quinta-feira, 23 de fevereiro de 2023

Imperatriz

Filha única de Lampião e Maria Bonita, Expedita Ferreira, 90, desfilou pela Imperatriz Leopoldinense, campeã do Carnaval 2023 no Rio de Janeiro - Ricardo Moraes - 21.fev.23/Reuters

DESFILE IMPERATRIZ LEOPOLDINENSE COMPLETO | CNL | 1259 

Veja como foi, ala a ala, o desfile da Imperatriz Leopoldinense

Inspirada na literatura de cordel, a campeão 2023 do Rio contou com humor o pós-morte de Lampião

Bruna Fantti, FSP, 22/03/2023

A campeã do Carnaval Rio 2023, Imperatriz Leopoldinense, levou à Sapucaí "uma história de assombrar, tira sono mais de um mês", como diz a letra dos compositores Me Leva, Gabriel Coelho, Miguel da Imperatriz, Luiz Brinquinho, Antônio Crescente e Renne Barbosa.

O refrão foi entoado diversas vezes pelo público na Sapucaí, com a liderança da voz do intérprete Pitty de Menezes e contou a história de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião, por meio da licença literária do cordel. Com base na história cordelista de José Pacheco, a escola representou o que teria ocorrido após a morte do cangaceiro.

O primeiro setor, intitulado Pelas Bandas do Nordeste teve a comissão de frente com a fantasia Pelos Cantos do Sertão. Na coreografia, idealizada por Marcelo Misaildis, cenas da vida de Lampião e seu bando fugindo são mostradas com bom humor. A comissão era uma espécie de resumo do enredo: após a sua morte, Lampião teria ido ao inferno e ao céu. Expulso de ambos, ele se eterniza no imaginário da cultura popular.

A coreografia dialogava com o teatro popular —um ator vestido de cachorro do sertão que muitas vezes ficava se coçando concentrava a atenção do público. Lençóis imitavam páginas de cordel, e uma casa de barro ficava no topo do carro. Assim como a cortina de um teatro, os lençóis eram puxados e os cenários, no que seria um palco, mudavam.

Em seguida, o primeiro casal de mestre-sala e a porta-bandeira, Phellipe Lemos e Rafaela Theodoro, estavam vestidos de Maria Bonita e Lampião. Seus adereços de cabeça simulavam os chapéus do cangaço eram vazados e banhados em ouro. Em seguida, integrantes de verde remetiam à vegetação do sertão. Uma das musas da escola, Carmem Mondengo, usava a fantasia O verde do Mandacaru.

Confira abaixo, ala a ala, como foi o desfile.

1ª ALA: PAISAGEM SERTANEJA

Símbolo de resistência para o povo, o mandacaru é da família dos cactos, uma planta da paisagem sertaneja.

2ª ALA: SE ACHEGANDO COM O BANDO

Os cangaceiros são representados como símbolos de resistência à violência do Estado e dos fazendeiros, autoridades locais nordestinas. Registros históricos afirmavam que os cangaceiros chegavam às cidades cantando e utilizando roupas espalhafatosas.

3ª ALA: LEOPOLDINENSE E CANGACEIRA

Baianas, vestidas de cangaceiras, simbolizavam o espírito das mulheres que marcaram o bando de Lampião. Em destaque, a representação da cangaceira Dada, a primeira a utilizar um fuzil no grupo.

1º Carro: Virgulino no Comando (abre-alas)

O carro materializou a invasão do bando de Lampião em meio ao semiárido do sertão. Nele, estavam personalidades como o compositor Zé Katimba e os atores Matheus Nachtergaele e Regina Casé. Os atores dançavam xaxado, dança de batalha e de entretenimento dos cangaceiros.

2º setor: A notícia corre o céu

4ª ALA: CORDELISTAS

Nesta ala, a literatura do cordel foi representada.

5ª ALA: REPENTISTAS

Os violeiros nordestinos, nos seus desafios, tocam e cantam seus repentes.

6ª ALA: BEATOS

Em meio ao cenário de abandono do sertão nordestino, há o aumento de cangaceiros e religiosos místicos, os beatos.

7ª ALA: CARPIDEIRAS

As mulheres, que eram convidadas a chorar nos velórios e enterros dos mais abastados do sertão do Nordeste.

8ª ALA: MAMULENGUEIROS

Apresenta os artistas do teatro de bonecos mamulengos e seus fantoches.

2º Carro: Dia 28, rebuliço no Olho

Nessa parte do desfile, a morte de Lampião é mencionada de forma lúdica. Há a exposição das cabeças dele e de Maria Bonita decapitados a partir da estética do teatro de mamulengos.

3º Setor: Nos confins do submundo: a chegada de Lampião ao inferno

9ª ALA: O CORDEL DE JOSÉ PACHECO

Nela, integrantes utilizavam paletós com litogravuras. É de Pacheco a história em cordel "A Chegada de Lampião ao Inferno", que inspirou o tema da escola. Os tons avermelhados remetem aos portões do inferno.

10ª ALA: A CHEGADA DE LAMPIÃO AO INFERNO

Integrantes estão vestidas com burrinhas. A ala representa a aproximação de Lampião ao inferno e, além dos tons vermelhos, utilizou artigos visuais associados ao Nordeste.

Após essa ala, a escola colocou um tripé, que é um elemento cenográfico menor que um carro entre alas. Nele, a morte guia Lampião ao inferno. As carrancas do rio São Francisco estavam na composição.

11ª ALA: A TROPA DE EXPULSÃO

No entanto, o Diabo reúne uma tropa de demônios para expulsar Lampião do inferno.

Logo após essa ala, foi a vez do segundo casal de mestre-sala e porta-Bandeira, Marcos Ferreira e Laryssa Victória. Ele, estava fantasiado de Cão, um tipo de demônio e apelido utilizado na cultura nordestina. Já Laryssa vestia uma personagem de Ariano Suassuna, a Onça Caetana, que é a morte em uma forma feminina. Sua fantasia era vermelha e com pintas, como uma onça.

Um grupo infernal rodeava o casal e representavam os guardiões do inferno, convocados para a expulsão de Lampião.

12ª ALA: LAMPIÃO, UM DIABINHO NORDESTINO (BATERIA)

Em seguida, a rainha de bateria, Maria Mariah, estava fantasiada de uma Diaba, batizada de forma divertida como Quem me dera.

A bateria, sob o comando do mestre Luis Alberto Lolo, personificava Lampião de forma espalhafatosa.

13ª ALA: MALÍCIA FOGOSA

Uma ala de passistas, vestidas também de vermelho, ecoava malícia no inferno.

14ª ALA: TOCOU FOGO NO INFERNO

Impedido de ficar, Lampião taca fogo no inferno. As fantasias, com penas volumosas, remetiam ao fogo.

3º Carro: Nos confins do submundo

Ainda simbolizando o fogo, panos com ventiladores foram colocados simbolizando as chamas infernais. A drag queen Suzy Brasil estava fantasiada da cramulhão, no alto do carro.

4º Setor: A Chegada de Lampião ao céu

15ª ALA: A SUBIDA DE LAMPIÃO À CASA DO SANTÍSSIMO

Lampião toma o caminho do céu. Para isso, ele monta sobre um pássaro, como uma burrinha carnavalesca.

16ª ALA: ANJOS NORDESTINOS

Essa ala, em tons brancos e azuis, remete a anjos e é inspirada no cordel de Rodolfo Coelho e Guaipuan Vieira intitulado "A Chegada de Lampião ao Céu". Um destaque de chão segue essa ala. A musa veste vários símbolos celestiais.

Logo em seguida, um outro tripé representa Lampião conversando com são Pedro, para tentar entrar no céu.

17ª ALA: MANDAR CHAMAR SÃO JORGE

Santos católicos são chamados por são Pedro para expulsar Lampião do céu.

18ª ALA: TODA SANTARIA SE FEZ DE BEDEL

Os santos convocados por são Pedro se fazem de bedel (inspetores) e vetam a permanência de Lampião no céu.

19ª ALA: ROGANDO A PADIM CIÇO

Padre Cícero e Lampião tiveram um encontro em 1926, em Juazeiro do Norte. No cordel, após a morte do cangaçeiro, os dois se reencontram; Lampião pede ajuda ao padre, sem sucesso.

4º Carro: Um lugar no céu

Em aeronaves, santos que compõem a força aérea celestial cercam um dirigível usado pelo cangaceiro para se aproximar do céu.

5º Setor: Vagueia pelos cantos do Sertão

O setor mostra o que ocorre com Lampião após a expulsão do céu.

20ª ALA: ASSOMBRAÇÃO SERTANEJA

Sem abrigo, Lampião passa a vagar pela cultura nordestina. Ele não vira "nem santo, nem vilão, nem herói", diz o cordel. Assim, transforma-se em um fantasma nordestino.

21ª ALA: VAGUEIA NAS VESTES DE VAQUEIRO

Lampião passa a vaguear vestido de couro de vaqueiro.

22ª ALA: SEU DESTINO: O GIBÃOE A COROA DO REI DO BAIÃO

Lampião é perpetuado pela figura de Luiz Gonzaga, o rei do baião, que se vestia à moda do rei do cangaço.

23ª ALA: TAL QUAL BARRO FEITO À MÃO

A ala transforma a figura de Lampião na estética do mestre Vitalino, ceramista popular.

24ª ALA: VAGUEIA NA POESIA SERTANEJA DE PATATIVA DO ASSARÉ

Uma homenagem aos imaginários poéticos literários que perpetuam Lampião através do "poeta porta-voz do sertão".

5º Carro: O Destino do Valente

Lampião vira uma entidade popular. A imperatriz fecha o desfile com uma coroa, símbolo da escola, mas remetendo também ao rei do cangaço.

G.R.E.S. Imperatriz Leopoldinense - Samba CAMPEÃO - Carnaval 2023

Enredo: “O aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarida”

Compositores: Me Leva, Gabriel Coelho, Miguel da Imperatriz,

Luiz Brinquinho, Antonio Crescente e Renne Barbosa.

Intérpretes: Igor Sorriso e Igor Vianna

LETRA DO SAMBA  

IMPERATRIZ VEIO CONTAR PARA OCÊS UMA HISTÓRIA DE ASSOMBRAR, TIRA SONO MAIS DE MÊS

Disse um cabra que nas bandas do Nordeste

Pilão deitado se achegava com o bando

Vinha no rifle de Corisco e Cansanção

Junto de Cirilo Antão, Virgulino no comando

Deus nos acuda, todo povo aperreado

A notícia corre céu e chão rachado

Rebuliço no olhar de um mamulengo

Era dia 28 e lagrimava o sereno

E FOI-SE ENTÃO, ADEUS CAPITÃO!

NO ESTOURO DO PIPOCO

ROLA O QUENGO DO CABOCLO

A SETE PALMOS DESSE CHÃO

Nos confins do submundo onde não existe inverno

Bandoleiro sem estrada pediu abrigo eterno

Atiçou o cão catraz, fez furdunço

E Satanás expulsou ele do inferno

O jagunço implorou um lugar no céu

Toda santaria lhe deu foi bedel

Cabra macho excomungado de tocaia num balão

Nem rogando a Padim Ciço ele teve salvação

PELOS CANTOS DO SERTÃO... VAGUEIA, VAGUEIA

TAL QUAL BARRO FEITO A MÃO MISTURADO NA AREIA

QUANDO A SANFONA CHORA, MANDACARU AFLORA

BATE ZABUMBA TOCANDO NO MEU CORAÇÃO

LEOPOLDINENSE, CANGACEIRA É MINHA ESCOLA

EIS O DESTINO DO VALENTE LAMPIÃO


Imperatriz Leopoldinense é a campeã do Carnaval do Rio de 2023

Escola quebrou jejum com a conquista do título após 22 anos

Bruna Fantti e Júlia Barbon, FSP, 22/02/2023

Com rima de cordel e batuque de samba, a Imperatriz Leopoldinense venceu o Carnaval 2023 no Rio de Janeiro. A escola contou a história de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião. O enredo teve um dos nomes mais compridos do Carnaval 2023: "O Aperreio do cabra que o excomungado tratou com má-querença e o santíssimo não deu guarda".

O carnavalesco da agremiação, Leandro Vieira, usou como fio condutor o sertão e a chegada do bando de cangaceiros de Lampião. O diferencial do enredo foi o que ocorreu com Lampião após sua morte: nem o céu nem o inferno o queriam.

O controverso personagem foi representado junto com Maria Bonita pelo primeiro casal de mestre-sala e porta-bandeira, Phelipe Lemos e Rafaela Theodoro.

A agremiação, das cores verde, branco e ouro, é conhecida pela excelência técnica e foi mais uma entre as escolas que apostaram em temas vinculados ao Nordeste.

Um dos destaques foi a presença da filha única de Lampião e Maria Bonita, Expedita Ferreira, 90, em uma das alegorias. Ela também desfilou no domingo (19) pela Mancha Verde, vice-campeã do Carnaval de São Paulo, que dedicou o enredo a Lampião e ao cangaço.

O mestre de bateria da Imperatriz, Luiz Alberto Lolo, disse que não conseguia encontrar as palavras certas para a vitória após 22 anos. "Não sei como descrever. Fomos rebaixados, agora somos campeões, passamos por muita humilhação. É uma sensação incrível ser campeão e com notas 10."

Já a presidente da Imperatriz, Catia Drumond, agradeceu a moradores do Complexo do Alemão, na zona norte do Rio de Janeiro. "É para você CPX, é para você Complexo do Alemão. Esse grito estava na garganta e saiu após 22 anos. Estamos todos muito felizes, renascemos das cinzas."

Foi no Complexo do Alemão que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) utilizou um boné com as letras CPX durante a campanha presidencial. A sigla quer dizer complexo, mas foi falsamente associada ao crime organizado.

Em reação, líderes comunitários fabricaram centenas de bonés com a sigla, que foram utilizados por apoiadores do presidente. Na Sapucaí, em camarotes, celebridades circulavam com o item. Em festa, o complexo de favelas e o bairro de Ramos, na zona norte do Rio, entoavam com toda força o samba-enredo depois da confirmação do nono título, que pôs fim a um jejum de 22 anos. A escola já havia conquistado outros oito, de 1980 a 2001.

A agremiação anunciou a distribuição de 15 mil latinhas de cerveja na quadra enquanto esperava a chegada de dirigentes e demais integrantes que acompanharam a apuração no Sambódromo da Marquês de Sapucaí, no centro da cidade.

Vizinho à quadra, o complexo desceu para ver o troféu chegar do sambódromo.

Torcedores se espremiam envolta do portão do galpão para filmar a placa que chegava nas mãos de João Drummond, diretor-executivo e filho da presidente da Imperatriz, Cátia Drummond. "A campeã voltou", cantou a multidão quando o objeto foi levantado no palco.

"Você é o melhor, queremos você aqui ano que vem", disse ele ao microfone chamando Leandro Vieira, que disse à Folha que vai, sim, voltar à escola no Carnaval de 2024. "Ótimo", limitou-se a dizer entre um abraço e outro sobre o sentimento de vencer, que ele conhece bem.

Vieira foi o responsável por fazer a escola voltar a desfilar no Grupo Especial após o rebaixamento em 2019. Fez o mesmo com a Império Serrano em 2022 e foi ainda bicampeão do Grupo Especial com a Mangueira em 2016 e 2019.

O diretor de harmonia Thiago Santos, 30, era um dos que chorava copiosamente no palco. "Minha geração não tinha ganhado ainda. É uma geração com muito sangue no olho, que vai preparar muitas outras gerações", afirmou, já quase sem voz.

"Neste ano tive o prazer e a honra de receber esse convite. Fizemos um trabalho transformador, batemos na tecla de que a escola tinha que mudar o jeito de desfilar, que a harmonia não podia ficar de canto. E o resultado tá aí."

Na apuração, após quatro quesitos, a escola assumiu a liderança isolada na disputa, seguida pela Viradouro, o que se manteve até o anúncio da campeã. As duas escolas foram as únicas entre as 12 com nota máxima em Alegoria e Adereços. Em terceiro lugar ficou a Unidos de Vila Isabel, seguida por Beija-Flor, Mangueira e Acadêmicos do Grande Rio.

As seis agremiações voltam à Sapucaí para o desfile das campeãs no próximo sábado (25), que será feito na ordem inversa da colocação. Para o desfile, Vieira apostou em um visual popular e de fácil identificação para contar o enredo. Uma ala de mandacarus, plantas que compõem a paisagem sertaneja, abriu o desfile.

Em seguida, a escola simbolizou cangaceiras que, segundo a descrição do carnavalesco, "encarnam o espírito arredio das mulheres que marcaram o bando de Lampião". As fantasias faziam referência à cangaceira Dadá, a primeira a portar um fuzil.

O segundo carro alegórico, chamado "Dia 28: rebuliço no olho do mamulengo", também trouxe uma interpretação lúdica da famosa fotografia das cabeças degoladas em exposição, após a morte de Lampião, Maria Bonita e membros do cangaço, dia 28 de julho de 1938.

As cabeças usadas para reproduzir o episódio eram de bonecos mamulengos, arte tradicional do Nordeste. Mais à frente, desfilaram "fantasmas sertanejos", com fantasias com véus.

Na história de cordel contada pela Imperatriz, Lampião não é aceito nem pelo inferno nem pelo céu. Sem abrigo, ele vagueia pela cultura nordestina e vira um fantasma sertanejo.

O Império Serrano amargou notas baixas nos quesitos de alegorias e adereços e mestre-sala e porta-bandeira e ficou com a última colocação. Apesar do enredo em homenagem ao sambista Arlindo Cruz, com direito à presença dele na avenida, a escola foi rebaixada e disputará a Série Ouro em 2024.

Quem venceu a Série Ouro e volta a integrar a elite do Carnaval carioca 12 anos depois é a Unidos do Porto da Pedra. A escola de São Gonçalo juntou o escritor francês Júlio Verne e a Amazônia no enredo "A Jangada: 800 léguas pelo Amazonas".

EDUARDO BUENO NÃO ENTENDEU LAMPIÃO E O CANGAÇO 


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