quarta-feira, 9 de novembro de 2022

Eleições nos EUA

América que conhecemos ainda não está perdida, mas está no limite

Esqueça a Hungria de Orbán; Estados Unidos seriam piores sob um regime Maga 

Paul Krugman, FSP, 08/11/2022

Se você não está sentindo medo na véspera das eleições de meio de mandato, não está prestando atenção.

Podemos falar sobre as apostas convencionais destas eleições –suas implicações para a política econômica, os grandes programas sociais, a política ambiental, as liberdades civis e os direitos reprodutivos. E não é errado ter essas discussões: a vida vai continuar, aconteça o que acontecer na cena política, e as políticas governamentais continuarão tendo um grande impacto na vida das pessoas.

Mas eu, pelo menos, sempre me sinto um pouco culpado quando escrevo sobre inflação ou o destino do Medicare (plano de saúde dos Estados Unidos para pessoas de 65 anos ou mais). Sim, essas são minhas especialidades. Concentrar-me nelas, entretanto, parece um pouco com negação, ou pelo menos evasão, quando as apostas fundamentais hoje são tão existenciais.

Dez ou 20 anos atrás, aqueles de nós que alertavam que o Partido Republicano estava se tornando cada vez mais extremista e antidemocrático eram frequentemente considerados alarmistas. Mas os alarmistas foram justificados a cada passo do caminho, desde os falsos pretextos apresentados para a guerra do Iraque até a insurreição de 6 de janeiro de 2021.

De fato, hoje em dia é quase senso comum que o Partido Republicano, se puder, irá transformar os Estados Unidos em algo como a Hungria de Viktor Orbán: uma democracia no papel, mas na prática um Estado de partido único etnonacionalista e autoritário. Afinal, os conservadores dos EUA não fizeram segredo de que tinham a Hungria como modelo; eles festejaram Orbán e o apresentaram em suas conferências.

Neste ponto, porém, acredito que mesmo esse senso comum esteja errado. Se os EUA caírem no governo de partido único, será muito pior, muito mais feio, do que o que vemos na Hungria hoje. Antes que eu chegue lá, uma palavra sobre o papel das questões políticas convencionais nestas eleições.

Se os democratas perderem uma ou ambas as casas do Congresso, haverá um alto coro de recriminações, muitas delas afirmando que eles deveriam ter-se concentrado em questões de mesa de cozinha, e não falar nada sobre ameaças à democracia.

Não reivindico nenhum conhecimento aqui, mas observaria que o partido de um presidente em exercício quase sempre perde assentos nas eleições intermediárias. A única exceção a essa regra neste século foi em 2002, quando George W. Bush conseguiu desviar a atenção de uma recuperação sem empregos, posando como o defensor dos Estados Unidos contra o terrorismo. Esse registro sugere, no mínimo, que os democratas deveriam ter falado ainda mais sobre questões além da economia. Eu também diria que fingir que esta é uma temporada eleitoral comum, onde apenas a política econômica está em jogo, seria fundamentalmente desonesto.

Finalmente, mesmo os eleitores que estão mais preocupados com salários e custo de vida do que com a democracia devem, no entanto, estar muito preocupados com a rejeição das normas democráticas pelo Partido Republicano. Por um lado, os republicanos têm sido claros sobre seu plano de usar a ameaça do caos econômico para obter concessões que não poderiam ganhar no processo legislativo normal.

Além disso, embora eu entenda o instinto dos eleitores de escolher um piloto diferente quando não gostam do rumo da economia, eles devem entender que, desta vez, votar nos republicanos não significa apenas dar a outra pessoa uma chance ao volante; pode ser um grande passo para entregar o controle permanente ao Partido Republicano, sem chance de os eleitores reverem essa decisão se não gostarem dos resultados.

O que me leva à questão de como seriam os EUA com partido único.

Como eu disse, agora é quase senso comum que os republicanos estão tentando nos transformar na Hungria. De fato, a Hungria oferece um estudo de caso sobre como as democracias podem morrer no século 21.

Mas o que me impressiona ao ler sobre o governo Orbán é que, embora seu regime seja profundamente repressivo, a repressão é relativamente sutil. Como colocou um artigo perspicaz, é o "fascismo brando", que torna os dissidentes impotentes por meio do controle da economia e da mídia, sem espancá-los ou colocá-los na prisão.Você acha que um regime Maga [Make America Great Again, ou faça a América grande de novo], com ou sem Donald Trump, seria igualmente sutil? Ouça os discursos em qualquer comício de Trump. Eles são cheios de vingança, de promessas de prender e punir qualquer um –incluindo tecnocratas como Anthony Fauci– que o movimento rejeite.

E grande parte da direita americana simpatiza com, ou pelo menos não quer condenar, a violência contra seus oponentes. A reação republicana ao ataque a Paul Pelosi por um invasor que defende o Maga foi reveladora: muitos no partido nem sequer fingiram estar horrorizados. Em vez disso, apresentaram feias teorias da conspiração. E o resto do partido não baniu ou penalizou os provedores de falsidades vis.

Em suma, se o Maga vencer, provavelmente nos veremos desejando que seu governo seja tão tolerante, relativamente benigno e relativamente não violento quanto o de Orbán.

Agora, essa catástrofe não precisa acontecer. Mesmo que os republicanos ganhem muito nas eleições intermediárias, não será o fim da democracia, embora seja um grande golpe. E nada na política é permanente, nem mesmo uma descida total ao autoritarismo.

Por outro lado, mesmo que tenhamos um alívio esta semana, o fato é que a democracia está em profundo perigo com a direita autoritária. A América que conhecemos ainda não está perdida, mas está no limite.

Tradução de Luiz Roberto M. Gonçalves

Urnas reduzem ‘onda vermelha’ a ‘marolinha’ e Trump sai como maior derrotado nos EUA; leia análise

Por Carlos Poggio*, O Estado, 09/11/2022

Recuo democrata no Congresso já era esperado, mas candidaturas extremistas ligadas ao ex-presidente parecem ter impedido um maior avanço republicano
A principal questão nessas eleições de meio de mandato nos Estados Unidos era qual seria o tamanho da derrota do Partido Democrata.

Considerando que em 36 das últimas 39 eleições desse tipo, o partido do presidente eleito perdeu assentos no Congresso, e que Joe Biden, que não é exatamente um presidente popular, enfrenta a pior taxa de inflação nas últimas quatro décadas, uma derrota Democrata seria algo perfeitamente normal dentro da logica política americana. Dado que os republicanos precisavam ganhar uma meia dúzia de assentos para obter maioria na Câmara, seria um feito de proporções históricas caso os democratas conseguissem manter sua atual posição.

Apenas para efeito de comparação, os últimos presidentes democratas presenciaram verdadeiros desastres no segundo ano de seus mandatos. Em 1994, Bill Clinton perdeu 53 assentos no Congresso. Em 2010, Barack Obama bateu um recorde negativo ao ver seu partido perder 63 cadeiras nas eleições legislativas de meio de mandato. Em 2002, George W. Bush tornou-se um dos raros presidentes na História a ver seu partido aumentar a vantagem na Câmara dos Representantes quando os republicanos ganharam 8 assentos, enquanto o país ainda vivia o choque do 11 de setembro de 2001.
Nas eleições legislativas de 2018, Donald Trump viu os republicanos perderem 40 cadeiras, o que à época foi encarado com certo alivio pelo partido, dada a baixa aprovação do presidente e o fato de que, ainda assim, conseguiram capturar mais dois assentos no Senado.

Portanto, levando esse contexto histórico em conta, o melhor cenário para Biden e os democratas seria uma perda entre 30 e 40 cadeiras na Câmara e assegurar ao menos a manutenção da atual configuração no Senado, que garante à vice-presidente Kamala Harris o voto de desempate. Dado esse contexto, os democratas têm bastante a celebrar após o encerramento da votação de terça-feira, 8. A esperada onda republicana foi rapidamente se transformando em uma “marolinha”.

A primeira derrota significativa deste ciclo eleitoral foi para o lado republicano e veio na madrugada de terça para quarta, quando foi confirmada a vitória do candidato democrata John Fetterman ao Senado pelo Estado da Pensilvânia. Fetterman, atual vice-governador do Estado e casado com uma brasileira, teve um derrame durante as primarias do Partido Democrata. Seu adversário foi Mehmet Oz, médico que se tornou conhecido do grande publico americano ao apresentar um popular show de TV.
A disputa pelo Senado da Pensilvânia era uma das eleições mais acirradas e cruciais nas midterms. No último final de semana, três presidentes – Obama, Trump e Biden – foram ao Estado fazer campanha para seus candidatos. Nesse sentido, a vitória de Fetterman é também simbólica para um dos principais perdedores dessas eleições: Donald Trump.

A Pensilvânia foi um dos Estados que também tiveram eleições para governador. Um dos possíveis fatores para a derrota de Oz ao Senado é que os republicanos, enfatuados com Trump, acabaram por nomear como candidato Doug Mastriano, um extremista de direita adepto de teorias da conspiração e que participou da invasão ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021. Mastriano perdeu as eleições de forma decisiva para o candidato democrata e pode ter ajudado a afundar Oz.
Se Trump sai chamuscado, o principal vencedor dessas eleições parece ter sido o governador da Flórida e seu principal rival pela nomeação do Partido Republicano para concorrer a presidência em 2024, Ron DeSantis, que foi reeleito com folga e ainda viu ganhos expressivos para republicanos em todo o Estado.

É possível que a percepção do eleitor republicano mude a partir desses resultados, e Trump passe a ser visto com um pouco mais de desconfiança. O New York Post, popular tabloide conservador, postou em sua capa no dia seguinte das eleições a foto de DeSantis com o titulo “DeFuture”. Começou a campanha para 2024.

* É PROFESSOR DO DEPARTAMENTO DE CIÊNCIA POLÍTICA DO BEREA COLLEGE (KENTUCKY)
 

ELEIÇÕES NOS EUA. DERROTA DE BIDEN vídeo 

Eleições nos EUA: quem ganhou, quem perdeu e as tendências até agora

Anthony Zurcher, Da BBC News em Washington, 9 novembro 2022

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