sábado, 14 de agosto de 2021

Jogo do Poder por Yanis Varoufakis

Money can't buy me love

Costa-Gravas, no alto dos seus 88 anos, nos apresenta, em 2019, o filme Jogo do Poder (Adults in the Room). Gravas volta ao tema capitalismo e suas consequências perversas. Volta, porque em 2012 já tinha feito O Capital (Money is the master) resenhado neste Blog em Filmes parte 2 . Aqui o ambiente é o capitalismo financeiro. No filme Jogo do poder, Gravas da voz a Yanis Varoufakis, ministro das finanças do governo grego de esquerda, em 2015. Yanis enfrentou a Troika (Fundo Monetário Internacional, Banco Central Europeu e Comissão Europeia), a gerência do mundo capitalista europeu.

Sobre o filme e Yanis Varoufakis

Sinopse do filme: “Jogo do Poder” é um relato transparente sobre a agenda oculta da Europa, expondo o que realmente acontece em seus corredores de poder. Revelando as razões para a crise na Grécia ter acontecido, foi travada uma das mais espetaculares e controversas batalhas na história política. Mas a verdadeira história do que aconteceu é quase inteiramente desconhecida, principalmente porque grande parte dos verdadeiros negócios da União Europeia ocorre a portas fechadas.

Jogo do Poder, por Jorge Cruz Jr.

Passos e Cartas Marcadas

Quase uma década após lançar seu último longa-metragem “O Capital” (2012) – que se baseava nos meandros da rotina financeira especulativa – e quatro décadas depois de sua última incursão ao país-natal, a Grécia, com o clássico “Z” (1969), o cineasta Costa-Gavras lança mais um de seus dramas políticos. “Jogo do Poder“, que chega aos cinemas brasileiros no próximo dia 12 de agosto, mostra a capacidade do cineasta de se reinventar e de, próximo aos noventa anos, se envolver com questões contemporâneas com a mesma sede de representação de outros períodos da carreira.

Por mais que o espectador não esteja ambientado com a situação da combalida economia grega nos últimos anos – que teve nos Jogos Olímpicos de Atenas em 2004 um divisor de águas ainda maior do que no Brasil – a obra encontra paralelos universais pela maneira como mergulha na real politik. Baseado no livro do ex-Ministro de Finanças, Yanis Varoufakis, o diretor teve um material bruto valioso nas mãos. Conduzido ao cargo em 2015, pelo Primeiro Ministro Aléxis Tsípras – que permaneceu na cadeira por apenas oito meses, Yanis filmou todas as reuniões envolvendo o Eurogrupo (que reúne autoridades com cargos similares aos seus).

Uma época em que a União Europeia não queria mais aceitar o rolamento da dívida que a nação mantinha com os bancos do continente. Contudo, um governo de esquerda acabara de ser eleito com a promessa de revisão da austeridade fiscal, que estava sufocando e impedindo o crescimento do país. Diante de um débito impagável, a única solução que administrações anteriores propunham era a constituição de novos empréstimos. Varoufakis entendia que a Grécia vivia ali um “ciclo de destruição“, que geraria apenas mais arrocho e uma queda sustentável do PIB.

Costa-Gravas durante as filmagens

O que Costa-Gavras faz em “Jogo do Poder” é aplicar o foco total nas liturgias e no teatro em que a política e as relações diplomáticas se constituem. Sequências limitadas a grandes salões, jantares ou reuniões de equipe, em uma estética que soa quase documental. Conteudista, sim, mas ao mesmo tempo emocionante pela maneira como Yanis insiste em lutar – mesmo em uma partida de cartas marcadas. A trilha sonora de Alexander Desplat, como sempre ocorre nos projetos em que ele participa, antecipam o tom das cenas, dão fluidez à narrativa como poucos conseguem no cinema atual.

Em uma espécie de guerra fria com a Alemanha, que não está disposta a ceder a qualquer proposta do novo governo grego, a zona do Euro fica em peso contra o país. Usou o establishment político como ferramenta de chantagem. No roteiro do próprio Gavras, adaptando o livro, uma interessante saída é a de contrapor o protagonista a Aléxis. No Primeiro Ministro encontramos um homem capaz de realizar os cálculos políticos que seu Ministro se nega a fazer. Leciona e aconselha ao falar da diferença entre ideologia partidária e atos governamentais.

Nos diálogos mais universalistas do longa-metragem, fala da volatilidade do apoio popular. Em uma sociedade em crise, contar com essa álibi é algo muito frágil. Tsíparas sabia que seria questão de tempo que os mesmos que chancelaram seu cargo se voltassem contra ele. Seja por eventuais medidas impopulares ou por decisões populistas que levariam mais adiante a consequências desastrosas. Na condução de um cineasta que tem domínio do objeto, as mais de duas horas do filme não nos cansa, já que parece que estamos sempre pegando atalhos e atingindo novos espaços naqueles corredores do poder.

Enquanto a Europa vendia para a opinião pública a imagem de salvadora, a Grécia tinha suas pretensões sufocadas. Até a velha desculpa de evitar uma guinada comunista surge como argumento. O filme nos leva a um questionamento interessante – e que talvez ganhe capilaridade na nossa sociedade dependendo dos resultados das eleições de 2022: até que ponto um governo de esquerda se permitirá despersonalizar-se para manter as instituições equilibradas e funcionando harmonicamente? Bem menos frágil que a Grécia, o Brasil brinca com fogo parecido. Tsíparas decidiu devolver ao povo o poder de escolha, realizando uma fala importante sobre sua autodeterminação

Ah, claro, se já não bastasse a comprovação de que o diretor veterano se encontra ainda no auge de sua criatividade, a sequência final de “Jogo do Poder“, assumindo a teatralização e trazendo o circo político de forma alegórica, é a quebra de expectativa que precisávamos. Enquanto muitos discutem a mesmice que boa parte do cinema europeu  nos entrega, Costa-Gavras nos ensina a dançar o jogo político como poucos mestre conseguiriam.

Jorge Cruz Jr

Jorge Cruz Jr. é advogado desde 2009, graduando em Produção Cultural pelo Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ) e escreve sobre cinema desde 2008


Yanis Varoufakis

Na UE há tanta democracia quanto oxigênio na Lua: zero

O ex-ministro das Finanças grego acredita que não estamos mais no capitalismo, mas em um tecnofeudalismo mais próprio de uma distopia

Yanis Varoufakis fotografado em sua casa, em Atenas, no dia 8 de março de 2021.GEORGIOS MAKKAS / EL PAÍS

Ministro, ativista, político, economista, professor, ensaísta de sucesso e hoje, em uma nova reviravolta que adiciona uma nova camada à sua figura carismática e contestatária, Yanis Varoufakis se tornou romancista. Provavelmente nunca um ministro das finanças tão breve ―ocupou o cargo entre janeiro e julho de 2015, na fase mais dramática da Grécia contemporânea― durou tanto tempo no imaginário da opinião pública, mas aí está de novo, com sua estética de camiseta, jovialidade e muito humor, tentando cavalgar um movimento internacional de esquerda e com seu romance, Otra Realidad (ainda sem edição no Brasil), prestes a ser publicado na Espanha. Conversou com o EL PAÍS por videoconferência de Atenas, onde é um dos nove deputados de seu pequeno partido, MeRA25.

Pergunta. Seu livro cria uma realidade alternativa que nasce para ser escrava do mundo e não o contrário. Somos escravos?

Resposta. Sim e não. A essência humana é que sempre temos a capacidade de nos libertar, mesmo que estejamos no meio da pior escravidão, e isso não pode ser destruído por nenhum tipo de autoritarismo. Se agora que completo 60 anos continuo sendo marxista e Marx segue me importando, é por causa de sua descrição do capitalismo. Ao contrário dos comunistas que o seguiram, ele era um verdadeiro liberal e o que lhe interessava é que o capitalismo simultaneamente nos libertava e nos escravizava. Nos liberta porque cria uma maquinaria que trabalha para nós, mas que acabamos alimentando e nos escraviza. Por exemplo, o Google hoje nos liberta da estupidez porque temos acesso a todas as informações do mundo, mas ao mesmo tempo nos escraviza porque alimentamos sua maquinaria publicitária sem perceber.

P. Então continua a se definir como um marxista. A palavra ainda serve?

R. Sempre me defini como marxista libertário, estranho, inconsistente, no sentido de que discordo de mim mesmo, como Marx. Sem ele, eu não entenderia o capitalismo nem os mercados.

P. Como interpreta a crise provocada pela pandemia?

R. Não é uma nova crise. O verdadeiro começo foi a crise financeira de 2008, que foi o 1929 da nossa geração. Sabemos o que 1929 provocou em todo o mundo até desembocar na Segunda Guerra Mundial e ambos são muito semelhantes. A única diferença é que em 2008 os bancos centrais injetaram uma grande quantidade de dinheiro para salvar os bancos privados e esse dinheiro criou uma espécie de capitalismo de Estado, um feudalismo de Estado que chamo de tecnofeudalismo e que consiste em aplicar austeridade para as massas e ao mesmo tempo muito dinheiro do Estado, ou seja, socialismo, para os banqueiros e as corporações. E nisso veio o covid-19. E o que os Governos fizeram? Mais do mesmo: mais dinheiro do Banco Central para o setor financeiro e um pouco de ajuda à população para se manter, não para empoderar os que não têm poder. Portanto, a pandemia vai ser uma extensão e um aprofundamento do que aconteceu nos últimos 12 anos.

P. Não acredita que a reação da UE hoje foi mais rápida e proativa do que em 2008?

R. Melhoraram na propaganda em comparação com aqueles dias malucos de 2010. Mas quando você vai para a realidade, encontra fumaça, miragens, ar. Em março, Sánchez, Mitsotakis e Macron pediram o eurobond, a união fiscal efetiva e uma dívida europeia. Mas Merkel disse nein, como em 2010 e o resultado são fundos de recuperação, que são como fundos estruturais reforçados, e já sabemos para onde estão indo, para as grandes empresas, grandes corporações, enquanto as pequenas empresas, as médias empresas, os jovens e os desempregados não conseguirão nada.

P. Talvez trabalho?

R. Alguns sim, mas macroeconomicamente é insignificante. Por não termos união fiscal, deixamos a distribuição desse dinheiro aos Governos e isso gera corrupção, mais toxicidade entre holandeses, alemães, gregos, espanhóis... Fomos apontados com o dedo: olhem o que fizeram com o dinheiro que demos a vocês. Não é uma boa receita para unir os europeus.

P. Qual é a sua solução para a Europa?

R. Para criar uma união, você precisa de um Tesouro comum, uma dívida comum, um parlamento real e um verdadeiro Governo federal que você possa destituir, não uma Ursula von der Leyen que ninguém pode destituir e que ninguém nomeou, exceto Merkel e Macron. As pessoas dizem que a UE tem um déficit democrático, mas não é esse o caso, o que ela tem exatamente é zero democracia. É uma zona sem democracia. Se digo que há déficit de oxigênio na Lua, não é verdade, não há déficit de oxigênio na Lua, simplesmente não há oxigênio. E digo isso como europeísta, quero democratizar a UE.

P. Acredita que o euro ainda está em risco?

R. Absolutamente. Não é sustentável. A Europa é rica, mas temos um sistema insustentável que é mantido porque existe uma vontade política muito forte para isso. A cada dia que passa a riqueza europeia diminui, estamos desperdiçando-a e criando mais tensões. Depois da pandemia teremos mais diferenças: auge do Vox na Espanha; os holandeses olhando para os espanhóis ou gregos com maior receio; Hungria, Polônia e República Tcheca cada vez mais direitistas, racistas e antieuropeias, mais abertas a Putin e à democracia iliberal. As forças centrífugas ficam mais fortes. Vamos sair desta pandemia mais desiguais ainda do que entramos.

P. Quem está se saindo melhor no mundo?

R. A China, claramente. Sou democrata e liberal, sou marxista libertário e se estivesse na China estaria preso, sejamos claros, é um regime muito autoritário e cada vez mais. Mas eles são muito bons em administrar seus assuntos. O segredismo e a opacidade do regime fizeram a princípio com que a pandemia se alastrasse, mas uma vez que reagiram fecharam tudo e erradicaram, criaram seus hospitais, sua vacina, enquanto a Sanofi na França ou o Instituto Pasteur, que têm séculos de experiência, não tiveram sucesso. Conseguiram direcionar o investimento. A educação na China é próspera, produzem engenheiros, especialistas em línguas, inteligência artificial, fazem pesquisas que nós não fazemos na Europa, tecnologia de baterias... Estão a anos-luz de distância da Europa porque estão investindo. E também estamos atrás dos Estados Unidos, que é um país de grande desigualdade, mas com espaços em Seattle, Texas ou em Silicon Valley, onde muito dinheiro é investido no futuro.

P. As grandes empresas de tecnologia nos proletarizam, diz em seu livro.

R. Os gigantes da tecnologia conseguiram expandir a força de trabalho, transformando cada usuário em um trabalhador grátis. Diante de uma montadora, por exemplo, no Google, Facebook, Apple e Amazon, a maior parte da produção de capital é realizada pelos consumidores. Cada vez que saímos com o telefone, o Google atualiza seus mapas e os torna mais úteis. Você ganha um produto grátis, é claro, mapas ou o que for, mas eles captam sua atenção e vendem seus dados para os anunciantes, então nos transformaram em proletários sem sequer pagar. É uma grande mudança na divisão do trabalho. Somos todos produtores de capital e apenas uma pequena parte recebe um salário. Quando você entra no Facebook ou na Amazon, você sai do capitalismo. Senti isso fisicamente quando visitei o Google. Você entra em uma empresa mais próxima da União Soviética: há uma estética, um politburo, uma ideologia. Há uma KGB no Google ―muito amável, muito agradável, mas existe uma política sobre o que você pode dizer e o que não pode. É como uma ficção científica, como se você estivesse andando na rua e tudo fosse propriedade de só uma pessoa. Se ela não quiser que você veja algo, você não verá. E se a empresa quiser que você veja, você verá. Essa é a vida no Facebook, na Amazon, no Google. Isso não é competição, isso não é capitalismo, isso é feudalismo, uma forma distópica de ficção científica de feudalismo de alta tecnologia. Não estamos mais no capitalismo, temos que encontrar outra palavra e eu chamo de tecnofeudalismo.

P. Os setores de tecnologia e saúde se beneficiaram com a pandemia. Quais são os riscos?

R. Existe uma grande concentração de poder. As três empresas que estão produzindo as vacinas têm capacidade para extrair enormes somas de dinheiro da humanidade. Foram capazes de produzir as vacinas tão rapidamente porque Trump deu a elas 10 bilhões de dólares (cerca de 55,5 bilhões de reais) e, no entanto, não devolverão nada. Estão usando dinheiro do Estado para criar uma imensa capacidade para extrair dinheiro do resto do mundo. Quando a vacina contra a poliomielite foi inventada, na década de cinquenta, a patente foi dada ao mundo porque crianças estavam morrendo. Hoje isso não está acontecendo. Portanto, as grandes empresas de tecnologia, saúde e a indústria de defesa estão ganhando mais poder sobre o resto da população do que ninguém teve na história da humanidade. E seus interesses não são os mesmos do resto da humanidade. Há uma guerra entre os interesses dos mais fortes e os da maioria.

P. Tem alguma relação com Tsipras [primeiro-ministro da Grécia com o Syriza, a coalizão de esquerda radical]?

R. Zero. O povo grego nos deu um mandato para dizer não à troika e ele se rendeu na noite do referendo. Foi por isso que pedi demissão, ele se rendeu e o resultado foi a perda total da dignidade e da credibilidade da esquerda, não só na Grécia, mas em toda a Europa. O Podemos também acabou naquela noite. Rajoy [ex-presidente da Espanha] saiu com o papel que Tsipras assinou e disse: isso é o que vocês conseguirão se votarem no Syriza espanhol e foi o fim do Podemos. Naquela noite aconteceu um fracasso da democracia. Então, minha relação é zero.

P. E com o Podemos?

R. Acredito que a participação do Podemos no Governo de Sánchez é um erro. E antes disso foi um erro não ter um programa europeu. Tentei convencê-los antes das eleições para o Parlamento Europeu de 2019 de que a direita tem um programa para a Europa, os fascistas têm um programa para a Europa. Mas o Podemos nunca se interessou.

P. O ex-banqueiro central que a Grécia enfrentou, Draghi, está hoje no comando da Itália. É uma solução?

R. É uma solução para o setor bancário, para a troika, para garantir que a democracia está formalmente acabada na Itália. Quando o processo político não pode produzir um primeiro-ministro e você precisa de um ex-tecnocrata do Goldman Sachs, do Banco Central Europeu, para resolver os problemas que os políticos não podem resolver, você está declarando que a democracia fracassou, é a melhor notícia para o Partido Comunista Chinês, porque também não acreditam na democracia, mas sim nos tecnocratas a serviço do povo, mas sem as preocupações do povo. Draghi contratou a consultoria McKinsey para distribuir os fundos de recuperação na Itália, então você já tem o Tesouro nas mãos do Goldman Sachs, os fundos de recuperação nas mãos da McKinsey e o próximo passo pode ser dar à máfia o Ministério da Justiça porque entendem de lei muito mais do que eu. É um fracasso total da democracia na Itália.

Em tempo


Diretor grego Constantin Costa-Gavras aborda crise econômica de seu país em novo filme

'Jogo do Poder' encena, de forma ficcional, o drama do seu país de origem ao tentar renegociar a imensa dívida externa, sob o assédio da Troika – o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia

Luiz Zanin Oricchio, O Estado de S.Paulo, 14 de agosto de 2021

Em 1968, o cineasta Constantin Costa-Gavras fustigou o regime dos coronéis gregos no antológico Z, ícone do cinema político da época. Radicado na França há muitos anos, Costa-Gavras agora volta, meio século depois, à problemática realidade do seu país de origem. Não mais assediado pelo militarismo, como nos anos 1960, mas afrontado por imposições econômicas da Comunidade Europeia, da qual faz parte. 

Em Jogo do Poder, em cartaz nos cinemas, Costa-Gavras encena, de forma ficcional, o drama do seu país de origem ao tentar renegociar a imensa dívida externa, sob o assédio da Troika – o FMI, o Banco Central Europeu e a Comissão Europeia.
Depois de sete anos de crise econômica, a Grécia vive um momento de esperança com a eleição em 2015 de Alexis Tsipras (Alexandros Boardoumis) pela coligação de esquerda Syriza. Yanis Varoufakis (Christos Loulis), o novo ministro das Finanças, terá a nada fácil missão de reestruturar a dívida, pois o plano de austeridade, desejado pela autoridade econômica, apenas levaria mais desgraças para o povo grego.

A estratégia do filme é retratar Yanis como uma espécie de outsider, peixe fora d’água nos ambientes palacianos pragmáticos, onde se discute o futuro das nações. De um lado, a ortodoxia econômica representada pelo homem forte das finanças, o alemão Wolfgang Schäuble (Ulrich Tukur), preso a uma cadeira de rodas e inflexível como uma rocha neoliberal. De outro, a vontade heterodoxa de Yanis, disposto a quebrar a rigidez financeira e propor uma imaginativa reestruturação da dívida, de modo que o ônus não recaia sobre os mais frágeis. 

À sua maneira realista, Costa-Gavras descreve com grande mestria essa batalha de bastidores. Uma guerra nada limpa, em que palavras empenhadas pouco valem e a falta de empatia parece ser a moeda mais corrente e estável da comunidade. 

Não se trata de vilanizar um dos lados e heroicizar o outro, embora o filme seja baseado no livro de memórias de Yanis Varoufakis, Adults in the Room, o título original do filme. A frase – é preciso que haja adultos na sala – teria sido pronunciada pela então presidente do FMI e atual presidente do Banco Central Europeu, Christine Lagarde (Josiane Pinson), num dos muitos impasses entre as partes. Becos sem saída que, tomando cores emocionais, conduziam os líderes a comportamentos teimosos, emocionais e, no limite, infantis. A ideia central é mostrar até onde pode ir a complexidade do conflito de interesses, capaz de sobrepujar até mesmo decisões democráticas de um país-membro. 

Costa-Gavras é uma espécie de especialista em cinema político, embora o “gênero” seja de difícil definição. Ainda mais num tempo como o nosso em que tudo é visto como “político”, das artimanhas do governo às lutas identitárias e de controle do próprio corpo. Essa generalização pode trazer alguns inconvenientes, porque se tudo é político, nada o é, de maneira específica. Culpa de leituras a jato do filósofo Michel Foucault, com sua microfísica do poder e políticas do corpo. Costa-Gavras, digamos assim para simplificar, atém-se a uma delimitação mais estrita do âmbito político. Fala de ditaduras, arbítrios, abusos do Estado, do poder político e econômico, de lutas de liberação e pela democracia.
 
Com a trilogia Z (1968), A Confissão (1970) e Estado de Sítio (1972), firmou-se como um dos principais e talvez o mais conhecido autor a se dedicar a esses temas. No primeiro, a ditadura grega; no segundo, os regimes autoritários do Leste Europeu; no terceiro, as ditaduras militares do Cone Sul. Seu filme mais famoso talvez seja Missing (1982), em que se debruça sobre a ditadura chilena.
Tratou desses assuntos – em geral indigestos, porque críticos a regimes arbitrários – com seu estilo realista, e de grande eficácia. Trata assuntos duros em linguagem de thriller policial e, com isso, abre diálogo com um público mais amplo. Essa mescla parece criativa, mas não há unanimidade em torno do autor. Tido como mestre por alguns, Costa-Gavras também é costumeiramente atacado por parte da crítica, sob o argumento de que não faz cinema revolucionário, porque sua forma é tradicional. Essa ideia deriva do aforismo de Maiakovski, para quem “não existe arte revolucionária sem forma revolucionária”. Tese talvez a ser discutida, mas um tanto fora de moda nas elucubrações estéticas contemporâneas. 

Saindo de seu registro habitual, em Jogo do Poder, Costa-Gavras fornece pelo menos dois momentos de grande cinema, nos quais o realismo cede lugar a uma versão mais poética da imagem. Numa delas, o povo se aglomera, em silenciosa cobrança, diante da janela de um restaurante de luxo onde Yanis janta com a esposa. Noutra, as negociações de cúpula se transformam em gracioso bailado entre os participantes, a dança macabra do poder. 

Diga-se o que se quiser, mas o que se vê é um Costa-Gavras em plena forma, aos 88 anos. Seu gume crítico continua afiado ao denunciar os abusos do poder. Concentra-se agora no poder econômico e em seus desvios, como fizera com O Capital (2012) e agora faz com Jogo do Poder. Abusos que são a estrutura da mesma ordem mundial.


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