quarta-feira, 15 de fevereiro de 2023

O Banco Central está nu

Lula conseguiu o que queria, mostrou ao Brasil que o BC está nu

Chico Alves, UOL, 14/02/2023

Um dos mais conhecidos contos do autor dinamarquês Hans Christian Andersen foi escrito na primeira metade do século 19. Descreve como um trapaceiro espertalhão enganou um rei e sua corte vendendo ao monarca uma roupa que não existia. Para faturar alto, o malandro explorou a vaidade do rei e de seus seguidores. Recebeu o pagamento e não fez nada. Aos que perguntavam onde estavam as roupas, ele respondia que só podia enxergá-las quem tivesse grande inteligência e capacidade. A partir daí, todos, inclusive o monarca, passaram a dizer que conseguiam ver as novas vestimentas reais — que, na verdade, não existiam.

Querendo ser reconhecido como o mais inteligente de todos, o rei marcou um desfile em que apresentaria as novas roupas a seus súditos. Assim fez: foi para o alto de um carro para exibir o novo figurino. Recebeu o aplauso de todos. Até que um menino pequeno que assistia ao desfile gritou para a mãe: "Coitado do rei! O rei está nu!"

A partir daí, todos passaram a acreditar nos próprios olhos e concordaram com a criança. Não havia roupa nenhuma, o rei realmente estava nu. O desprendimento do menino fez com que os súditos e os conselheiros do rei entendessem que estavam fazendo papel de idiotas.

Se Andersen vivesse no Brasil de hoje, poderia fazer um conto semelhante com a taxa de juros fixada pelo Banco Central. Há muito tempo, a equipe do BC faz as maiores barbeiragens, com a empáfia de quem se acredita dona da razão. E sob a condescendência da imprensa. Essa certeza sofreu agora um sério abalo.

Como o menino que apontou que o rei está nu, o presidente Lula usou o peso do cargo para chamar atenção para a aberração: o país tem a maior taxa de juros do planeta e não há nenhum motivo para isso. Os críticos de sempre continuam tentando desqualificar o alerta do presidente da República, invocam uma propalada superioridade técnica do BC para tratar do assunto, mas Lula não voltou atrás.

Trouxe Roberto Campos Neto, o chefão do Banco Central, para o centro das atenções. Desde que esse debate começou, há algumas semanas, espera-se que ele dê explicações convincentes para a manutenção dos juros nas alturas. Até agora, nada. Na noite de ontem, Campos Neto teve uma ótima oportunidade para provar que tem razão. Por quase duas horas foi entrevistado no programa Roda Viva. Ao fim da entrevista, porém, os brasileiros continuaram sem saber por quais motivos somos os recordistas mundiais de juros.

Lula não está mais sozinho nessa cruzada, alguns economistas importantes se juntaram a ele e a discussão está quente. O presidente conseguiu o que queria. Quebrou o silêncio em torno do assunto. Alerta que as decisões do BC podem levar o país à recessão e causar desemprego, justamente os males que deveria evitar.

Esse é um raro momento em que o pensamento único dos banqueiros e operadores financeiros, que geralmente norteiam a imprensa, está sendo contraditado. Não se sabe quando e se as taxas de juros vão efetivamente baixar. Mas uma coisa é certa, Lula está conseguindo mostrar ao país que o Banco Central está pelado. É o primeiro passo para a mudança.

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