Nanci de Freitas
ArtCultura, Uberlândia, v. 13, n. 22, p. 25-40, jan.-jun. 2011
Resumo
O texto aborda questões acerca da técnica de montagem no cinema de Sergei Eisenstein, suas relações com o pensamento artístico das vanguardas do início do século XX e com o debate político-ideológico soviético. Nesse contexto, o artigo analisa alguns aspectos do processo de criação e recepção do filme A linha geral/O velho e o novo, de 1929, que trata das condições de trabalho numa fazenda comunitária, na União Soviética, em sua luta para a modernização dos meios de produção. A construção da sintaxe dramatúrgica do filme revela a tensão entre a experimentação estética de Eisenstein, com a montagem fragmentária, no auge do “cinema intelectual”, e a abordagem de conteúdos ideológicos, em composição baseada no princípio unificador e na totalidade dos significados da obra, sob a égide da censura do regime stalinista.
A obra e o pensamento do cineasta russo
Sergei Eisenstein (1898-1948) Eisenstein se inserem no contexto do debate em torno dos modos de produção artística e de sua recepção, estabelecidas no período do entre guerras, bem como da articulação entre política e estética. Se a montagem de imagens é a operação básica do cinema, determinada pela especificidade do próprio meio, os seus modos de utilização implicam diferenças, gerando consequências ideológicas. Eisenstein é uma figura crucial para essa discussão artística, pois desenvolveu pesquisas e colocou em prática uma teoria do cinema, buscando as possibilidades de aproximação entre arte, ciência e política, no esteio da revolução soviética. Pesquisador incansável, enfrentou tensões para conciliar as exigências partidárias, na abordagem de conteúdos político-sociais, com suas experiências vanguardistas em torno de uma “dramaturgia da forma do filme”, que iria caracterizar o processo fragmentário da “montagem intelectual”, em filmes como
O encouraçado Potemkin (1925) e
Outubro (1928). Para os ideólogos do regime soviético, na fase stalinista, a composição artística deveria estar voltada para uma recepção imediata dos significados da obra, no que passaria a ser conhecido como realismo socialista. Esta tensão culminaria na criação do filme A linha geral (1926-1929), que sofreu exigências de corte, em função de demandas ideológicas, levando à criação de três finais diferentes e à mudança do título para O velho e o novo, questões que serão abordadas na parte final deste texto.
A fragmentação e a técnica de montagem são procedimentos recorrentes da arte moderna e das vanguardas históricas que se desenvolveram no início do século XX, na Europa. A difusão dos procedimentos do corte e da montagem corresponderam não apenas à desintegração dos valores e das formas artísticas, num mundo marcado por conflitos bélicos, mas, principalmente, à influência exercida pelo cinema nas artes, de modo geral. O fato é que as diversas reflexões estéticas em torno da montagem no cinema, nos anos 1920, e, em particular, as teorias e experimentações do cineasta russo, Sergei Eisenstein, repercutiriam diretamente na literatura e nas artes plásticas modernistas. A esse respeito, afirma Ismail Xavier:
Justaposição, descontinuidade, fragmentação do espaço-tempo, tomadas em oposição ao encadeamento linear e ao princípio de continuidade, são marcas que aproximam futurismo, cubismo, construtivismo e outras propostas do início do século em sua resposta ao mundo técnico das invenções, aos desafios da vida “simultaneísta” da cidade. Mas foi sem dúvida a tradição do cineasta-teórico Lev Kulechov, seus discípulos e principalmente seu maior dissidente, Eisenstein, que adensou a teoria do cinema nos anos 20 e ofereceu a poetas, pintores e modernistas em geral os instrumentos para consolidar a posição do cinema como emblema do princípio da montagem como baliza para aferição de estilos modernos.[1]
A montagem iria adquirir status de princípio artístico, a partir da destruição consciente do sistema de representação renascentista empreendida por Braque e Picasso, fazendo contrastar o ilusionismo dos fragmentos de realidade à abstração da técnica cubista, que logo resultaria nos papiers collés. Embora possa ser afirmado que a operação realizada pelas collages cubistas, com os fragmentos de materiais afixados na pintura, ao lado de planos geométricos destacados pelas cores, volumes, linhas e figuras, ainda assim, iria sugerir uma composição estética equilibrada, por outro lado, o contraste produzido indicaria, de fato, um processo de construção e não de síntese, entendida como unidade de significado. A introdução, na obra de arte, de materiais que não foram elaborados pelo artista faz com que sua unidade (enquanto produto absoluto da subjetividade) seja destruída, violando o “sistema de representação que se baseia na reprodução da realidade” e o princípio segundo o qual “caberia ao artista a transposição dessa mesma realidade”. É desse ponto, da ruptura introduzida pela collage cubista, que a teoria da montagem deve partir, como propõe Peter Burger. [2]
Nesse sentido, pode-se dizer que o princípio da montagem seria a característica fundamental das obras inorgânicas (vanguardistas). Estas, ao incorporar fragmentos da realidade na forma de materiais diversos, quebrariam a possibilidade de reconciliação entre o homem e a natureza (como pretenderiam as obras orgânicas), produzindo uma nova função ao efeito estético. Nas obras vanguardistas, as estruturas formadas por uma sucessão de imagens não seriam, necessariamente, alteradas com a inclusão ou exclusão de novos elementos e situações. Os resultados obtidos a partir da montagem, operando com discursos inconclusivos e a destruição de relações lógicas, geram tensão nos modos de constituição do sentido.
O fundamental, nesses processos de criação artística, não seria tanto a singularidade dos acontecimentos, mas “o princípio de construção que está na base da série de acontecimentos”, determinando uma recepção das obras de arte com base na produção do choque. Para Peter Burger, dado que o produto artístico vanguardista apresentaria resistência à captação imediata de seu significado, o mais importante estaria na necessidade do receptor de se colocar em uma posição inusitada, instigado a “procurar os princípios constitutivos da obra de vanguarda, a fim de encontrar a chave do caráter enigmático da criação”, se interrogando sobre sua própria praxis vital e percebendo a necessidade de transformá-la. O choque produziria, então, uma fratura na “renúncia à interpretação do sentido”, pois as partes que constituem a obra de vanguarda como um todo são “simples recheio de um modelo estrutural”.[3]
No entanto, a montagem, enquanto um processo de construção artística, não se constitui de determinações semânticas permanentes, podendo sugerir efeitos diferentes da técnica segundo processos históricos diversos, determinando, como propôs Ernst Bloch, a “montagem imediata”, no caso do capitalismo tardio, e “montagem mediata”, em relação às práticas artísticas na sociedade socialista.[4]
A teoria da montagem de Eisenstein: do vocabulário teatral ao “cinema intelectual”
A obra e a teoria da montagem de Sergei Eisenstein são fundamentais para este debate, na medida em que o cineasta da revolução russa construiu uma obra cinematográfica de referência, ainda no período do cinema mudo, além de atuar como pesquisador e ensaísta, enfrentando questões técnicas, estéticas e ideológicas, numa produção textual que ultrapassa o âmbito de sua filmografia. Sua teoria da montagem passaria por transformações, ao longo de sua trajetória artística, mas, de modo geral, sua concepção pode ser denida como a criação de uma imagem a partir da justaposição de planos independentes, procedimento pelo qual, segundo Ismail Xavier, “os elementos se mantêm separados, claramente visíveis, embora integrados na composição”.[5]
Eisenstein considerava a montagem um fenômeno próprio da percepção humana, presente em inúmeras manifestações artísticas, muito antes de se constituir o nervo central da técnica cinematográfica. Em sua produção textual, escrita paralelamente à criação cinematográfica, o cineasta dialogaria com diversas formas de arte para explicar sua teoria da montagem: na pintura (El Greco, Lautrec, Leonardo da Vinci), no teatro (o Kabuki, o circo, o music-hall), na música (Debussy e Scriabin), na prosa (Gorki, Tolstoi, Dickens, Joyce) e na poesia (os ideogramas japoneses e Maiakovski, em particular), dentre outras.
Eisenstein atribuiria a estas expressões artísticas características de um fenômeno que ele chamaria “cinematismo”, uma qualidade perceptiva que ajudaria a “pensar melhor as leis que governam a construção da forma numa obra de arte”, reiterando sua crença de que “o pensamento humano é montagem e a cultura humana é resultado de um processo de montagem onde o passado não desaparece e sim se reincorpora, reinterpretado, no presente”, como diz José Carlos Avellar na introdução aos ensaios do cineasta, reunidos em A forma do filme.[6]
Antes mesmo de chegar à teoria da montagem que daria corpo ao “cinema intelectual”, expressa exemplarmente no filme Outubro, de 1927-28, Eisenstein começaria suas experiências no teatro, com o que chamou de “montagem de atrações”, em manifesto com o mesmo título, publicado, em 1923, por ocasião da encenação da peça O sábio, de A. N. Ostróvski.
Nas experiências teatrais, Eisenstein iria se opor ao caráter estático do “teatro figurativo-narrativo”, propondo a criação do “teatro de atrações”, entendido por seus aspectos dinâmicos e excêntricos, como explica, em seu manifesto: “Atração (do ponto de vista teatral) é todo aspecto agressivo do teatro, ou seja, todo elemento que submete o espectador a uma ação sensorial ou psicológica, experimentalmente verificada e matematicamente calculada, com o propósito de nele produzir certos choques emocionais que, por sua vez, determinem em seu conjunto precisamente a possibilidade do espectador perceber o aspecto ideológico daquilo que foi exposto.”[7]
Apesar de abandonar a produção teatral, a prática e a teoria da mon-tagem de Eisenstein manteriam vínculos com questões próprias da teatra-lidade, que influenciariam decisivamente seu primeiro longa-metragem, A greve (1925), centrado na “montagem de atrações” e nas ações circenses. [8] A organização do filme em blocos temáticos implicaria “pequenos ensaios visuais”, estrutura na qual “o espaço ficcional se rasga para que, em mo-mentos definidos, possa aparecer o comentário”, como esclarece Ismail Xavier. [9] Essa experiência iria desencadear as teorias da forma do filme centradas na questão da montagem. O domínio da mise-en-scène determinaria a passagem de Eisenstein do teatro ao cinema: “como a mise-en-scène é a inter-relação de pessoas em ação, do mesmo modo a mise-en-cadre é a composição pictórica de cadres (planos) mutuamente dependentes na sequência da montagem” [10]
Do vocabulário teatral ao “cinema intelectual”, a obra de Eisenstein seria marcada pela tensão entre totalização e fragmentação, com a trajetória do seu pensamento estético alcançando culminância com “Dramaturgia da forma do filme”, um ensaio seminal, escrito em 1929, sobre a montagem como o elemento-chave na sintaxe do filme. [11]
As reflexões desse momento seriam construídas com base na recusa da dialética hegeliana e da idéia de conhecimento perceptivo enquanto mero aperfeiçoamento evolutivo, direcionando seu estudo da montagem no sentido da concepção materialista da história e dos métodos dialéticos do pensamento. Nessa perspectiva, Eisenstein se aproximaria da dialética de Engels, em sua analogia com os fenômenos de transformação da natureza, chegando à definição do plano (ou quadro) como célula da montagem: “exatamente como as células, em sua divisão, formam um fenômeno de outra ordem, que é o organismo ou embrião, do mesmo modo, no outro lado da transição dialética de um plano há a montagem”. O que caracterizaria a montagem seria, então, a colisão, o conflito de duas peças em oposição, concepção que colocaria a ideia de conflito como o princípio fundamental das formas artísticas.[12]
A arte seria conflito, em um primeiro nível, de acordo com sua mis-são social, despertando contradições na mente do espectador e “forjando conceitos intelectuais acurados a partir do choque dinâmico de paixões opostas”. Num segundo nível, o conflito seria visto como inerente à própria arte, por conta do confronto entre a existência natural e o processo criativo. O dinamismo provocado pela aproximação entre a missão social e a natu-reza da arte revelaria, assim, um terceiro conflito, que seria a metodologia da arte, o princípio que penetraria tanto o mínimo detalhe quanto o “ponto de vista monístico” – o conjunto – expresso, exatamente, pela dialética da forma artística.[13]
Com essas reflexões, Eiseinstein pretendia elaborar uma sintaxe do cinema, na qual a dramaturgia da forma visual do filme pudesse ser “tão regulada e precisa quanto à dramaturgia do argumento do filme”. Valorizando as tradições e metodologias da literatura, a “dicção cinematográfica” seria pensada como uma linguagem, na qual a técnica do plano e a teoria da montagem se constituiriam elementos essenciais.
A montagem poderia surgir tanto da justaposição de planos independentes quanto estar poten-cialmente dentro do próprio plano, ou no interior da trama representada, gerando múltiplas composições por meio de conflitos gráficos, óticos, de escalas, de volumes, de profundidades, de massas; e envolvendo aspectos relacionados à luz, à duração, à dimensão e à direção, dentre outros conflitos inesperados.
Com a justaposição de planos diferentes, Eisenstein iria experimentar uma grande variedade de formas de estruturar a dramaturgia visual do filme, destacando os contrapontos de imagens lógica e ilógicas, combinações emocionais por associação e a organização da ação a partir do contraponto entre tempo e espaço. Todas essas formas resultariam da acumulação de material associativo, numa metodologia constituída pela síntese entre arte e ciência, que levaria Eisenstein, segundo suas próprias palavras, “em direção a um cinema puramente intelectual, livre das li-mitações tradicionais, adquirindo formas diretas para idéias, sistemas e conceitos, sem qualquer necessidade de transições e paráfrases”.[14]
Reviravoltas ideológicas e as “correções necessárias” nos procedimentos de montagem
Nos anos 1930, Eisenstein seria criticado pelos ideólogos culturais do Partido, que o acusavam de intelectualismo e formalismo, condenando os pressupostos não-organológicos de sua obra. A composição de Outubro, por exemplo, ao recortar imagens da arquitetura do Palácio de Inverno, patrimônio cultural do regime czarista e da cidade de São Petersburgo, geraria polêmicas entre os adversários de Eisenstein, no poder, que condenariam o hermetismo no processo de montagem e o deleite em apresentar “coleções de objetos comprometidos com outra ordem de valores numa interpretação do passado e de processos históricos”. Mas a crítica viria também dos construtivistas que, preocupados em destacar o trabalho produtivo e a relação com o mundo das máquinas, iriam rejeitar os “resíduos simbolistas” presentes no sistema de imagens do filme, aspecto que marcaria as reflexões de Eisenstein em torno de conceitos como sinestesia, ideograma e sincronização dos sentidos.
A composição eisensteineana apresenta-se, de fato, complexa, já que, acredita Ismail Xavier, “o princípio de unidade que é necessário supor para que tais coleções produzam a imagem-síntese postulada não é tão evidente”, exigindo leituras e referências a outros contextos, num jogo denso de relações internas, criando uma “dificuldade em fechar o que os hiatos da montagem deixam em aberto”. Contudo, o discurso sobre as coleções de objetos ultrapassaria a mera ilustração de processos, pretendendo acentuar o seu peso ideológico e, nesse sentido, afirma o crítico, “a escolha de vocabulário em Eisenstein corresponde ao princípio de que as formas, os emblemas da cultura, trazem uma história acumulada”, produzindo uma leitura alegórica em sua constelação de imagens.[15]
O ecletismo de Outubro e sua explosão de imagens e de coleções geram um movimento que revelaria as formas tensas da composição: “ora a coleção quer que um conceito se preencha, ora que ele se esvazie”. No entanto, sua estrutura narrativa, configurada na sucessão dos episódios, permite a adaptação de formas variadas de figuração, “sugerindo o quanto a montagem de Eisenstein assume estruturas que se adaptam a cada constelação temática colocada em pauta”, diz Ismail Xavier, apresentando uma leitura do processo de produção artística de Eisenstein:
Seu princípio da montagem vale no fragmento, na parte, mas não se põe como princípio geral da totalidade. O que faz da sua teoria da montagem uma afirmação radical da possibilidade de uma síntese a partir de um todo que se organiza como série, conjunto de elementos discretos em que sempre n pode dar lugar a n + 1, em que a lógica das coleções, em princípio incompatível com a idéia de corpo orgânico, parece não questionar um resultado geral totalizante que supõe um sentido na história, um movimento teleológico.[16]
Procurando responder às críticas dogmáticas do Partido, os textos de Eisenstein, dos anos 1930, apresentam revisões teóricas. Ao final do artigo “Do teatro ao cinema”, de 1934, evidencia-se o que o cineasta chamou de “correções necessárias”:
Estendendo a mão para a nova qualidade da literatura – a dramaticidade do assunto –, o cinema não pode esquecer a tremenda experiência de seus períodos iniciais. O caminho, porém, não é voltar a eles, mas ir em frente, em direção à síntese de tudo o que de melhor foi feito por nosso cinema mudo, em direção a uma síntese disto com as exigências de hoje, seguindo as linhas do argumento e da análise ideológica marxista-leninista. A fase de síntese monumental nas imagens do povo da era do socialismo – a fase do realismo socialista.[17]
Em “Palavra e imagem”, de 1938, (ensaio publicado em O sentido do filme, que ficaria conhecido como “Montagem 1938”), Eisenstein discorre sobre a função da montagem, dentro da nova perspectiva de construção artística, tendo em vista a “necessidade de exposição orgânica do tema, do material, da trama, da ação, do movimento interno da sequência cinematográfica e de sua ação dramática como um todo”.[18] Ao contrário das experiências anteriores, em que a montagem se propunha a gerar resultados inesperados e paradoxais, a ênfase correta, em 1938, seria a de procurar o “princípio unificador”, como esclarece o cineasta:
Neste caso, cada fragmento da montagem já não existe mais como algo nãorelacionado, mas como uma dada representação particular do tema geral, que penetra igualmente todos os fotogramas. A justaposição desses detalhes parciais em uma dada estrutura de montagem cria e faz surgir aquela qualidade geral em que cada detalhe teve participação e que reúne todos os detalhes num todo, isto é, naquela imagem generalizada, mediante a qual o autor, seguido pelo espectador, apreende o tema.[19]
As pesquisas de Eisenstein se voltariam para uma forma de composição na qual o resultado final seria previsto, predeterminando as escolhas dos elementos particulares e sua justaposição.
A linha geral/ O velho e o novo: o monólogo interior substitui a estética das massas
Os filmes anteriores de Eisenstein, O encouraçado Potemkin e, em particular, Outubro (obra que explicita o conceito de “cinema intelectual”), foram questionados também pelos críticos e chefes do Partido Comunista, por conta do tipo de narrativa, cuja perspectiva não enfatizava o exemplo da ação individual, na luta pela reconstrução social, privilegiando, nos filmes, as massas como sujeito coletivo. O cineasta produziria, então, o filme A linha geral (em colaboração com Grigori Aleksandrov), apresentando, pela primeira vez, um enredo ficcional, conduzido por uma personagem individualizada. O filme é concebido a partir do olhar e dos sonhos de pros-peridade da camponesa Marfa Lapkina, que assume a luta pela organização comunitária do trabalho e pelo acesso aos bens de produção tecnológica. É significativa a presença de uma mulher à frente dos trabalhos de uma cooperativa agrícola comunista, por representar, dialeticamente, o processo de superação do Estado patriarcal capitalista, apontando para uma forma de organização mais generosa e fraterna, que faz lembrar as antigas gens matriarcais, ligadas aos mitos da fertilidade da terra e da agricultura.
Em uma conferência de 1935, intitulada “Novos problemas da forma do filme”[20], Eisenstein justifica que, de acordo com as novas tendências dramatúrgicas exigidas pelo Partido, ele próprio deixaria de ser “o defensor mais ardente do estilo cinematográfico épico de massas”, procurando encaminhar suas pesquisas fílmicas para a solução dos novos problemas, que apareceriam com a necessidade de reiteração dos conteúdos ideológicos. Nessa perspectiva, o cineasta passaria a conceber filmes com enredo definido, intriga ficcional e a presença de personagens vivas e exemplares, processo que se iniciaria, exatamente, em A linha geral, de 1929, no qual Marfa Lipkina despontaria como uma protagonista marcada por ações individualizadas.[21]
Mesmo atendendo às exigências partidárias, Eisenstein não abriria mão de suas experimentações, estabelecendo novos objetivos para sua pesquisa, com a abordagem de técnicas que passaram a permear as ações concretas de seus heróis: “o cinema intelectual ganhou um pequeno her-deiro com a teoria do monólogo interior”, diz o cineasta.[22] Esta teoria se aproximaria dos novos métodos literários de representação dos processos mentais, em especial da noção de stream of consciousness, presente na obra de James Joyce, com quem Eisenstein teria se encontrado para debater a questão, por ocasião de sua viagem à Europa e Estados Unidos, no período de 1932/33.[23]
Para Eisenstein, o cinema, mais do que a literatura, apresentaria as condições técnicas para a expressão do percurso do pensamento humano, já que sua sintaxe possibilitaria a correspondência entre a percepção interior e as imagens visuais. Tal processo só seria possível a uma literatura que rompesse as fronteiras tradicionais: “a mais brilhante realização neste campo são os imortais ‘monólogos interiores’ de Leopold Bloom, em Ulysses”, sublinha Eisenstein em outro artigo.[24]
A experiência com o “monólogo interior” ganharia concretude no filme A linha geral, no qual a camponesa Marfa, durante seus sonhos, “constrói” uma série de seqüências, projetando uma comunidade produtiva e próspera, equipada com bens tecnológicos. Sonhos que a impulsionam ao desejo de ação e à luta para o bem comum.
Nas primeiras cenas do filme, acompanhamos o olhar de Marfa, que não só participa como observa atentamente o árduo trabalho diário, no campo, no preparo e cultivo da terra, inclusive com a animalização de homens e mulheres, com o arado atrelado ao próprio corpo. Evidenciam-se, em cenas paralelas, as contradições sociais marcadas pelas relações conflituosas entre camponeses sem terra e os kulaks (camponeses ricos, isolados em suas pequenas propriedades). Marfa é a primeira a dar um grito de “basta!” e a se entusiasmar com o discurso do militante bolchevique, comissário do distrito de agricultura do Partido, que aparece propondo a criação de uma cooperativa socialista, sob a desconfiança geral dos outros membros da comunidade, em especial os do sexo masculino.
A comunidade retratada no filme enfrenta uma seca catastrófica. Uma seqüência de cunho fortemente dramático reúne a população numa procissão da igreja católica, plasticamente marcada por estandartes e ícones religiosos. Guiados por um sacerdote, homens e mulheres, em êxtase sagrado, dobram-se ao chão, em atitude de contrição e sacrifício, implorando a Deus pelas chuvas.
A essas cenas de intenso conteúdo emocional, Eisenstein coloca em confronto outra série de seqüências impactantes, com a entronização da máquina, símbolo do progresso e da superação dos aspectos mágicos das crenças religiosas. A primeira implementação tecnológica introduzida na comunidade é uma desnatadeira elétrica, responsável por uma das com-posições antológicas de Eisenstein. Sob o olhar desconfiado dos membros da comunidade, a máquina, de estrutura metálica resplandecente, é apre-sentada por meio de uma complexa seqüência de tomadas: panorâmicas, planos curtos, closes, cortes e ângulos diversos, numa montagem que expõe seu processo de funcionamento mecânico. Em alternância, os rostos de homens e mulheres são fotografados em close, num jogo que expressa tensão entre expectativa e descrença: “funciona?” “não funciona?”, como indicam as legendas. A engrenagem da máquina é focalizada em plena ação e velocidade.
A câmera gira em torno da boca cilíndrica da desnata-deira, onde, a qualquer momento, deverá sair o leite separado do creme. Tensão dramática. A música de Prokofiev é suspensa por alguns segundos. Anticlímax. A primeira gota de leite surge brilhante. Súbito, o leite jorra abundantemente, numa composição gráfica em linhas verticais, diagonais, redondas, centrífugas, montadas sobre uma tela preta (white zigzags over a black background, diz o próprio Eisenstein). Clímax. O leite explode no rosto de Marfa (afinal, o feminino, símbolo da fertilidade e da abundância na agricultura). E as imagens sorridentes dos rostos em júbilo. A montagem culmina com a intercalação dos jorros do leite, em gráficos que tomam toda a tela, agora com a projeção simultânea de placas com numerais na cor branca sobre tela preta, que se multiplicam, demonstrando a estatística crescente da produção e dos números de associados da cooperativa.
O simbolismo religioso implícito na apresentação da máquina de separar creme, resultando em sua elevação a uma imagem sacralizada, seria comparado ao Santo Graal e ficaria conhecido entre os críticos e estudiosos como o pathos of the milk separator. Eisenstein refletiu sobre a criação da cena no texto “The milk separator and the Holy Grail” (“A desnatadeira e o Santo Graal”) [25], no qual se dedica à presença do pathos em seus filmes (em particular na célebre sequência da escadaria de Odessa, do Potenkin). Ele afirma:
Here is where instilling pathos in the subject matter demanded strictly that, by expressiveness and composition alone, the appearance of the first drop of thickened milk be made just as thrilling and exciting a scene as the episode of the meeting of the Potemkin with the admiral’s squadron. To build the antecipation of this first drop of thichened milk to an intensity similar to the suspense of waiting – will there or will there not be a shot from the muzzles of the squadron – and in the end to find the plastically compositional means for expressing the idea of joy, when that trying moment of “testing the separator” is crowned with triumplant technological success. [26]
Evidencia-se no texto, ainda, a oposição dialética entre a qualidade do patético apresentado pelo ritual religioso, na cena da procissão, e o êxtase provocado no episódio da desnatadeira. Na primeira cena, “the world of helpless servile submission to the mysterious forces of nature”, enquanto, na segunda, nos deparamos com “the world of organized technology, equiped to withstand blind forces” [27], o que configura uma justaposição de dois tipos contrastantes de êxtases, com referências ao “mundo velho” e ao “mundo novo”, demandando métodos diferentes de representação e de expressão do pensamento:
The Easter religious crusade and the “prayer for rain” absorbed primarily the playacting – or, the better said, “theatrical” – means of influence through human behavior (not ignoring, of course, all the other possibilities within the arsenal of cinema methods and techniques). The separator scene, after all, basically relied on pure cinematographic means, impossible on such scale and form in the other arts (not ignoring, of course, all the other necessary elements for this scene, as behavior, and acting, presented in a particularly parsimonious and restrained manner).[28]
O pathos e o salto dialético
O conceito de patético está ligado, tradicionalmente, à estrutura da tragédia e do drama clássico, tornando-se, na leitura de Emil Staiger, um dos dois elementos determinantes da tensão própria do gênero dramático, a saber: o problema [29] e o pathos. O arrebatamento patético, que se confunde, normalmente, com o clímax da peça, está ligado à paixão do herói e à im-petuosidade que nasce de sua vontade de decisão, levando-o a demonstrar uma perturbação do espírito, um “sair de si”, manifestando-se liricamente, proferindo palavras e expressões espontâneas. A ação do pathos “pressupõe sempre uma resistência – choque brusco ou simples apatia – que tenta romper com ímpeto”, fazendo com que toda a força da fala se lance em palavras soltas, sem que, contudo, se dilua o contexto da frase, como ocorreria com a fluidez lírica. “O objetivo do ritmo mais complicado no pathos não é contagiar-nos com a ‘disposição anímica’, e sim purificar a atmosfera com pancadas rudes como as de uma tempestade”, teoriza o crítico.
O pathos eleva os personagens à condição de grandeza, condição que apenas quer dizer “estar adiante” de algo; a emoção que provoca decorre de algo que ainda não é, “mas o que ainda não é deve vir a ser”. Tudo caminha para o clímax: “o ritmo fogoso decorrente da tensão entre o presente e o futuro, os golpes que abalam qual exigência irrefutável, e as pausas que mostram o vazio do inexistente como vácuo em que é absorvido o status quo, a situação a ser mudada”. Por isso, as expressões podem levar a elipses gramaticais e a gestos apaixonados, sugerindo um fluxo de consciência que ainda não se definiu como linguagem. [30]
Algo dessas imagens visuais e sonoras, descritas por Staiger para falar do patético na linguagem, podem ser perfeitamente relacionadas com a dramaticidade e o “ritmo quente” da cena da desnatadeira apresentada por Eisenstein, com a ajuda, há que se dizer, da música de Prokofiev. Sem nos esquecermos da pausa, do vazio que precede a primeira gota de leite, clímax prenhe de sentido, anunciando uma condição sócio-econômica que vai ser transformada, nesse caso sob o impacto da tecnologia.
Noutro texto, de 1939, Eisenstein reflete sobre a natureza do pathos, um elemento que considera fundamental para a constituição do “princípio de qualidade orgânica”, na composição da obra de arte: “O pathos mostra seu efeito quando o espectador é compelido a pular em sua cadeira. Quando é compelido a tombar quando está de pé. Quando é compelido a aplaudir, a berrar. Quando seus olhos são compelidos a brilhar de satisfação, antes de derramar lágrimas de satisfação... Em resumo – quando o espectador é forçado “a sair de si mesmo”. (...) O efeito de uma obra de arte patética consiste no que quer que seja que “leve” o espectador ao êxtase.”[31]
Não se trata aqui de pensar o conteúdo patético de modo geral, mas o significado do pathos dentro de uma determinada composição, que depende da relação do autor com o conteúdo e que guiará o espectador na “saída de si mesmo” para uma determinada condição. Na descrição detalhada feita pelo cineasta do processo de construção da sequência das escadarias de Odessa, em O encouraçado Potemkin, evidencia-se o modo como o patético está associado à exposição de “uma prosa visualmente rítmica” que salta para um “discurso visualmente poético”, apresentando uma “estrutura de composição idêntica ao comportamento humano, arrebatado pelo pathos”. O poético surge de uma transferência de opostos, em que “o caos é substituído por ritmo, prosa” e “em cada degrau movimenta-se rapidamente a ação, impelida para baixo por um salto ascendente de qualidade a qualidade, a maior intensidade, a uma dimensão mais ampla”. [32]
A presença da palavra “salto” é recorrente na descrição do patético, na cena das escadarias: indicando “um salto de qualidade a qualidade”, seja no “movimento vertiginoso da massa para baixo”, que “salta para um movimento vagaroso e solene para cima da figura solitária da mãe carregando o filho morto”; ou na mudança nos níveis de tempo, produzindo “um salto no método de apresentação do figurativo para o físico, ocorrendo dentro da representação de rolar”; seja “nos primeiros planos que saltam para planos gerais”. A conclusão vem do próprio Eisenstein: “mencionei as interrupções da ação, o ‘salto’ ou ‘transferência’ para uma nova qualidade que foi, em cada caso, o máximo de tudo disponível e foi, a cada vez, um salto à oposição”; cada elemento determinante passaria a representar “a fórmula extática fundamental: o salto ‘para fora de si mesmo’, indicando uma nova qualidade”. [33]
O salto teria a ver com uma forma de desenvolvimento “não subordinada às leis evolucionistas da natureza, mas que nos torna, em vez disso, uma unidade coletiva e social, que participa conscientemente de seu desenvolvimento”, propiciando “um salto na interpretação dos fenô-menos sociais presente nas revoluções”. A idéia do salto como oposição geradora de uma nova qualidade sugere o processo de desenvolvimento, próprio do pensamento dialético, como confirma Eisenstein: “podemos dizer que uma estrutura patética nos obriga, ecoando seu movimento, a reviver os momentos culminantes e de substanciação que estão no cânone de todos os processos dialéticos”. [34]
Esse pensamento que parece se afinar, em particular, com a dialética da natureza de Engels [35], conforme sugere a seguinte explicação: “Entendemos que um momento culminante significa aqueles momentos de um processo, aqueles instantes nos quais a água se torna uma nova substância – vapor, ou água gelada, ou ferro fundido – aço. Aqui vemos o mesmo sair de si se pudéssemos registrar psicologicamente as percepções da água, vapor, gelo e aço nesses momentos críticos momentos culminantes do salto, isto nos diria algo sobre o pathos, o êxtase.”[36]
A composição da obra dependeria, pela perspectiva apresentada, da organização dos vários saltos de qualidade numa estrutura total. A obra só se completa, diz Eisenstein, “quando é capaz de alcançar as condições de uma qualidade orgânica superior no campo do pathos como o entendemos, quando o tema, o conteúdo e a idéia da obra se tornam uma unidade organicamente contínua com as idéias, os sentimentos, com a própria existência do autor”. O orgânico não se separa do patético, antes se confundem para atingir uma qualidade genuína, na qual a obra adentrará os fenômenos naturais e sociais.[37]
O encouraçado Potemkin permanece como o exemplo máximo dessa unidade entre o patético e o orgânico, mas também A linha geral expressa esse desejo de organicidade entre tema e forma, sem deixar de conceder ao espectador o seu momento de adesão emocional, já que ele é envolvido por uma “onda de choque” ou “vibração nervosa”. Trata-se de uma sensação totalmente fisiológica, pois “o mais alto da consciência na obra de arte tem por correlato o mais profundo do subconsciente”. Agora quem explica é Deleuze, ao refletir sobre o cinema de Eisenstein:
O todo não é mais o logos que unifica as partes, mas a embriaguez, o pathos que as banha e nelas se difunde. É desse ponto de vista que as imagens constituem uma massa plástica, uma matéria sinalética, carregada de traços de expressões, visuais, sonoros, sincronizados ou não, ziguezagues de formas, elementos de ação, gestos e silhuetas, sequências assintáticas. É uma língua ou pensamento primitivo, ou melhor, um monólogo interior, um monólogo ébrio, operando por figuras, metonímias, sinédoques, metáforas, inversões, atrações.[38]
No filme A linha geral, nas sequências posteriores à cena da desnatadeira, as imagens desdobram-se em rios de leite, metáfora da prosperidade projetada por Marfa que, adormecida, sonha comprar um jovem touro reprodutor, com o dinheiro/fruto da produção comunitária. Um plano geral apresenta um painel, no qual um rebanho numeroso é visto de longe. Ao fundo do quadro, emerge uma imagem monumental do touro, em desproporção enfática à dimensão pequenina das figuras dos animais que pastam, uma imagem grotesca que surge da terra e se eleva para os céus, como um totem sagrado da comunidade. Numa montagem metafórica, as nuvens grossas e brancas do céu mesclam-se ao touro e jorram em chuva torrencial, formando rios e cachoeiras que se transformam em rios e cachoeiras de leite, desembocando, aos borbotões, numa usina leiteira. O belo sonho de Marfa produz uma sequência de imagens mostrando uma fazenda moderna e planejada para a criação dos rebanhos: vacas, porcos, ovelhas e galinhas poedeiras.
Em Reflexões de um cineasta, falando sobre a função dramática do uso da cor, Eisenstein se refere a essas sequências:
A Linha Geral tem o branco como tonalidade dominante. Branco do sovkhoz, das nuvens, do leite derramando-se em borbotões, das flores... Através do cinza dos motivos iniciais – a miséria. Através do negro das atrocidades e dos crimes. Mas é sempre o branco que ressalta, ligado como se acha ao tema da alegria e das formas novas de trabalho. Ele surge na cena mais intensa: aquela em que se espera a primeira gota que vai cair do “separador”. Nascido com essa gota, o branco introduz o tema da alegria que as sequências do sovkhoz, os rios de leite, os rebanhos, os pastos vão se desenvolver.[39]
Segue-se, no filme, um ritual profano, no qual jovens e crianças enfeitadas com guirlandas de flores preparam uma festa, com todo o aparato de uma cerimônia matrimonial, para o cruzamento entre o touro reprodutor e uma vaca, paramentada com véu e coroa de flores. Abre-se a porta do estábulo e surge o touro icônico que segue, primeiro em passos lentos, depois em disparada, em direção à vaca profana que o aguarda no pasto. O acasalamento é expresso pelas imagens ágeis do macho e da fêmea - em separado e justapostas - simultaneamente a uma explosão visual e luminosa de leite, e, em seguida, uma penca de filhotes a pastorear. Isso é montagem!
A chegada do trator à comunidade é outro momento de grande im-pacto, intercalando-se seqüências de disputa entre um grupo de homens a cavalo e a máquina em movimento. Foco nas pernas dos cavalos em disparada e nas rodas do trator em marcha. O veículo se atravanca na estrada, sendo ultrapassado pelos cavalos. A comunidade espera com ares festivos. O trator é visto em panorâmica, atravessando uma estrada, ao longe, puxando uma fileira de vagões. A máquina, em close, surge detrás de um monte, avançan-do sobre a tela, em imagem monumental, e esmagadoramente, atravessa as cercas que delimitam as pequenas propriedades, deixando finalmente para trás o trote dos cavalos.
Vários tratores “triunfantes” entram pelo centro da aldeia e desfilam em círculos, formando mandalas tecnológicas. Sequências paralelas em uma fábrica produzindo tratores, onde guindastes suspendem as máquinas, no meio de faíscas brilhantes e imagens explosivas de feixes de eletricidade. Inúmeros arados mecânicos “rasgam” a terra, movidos por tratores que avançam em linha reta, num vasto campo coletivo, em imagem panorâmica, seguida da legenda: “Para frente!”. A indústria, a linha de produção de tratores e a mecanização do campo se entrelaçam, organizadas pela técnica de montagem cinematográfica.
O velho e o novo: tensão entre experimentação estética e a censura ideológica
Nas últimas cenas do filme A linha geral/O velho e o novo, uma carroça, puxada por dois cavalos e conduzida por um camponês, desponta bucolicamente na estrada. Um homem está deitado na carroça, sobre o feno. Na direção oposta, surge um trator que se cruza com a carroça. Os dois veículos param para o cumprimento dos condutores. Então percebemos que é Marfa quem dirige o trator, trajando um equipamento apropriado, com viseira e óculos que lhe conferem um aspecto moderno e futurístico, totalmente em oposição à imagem arcaica da carroça puxada a cavalo. O homem sobre o feno é o motorista que conduzira o primeiro trator a chegar ao vilarejo, que agora está despreocupado, descansando na carroça. Os dois se reconhecem. Marfa sorri e acena. Legenda: “esta é a história de Marfa, como a de muitos outros”. Sequência de planos, com uma síntese retrospectiva das várias etapas da luta de Marfa. A imagem de uma cena anterior do homem com viseira de tratorista se alterna com a imagem atual de Marfa como tratorista, sugerindo a troca de papéis. Abraço afetuoso entre os dois. Fim do filme. Superação do velho e do arcaico, mas reaproveitamento de seu potencial positivo.
Apesar da reiteração do salto de qualidade daquela comunidade para a prosperidade, a partir da mecanização do trabalho e da entrada do trator, “cavalo motorizado” que tornaria superado o trabalho do animal, prevalece certa conciliação entre as formas modernas e as arcaicas, que não são de todo incompatíveis. Isso talvez explique o fato de a carroça e o trator “sorrirem” um para o outro. As direções para as quais se encaminham os dois veículos são antagônicas, mas o casal se encontra no meio da estrada. Esse final, explica François Albera, em Eisenstein e o construtivismo russo: “evoca as relações cidade/campo com base no modo da troca (o tratorista escolhe a vida rural ‘primitiva’, troca seu lugar com o de Marfa, sem dominação de um sobre outro)”. E também espelharia a real situação de transição que o campo vivia, naquele momento, conciliando a precariedade dos meios de produção com o esforço de implementação tecnológica. [40]
No entanto, o filme de Eisenstein, submetido à censura, teve que passar por reedições, sofrendo o impacto das mudanças político-econômicas de Stalin, que sucederam a NEP – Nova Política Econômica criada por Lênin. Stalin exigira alterações na fita, com a supressão de cenas e indicação de mudanças na cena final e no título, alegando que o conteúdo da obra teria se tornado anacrônico, não correspondendo à realidade da “linha geral” do partido e da coletivização do campo, empreendida pelo Estado. Os motivos do anacronismo estariam no fato de que Eisenstein, após ter iniciado as filmagens de A linha geral em 1926, teve que interromper o trabalho por dois anos, atendendo à encomenda do governo para fazer um filme comemorativo dos 10 anos da revolução soviética, que resultou em Outubro, de 1928. Pelo argumento de Stalin, muitas cenas produzidas no período inicial teriam se distanciado das novas políticas econômicas. O que explicaria o fato do filme passar a ser chamado, na URSS, de O velho e o novo.
A NEP, considerada como uma segunda etapa do processo revolucionário (1921-1928), foi formulada por Lênin como tentativa de estabilização do regime e das crises geradas por problemas econômicos herdados do antigo sistema e insatisfações internas das próprias forças que apoiaram a Revolução, inclusive dos camponeses. A nova política permitia uma economia mista de socialismo e capitalismo, com a liberdade do comércio interno e a manutenção de pequenas empresas industriais e propriedades rurais pertencentes aos kulaks (camponeses proprietários de terras). Desse modo, a economia soviética pôde sobreviver, diminuindo o desemprego e a fome, no entanto a NEP tornou-se polêmica, pois, além de acirrar as contradições entre os vários setores produtivos, gerava insatisfação nos meios ortodoxos do regime, que a consideravam uma derrota à implantação do comunismo (grupo formado por Bukharin e Stalin em oposição a Trotski e leninistas).
Com a morte de Lênin, em 1924, Stalin assume a liderança do governo e abandona a NEP, implantando o “socialismo integral” e um novo sistema econômico, que incluía a planificação e a coletivização, funcionando de 1928 a 1937, direcionado para um processo veloz de industrialização e de coletivização agrícola forçada, colocando em prática os planos quinquenais. As metas visavam à supressão da propriedade individual, ao aumento da produção e à priorização de uma indústria de bens de equipamentos, em detrimento de bens de consumo. Evidentemente, os camponeses proprietários foram massacrados e os campos de agricultura não representavam exatamente o paraíso que a propaganda stalinista anunciava. [41]
Estas questões estiveram no centro das preocupações debatidas no XV Congresso do Partido Comunista, de 1927 (que reiterava as teses do XIV Congresso, ocorrido em 1925), defendendo a manutenção de certos aspectos da NEP e a cooperação entre indústria e agricultura, contrariando o avassalador projeto stalinista de industrialização. [42] A primeira versão do filme A linha geral, acredita Albera, não representava uma defasagem em relação à realidade do campo, mas sim uma leitura dissociada da política oficial para a agricultura, expressando uma conexão com as decisões do XIV Congresso do Partido Comunista, retomando as diretrizes políticas anunciadas por Lênin, na tentativa de conciliar as várias posições econômico-sociais de grupos de camponeses pobres, médios e ricos. Na verdade, diz Albera, “o impulso para realizar tal filme não provém de uma encomenda externa – nem a instância econômica (os estúdios), nem a instância política (o Estado, o Partido). Ele resulta da encomenda social, ou seja, a compreensão pelo cineasta das exigências da sociedade.” [43]
Na versão oficial reeditada, condizente com a “linha geral” adotada na virada política do governo, a cena final (que se tornaria a mais recorrente) indica a união do casal projetada pelo encontro dos dois tratores dirigidos pelos protagonistas, com a aproximação das “duas máquinas resfolegantes”. Nessa versão, como salienta Albera, se descarta a vida camponesa do passado e “reina a máquina partilhada”, onde só há lugar para uma agricultura mecanizada e para a exaltação da industrialização. [44]
Tanto em A linha geral/O velho e o novo quanto em Outubro, Eisenstein adotaria uma linha política conectada a uma elaboração supostamente científica, procedendo à coleta de informações, documentos autênticos e fatos, atitude recorrente do procedimento “factográfico” da LEF (revista da Frente de Esquerda das Artes). A ambição tipicamente construtivista do cineasta, com sua pretensão de ser “operativo e transformativo”, o faria implicar, de modo conflitante, suas tendências políticas com fatos e materiais concretos, no intuito de chamar o espectador a compreendê-los por meio de “um processo que vai do sensível ao inteligível”. O fato é que Eisenstein, como conclui Albera, “leva a sério o discurso político e, transcodificando-o, se esforça para lhe dar um papel estruturante em seu filme que em 1929 as reviravoltas de Stalin tornarão ‘deslocada’ A linha geral”. [45]
O projeto estético de Eisenstein ganharia forma na perspectiva da tensão entre o velho e o novo, evidenciada na concepção de A linha geral, indicando o domínio de novas técnicas, apoiadas na máquina e nas linhas de força centrais da modernidade e do socialismo. Em relação às formas de composição artística, acredita Ismail Xavier, não haveria, por parte do cineasta soviético, uma recusa das premissas dramáticas, centradas na manipulação dos sentimentos, próprias do teatro burguês que se estabeleceria a partir do século XVIII, com vistas a alcançar o público plebeu, mas uma articulação dessas experiências com suas teorias, visando à construção de uma cultura democrática, em consonância com a nova sociedade. Sua diferença estaria “no grau de formalização do processo, na maneira como articula uma cultura visual clássica, geometrizante, com os dispositivos do teatro moderno, pós-Diderot”. Partindo da concepção de tableau do teatro burguês, o cineasta buscaria “uma nova conexão entre imagem e conceito” a fim de elaborar uma teoria do cinema. [46]
Para o crítico,
A incorporação do velho no novo, a idéia de mobilizar o melhor da tradição pictórica, teatral, literária para a condução da cultura a novo patamar é o traço ensensteieneano por excelência, define a peculiaridade da sua intervenção no debate cultural e político. Seu esforço foi sempre o de compatibilizar suas experiências, impulsionadas por um modernismo em diálogo com a tradição, e uma demanda social e política que aceitou, tanto quanto o fizeram figuras como Meyerhold, Maiakovski, Vertov e Tretiakov, entre outros. [47]
Nesse sentido, como demonstraram as reflexões textuais e os diversos debates travados pelo cineasta com expoentes do construtivismo mais radical, que preconizavam a recusa ao passado, Eisenstein, que iniciou sua formação artística no teatro, procurava se relacionar com as formas teatrais populares e com aspectos sensoriais do espetáculo para a composição de seus filmes, na busca de uma recepção do espectador que incluía a adesão emocional. Só assim aquela qualidade orgânica superior, incendiada pela força do pathos artístico, poderia atingir o espectador, tanto no âmbito profundo do seu subconsciente quanto em sua visão consciente das questões sociais, incitando seu desejo de ação e de transformação. Propósito que iria criar as sequências antológicas de filmes como O Encouraçado Potemkim e A linha geral/O velho e o novo.
Referências
1 XAVIER, Ismail. Eisenstein: a construção do pensamento por imagens. In: NOVAES, Adauto (org.). Artepensamento. São Pau-lo: Companhia das Letras, 1994, p. 359 e 360.
2 BÜRGER, Peter. Teoria da vanguarda. Lisboa: Vega, 1993, p. 128
3 Idem, ibidem, p. 130-133.
4 Para se aproximar das idéias de Ernst Bloch sobre a monta-gem, ver: MACHADO, Carlos Eduardo Jordão. Um capítulo da história da modernidade estética: debate sobre o expressionismo. São Paulo: Editora Unesp, 1998.5 XAVIER, Ismail, op. cit., p. 359
6 EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Apresentação, notas e revisão técnica de José Carlos Avellar. Rio de Janeiro: Zahar, 1990, p. 7 e 8.
7 O manifesto Montagem de atrações foi publicado na revista LEF, n. 3. No Brasil, o texto foi incluído em XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema: antologia. Rio de Janeiro: Graal: Embrafilme, 1983 (citação das p. 189 e 190).
8 Para um maior aprofundamento acerca das experiências de Eisenstein no teatro, ver OLIVEIRA, Vanessa Teixeira de. Eisenstein ultrateatral: movimento expressivo e montagem de atrações na teoria do espetáculo de Serguei Eisenstein. São Paulo: Perspectiva, 1998.
9 XAVIER, Ismail. Introdução. In: A experiência do cinema, op. cit., p. 176.
10 EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme, op. cit., p. 23.
11 O ensaio Dramaturgia da forma do filme resume, de certo modo, a visão geral do cineasta sobre a montagem. Ele fora reescrito por diversas vezes desde 1929. Entre 1946 e 1947, Eisenstein o incluiria em A forma do filme, um conjunto de seus textos, escritos separadamente, até então. Ver: ALBERA, François. Eisenstein e o construtivismo russo: a dramaturgia da forma em “Stutgart”. São Paulo: Cosac & Naify, 2002
12 Idem, ibidem, p. 41.
13 Idem, ibidem, p. 50.
14 Idem, ibidem, p. 59-68.
15 XAVIER, Ismail, Eisenstein, op. cit., p. 368-371.
16 Idem, ibidem, p. 372.
17 EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme, op. cit., p. 24.
18 EISENSTEIN, Sergei. O sen-tido do filme. Rio de Janeiro: Zahar, 1990, p. 13.
19 Idem, ibidem, p. 17. A nova proposição daria origem a uma fórmula diferente, como pro-põe Eisenstein: “O fragmento A (derivado dos elementos do tema em desenvolvimento) e o fragmento B (derivado da mesma fonte), em justaposição, fazem surgir a imagem na qual o conteúdo do tema é corporificado da forma mais clara”. Em outros termos: a justaposição entre “a representação A e a representação B” deve “suscitar na percepção e nos sentimentos do espectador a mais completa imagem do próprio tema”. Idem, ibidem, p. 17 e18.
20 Tal conferência está incluída em XAVIER, Ismail (org.) A ex-periência do cinema, op. cit., bem como em EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme, op. cit., sob o título de A forma do filme: novos problemas.
21 Cf. EISENSTEIN, Sergei, apud XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema, op. cit., p. 219. Essa concepção foi radica-lizada nos filmes posteriores, com a focalização em heróis nacionais: Alexandre Nevsky, de 1938, e as duas partes de Ivan, o terrível, de 1941 e 1946.
22 Idem, ibidem, p. 223.
23 Cf. XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema, op. cit., p.177
24 EISENSTEIN, Sergei. Da literatura ao cinema: uma tragédia americana. In: XAVIER, Ismail (org.). A experiência do cinema, op. cit., p. 214
25 Idem, The milk separator and the Holy Grail. In: Non indiferent nature. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.
26 Idem, ibidem, p. 45. “Aqui a incursão do pathos no assunto exigiu rigorosamente que, apenas via expressividade e composição, a cena do aparecimento da primeira gota do creme de leite fosse realizada de modo tão emocionante e excitante quanto o episódio do encontro do Potemkin com o regimento do almirante. Para construir a expectativa desta cena da primeira gota do creme de leite com uma intensidade similar ao suspense da espera – virá ou não virá um tiro da esquadra – tive que encontrar os meios de composição plás-tica para expressar a idéia de alegria, quando o momento do “teste do espectador” é coroado com o triunfante sucesso tec-nológico” (tradução nossa). O texto “The milk separator and the Holy Grail” é um subtítulo do capítulo On the structure of things: organic unity and pathos, inserido na mesma obra.
27 Idem, ibidem, p. 51. Por outras palavras, na primeira cena, “o mundo se submete servilmente às forças misteriosas da natu-reza”, enquanto, na segunda, nos deparamos com “o mundo tecnologicamente organizado, equipado para resistir a forças cegas” (tradução nossa).
28 Idem. A cruzada religiosa da Páscoa e da “oração pela chuva” utilizou principalmente a representação – ou, melhor dizendo, a “teatralização” – de idéias influenciadas pelo comportamento humano (não ignorando, claro, todas as outras possibilidades dentro do arsenal de métodos e técnicas do cinema). A cena da desnatadeira, afinal de contas, foi gerada basicamente do meio cinematográfico, numa escala e forma impossíveis nas outras artes (não ignorando, é claro, todos os outros elementos necessários para essa cena, como comportamento e ação, apresentada, em particular, de modo parcimonioso e contido) [tradução nossa].
29 O problema se estrutura a partir de uma proposição do autor dramático, que passa a ordenar todas as particularidades da ação de acordo com sua causalidade e no sentido de uma finalidade, para a qual todas as fases do drama conver-gem, consecutivamente, até o desfecho. A pergunta “por que razão?”, quando “lançada com vigor, conduz incansavelmente para diante e só descansa quan-do chega a um último sentido da existência” STAIGER, Emil. Conceitos fundamentais da po-ética. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1972, p. 141.
30 Idem, ibidem, p. 123-126. Staiger exemplifica esse processo patético com cenas de diversas tragédias de Sófocles, Schiller, Kleist, Corneille, dentre outros autores. A cena em que Antígona caminha para a morte é um bom exemplo (v. p.120-129).
31 EISENSTEIN, Sergei. Sobre a estrutura das coisas. In: A forma do filme, op. cit., p. 148. Este escrito é uma parte do capítulo “On the structure of things: organic unity and pathos”, inserido em Non indifferent nature, op. cit.32 Idem, ibidem, p. 151.
33 Idem.
34 Idem, ibidem, p. 152.
35 Ver ENGELS, Friedrich. A dialética da natureza. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
36 EISENSTEIN, Sergei. Sobre a estrutura das coisas, op. cit., p. 152.
37 Idem, ibidem, p. 152 e 153.
38 DELEUZE, Gilles. A imagem-tempo. São Paulo: Brasiliense, 1985, p. 192-193
39 EISENSTEIN, Sergei. Reflexões de um cineasta. Rio de Janeiro: Zahar, 1969, p. 135. Só para lembrar: a película é anterior à era do filme colorido.
40 ALBERA, François, op. cit., p. 323.
41 Herbert Marshall esclarece sobre as circunstâncias que impediram Eisenstein de “mostrar a verdadeira natureza da liquidação dos kulaks enquanto classe (virtualmente uma segunda guerra civil)”. Seu painel da situação do campo não podia, evidentemente, revelar os crimes stalinistas, ao “matar deliberadamente de fome milhões daqueles camponeses de situação econômica mediana, nem seu internamento em massa nos campos de prisioneiros do Gulag, onde foram usados como força de trabalho para levar adiante o plano socialista de cinco anos. Ver o prefácio de MARSHALL, Herbert. In: EISENSTEIN, Serguei. Memórias imorais: uma autobiografia. São Paulo: Companhia das Letras, 1987, p. 11.
42 Segundo Albera, a política de Lênin se sustentaria nos seguintes aspectos: a cooperação como “o meio privilegiado de chegar ao socialismo no campo”; a necessidade de aliança, tanto econômica quanto política entre operários e camponeses, pela qual “os bens de consumo chegam ao vilarejo, a indústria fornece instrumentos de trabalho, os operários ajudam os camponeses”; a ênfase pela luta no plano educativo e não pelo confronto social no campo. ALBERA, François, op. cit., p. 317. Ao contrário, Stalin exaltaria “a urgência de uma rápida coletivização e mecanização da agricultura, para que esta não se atrase em relação à indústria, e também a aceleração de seu ritmo de desenvolvimento, a fim de permitir que a indústria forneça equipamentos à agricultura o mais rápido possível.” Idem, ibidem, p. 309.. As propostas de Lênin encontram-se anunciadas nos textos “Da cooperação” (1923), “Esboços das teses sobre a questão agrária”, “Como reorganizar a inspeção operária e camponesa?” e “A propósito das tarefas do IOP”. Cf. idem, ibidem, p. 314.
43 Idem, ibidem, p. 308.
44 Idem, ibidem, p. 322 e 323. Conforme informa François Albera, teriam sido elaboradas três versões para o final do filme. No entanto, só tive acesso a duas versões: consegui localizar, com grande dificuldade, uma cópia em VHS, com a versão citada acima, em que há conciliação ente a carroça e o trator; a versão oficial citada é a que se encontra em DVD, disponível, atualmente, para comercialização.
45 Idem, ibidem, p. 317.46 XAVIER, Ismail. Eisenstein, op. cit., p. 361 e 362.47 Idem, ibidem, p. 363
Nanci de Freitas: Doutora em Teatro pelo Programa de Pós-graduação em Artes Cênicas, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UniRio). Professora do Departamento de Linguagens Artísticas do Instituto de Artes da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Atriz e diretora.