilegais, a baixo custo, em uma clínica em Paris era uma figura experiente na rotina de fugas constantes e dá conselhos a outras na mesma situação (REMARQUE, 1984: 44)
Quem tem experiência não reincide. Somos expulsos com um certo nome e voltamos com outro nome. Se possível cruzamos a fronteira em outro ponto. Assim evitamos a reincidência. Como temos documentos a constatação do fato só é possível se alguém nos reconhece. Isto é muito difícil. Ravic é meu terceiro nome. Faz quase dois anos que o uso. (...). Quase cheguei a esquecer meu verdadeiro nome.
Chegando como imigrante ilegal nos Estados Unidos, Robert Ross, jornalista antinazista, perseguido pela polícia política de Hitler, protagonista de Sombras no Paraíso e também usando falsa identidade, que conseguiu roubando de um companheiro morto em um campo de concentração, constatou, que “Como tantos outros que escaparam às garras da Gestapo, também percorri toda a extensão desta longa trajetória. Nem mesmo nos países que, em nossa fuga, atravessamos, nós nos sentíamos seguros (...)” (REMARQUE, 1971: 9)
Vivendo e circulando entre hotéis, hospedarias, esconderijos e postos de imigração nas fronteiras dos países europeus, as pessoas não possuíam paz, nem tranquilidade, além de não possuírem o direito de desfrutarem de uma noite de sono livres de angústia. Desse modo (REMARQUE, 1952: 9)
Kern despertou sobressaltado a noite no meio da escuridão. Igual a todas as criaturas perseguidas, acordava inteiramente consciente, alerta e pronto para a fuga. Sentado na cama, imóvel, o corpo franzino curvado para frente, fazia planos arriscados de escapada, na hipótese de que a escada já estivessem ocupadas.
Outra realidade com a qual as pessoas tinham que conviver era a perda da identidade e o desenraizamento. Ross, inimigo do regime, foi jurudicamente considerado morto em 1933, traduziu o sentimento de indivíduos que foram obrigados a viver uma vida sem raízes, arrastados pelas vagas de uma política que não respeitava a dignidade humana e que os perseguia por sua etnia, religião ou opinião política. Na sua caminha ele relatou os lugares por onde passou “A fase final da última guerra eu passei em Nova Iorque. Apátrida, dominando mal a língua do país (...). Minha senda de amarguras cortara pela Holanda, Bélgica, norte da França e fora dar a Paris.” (REMARQUE, 1990: .9).
Seus personagens tinham que ser fortes para suportar esta situação de constante insegurança e instabilidade. Para isso se despiam de sentimentos de culpa e arrependimento, deixavam para traz romantismos, pois estas características poderiam travá-los em uma possível e quase certa fuga.
Deveriam estar aptos a fugir no meio da madrugada, não podiam se deixar levar pelo sentimentalismo e muito menos criar laços duradouros com outros, pois poderiam ser arrancados do convívio a qualquer momento (REMARQUE, 1984:45)
Vivia; era quanto bastava. Nessa época em que tudo cambaleava não tinha interesse em construir alguma coisa que logo desmoronaria. Era melhor deixar-se vagar que desperdiçar sua energia, que era a única coisa insubstituível. Resistir era tudo (...).
A presença do medo era constante para aqueles que viveram na Era da Catástrofe. Ele se apresentava no exílio, no campo de batalha e no próprio lar. A presença tentacular do nazismo em todos os lugares da Europa e seu fantasma fora dela, assustava os que eram perseguidos por alguma razão. A configuração e a pressão exercida por uma sociedade policial e cínica que provocando o sofrimento de uns cultivavam o luxo e o fausto de uma minoria que fazia o jogo do partido. Enfim, era uma época de desencantamento, melancolia, niilismo, somente minimizada pela amizade, camaradagem e a afetividade encontrada em meio à desgraça.
Muito mais que uma sistematização da obra de Remarque, este texto propôs um mapeamento das possibilidades e da riqueza temática da produção do autor. Também se constituiu como mais um exercício para se abordar metodologicamente de que maneira se relacionam história e literatura e como esta pode ser uma fonte privilegiada para nós historiadores captarmos a sensibilidade de uma época.
A obra de Erich Maria Remarque se configura como uma bandeira frente ao belicismo, autoritarismo e perseguições de toda espécie. Representou com cores bastante vibrantes a pequenez e a animalização do homem frente à barbárie da guerra, com suas perdas, traumas e frustrações. Enfim, sua obra pode ser lida como uma catarse frente suas experiências no front e como refugiado de guerra e de perseguição pelos nazistas.
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