segunda-feira, 16 de agosto de 2021

O engenheiro e o técnico de informática

Simplificações grosseiras dos ministros bolsonaristas

Por Antônio Gois, 16/08/2021

“Os primeiros anos do ensino fundamental preparam para o ensino médio. O ensino médio prepara para o vestibular. O vestibular prepara para a universidade. E a universidade prepara para o desemprego.”. “Está cheio de doutor sem emprego, mas é difícil encanador passar fome”. “Tem muito engenheiro ou advogado dirigindo Uber porque não consegue colocação devida. Se fosse um técnico de informática, conseguiria emprego, porque tem uma demanda muito grande”. As declarações acima são, respectivamente, dos três ministros que já ocuparam o MEC no governo Bolsonaro: Ricardo Velez-Rodriguez, Abraham Weintraub e o atual, Milton Ribeiro.

Simplificações grosseiras ditas por autoridades que deveriam ao menos conhecer os números básicos da área sob seu comando não são novidade. Já registrei diversas vezes nesse espaço estatísticas que desmentem a tese de que há uma crise de desemprego maior entre profissionais diplomados. Os números do IBGE são claros em indicar outro padrão: trabalhadores com formação superior registram taxas significativamente menores de desemprego e médias maiores de renda.
Foto captura de tela

Desemprego por nivel de escolaridade | IBGE

Este prêmio elevado de quem consegue se formar numa universidade no Brasil acontece principalmente porque o ensino superior ainda é para poucos. Temos proporções muito mais baixas de pessoas com essa formação na comparação com países desenvolvidos e com nossos vizinhos mais avançados.

Do ponto de vista do mercado de trabalho, se um brasileiro puder optar entre ser engenheiro ou técnico de informática, o melhor a fazer é ignorar o conselho do ministro, pois não resta dúvida que a primeira opção ainda é muito mais vantajosa. Dados do Salariômetro, ferramenta da Fipe (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas) que calcula o salário médio de contratação a partir dos registos oficiais do Caged (Cadastro Geral de Empregados e Desempregados) mostram que o salário médio de contratação de um engenheiro eletrônico de outubro de 2020 a março de 2021 foi de R$ 8.199. Para o mesmo periodo, a média de técnicos em manutenção de equipamentos de informática foi de 1.980. (Para advogados, outra profissão universitária citada pelo ministro, a média foi de R$ 4.530).

Seja por ação, por omissão ou por razões alheias à atuação dos ministros bolsonaristas, é preocupante constatar que o processo de democratização do ensino superior dá sinais de esgotamento. Há duas semanas, reportagem de Bruno Alfano no Globo mostrou que vivenciamos em 2021 uma queda sem precedentes no número de inscritos no Enem, de bolsas no ProUni e de contratos pelo Fies. Um estudo publicado neste ano, do pesquisador Adriano Souza Senkevics, já identificava antes da pandemia sinais preocupantes de estagnação no movimento de inclusão de alunos mais pobres no ensino superior. Depois de um período de aumentos sucessivos desde 1998, a proporção dos mais pobres em universidades estagnou entre 2016 e 2019.

Outro equívoco na fala dos ministros bolsonaristas é o de colocar a necessidade – real - de expansão do ensino profissionalizante em contraponto à opção pelo ensino superior. Hoje, aliás, diversos estudos mostram que alunos do ensino técnico integrado ao médio apresentam desempenho melhor nas provas do Pisa, Enem ou Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica), uma sinalização de que é possível oferecer esse tipo de ensino sem prejudicar o ingresso no ensino superior, para aqueles que assim desejarem. 

Se o discurso a favor do ensino profissionalizante ao menos resultasse em políticas que ampliassem significativamente as matrículas nessa modalidade, ao menos teríamos algo a celebrar. Mas nem isso está acontecendo.

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