Oscar já teve gente nua, bêbada e fazendo flexão; relembre esses momentos
China e o ajuste fiscal
Walter Salles
Você pensa que cachaça é água?
Lilian (do Leno e Lilian)
Tati Bernardi
PH Santos acerta e ponto
Crime compensa
Rio seco
New Yorker
O molho de tomate da minha mãe
O cancelamento de Maria Rita Kehl e as armadilhas do identitarismo
Identitarismo é fenômeno neoliberal para frear ação comum
Tifanny desabafa após título no vôlei: 'vai ter mulher trans campeã, sim'
Dom Casmurro
'Rio virou Caribe': por que a água ficou tão cristalina em praias cariocas?
Rio Tietê
Um trilhão de juros!
Sebo do Messias
DeepSeek
Retorno de palestinos ao norte de Gaza reaviva pinturas de Pieter Bruegel
Paul Newman aos trinta
Florestania
Matar a morte
'Ainda Estou Aqui' aborda ditadura militar com suavidade apolítica
Copa do Brasil 2025
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Oscar já teve gente nua, bêbada e fazendo flexão; relembre esses momentos
Prêmio é marcado por incidentes e improvisos muito antes do tapa de Will Smith e da confusão dos envelopes de melhor filme
Pedro Strazza, fsp, 02/03/2025
A história recente do Oscar é recheada de acidentes e momentos inesperados. Só nos últimos 12 anos, a principal premiação de Hollywood testemunhou no palco do Dolby Theater cenas malucas como a queda de Jennifer Lawrence nas escadarias do palco, o anúncio errado de "La La Land" como melhor filme e até o tapa de Will Smith no apresentador Chris Rock.
Todas essas situações são insólitas, mas também fazem sentido no histórico do evento. Depois de quase cem anos, a cerimônia organizada pela Academia de Artes e Ciências Cinematográficas já viveu de tudo, e dá para dizer que o prêmio está sempre atrás destes momentos estranhos. O público, pelo menos, espera ansioso por eles.
Desde 1953, quando passou a ser televisionada ao vivo de Los Angeles, a premiação teve momentos insólitos com seus vencedores e os seus apresentadores. Ninguém está incólume de um acontecimento não previsto na agenda do evento, afinal, e as formas como se resolvem as situações definem as edições do Oscar na memória das pessoas.
Relembre alguns dos casos mais esquisitos da premiação. A 97ª edição do Oscar acontece neste domingo, a partir das 21h.
Largados e pelados
O incidente mais famoso é a invasão de um homem pelado no palco da edição de 1974. Na ocasião, o ator britânico e apresentador da noite David Niven introduzia a atriz Elizabeth Taylor para revelar o vencedor na categoria de melhor filme —"Golpe de Mestre", de George Roy Hill.
Quando Niven estava prestes a chamar Taylor ao palco, porém, o ativista Robert Opel cruzou o palco da premiação, fazendo um sinal da paz enquanto passava pelas costas do apresentador. O ator primeiro olhou sorrindo para a cena e ainda foi pego com o olhar atônito pela câmera antes que a transmissão mudasse de ângulo, permitindo que a produção agisse.
A cena ficou ainda melhor que o planejado por Opel porque Niven, na hora, falava aos presentes sobre como o mundo estava um caos e como o cinema agia como uma válvula de escape ao momento.
The Oscars Streaker | 46th Oscars (1974) vídeo
Opel era fotógrafo da revista "The Advocate", dedicada ao público LGBTQIA+, e vinha fazendo participações nudistas em eventos como protestos contra o conformismo da sociedade americana. Ele repetiria o ato naquele mesmo ano em uma reunião do conselho da cidade de Los Angeles.
Apesar do choque da época, a Academia já tentou repetir a cena algumas vezes. Só nos últimos dez anos, a situação se repetiu duas ocasiões. Em 2015, o ator e apresentador Neil Patrick Harris replicou uma cena do filme "Birdman" ao entrar no palco vestindo apenas uma cueca.
Já no ano passado a premiação homenageou os 50 anos da invasão do peladão colocando o ator John Cena para apresentar nu a estatueta de figurino.
Palance subiu ao palco para receber o prêmio e, depois de fazer uma piada rápida com Billy Cristal, surpreendeu a todos ao se deslocar para a direita do palco e fazer flexões com um braço só, do alto dos seus 73 anos.
O de hoje está pago
A edição de 1992 tem discurso de agradecimento dos mais intrigantes graças a Jack Palance. O ator, célebre na Hollywood dos anos 1950, venceu naquela noite a sua primeira e única estatueta da carreira pela comédia "Amigos, Sempre Amigos", de Ron Underwood.
Palance subiu ao palco para receber o prêmio e, depois de fazer uma piada rápida com Billy Cristal, surpreendeu a todos ao se deslocar para a direita do palco e fazer flexões com um braço só, do alto dos seus 73 anos.
Jack Palance Wins Supporting Actor: 1992 Oscars vídeo
Palance decidiu fazer o exercício após falar sobre como vinha sendo descartado para papéis por ser considerado velho demais para eles. "Eles esquecem de pedir a você para ir lá fora e fazer todas essas coisas", disse.
O ator ainda se lembrou de um produtor que, em seu primeiro filme, em 1949, disse depois de duas semanas de gravações que ele venceria um Oscar. "Quarenta e dois anos depois, o desgraçado estava certo. Como ele sabia?", afirmou.
Bateu, cenourinha
Alguns momentos tocantes do Oscar podem ter uma história de bastidores peculiar por trás. Bom exemplo disso é a vitória de Steven Soderbergh na estatueta de direção em 2001. Na época, a cena foi vista como um triunfo do cinema independente.
O diretor levou o prêmio pelo thriller "Traffic", superando nomes como o de Ridley Scott, Stephen Daldry e até a si mesmo — ele dobrou a indicação na categoria com seu trabalho em "Erin Brockovich".
O discurso de Soderbergh também foi marcante, com o cineasta dedicando o Oscar a todos os artistas, e a sua brevidade — ele demorou apenas 90 segundos no palco— virou anos depois uma referência para a Academia nas orientações aos novos e futuros vencedores. Só que havia um problema nessa equação —Soderbergh estava bêbado quando subiu ao palco do Dolby Theater.
Steven Soderbergh winning the Oscar® for Directing vídeo
O diretor só foi falar do assunto em 2019, durante uma entrevista ao site Indiewire e porque perguntaram do que ele achava de ser uma referência em discursos do Oscar. Segundo Soderbergh, ele bebeu todas por julgar que seria impossível a sua vitória, exatamente diante da dupla indicação e da vitória de Ang Lee no prêmio do sindicato dos diretores.
"Fui sob a impressão de que não seria eu, porque era isso que estava se desenhando", disse o cineasta na conversa. "Eu visitava o open bar e estava tomando doses duplas de vodka com cranberry a cada novo comercial da transmissão. Eu estava ébrio, e porque sabia que não seria eu, também não preparei nada."
Soderbergh cita na entrevista que a sua demora para responder ao anúncio entrega o seu estado alcoolizado, mas o vídeo também mostra o diretor dando passos confusos mais próximo do palco.
Cara, cadê o meu sapato?
Outro clássico dos bastidores do Oscar, a edição de 1986 contou com um pequeno atraso de Geraldine Page para chegar ao palco. Anunciada pelo ator F. Murray Abraham como vencedora da estatueta de melhor atriz, a veterana do teatro britânico demorou alguns bons segundos para levantar de seu assento e caminhar até o pódio.
O que aconteceu foi outro caso de alguém não acreditando tanto assim no próprio taco. Page estava tão conformada com a derrota que assistia ao evento descalça e, na hora do anúncio, não sabia onde tinha enfiado os sapatos.
Geraldine Page Wins Best Actress: 1986 Oscars vídeo
A insegurança da atriz tinha um fundo de verdade. Page estava indicada naquela noite por "O Regresso para Bountiful", uma produção independente que não tinha a mesma verba dos estúdios para fazer uma grande campanha com os votantes da Academia. Sua vitória foi uma surpresa na noite, superando nomes mais encorpados na corrida como o da veterana Anne Bancroft e o de Meryl Streep, protagonista do grande vencedor daquele ano, "Entre Dois Amores".
Expresso dourado
Os discursos de agradecimento do Oscar no geral demoram de dois a três minutos, graças aos esforços da produção, mas a história tem seus superlativos.
O discurso mais longo da história, por exemplo, antecede o início da transmissão na televisão. Em 1942, Greer Garson falou aos convidados por sete minutos depois de vencer a estatueta de melhor atriz por "Rosa da Esperança". O agradecimento é tão extenso e tão antigo que hoje em dia há apenas trechos da fala da artista disponíveis —nem mesmo a Academia tem a cena completa preservada.
Por outro lado, Joe Pesci pregou uma peça na edição de 1991. Quando venceu o Oscar de melhor ator coadjuvante por "Os Bons Companheiros", ele permaneceu no palco por meros seis segundos. O discurso? "Foi um privilégio. Obrigado."
Joe Pesci Wins Supporting Actor: 1991 Oscars vídeo
As reportagens da época afirmam que o ator falou tão pouco porque ele genuinamente não acreditava na possibilidade de vitória. Enfrentava nomes como Al Pacino, por "Dick Tracy", e "Graham Greene", ator do grande campeão da noite, "Dança com Lobos".
O artista também estava em sua segunda indicação ao prêmio, depois de ser lembrado pelos votantes dez anos antes por "Touro Indomável" na categoria de ator coadjuvante. Depois de "Os Bons Companheiros", Joe Pesci só voltaria à disputa do Oscar, de novo no prêmio de apoio, depois de 29 anos, por seu trabalho no filme "O Irlandês" —três longas dirigidos por Martin Scorsese.
Pacote danificado
O ato de rasgar um envelope e anunciar um vencedor é repetido há quase cem anos no Oscar, pelo menos 20 vezes a cada nova cerimônia, e a princípio parece impossível achar uma forma diferente de revelar o vencedor da estatueta. Mas sempre rolam acidentes terríveis, bons improvisos e sacadas legais.
Em 1964, por exemplo, a atriz Rita Hayworth errou o nome do inglês Tony Richardson, chamando-o de "Tony Richards" ao anunciá-lo como vencedor do prêmio de direção por "As Aventuras de Tom Jones". A situação, como a troca dos envelopes do Oscar de "Moonlight", foi erro da organização, que perdeu um envelope especial com letras maiores no cartão —a atriz tinha miopia.
Tony Richardson winning the Oscar® for Directing "Tom Jones" vídeo
Já em 2004 o diretor Steven Spielberg fez uma emenda bonitinha ao clássico "e o Oscar vai para". "É uma limpeza geral", disse o cineasta antes de confirmar que "O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei" vencera a estatueta de melhor filme e levara em todas as categorias ao qual estava indicado.
'The Lord of the Rings: The Return of the King' Wins Best Picture Oscar vídeo
Mas uma das cenas mais legais envolvendo o envelope enigmático aconteceu no ano anterior, em 2003. No palco para anunciar o vencedor de melhor filme daquela noite, os atores Kirk Douglas e Michael Douglas brincaram com a expectativa ao rasgar ao meio o cartão. Depois de cortar em dois o envelope, Kirk, o pai, entrega uma das metades a Michael, o filho, e os dois juntam revelam ao mundo que o musical "Chicago" era o campeão daquele ano.
Chicago Wins Best Picture: 2003 Oscars vídeo
De volta aos tempos atuais, o último grande incidente do Oscar foi o tapa de Will Smith no comediante Chris Rock. Há três anos, o ator subiu no palco para agredir o apresentador por conta de uma piada envolvendo sua mulher, Jada Pinkett Smith.
Na transmissão e ao vivo, a cena passou como parte do evento, com o público rindo do tapa. O horror da situação só transpareceu aos presentes quando Smith grita duas vezes para Rock: "Tire o nome da minha mulher de sua boca".
Watch the uncensored moment Will Smith smacks Chris Rock on stage at the Oscars, drops F-bomb
Na época, Smith concorria ao prêmio de melhor ator pelo filme "King Richard: Treinando Campeãs", uma indicação que se tornaria uma vitória no fim da noite. De volta ao palco depois de uma hora do incidente, o ator pediu desculpas à Academia e aos indicados pela agressão, afirmando que gostaria de ser um recipiente de amor naquele momento. Ele até citou o colega Denzel Washington, que foi flagrado no evento conversando e acalmando o artista após o tapa.
A Academia baniu Will Smith da cerimônia por dez anos, confirmando que o ator não poderá comparecer ao evento no período mesmo se for indicado. O ator também renunciou voluntariamente ao seu status de membro do grupo.
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China e o ajuste fiscal
A China zomba dos “ajustes fiscais”
Por décadas, o Estado criou dinheiro a partir do nada para financiar infraestrutura e bem-estar dos migrantes internos. Agora, fará o mesmo pela tecnologia de ponta e por novas políticas públicas. Loucura? Só para quem subordinou-se ao rentismo
por Elias Jabbour, Outras Palavras, 13/02/2025
Antes de tudo, um relato pessoal. Ainda em Xangai e em uma conversa com uma grande autoridade brasileira, em um posto de relevância estratégica ao bloco dos BRICS, o assunto do endividamento local chinês veio à tona. Quem acompanha os panfletos da ortodoxia universal sabe muito bem que uma das grandes apostas contra o “modelo” chinês está na suposta insustentabilidade dos débitos dos entes subnacionais acumulados desde a reação chinesa à crise de 2007/2008.
De forma tranquila procurei demonstrar que o “modelo” chinês tem como base fiscal e monetário um grande fato: moeda criada pelo Estado sob intermediação financeira pública que é emprestada para empresas do Estado, províncias, municípios e empresas não públicas. Ou seja, a mim está clara uma das características de uma economia de projetamento, na forma como surge na China. Trata-se do casamento entre monopólio do Partido Comunista sobre a grande propriedade pública, na indústria e na finança, e o exercício consciente de sua soberania monetária para fins de entrega de bens e serviços. Como diria o pai da “Economia do Projetamento”, Ignacio Rangel, “projetamento é a busca da razão, na relação entre custo e benefício de cada projeto”.
Na China, a moeda é um bem público – ao contrário do Brasil, onde, dado o poder do sistema financeiro sobre os destinos da política monetária, a moeda é quase um ente privado. Continuando a conversa, ainda com muita tranquilidade, disse que o endividamento local não é uma contradição do “modelo”, mas um atributo da dinâmica de desenvolvimento. Uma sobrevivência das relações entre governo central e províncias desde a milenaridade do modo de produção asiático. A minha conclusão foi objetiva e assustadora a quem ouvia. “Em breve, a China vai encontrar uma solução para isto”. Algumas semanas depois, precisamente na primeira semana de novembro, o governo central anunciou um grande pacote fiscal de US$ 1,4 trilhão, tanto para aplacar as dívidas locais quanto para recomprar a concessão de terras a incorporadas atingidas pela crise imobiliária.
Foi apenas um entre outros 14 pacotes fiscais, anunciados entre setembro de 2024 e dezembro de 2025. O primeiro anúncio de 2025 já foi feito com um aumento-surpresa nos salários de 48 milhões de servidores públicos chineses. Esse aumento equivale a uma injeção de quase três bilhões de dólares na economia do país. Ou seja, o governo chinês já inicia o ano com uma medida com algum impacto sobre a capacidade de consumo de milhões de pessoas. Mas o que se pode esperar em termos de políticas fiscal e monetária para 2025?
Como nos acostumamos no Brasil e observar o fiscal e o monetário fins em si mesmos, e parte de uma operação simplesmente contábil, pode parecer estranho relacionar a submissão do monetário e o fiscal aos objetivos estratégicos de um país e, mesmo às suas ambições geopolíticas. Não deveria ser novidade, desde o momento que observamos que a Inglaterra pós-Revolução Industrial transformou a dívida pública em poderosa arma política. Da mesma forma que a China deverá manter políticas cada vez mais ousadas e expansivas nos campos monetário e fiscal. As razões são domésticas (necessidade de geração anual de 12 milhões de empregos urbanos/ano) e, sobretudo geopolíticas/tecnológicas, pois o país está disputando palmo a palmo a liderança da atual revolução técnico-científico em vários níveis, com ênfase nas indústrias relacionadas à transição energética. Voltarei a isso.
Políticas monetárias e fiscais expansivas também se impõem diante da corrida chinesa pela autonomia nas chamadas infraestruturas dos semicondutores e na Inteligência Artificial. Se Biden e, agora, Trump, lançaram mão de trilhões de dólares para jogar à frente a fronteira tecnológica nestes setores, a China faz o mesmo em termos de catching-up. Ou seja, enquanto o Brasil, fiel à ultrapassada teoria quantitativa da moeda, discute se os pobres têm o direito de uma velhice digna sem afetar o “equilíbrio fiscal”, na China (e nos Estados Unidos) queima-se, em linguagem figurada, “dinheiro em praça pública” – para ver quem chega primeiro no topo da montanha na corrida pela dianteira da fronteira do conhecimento.
Ciência, tecnologia e inovação custam trilhões de dólares a fundo perdido. Entre 2025 e 2030 a previsão é de investimentos da ordem de US$ 1,4 trilhão na China, somente em Inteligência Artificial. Em 2024, somente em circuitos integrados foram quatro pacotes, da ordem de US$ 40 bilhões cada. Voltando aos investimentos em energias limpas, como não estão consolidados os números de 2025, vale lembrar que tal movimento é parte do esforço de liderança do país nestas áreas, mas também busca acelerar outra transição. Uma economia que durante décadas foi sustentada por imensos investimentos em infraestruturas e no setor imobiliário passou a se desenvolver-se com base em investimentos vultosos na fronteira tecnológica.
Nada indica que isso irá mudar em 2025, ainda mais levando em conta o empenho dos Estados Unidos em manter e ampliar seu bullying tecnológico contra a China. Abrindo um parêntese, vale lembrar que a fase anterior levava em conta a necessidade de abrigar dezenas de milhões de chineses em trânsito do campo para a cidade. Para termos ideia, entre 2014 e 2023, duzentos milhões de pessoas tornaram-se cidadãos urbanos na China, o que demanda um esforço de planificação deste processo que as ciências sociais não estão preparadas para mensurar.
Em 2023, o crescimento dos investimentos em energia limpa foi 40% maior que o verificado em 2022, alcançando US$ 890 bilhões. Este nível de inversões é comparável ao PIB de países como a Suíça ou a Turquia, destacando a escala do compromisso da China com a energia limpa. A contribuição do setor de energia limpa para a economia chinesa foi de US$ 1,6 trilhão em 2023, refletindo um aumento de 30% em relação ao ano anterior. Esse crescimento fez dos setores de energia limpa o maior motor da expansão econômica da China, respondendo por 40% do crescimento total do PIB. Sem seu avanço, o PIB da China teria ficado abaixo da meta do governo, alcançando apenas 3%, em vez dos 5,2% almejados naquele ano.
Resumindo a ópera, nada indica uma mudança nos rumos da política fiscal e monetária chinesa para 2025. Ao contrário, nesta luta existencial pela autonomia tecnológica, muito dinheiro deverá continuar a ser “queimado em praça pública”. A lógica de contabilidade que domina a mente de países que desistiram de si mesmos não combina com o fundamental no mundo, desde o surgimento do sistema interestatal moderno: a riqueza das nações.
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Walter Salles
Walter Salles: “A Anistia imposta criou uma amnésia, permitiu que a ditadura fosse romantizada”
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Você pensa que cachaça é água?
Marchinhas de Carnaval têm longa relação com as bebidas no Brasil
Daniel de Mesquita Benevides - Gelo e gim, 27/02/2025
Pela janela entram os sons do surdo, do tamborim, da guitarra… e provocam uma vibração na sala. O coro é alvissareiro: "Chegou a Turma do Funil, todo mundo bebe mas ninguém dorme no ponto/ Ha ha ha ha, mas ninguém dorme no ponto/ Nós é que bebemos e eles que ficam tontos". Se chegou, está tudo certo.
Os blocos não cantam a primeira parte da marchinha, que descreve o bar fechando as portas, as cadeiras com os pés para cima e o garçom com sono. É aí que entra o cordão dos pinguços. Chico Buarque, Miúcha e Vinicius gravaram a versão integral: "Enquanto houver garrafa, enquanto houver barril/ presente está a Turma do Funil!".
Turma do Funil (de Tom&Chico) - Tom & Miúcha & Chico
Tão conhecido ou mais é o estribilho "Você pensa que cachaça é água?/ Cachaça não é água não/ Cachaça vem do alambique/ E água vem do ribeirão". Há quem interprete a letra como um aviso para moderação na beberança, mas basta ouvir os versos seguintes para ver que a verdade é bem mais divertida —e cara de pau. A letra defende os dois pés na jaca. A esbórnia é bravateira.
A marchinha argumenta: "Pode me faltar tudo na vida/ Arroz, feijão e pão/ Pode me faltar manteiga/ E tudo o mais não faz falta não/ Pode me faltar o amor/ E disso eu até acho graça/ Só não quero que me falte/ A danada da cachaça".
Quando se tornou o maior sucesso do Carnaval de 1953, o jornal A Manhã estampou a manchete "Todos estão querendo cachaça". A composição, que gerou controvérsias pois atribuída erroneamente a Mirabeau Pinheiro (um dos pais da Turma do Funil), é de um boêmio professor de folclore musical, Marinósio Trigueiros Filho.
Baiano, vivendo em Londrina (PR), o músico havia escrito os versos num guardanapo em um bar em Salvador. Traindo a própria letra, era um bebedor de uísque. O curioso é que havia gravado a canção oito anos antes de estourar nos blocos cariocas em Montevidéu, no Uruguai. Ela foi lançada por Marinósio e su conjunto típico Afoxé no lado B de um compacto, com pouca repercussão. Ou repercusión.
Outro baiano, infinitamente mais famoso, gravou em 1977 o álbum "Caetano… muitos carnavais…". O disco trazia muitos frevos, a maioria escritos por ele, como "A Filha da Chiquita Bacana" e "Atrás do Trio Elétrico". Carnavalizou a vida com entusiasmo tropical(ista).
Uma das músicas era "Chuva, Suor e Cerveja", que começa com o inesquecível verso "Não se perca de mim/ não se esqueça de mim/ não desapareça". Mas o que nos interessa está mais para a frente: "A gente se embala/ se embora, se embola/ Só para na porta da igreja/ A gente se olha, se beija, se molha/ de chuva, suor e cerveja". Mais completa tradução da folia de rua.
Chuva, Suor e Cerveja - Caetano Veloso
E "Eu Bebo Sim"? O samba de Luiz Antônio e João do Violão é uma tese de doutorado sobre a vida bêbada, mais uma joia da cara de pau etílica. A divina Elizeth Cardoso a cantou com estrondoso sucesso em 1973 e estabeleceu o sarrafo. Muitos tentaram superá-la, dos Golden Boys aos Velhinhos Transviados. Nessas, correram rios de cachaça. Pois, "estou vivendo/ tem gente que não bebe e está morrendo".
Elizeth Cardoso -- Eu Bebo, Sim!
CARNIVAL
40 ml de cachaça
25 ml de licor de coco
15 ml de xarope de maracujá
10 ml de suco de limão
Ponha gelo moído e os ingredientes num copo old-fashioned e mexa. Complete com gelo moído e decore com uma rodela de limão.
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Lilian (da dupla Leno e Lilian)
Morre Lilian Knapp, da dupla Leno e Lilian e parte da jovem guarda, aos 76 anos
Cantora fez sucesso com a música 'Devolva-Me', que voltou às paradas no começo dos anos 2000 com Adriana Calcanhotto
fsp, 25/02/2025
A cantora Lilian Knapp, conhecida no mundo musical como Lilian, morreu no último sábado, aos 76 anos. A notícia foi confirmada nas redes sociais pela equipe da artista e por seu marido, o produtor musical Cadu Nolla.
De acordo com o jornalista Mauro Ferreira, Lilian morreu por desdobramentos de um tumor na pelve. Ela estava internada havia duas semanas para tratar a doença.
A artista ficou célebre por fazer parte da dupla Leno & Lilian, formada com Leno Azevedo e que foi um dos nomes da jovem guarda nos anos 1960. Em 1966, a dupla seria alçada à fama pelos hits "Devolva-Me" e "Pobre Menina", esta última uma adaptação da americana "Hang On Sloppy", canção lançada há 60 anos pela banda The McCoys.
A dupla lançaria três EPs e terminaria pela primeira vez em 1968, com uma reunião entre os anos de 1972 e 1974. "Devolva-Me" rendeu a Lilian um Troféu Imprensa e também ganharia uma releitura de sucesso por Adriana Calcanhotto em 2000.
Lilian Knapp ainda voltaria a fazer sucesso no fim dos anos 1970 com a regravação "Sou Rebelde", versão para o português da espanhola "Soy Rebelde" escrita por Paulo Coelho. Depois disso, a cantora passou por anos de baixa, com singles de mau desempenho comercial entre 1980 e 1983 —ela chegou a trabalhar como vocal de apoio em discos da MPB.
Mais tarde, Lilian lançou os álbuns "Lilian", em 1992, e "Lilian Knapp", em 2001. Ela também trabalhou em 2008 no Kynna, grupo de rock formado com Luiz Carlini e o marido Cadu Nolla —eles se casaram em 1990. Além de Cadu, Lilian Knapp deixa a filha Priscilla.
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Sílvia Lílian Barrie Knapp, mais conhecida como Lílian Knapp ou simplesmente Lílian (Rio de Janeiro, 30 de março de 1948 – 22 de fevereiro de 2025), foi uma cantora e compositora brasileira.
Fez parte da dupla Leno & Lílian, que alcançou sucesso nos anos 60. Os principais sucessos são: "Pobre Menina", "Devolva-me"e "Eu Não Sabia Que Você Existia" com a dupla (essas três canções com a dupla, foram compostas por Renato Barros, líder e fundador do Renato e Seus Blue Caps). Outro sucesso da dupla: "Coisinha Estúpida", composta por Leno (1949/2022) e o compositor norte americano Carson Parks (1936/2005) e "Sou Rebelde", com Lilian em sua carreira solo.Teve mais de 370 músicas gravadas por diversos artistas.
Vida pessoal
Durante a jovem guarda, namorou o compositor, líder e um dos fundadores da banda Renato e Seus Blue Caps, Renato Barros (1943/2020) e ao fim dos anos 80, foi casada recentemente até sua morte, por mais de 30 anos com o baterista e produtor musical Cadu Nolla.
Lilian faleceu na tarde de 22 de fevereiro de 2025, aos 76 anos. Ela estava internada na UTI em decorrência de um tumor agressivo na pelve.
Carreira
Conheceu Leno aos 6 anos de idade e começaram a cantar juntos aos 15, quando eram vizinhos em Copacabana, Rio de Janeiro.
Formaram em 1965 a dupla Leno & Lílian, fazendo muito sucesso até o fim da dupla em 1967. Compôs o hit "Devolva-me" quando tinha 15 anos.
Em 1966, foi a primeira mulher a compor um rock original em português, chamada “O Pica Pau”, gravada originalmente por Erasmo Carlos.
Ficou alheia ao mundo artístico até voltar com Leno em 1972, encerrando a parceria novamente em 1974 quando saiu em carreira solo.
No final dos anos 70, retomou a carreira de intérprete e lançou a música “Sou rebelde”, uma regravação em português do hit "Soy Rebelde" da cantora anglo-espanhola Jeanette. A versão foi escrita por Paulo Coelho[5] a pedido de Roberto Livi, que apostou no sucesso do cover e fez com que Lilian apresentasse a canção usando minissaia e fazendo cara de "menina ingênua", de modo a cativar o público. O disco alcançou a marca de mais de três milhões de copias vendidas.
Nesta época, Lílian posa nua para uma edição especial da revista Homem, da Idéia Editorial.
O álbum mais recente lançado por Lílian é Lílian Knapp, de 2001.
Em 2008, lançou seu projeto de rock underground “Kynna”, com o o guitarrista Luis Carlini e o baterista Cadu Nolla - seu marido, gravando composições de artistas novos como Júpiter Maçã, Graforréia Xilarmônica, Bidê ou Balde e Autoramas. Lançaram, de forma independente, o álbum "Underground".
Leno e Lilian - COISINHA ESTÚPIDA - DEVOLVA-ME - POBRE MENINA
MORRE LENO [da dupla Leno e Lilian]
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Tati Bernardi
Tati Bernardi conversa com leitores da Folha em evento dos 104 anos do jornal vídeo
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PH Santos acerta e ponto
Netflix 100% brasileira vem aí vídeo
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Crime compensa
Vale já lucrou R$ 347 bilhões seis anos depois do crime em Brumadinho
Rompimento de barragem da mineradora é considerado o maior crime ambiental e trabalhista do Brasil
Brasil de Fato, 27.jan.2025
Seis anos se passaram desde que a Vale cometeu o maior crime ambiental e trabalhista da história do Brasil. Em 2019, com o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, 272 pessoas morreram e 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração destruíram a bacia do rio Paraopeba. De lá pra cá, a empresa já acumulou 58,694 bilhões de dólares em lucro líquido. Convertido para a moeda brasileira, na atual cotação da taxa de câmbio (R$ 5,9180), a Vale já somou R$ 347,35 bilhões desde que a tragédia aconteceu.
Sem reparação ambiental, Rio Paraopeba segue levando lama tóxica para a população ribeirinha em Minas Gerais - Foto: Joka Madruga/MAB
Seis anos se passaram desde que a Vale cometeu o maior crime ambiental e trabalhista da história do Brasil. Em 2019, com o rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, em Brumadinho, 272 pessoas morreram e 13 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração destruíram a bacia do rio Paraopeba. De lá pra cá, a empresa já acumulou 58,694 bilhões de dólares em lucro líquido. Convertido para a moeda brasileira, na atual cotação da taxa de câmbio (R$ 5,9180), a Vale já somou R$ 347,35 bilhões desde que a tragédia aconteceu.
O lucro acumulado em seis anos já considera um prejuízo de 1,6 bilhão de dólares (cerca de R$ 9,47 bilhões hoje) registrados em 2019, ano da tragédia. Considera também um lucro de 22 bilhões de dólares obtido em 2021, durante o auge da pandemia do coronavírus e que, até hoje, é o segundo maior ganho já registrado na história por uma empresa nacional.
Lucro X Reparação
Os dados sobre os lucros foram informados pela própria Vale em divulgações de seus resultados financeiros. Em relação ao crime em Brumadinho, a empresa desembolsou, de janeiro a setembro de 2024, US$ 262,84 milhões para reparação.
Lucro da Vale pós-Brumadinho
2019 – menos US$ 1,683 bilhão (prejuízo)
2020 – US$ 4,881 bilhões
2021 – US$ 22,445 bilhões
2022 – US$ 16,728 bilhões
2023 – US$8,12 bilhões
2024 – US$6,52 bilhões (até setembro)
Total – US$ 58,694 bilhões
Despesas da Vale relacionadas ao crime em Brumadinho
2019 – US$ 7,402 bilhões
2020 – US$ 5,257 bilhões
2021 – US$ 2,576 bilhões
2022 – US$ 1,151 bilhões
2023 – US$ 950,41 milhões
2024 – US$ 262,84 milhões (na atual cotação do dólar)
Total – US$ 17,598 bilhões
Leia também: Seis anos após o crime da Vale em Brumadinho ninguém foi punido; entenda os processos
https://www.brasildefato.com.br/2025/01/24/para-a-vale-nem-existimos-luta-por-justica-em-brumadinho-segue-apos-6-anos-do-crime/
O outro lado
O Brasil de Fato MG perguntou à Vale por que, passados seis anos da tragédia de Brumadinho, o montante gasto em reparações é significativamente inferior ao lucro líquido acumulado no mesmo período.
Fundos “verdes” do BNDES emprestaram R$ 1,8 bi para empresas multadas pelo Ibama https://www.msn.com/pt-br/noticias/brasil/fundos-verdes-do-bndes-emprestaram-r-1-8-bi-para-empresas-multadas-pelo-ibama/ar-BB1keeEg
Perguntou também se o valor desembolsado para reparações (262,84 milhões de dólares em 2024) é proporcional ao impacto socioambiental causado e qual a metodologia usada para determinar os valores de reparação, além de pedir esclarecimentos sobre como esse valor foi gasto. A mineradora respondeu, em nota, que o acordo de reparação avançou e alcançou a marca de 75% em execução do total estimado de R$ 37,7 bilhões.
Disse ainda que realizou mais de 8,9 mil acordos de indenização entre cíveis e trabalhistas, o que contemplou mais de 17 mil pessoas. Segundo a empresa, R$ 3,8 bilhões em pagamentos foram realizados, até o momento.
No ano passado, nesta mesma época, a Vale informou que cerca de R$ 25 bilhões – aproximadamente 68% – haviam sido executados. Ou seja, houve um aumento de apenas 7% em um ano.
QUANDO O CRIME COMPENSA: O CASO BRUMADINHO vídeo
Edição: Elis Almeida
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Brumadinho: Estudo detecta presença de metais na urina de crianças
Foi detectada a presença de pelo menos um de cinco metais (cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês) em todas as amostras analisadas pela Fiocruz
Agência Brasil, 25/01/2025
Crianças com até 6 anos de idade avaliadas em um estudo da Fiocruz Minas e da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) que analisa as condições de vida e saúde da população de Brumadinho, Minas Gerais, após o desastre causado pelo rompimento de uma barragem da Mineradora Vale, apresentaram resultados que mostram aumento da taxa de detecção de metais na urina. O desastre completa 6 anos neste sábado (25/1).
Foi detectada a presença de pelo menos um de cinco metais (cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês) em todas as amostras analisadas. O percentual total de crianças com níveis de arsênio acima do valor de referência passou de 42%, em 2021, para 57%, em 2023, sendo que, nas regiões próximas a áreas do desastre e de mineração ativa, o percentual de aumento entre um ano e outro é ainda mais significativo.
O estudo visa detectar as mudanças ocorridas nessas condições em médio e longo prazo e, dessa forma, os participantes são acompanhados anualmente, desde 2021. Um compilado dos dados coletados durante o primeiro ano de acompanhamento já havia sido realizado. Agora, as análises incluem dados do terceiro ano, 2023, permitindo estabelecer uma comparação entre os períodos.
Dos metais, o arsênio é o que aparece mais frequentemente acima dos limites de referência, detectado, entre os adultos, em cerca de 20% das amostras e, entre os adolescentes, em aproximadamente 9% das amostras. No entanto, nesse público, dependendo da região de moradia, o percentual de amostras com arsênio acima do limite chega a 20,4%.
Conforme a pesquisa, chama atenção o fato de todos os metais apresentaram elevado percentual de detecção, nos dois anos, com reduções mais relevantes dos valores para manganês e menos expressivas para arsênio e chumbo, quando se compara 2021 e 2023. Esse quadro demonstra uma manutenção da exposição a esses metais no município, de forma disseminada em todas as regiões investigadas, ainda que com níveis mais baixos no último ano investigado.
"De acordo com os pesquisadores, os resultados encontrados demonstram uma exposição aos metais, e não uma intoxicação, que só pode ser assim considerada após avaliação clínica e realização de outros exames para definir o diagnóstico. Dessa forma, recomenda-se uma avaliação médica para todos os participantes da pesquisa que apresentaram níveis acima dos limites biológicos recomendados, de forma que os resultados sejam analisados no contexto geral da sua saúde", diz a Fiocruz.
Além disso, é necessária uma rede de atenção que permita realização de exames de dosagem desses metais não apenas na população identificada pelo projeto, mas para atender outras demandas do município. Segundo a Fiocruz, a organização dessa rede de serviços é importante, considerando que a exposição aos metais investigados permanece entre 2021 e 2023, de forma disseminada em todo município.
Um dos aspectos avaliados na pesquisa é o perfil de exposição a metais do município. A dosagem de cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês foi verificada por meio de exames de sangue e/ou urina. Na população acima de 12 anos, os resultados mostraram que há exposição a esses metais nos dois anos analisados, mas, em 2023, o percentual de amostras detectadas com metais acima dos valores de referência diminuiu.
Chumbo e mercúrio apresentaram taxa de detecção em 100% das amostras em 2023, mas apenas 6,8% delas apontaram dosagem de chumbo acima dos valores de referência.
Condições de saúde
O estudo também analisa as condições de saúde da população, baseando-se em diagnósticos médicos anteriores e na percepção dos próprios participantes. Quando perguntados como avaliavam sua saúde, a maioria dos adultos e adolescentes, tanto em 2021 quanto em 2023, avaliou como boa ou muito boa, com variações entre as regiões de moradia. No entanto, o percentual da população adulta que avaliou a saúde como ruim ou muito ruim se manteve elevado nas regiões atingidas pela lama ou na região com atividade de mineração.
Entre os adolescentes, quando perguntados se já haviam recebido diagnósticos de doenças crônicas, as respostas mais frequentes, em 2021, foram asma ou bronquite asmática, mencionadas por 12,7% dos entrevistados. Em 2023, o percentual subiu para 14%. Chama a atenção dos pesquisadores o aumento na prevalência de algumas condições, como colesterol alto, que passou de 4,7%, em 2021, para 10,1%, em 2023; e um grupo de doenças que inclui enfisema, bronquite crônica ou doença pulmonar obstrutiva crônica, que foi de 2,7%, em 2021, para 10,7%, em 2023.
Quanto às doenças crônicas, em 2021, ao serem questionados se algum médico já havia diagnosticado essas condições, os adultos mencionaram principalmente hipertensão (27,9%), colesterol alto (20,9%) e problemas crônicos de coluna (19,7%). Em 2023, essas doenças continuam sendo as mais prevalentes, mas com aumento na frequência em que ocorrem: hipertensão foi citada por 30% dos adultos, colesterol alto por 28,5% e problemas crônicos de coluna por 22,8%. Deve-se destacar também um aumento no diagnóstico médico do diabetes entre adultos, que passou de 8,7% para 10,7%, entre os dois anos avaliados.
A pesquisa investigou ainda a presença de sintomas e outros sinais nos 30 dias anteriores à entrevista. Em 2021, os adultos relataram principalmente irritação nasal (31,8%), dormências ou cãibras (25,2%) e tosse seca (23,5%). Em 2023, houve aumento na frequência dessas condições para 40,3%, 34,4% e 21,5%, respectivamente. Esses sintomas também foram os mais citados entre os adolescentes tanto em 2021 quanto em 2023, mas com poucas alterações entre um ano e outro.
"A pior percepção da saúde é um indicador de extrema importância para avaliação da condição geral da saúde em uma população, refletindo impacto negativo nessa condição entre os moradores das áreas atingidas pela lama e pela atividade de mineração. Sobre as condições crônicas, é importante ressaltar a elevada carga de doenças respiratórias e do relato de sinais e sintomas, o que demonstra a necessidade de maior atenção dos serviços de saúde sobre esse aspecto, que pode estar relacionado às condições do ambiente, como disseminação de poeira pela natureza da atividade produtiva", disse o pesquisador da Fiocruz Minas Sérgio Peixoto, coordenador-geral da pesquisa.
Saúde mental
A avaliação da saúde mental incluiu perguntas sobre o diagnóstico médico de algumas condições. Os resultados mostraram poucas alterações de um ano para outro. Entre os adolescentes, quando perguntados sobre o diagnóstico para depressão, o percentual foi de 9,9%, em 2021, e 10,6%, em 2023. Entre os adultos, 21,3% relataram diagnóstico médico de depressão, em 2021, e 22,3%, em 2023, valores superiores aos 10,2% relatados por adultos brasileiros avaliados na Pesquisa Nacional de Saúde, realizada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2019. Já o diagnóstico de ansiedade ou problemas do sono foi reportado por 32,8% dos entrevistados com mais de 18 anos de idade, em 2021, e por 32,7%, em 2023.
A dificuldade para dormir em três ou mais noites por semana nos últimos 30 dias foi relatada por 26,7% da população adulta de Brumadinho em 2021; no ano de 2023, houve aumento, que chegou a 35,1%. Entre os adolescentes, tal dificuldade foi reportada por 18,3% em 2021, e 17,4% em 2023.
"Os números mostram a necessidade de avaliar as ações voltadas à saúde mental no município, dada a manutenção de elevada carga de transtornos mentais na população nos dois anos avaliados. Faz-se necessário priorizar estratégias intersetoriais, considerando a complexidade do problema e as especificidades de cada território", explica Sérgio Peixoto.
O estudo também mostrou que aumentou a procura por serviços de saúde no município. Sobre a realização de consultas médicas, em 2023, 44,1% dos adolescentes relataram ter realizado três ou mais consultas; em 2021, eram apenas 21,7%. Entre os adultos, 53,7% tiveram três ou mais consultas, em 2023, e 38,6%, em 2021.
De acordo com os resultados, o Sistema Único de Saúde (SUS) é a principal referência dos entrevistados. Os profissionais da Atenção Primária à Saúde foram apontados, em 2021, como os mais procurados por 56,8% dos adultos e por 59,6% dos adolescentes. Em 2023, o percentual passou para 64% entre os adultos e para 66% entre os adolescentes.
Dos adultos, 34,9% declararam ter plano privado de saúde, em 2021, e 39,8%, em 2023. Entre os adolescentes que afirmaram ter plano, foram 27,8%, em 2021, e 33,9%, em 2023.
"A elevada utilização dos serviços de saúde e a menção ao serviço público como sendo a principal referência para atendimento demonstram a grande demanda para o SUS no município, mas também o grande potencial desse sistema para a realização de intervenções efetivas que visem minimizar os impactos na saúde da população", destaca Peixoto.
Saúde infantil
Além da analisar a exposição das crianças a metais, foram avaliados também os efeitos em relação ao desenvolvimento neuromotor, cognitivo e emocional, por meio da aplicação do Teste de Denver II. Os resultados mostraram que, de um ano a outro, caiu o número de crianças com risco de atraso no desenvolvimento de habilidades esperadas para sua faixa etária. Em 2021, eram 42,5% na faixa de risco, sendo, em 2023, 28,3% do total de avaliados.
O estudo também mostrou que aumentou a procura por serviços de saúde no município. Sobre a realização de consultas médicas, em 2023, 44,1% dos adolescentes relataram ter realizado três ou mais consultas; em 2021, eram apenas 21,7%. Entre os adultos, 53,7% tiveram três ou mais consultas, em 2023, e 38,6%, em 2021.
De acordo com os resultados, o Sistema Único de Saúde (SUS) é a principal referência dos entrevistados. Os profissionais da Atenção Primária à Saúde foram apontados, em 2021, como os mais procurados por 56,8% dos adultos e por 59,6% dos adolescentes. Em 2023, o percentual passou para 64% entre os adultos e para 66% entre os adolescentes.
Dos adultos, 34,9% declararam ter plano privado de saúde, em 2021, e 39,8%, em 2023. Entre os adolescentes que afirmaram ter plano, foram 27,8%, em 2021, e 33,9%, em 2023.
"A elevada utilização dos serviços de saúde e a menção ao serviço público como sendo a principal referência para atendimento demonstram a grande demanda para o SUS no município, mas também o grande potencial desse sistema para a realização de intervenções efetivas que visem minimizar os impactos na saúde da população", destaca Peixoto.
Saúde infantil
Além da analisar a exposição das crianças a metais, foram avaliados também os efeitos em relação ao desenvolvimento neuromotor, cognitivo e emocional, por meio da aplicação do Teste de Denver II. Os resultados mostraram que, de um ano a outro, caiu o número de crianças com risco de atraso no desenvolvimento de habilidades esperadas para sua faixa etária. Em 2021, eram 42,5% na faixa de risco, sendo, em 2023, 28,3% do total de avaliados.
O estudo avaliou ainda o crescimento pôndero-estatural das crianças, que considera a estatura, o peso e o índice de massa corporal. Entre 2021 e 2023, a maioria das crianças apresentou Índice de Massa Corporal (IMC) normal. Em relação aos quadros de obesidade (IMC > 30) e sobrepeso (IMC > 25), houve melhora nos índices. Em 2021, cerca de 11% das crianças eram consideradas obesas; em 2023, o percentual caiu para 4,6%. Com sobrepeso, eram 12,5%, em 2021, e 4,6%, em 2023.
Para os pesquisadores, essa melhora na avaliação das crianças pode ser justificada pelo retorno das atividades escolares e da vida social, após o isolamento social provocado pela pandemia de covid-19. A equipe recomenda o acompanhamento das que apresentaram alterações nos indicadores antropométricos e na aquisição de habilidades associadas com o desenvolvimento neuropsicomotor, social e cognitivo. Os pesquisadores sugerem ainda a articulação entre as equipes de saúde e educação municipais, já que a atividade escolar tem grande potencial de estímulo sobre o desenvolvimento infantil.
A pesquisa
ntitulado Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho, o estudo é desenvolvido em duas frentes de trabalho: uma com foco na população com idade acima de 12 anos, chamada Saúde Brumadinho, e outra voltada para as crianças de até 6 anos de idade, que recebeu o nome de Projeto Bruminha. Em 2021, a amostra foi composta por 3.297 participantes, sendo 217 crianças, 275 adolescentes com idade entre 12 e 17 anos, e 2.805 adultos com mais de 18 anos. Em 2023, foram 2.825 participantes: 130 crianças, 175 adolescentes e 2.520 adultos.
Ao compor a amostra, os pesquisadores buscaram cobrir toda a extensão territorial do município. No projeto Saúde Brumadinho, a amostra foi segmentada em três regiões geográficas, incluindo as áreas diretamente expostas ao rompimento da barragem de rejeitos; a região de moradores em área com atividade de mineração, mas não atingida pela lama; e a parcela considerada como não exposta diretamente ao rompimento da barragem ou à atividade mineradora, constituída aleatoriamente pelo restante do município.
Para o Projeto Bruminha, a amostra do estudo incluiu todas as crianças com até 6 anos, residentes em quatro localidades selecionadas: Córrego do Feijão, Parque da Cachoeira, Tejuco e Aranha, sendo as duas primeiras localizadas na rota da lama de rejeitos, a terceira em região de mineração ativa e a última distante dessas três áreas.
A pesquisa se baseia em diversas fontes de dados, incluindo exames de sangue e ou de urina, feitos por todos os participantes para verificar a dosagem de metais no organismo, além de entrevistas que analisam diversos aspectos relacionados à saúde e avaliação física e antropométrica.
A CRISE HÍDRICA CAUSADA PELO AGRO vídeo
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Rio seco
Mais da metade dos rios brasileiros está secando; problema é maior onde há atividade agrícola intensiva
Perda de vazão é decorrente da perfuração de poços e uso excessivo das águas subterrâneas
Carolina Bataier, Brasil de Fato, 17.fev.2025
Na bacia do São Francisco, 61% dos rios analisados mostraram potencial de perda de fluxo de água - Divulgação/Ministério da Integração Nacional
Mais da metade dos rios brasileiros está ameaçada pela perfuração de poços. A informação é de um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em parceria com colegas estadunidenses, e publicado em dezembro de 2024 na revista Nature Communications.
Os pesquisadores analisaram os níveis de água em 17.972 poços em todo o Brasil para mostrar que 55% deles fica abaixo das superfícies dos rios próximos, fazendo com que as águas penetrem no subsolo. Assim, os rios acabam perdendo fluxo de água.
"O alerta foi que em algumas regiões do país, a gente tem mais de 50%, até mais de 60% desses rios perdendo água para o aquífero. E lá nessas áreas a gente vai precisar de estudos mais detalhados para identificar qual o fator está realmente fazendo esse rio, que potencialmente ganhava água, agora estar perdendo. Ou se era um rio que já perdia e agora está perdendo mais", explica José Gescilam Uchôa, aluno de doutorado da Universidade de São Paulo (USP), campus de São Carlos, e primeiro autor do estudo.
A pesquisa indica que o problema é mais grave em regiões secas e de intensa atividade agropecuária. “Essa redução tem sido associada ao aumento da captação de água subterrânea, especialmente para irrigação, como observado em uma das maiores fronteiras agrícolas, conhecida como Matopiba [região que soma Tocantins e parte dos estados na Bahia, Piauí e Maranhão]”, indica a pesquisa.
“Isso estava acontecendo por causa do uso excessivo dessa água subterrânea principalmente nessas regiões”, explica Paulo Tarso Sanches de Oliveira, segundo autor do estudo, professor de hidrologia e recursos hídricos na Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) e no Programa de Pós-Graduação em Engenharia Hidráulica e Saneamento da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo (EESC-USP).
O estudo alerta que a situação da perda de água dos rios não terá apenas impacto nas áreas locais, mas também poderá ter repercussões em larga escala, "uma vez que o Brasil desempenha um papel fundamental na segurança alimentar global, sendo um dos maiores produtores agrícolas do mundo".
A pesquisa publicada na Nature Communications focou no fenômeno da transferência de água dos rios para os aquíferos. No entanto, Uchôa indica que estudos regionais conduzidos em áreas de intensa atividade agropecuária, como o Matopiba, estabelecem a relação entre a seca dos rios e o consumo de água por essas atividades.
"A gente consegue indicar que as regiões que têm muita atividade agrícola são regiões também que, provavelmente, tem rios que perdem água para o aquífero", afirma o pesquisador. Ele alerta para uma estimativa da Agência Nacional de Águas (ANA), que indica que as áreas irrigadas no Brasil vão dobrar nos próximos 20 anos. "Talvez em algumas regiões a gente poderia fazer estudos preliminares para verificar se aquela região realmente é uma região ideal para receber a atividade agrícola", ressalta.
No oeste baiano, pequenos agricultores sofrem com falta de água
Para quem vive em regiões de avanço do agronegócio, a redução de água nos rios é visível e traz impactos nas atividades cotidianas, como o cultivo de pequenas plantações.
O servidor público Marcos Rogério Beltrão mora em Correntina, município no oeste da Bahia onde, há anos, os pequenos agricultores convivem com a falta de água. Nascido na zona rural, em uma comunidade tradicional, ele se sensibiliza com a escassez hídrica que impacta, principalmente, a agricultura familiar.
Em 2017, milhares de pessoas organizaram uma manifestação para denunciar o uso abusivo da água pelas atividades do agronegócio, conhecida como revolta de Correntina. Quase dez anos depois, a monocultura segue avançando sobre o território e os pequenos agricultores sofrem para manter suas plantações.
"Houve o aumento do financiamento de grandes projetos de irrigação, enquanto a agricultura familiar foi cada vez mais perdendo área. Hoje, mesmo na região, a gente já perdeu a autossuficiência, por exemplo, do arroz", conta Beltrão. Isso significa que, antigamente, essas comunidades não precisavam comprar arroz de outros lugares. Hoje, isso não é mais possível.
Atualmente, os pequenos agricultores cultivam, principalmente, feijão e hortaliças. De acordo com Beltrão, isso só é possível porque muitos captam água do rio principal, o Arrojado, afluente do Corrente, por meio de pequenos canais que escoam a água até a plantação.
"Hoje, as comunidades dependem do rio principal, da calha principal. Algumas comunidades têm que beber a água do rio Arrojado, sendo que, até então, aquela comunidade tinha um riacho, tinha uma vereda que alimentava o rio Arrojado", conta.
Muitas veredas, pequenos rios que correm pelo cerrado, secaram e as famílias garantem o abastecimento hídrico também com a construção de cisternas, reservatórios de captação de água da chuva.
O oeste baiano está inserido no Matopiba, e é banhado pela bacia do rio Corrente, que abastece o São Francisco. Segundo a pesquisa publicada pela Nature Communications, na bacia do São Francisco, 61% dos rios analisados mostraram potencial de perda de fluxo de água para o aquífero Urucuia, o segundo maior do Brasil.
O Urucuia é um imenso reservatório de água subterrânea, com cerca de 14 milhões de hectares (aproximadamente o tamanho do estado do Ceará) e 75% da área localizada na região oeste da Bahia.
"Diversas pesquisas já indicam o esgotamento dos recursos hídricos superficiais. (…) E estamos verificando uma tendência de uma maior pressão sobre o aquífero Urucuia, com um maior número de outorgas para captação de água subterrânea em relação às águas superficiais", alerta Margareth Maia, pesquisadora do Instituto Mãos da Terra (Imaterra).
Entre 2021 e 2024, Maia pesquisou as outorgas – autorizações de uso de água – concedidas pelo Instituto do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos (Inema) da Bahia. A pesquisa resultou no livro Desmatamento e apropriação da água no oeste da Bahia: uma política de estado, desenvolvido em parceria com a Universidade Federal da Bahia, com apoio do WWF-Brasil e do Instituto Sociedade, População e Natureza (ISPN), no âmbito da Iniciativa Tamo de Olho, através do Projeto Ceres, apoiado pela União Europeia.
A publicação indica que quase 100% das outorgas emitidas no oeste baiano são destinadas ao agronegócio e 99,5% das captações
de água subterrânea outorgadas pelo Inema estão localizadas no Aquífero Urucuia. Desde 2016, o número de permissões para a perfuração de poços na região aumenta ano a ano. "É possível sim que pequenos agricultores tenham outorgas de águas subterrâneas, mas de forma alguma são com o nível de vazão utilizado pelo agro", avalia a pesquisadora.
Pivôs centrais
Em 2017, Correntina tinha 164 mil hectares de plantio de soja. Em 2023, a área saltou para 192 mil hectares. O município tem 41% do território destinado à agricultura.
Parte dessas lavouras é irrigada por sistemas de pivôs centrais, grandes estruturas mecanizadas com capacidade para consumir cerca de 50 mil litros de água por hectare por dia. Para comparação, uma pessoa precisa de 110 litros de água por dia para atender às suas necessidades básicas, segundo Organização das Nações Unidas (ONU).
70% da irrigação por pivôs está no Cerrado, onde encontra-se o aquífero Urucuia. "Com a chegada da soja na região, chegaram os primeiros pivôs centrais. Por exemplo, aqui o primeiro pivô central que chegou foi no início dos anos 90", conta Beltrão.
Em 2024, o Brasil somava 2,2 milhões de hectares irrigados por pivôs centrais, de acordo com levantamento da Embrapa. São Desidério, no oeste baiano, tem maior área irrigada por pivôs do país. Em 2023, São Desidério tinha mais de 53% do território ocupado por atividades agropecuárias, com mais de 357 mil hectares de plantações de soja. Naquele ano, o município ficou no topo da lista dos mais desmatados.
De acordo com o Atlas da Irrigação produzido pela ANA, o Brasil está entre os dez países com a maior área equipada para irrigação do mundo. O relatório aponta um aumento de 43,3% da área efetivamente irrigada por pivôs centrais no Brasil entre 2006 e 2014. Atualmente, o Brasil soma mais de 30 mil pivôs captando água das superfícies e dos aquíferos para as plantações.
Em 2023, o Relatório de Conflitos no Campo da Comissão Pastoral da Terra (CPT) identificou 34 casos de conflitos relacionados ao acesso à água em áreas rurais da Bahia, afetando 2.264 famílias. "A partir dos anos 90, inúmeros riachos e veredas começaram a secar. Aí houve um verdadeiro colapso na agricultura familiar", lamenta Beltrão. A Bahia lidera a lista de estado com maior número de conflitos relacionados à escassez hídrica.
Edição: Thalita Pires
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New Yorker
Antídoto à chusma de sátrapas
Como os males vêm aos pulos, a New Yorker faz 100 anos e tem de encarar Trump
Mario Sergio Conti, fsp, 14/02/2025
Um aniversário não é a melhor ocasião para avaliar o que o aniversariante fez. É hora de festa, não de crítica. Se quem apaga a velinha é uma revista, ela canta parabéns sozinha. Se faz cem anos, o bolo vira estátua e o natalício efeméride. Se quem comemora um século de vida é a New Yorker, sai de baixo —e seu centenário é na sexta-feira que vem.
No auge da festa soa o sino de finados: morrerás! Revistas são seres com o pé na cova. É irracional plantar e cortar eucalipto, fervê-lo até virar papa, e depois papel, para nele imprimir notícias. A periodicidade, idem. Por que sintetizar sete dias se a internet ejacula manchetes sem parar, fala até de Temer?
A New Yorker é das raras semanais a sobreviver (a Economist é outra). Só isso seria motivo para exaltar o passado e indagar ao futuro: como manter a linha, a elegância? A edição centenária não especula, é com um palavrão cabeludo que designa o que está aí e vai piorar: Trump.
Eis o que diz o diretor de Redação, David Remnick, ao apresentar o número 100: "Trump perdoou várias centenas de seguidores que promoveram uma insurreição em seu nome, demitiu funcionários suspeitos de deslealdade, nomeou uma chusma de sátrapas incompetentes para cuidar da saúde pública e da segurança nacional, propôs uma limpeza étnica em massa em Gaza".
São palavras tão mais briosas porque, como Remnick registra, "o presidente decretou que a imprensa é inimiga e fez da genuflexão o preço para contar com suas boas graças". A ironia é que a New Yorker não foi nem é uma publicação política, nunca teve editorial nem colunas. Seus dotes são: reportagem, crítica, humor, desenho, conto, comentário, poesia.
Participou da vida nacional com esses dons. Apoiou a entrada dos Estados Unidos na 2ª Guerra Mundial após Pearl Harbor e foi contra a do Vietnã. Deu trela à invasão do Iraque, à extinção do país por meio de uma fake news: Saddam Hussein tinha armas de destruição em massa. (Como Moro, o New York Times pediu "escusas" pela mentira; a revista não).
A New Yorker é produto do trabalho de gerações de profissionais da imprensa. Eles usaram o jornalismo para expressar os modos de vida do país mais rico da Terra em um século. Objetivamente, a revista é o fruto subjetivo do empenho e inteligência de dois homens muito diferentes um do outro: Harold Ross, fundador e primeiro diretor, e seu sucessor por 35 anos, William Shawn.
Até "Genius in Disguise", uma biografia de 500 páginas, Ross era tido como um tosco que fugiu da escola aos 13 anos e não sabia se Moby-Dick era o homem ou a baleia. Como o pândego que quis vender um carro ao comediante Harpo Marx e um trator a James Cagney, o ator.
É tudo verdade, mas não toda ela. Foi repórter numa penca de jornais, do Maine ao Panamá. Alistou-se, serviu na França e editou a revista do Exército na 1ª Guerra Mundial. Seus dois livros de cabeceira —um dicionário e uma gramática– tornaram-no um estilista. Sentou praça em Manhattan e, em camas e mesas de pôquer, ficou íntimo da boemia e da elite. Era grandalhão, debochado, espaçoso, da fuzarca. Sabia muito.
Sabia o que queria: disse num folheto de apresentação da New Yorker que a revista refletiria "a vida metropolitana em palavras e imagens", teria "alegria, humor e sátira", mas não faria o papel de "bobo da corte". Com lábia aveludada, conseguiu com que Raoul Fleischmann, rebento da família que fazia fermento, pusesse US$ 35 mil no magazine.
As primeiras edições ficaram péssimas, não espelhavam o que queria. Como os males vêm aos pulos, assim que a New Yorker saiu, Ross perdeu US$ 30 mil no pôquer. Aprumou-a e pôs em prática seu maior talento: juntar gente de gênio num ambiente propício à inventividade.
Foi então que contratou William Shawn, que veio a ocupar seu posto. Era pequeno, polido, tímido e estranho –bígamo por 40 anos. Ele deu lastro jornalístico à revista e foi o sujeito oculto de seus grandes feitos. Shawn incentivou John Hersey a investigar in loco os efeitos da bomba atômica. E quem sugeriu que a reportagem que fez no Japão, "Hiroshima".
Ao ser demitido, Shawn escreveu aos colegas: "Construímos juntos algo maravilhoso. O amor tem sido a emoção controladora, e o amor é a palavra essencial". A delicada frase perdeu razão de ser. Aquela revista e aqueles jornalistas ficaram para trás. Hoje o medo é a emoção controladora, e Trump a palavra essencial. É ele que a New Yorker tem de encarar.
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O molho de tomate da minha mãe, uma aula de paciência na cozinha
Conheça a receita napolitana que Ana Bertoni, com 93 anos e Alzheimer avançado, fazia para a família aos domingos
Marcos Nogueira, Cozinha Bruta fsp, 13/02/2025
Ana Bertoni faz 93 anos nesta sexta-feira. Também conhecida como minha mãe, dona Ana não está em sua melhor forma: há muitos anos com Alzheimer, ela não anda mais, não reconhece ninguém e já quase não fala.
A imagem da velha frágil embaça, até mesmo para mim, as memórias da mulher que ela foi.
Minha mãe era ativa e enérgica. Trabalhava fora quando isso ainda era exceção para as mulheres. Como a maioria das mulheres que trabalhavam fora (talvez devesse conjugar o verbo no presente), acumulava tarefas domésticas.
Dona Ana cozinhava bem.
Havia noites em que se punha a fritar batatas ou pastéis. No Natal, transformava a cozinha do apartamento numa operação de guerra para produzir quatro vezes mais comida do que os convidados seriam capazes de comer.
Era aos fins de semana que a mãe brilhava na cozinha. No sábado, assava pizzas para mim e os amigos que apareciam sem aviso prévio. Sua feijoada e a bacalhoada faziam sucesso com a família.
Nenhuma receita da dona Ana superava o molho da macarronada. A gente chamava de molho queimado, mas não era bem isso.
O molho de tomate vinha dos Gioielli, família da minha avó materna. Napolitanos, os bisavós se estabeleceram na Penha, onde abriram um restaurante. Dizem que ganharam bastante dinheiro e depois perderam tudo.
Seu preparo é exercício de paciência e atenção. Aos domingos, a casa já cheirava a comida quando eu acordava. A mãe descascava e peneirava o tomate que comprava na feira da rua Inglês de Souza.
O segredo do molho é cozinhá-lo muito devagar, com fogo baixíssimo e sem mexer. Daí a paciência. Em algum momento, o tomate e a cebola vão pegar no fundo da panela. Devem caramelizar na tal da reação de Maillard (de que dona Ana nunca ouviu falar), mas não podem queimar de fato. Aí entra a atenção.
No momento certo, você coloca um pouco de água, mistura a crosta do fundo e repete a operação muitas vezes, por algumas horas.
O resultado é um molho escuro, vermelho amarronzado, algo entre o grená e o terracota, que a inteligência artificial me disse que é a cor 4625 C da escala Pantone.
É um molho quase folclórico, daquelas histórias de nonna de família da Máfia. O cozimento quase eterno, com o queimadinho, elimina qualquer acidez residual do tomate. A cebola é essencial nesse processo, nem pense em omiti-la.
MOLHO DE TOMATE DA MAMÃE BRUTA
Rendimento: 4 porções
Dificuldade: difícil
Tempo de preparo: 3 a 5 horas
Ingredientes
1 kg de tomates maduros
1 cebola grande picada
2 dentes de alho picados
50 ml de azeite
Manjericão a gosto
Sal a gosto
Modo de preparo
1. Descasque, triture e peneire os tomates. Alternativamente, você pode usar passata italiana, mas o resultado é diferente.
2. Refogue a cebola e o alho no azeite, em fogo bem baixo. Se quiser uma camada extra de sabor, espere caramelizar.
3. Adicione a polpa de tomate e cozinhe sem mexer, até começar a pegar no fundo. Junte um pouco de água e dissolva o queimadinho do fundo da panela. Repita esta operação por 2 a 4 horas, até obter um molho liso e escuro.
4. Adicione sal a gosto e manjericão fresco. Sirva com a massa de sua preferência.
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O cancelamento de Maria Rita Kehl e as armadilhas do identitarismo
Linchamento virtual reduziu biografia de psicanalista aliada do MST e de Dilma a ser neta de um eugenista
Rodrigo Toniol, fsp, 12/02/2025
Na semana passada, a psicanalista Maria Rita Kehl foi alvo de um linchamento virtual, após críticas ao que chamou de "movimento identitário". A reação à fala dela incluiu um argumento que lembra os piores crimes da humanidade: a ideia de que ela deveria se calar por conta de uma "herança moral" transmitida geneticamente.
Os acusadores se referiam ao fato de o avô de Kehl ter sido um eugenista no início do século 20, sugerindo, portanto, que ela teria herdado, pelos genes, a "paleta moral" dele. A história nos mostra que, quando biologia e julgamento moral se juntam em um mesmo argumento, o ovo da serpente já foi chocado.
Os ataques tomaram conta de perfis nas redes sociais e ainda estimularam pessoas a editar a biografia de Kehl na Wikipédia, sublinhando sua ‘degenerescência hereditária’ —para usar um termo caro às teorias eugenistas.
A crítica feita pela psicanalista que motivou o ataque virtual foi que o movimento identitarista é um "nicho narcísico". Segundo ela, na dinâmica deste movimento, apenas quem pertence ao grupo pode falar sobre ele. Eles têm o "lugar de fala". Para todos os outros, resta apenas o "lugar de cale-se", conforme Kehl propôs.
Maria Rita Kehl é uma das maiores psicanalistas do Brasil e atuou junto ao Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra por décadas. Convidada por Dilma Rousseff, compôs a Comissão Nacional da Verdade, que apurou os crimes contra os direitos humanos durante a ditadura. Na semana passada, porém, sua biografia foi reduzida à "neta do pai da eugenia brasileira".
É tão comum quanto preocupante que os movimentos identitaristas, associados ao campo progressista, ataquem aqueles que também estão neste campo. Foi assim também com Lilia Schwarcz que, apesar de sua extensa obra sobre racismo e eugenia no Brasil, foi execrada por uma crítica que fez à Beyoncé. Transformar sistematicamente antigos aliados em inimigos faz com que a autoimplosão seja apenas questão de tempo.
No massacre virtual contra Kehl, subtraiu-se da psicanalista a autoria de sua própria vida. Sua biografia foi ignorada ou então reduzida às suas heranças genéticas.
Ora, a luta antirracista não é exatamente contra a acusação de hereditariedade de comportamentos morais? A lógica de que impurezas morais são transmitidas por laços sanguíneos levou os regimes mais autoritários do século 20 ao extermínio de milhões. Cobrar Kehl pelas atitudes de seu avô perigosamente revive a fórmula da moral biológica essencializante.
Se autorizada, passaremos a cobrar os descendentes de um criminoso pelos crimes de seus pais, tios e avós?
Na mitologia grega, a qual Kehl fez referência, Narciso era um jovem muito belo que fora amaldiçoado pela deusa Nêmesis. Seu castigo foi que nunca se apaixonasse por ninguém além de seu próprio reflexo e sempre desprezasse os outros por não serem tão belos quanto ele.
Esse é o paradoxo do identitarismo, embora tenha surgido como um movimento para tratar da diferença, ele mesmo não consegue lidar com o diferente. Tal e qual Narciso.
É oportuno lembrar que uma das figuras que foi perdidamente apaixonada por Narciso foi a ninfa Eco. Essa ninfa também foi amaldiçoada. No seu caso, a punição que recebeu foi que nunca pudesse iniciar qualquer diálogo e estivesse condenada a sempre dar a última palavra na forma de eco. Tal e qual o movimento identitarista.
Narciso, apaixonado por si mesmo, se afogou ao ver seu reflexo nas águas e tentar agarrá-lo. Eco terminou a vida isolada em uma caverna, sem nunca poder conversar com ninguém. Assim como Maria Rita Kehl, temo pelo risco que o campo progressista democrático corre ao ser capturado por movimentos que nos levarão para o fundo do rio ou para as profundezas da solidão em uma caverna.
Dando a Real com Leandro Demori recebe a filósofa Marilena Chaui vídeo
Psicanalista Maria Rita Kehl é a convidada do Dando a Real com Leandro Demori vídeo
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Lugar de “cale-se”!, Terra Redonda, 10/08/2020
Por MARIA RITA KEHL*
O que seria da democracia se cada um de nós só fosse autorizado a se expressar em relação a temas concernentes a sua experiência pessoal? O que seria do debate público?
Decidi participar do debate entre setores do Movimento Negro e Lilian Schwarcz a respeito da Beyoncé, porque admiro muito tanto Lilian quanto o MNU. Acompanhei com interesse a divergência; admiro a Lilian por sua retratação pública, considerando que ela tenha sido convencida pelas críticas do Movimento Negro. Não gosto de imaginar que tenha feito isso apenas porque lhe sugeriram que calasse a boca. Acredito que a palavra, quando utilizada para argumentar e convidar o outro a pensar e debater conosco, seja o melhor recurso para resolver, ou ao menos dialetizar, ideias e valores situados em polos aparentemente opostos do vasto campo da opinião pública.
Decidi agora, a partir do que aconteceu também com Djamila Ribeiro, debater essa questão de Movimentos Identitários e Cultura do Cancelamento. Apesar da enorme diferença entre minha experiência de vida e as experiências de vida dos descendentes de escravizados – prática horrenda que, no Brasil, durou 300 anos! – eu nos considero iguais em direitos e na capacidade de compreender o mundo para além de nossos diferentes quintais. Sim, estou ciente de que o quintal onde nasci é privilegiado, em relação ao de Djamila. Mais ainda em relação ao de muitos descendentes de africanos pobres. Peço desculpas se mesmo assim insisto em me considerar, como no verso de Baudelaire, sua igual, sua irmã.
O que seria da democracia se cada um de nós só fosse autorizado a se expressar em relação a temas concernentes a sua experiência pessoal? O que seria do debate público? Cada um na sua casinha…? O que seria da solidariedade, essa atitude baseada na identificação com o nosso semelhante na diferença, se só conseguíssemos nos solidarizar com quem vive as mesmas experiências que nós? Bom, tem gente que é assim, não sai de seu cercadinho. Não pertenço a esse grupo, e creio que você, Djamila, também não. Se eu fosse torturada você se importaria, imagino, a despeito da cor da minha pele. O mesmo vale de mim para você.
Meu “lugar de fala” é aquele de quem se identifica com a dor dos outros. Mas também é o de quem se permite criticar atitudes preconceituosas ou injustas, venham de onde vierem. Embora seja importante reconhecer a dignidade da condição de quem é vítima de alguma opressão – econômica, racial, sexual – não há motivos para acreditar que os oprimidos sejam santos. Isso não tem nenhuma importância. Você, “pecadora” como todos nós, foi vítima de discriminação por parte de seus irmãos de cor, membros do Movimento Negro Unificado.
Considero as políticas identitárias como recursos essenciais para impor respeito, exigir reparação por todos os crimes do racismo assim como lutar (ainda!) por igualdade de direitos. Abomino todas as formas de discriminação baseadas na cor da pele, no país de origem, na fé religiosa ou nas diferenças de práticas culturais. Nenhuma “palavra de ordem” se manteve mais atual, ao longo dos séculos, do que o lema da Revolução Francesa: igualdade, liberdade e fraternidade. Me parece que o que está em causa, quanto ao que acontece com pessoas de descendência europeia e as descendentes de africanos, seja a “igualdade”. Como considerar iguais pessoas oriundas de classes sociais, grupos étnicos e experiências de vida tão desiguais?
Mas, sim, em alguns pontos somos iguais. Em direitos (embora, no Brasil, tantos deles sejam desrespeitados). Em dignidade. Na capacidade de produzir cultura, seja musical, pictórica, teatral. Nesse aspecto da produção de cultura, entra em causa a liberdade de expressão. Podemos participar, sem pedir licença a ninguém, de todos os debates que nos interessem. Podemos nos pronunciar a respeito de problemas e questões que não fazem parte de nosso dia a dia. São questões dos “outros”. Mas que nos importam. Queremos falar. Se a palavra não é livre, o que mais será? Mas, claro: abomino a palavra que induz a linchamentos virtuais.
Não quero imaginar um mundo em que cada um de nós só pudesse dialogar com seus supostos “iguais” em gênero, cor da pele ou classe social. Senão como pude eu, branquela de classe média urbana, ter sido aceita pelos “compas” do MST com quem trabalhei entre 2006 e 2011, até ingressar na Comissão da Verdade? Como pude ser respeitada entre grupos indígenas para relatar, no capítulo que me coube escrever, o genocídio sofrido por eles durante a ditadura se nunca, antes disso, tinha sequer pisado em uma aldeia?
Durante o nazismo, um dos períodos mais horrendos que a humanidade atravessou, algumas famílias alemãs não hitleristas abrigaram famílias judias em suas casas, salvando muitas delas. Alguns esses alemães antirracistas foram denunciados por seus vizinhos e assassinados pela Gestapo. Mesmo pertencendo à “raça ariana”, foram mártires em sua ação solidária contra o genocídio.
Meu sobrenome é alemão. Meu avô, muito carinhoso comigo na infância, era antissemita por razões “eugenistas”. Entendi, na adolescência, que ele a defendia supremacia da “boaraça”. Que conceito desprezível, para dizer o mínimo. Mais justo é dizer: que conceito criminoso. Nenhum dos seis netos dele compartilha aquelas ideias. E defendo que nenhum de nós deva ser calado num debate sobre “raça” por conta de nossa ascendência e de nosso avô.
Aliás, por conta dessa essa ascendência que não escolhi (para mim, ele era só um doce avô), talvez o Movimento Negro me considere a última pessoa autorizada a dialogar com seus ativistas. Mas quero correr o risco. Acima de todas as diferenças, aposto sempre na livre circulação da palavra e do debate. E afirmo que nosso habitat “natural” é esse caldo de culturas que constitui o vasto mundo da palavra – fora do qual, o que seria do ser humano? Como escreveu Pessoa, apenas um “cadáver adiado que procria”.
Já participei, com alegria, de muitas manifestações do dia da Consciência Negra. Tenho inúmeras afinidades com a cultura que seus antepassados, generosamente, nos legaram. Sou do samba, desde criancinha. Meus tios maternos, boêmios, tocavam e cantavam. “Caí no caldeirão”, como Obelix. Às vezes penso que sei, de cor, todos os sambas desde o final do século dezenove até o final do vinte. Sou filha de Santo: que pretensão, não é? Nem pedi para isso acontecer, foi o santo que “mandou”. Essa filiação me encoraja muito na hora das dificuldades.
Escrevi um ensaio sobre a história do samba que começa com o abandono dos escravizados depois da Abolição; é claro que o “sinhozinho” que explorava trezentos africanos, ao ter que pagar pelo menos um salário de fome a cada um, preferiu botar duzentos e cinquenta na rua e explorar até o osso os outros cinquenta. Ao contrário do que aconteceu em alguns Estados do sul dos Estados Unidos, aqui ninguém recebeu nenhuma reparação pelos abusos sofridos durante gerações. Foi preciso que um operário chegasse ao poder para instaurar algumas políticas reparatórias, como as cotas para afrodescendentes ingressarem nas universidades ou a legalização das terras quilombolas.
Nos Estados Unidos, país hoje governado por um dos ídolos do desgovernante brasileiro, existe uma grande população afrodescendente de classe média. Um descendente de africanos presidiu o país, por dois mandatos, de forma relativamente progressista – até onde o congresso permitiu. Outro deles é um cineasta genial. A produtora de Spyke Lee se chama “Forty Acres and a Mule” em referência à reparação que deveria ter sido recebida por seus antepassados após a Guerra Civil..
Vamos também contar os compositores, músicos e cantores de jazz. Tocavam em espaços que os brancos não racistas nunca foram proibidos de frequentar e ouvir.
Aqui no Brasil, diante do abandono dos escravizados recém libertos, os brasileiros descendentes de portugueses, italianos e outros europeus racistas estabeleceram uma associação vergonhosa entre as pessoas de pele escura e a “vadiagem”. Uma ruindade a mais, entre tantas outras.Mas os exescravizados, sem trabalho depois da Abolição [1], que se reuniam na Pedra do Sal, na zona portuária do Rio, a espera do trabalho pesado de ajudar a descarregar navios que chegavam, nas suas horas vagas criaram o samba: uma das marcas mais fortes da cultura brasileira. Que nunca nós, brancos, fomos proibidos de cantar e dançar. Na Bahia, surgiram os terreiros de Candomblé, que não atendem apenas os negros. Brancos podem se consultar e se for o caso, a mando do santo, se filiar.
Para que você não pense que o atrevimento de me identificar com a riquíssima cultura que você compartilha com “mais de cinquenta mil manos”seja um “abuso” exclusivo em relação aos afrodescendentes, te conto que sou incuravelmente heterossexual, mas participo todos os anos da Parada Gay. Nenhum de meus amigos gays, um dos quais já sofreu perseguições homofóbicas no trabalho, me desautorizou a me identificar com eles. Mas também nenhum se ofendeu nas ocasiões em que discordamos sobre algum assunto, mesmo referente à sua causa identitária.
Às vezes, no debate, me convenceram. Outras vezes eu os convenci. Liberdade de opinião combinada com igualdade de direitos podem dar resultados excelentes. No entanto, você sabe, existem negros racistas – não contra os brancos, o que até seria compreensível. Contra outros negros. Sérgio Camargo, que preside a Fundação Palmares no atual governo, enfrentou controvérsias por conta de declarações racistas.
Uma das razões dessa minha iniciativa de escrever, em público, para os companheiros do MNU, é que acredito que sejamos iguais também na capacidade de empatia. Não preciso ter sido amarrada no tronco para ter horror disso. O país inteiro, até mesmo os indiferentes, sofre de baixa estima por conta de nosso longo período escravista. E nós, brancos antirracistas, somos sim capazes de nos colocar emocionalmente no lugar daqueles que ainda sofrem o que nunca sofremos. No entanto, não tenho dúvidas de que até hoje os descendentes de africanos sofreram e sofrem, no Brasil, muito mais do que os descendentes de europeus.
Somos iguais. Não em experiência de vida, nem na cor da pele. Em direitos, em dignidade e, como tento fazer agora, em liberdade de expressão. Eu desrespeitaria os membros do Movimento Negro Unificado se fosse condescendente. Ou se eu fingisse concordar para não sofrer linchamentos virtuais. A consideração e o respeito é que me autorizam, em casos como esse, a discordar. De igual para igual. Por isso não aceito que, em função de nossas origens diferentes – e dos privilégios dos quais tenho consciência – os companheiros membros do MNU eventualmente exigissem que eu calasse a minha.
Para terminar, deixo para os leitores que ainda não conhecem a letra de uma das canções mais tocantes já escritas para denunciar um dos muitos atos de barbárie racista, nos Estados Unidos: um ex escravizado que foi enforcado em uma árvore.Tenho certeza de que muitos de vocês a conhecem. Aí vai, na versão do poeta (branco) Carlos Rennó:
(Fruta estranha)
Árvores do sul dão uma fruta estranha:
Folha o raiz em sangue se banha:
Corpo negro balançando, lento:
Folha pendendo de um galho ao vento.
Cena pastoril do Sul celebrado:
A boca torta e o olho inchado
Cheiro de magnólia chega e passa
De repente o odor de carne em brasa
Eis uma fruta que o vento segue,
Para que um corvo puxe, para que a chuva enrugue.
Para que o sol resseque, para que o chão degluta.
Eis uma estranha e amarga fruta [2]
Ao digitar esses versos, já tenho vontade de chorar. Vocês devem saber que ela não foi composta por um negro e sim por um judeu novaiorquino, Abel Meeropol (com pseudônimo de Lewis Allan). Como desautorizá-lo com o argumento de que ele não teria o “lugar de fala” apropriado? Para estender esse argumento até o absurdo: como conseguiríamos sequer dialogar com nossos não-iguais? A empatia e a solidariedade seriam sempre hipócritas? A proposta é “cada um na sua caixinha”? Não quero viver em um mundo desses.
*Maria Rita Kehl é psicanalista, jornalista e escritora. Autora, entre outros livros, de Deslocamentos do feminino: a mulher freudiana na passagem para a modernidade (Boitempo).
Notas
[1] Evidentemente o senhor de escravos que explorava 500 indivíduos, ao ter que lhes pagar ao menos um salário de fome, preferia mandar 400 para a rua, ao Deus dará, e abusar ao máximo da força de trabalho dos cem restantes.
[2] Southern treesbear a strangefruit/ Bloodontheleavesandbloodatthe root/ Black bodyswuiguing in the Southern breeze/ Strangefruithanguingfromthepoplartrees. //Pastoral sceneofthegallant South/ The bulguingeyes ande thetwistedmouth/Scentofmagnoliasweetandfresh/ Andthesuddensmellofburningflesh! // Here is a fruit for thecrowstopluck/ For heraintogather, for thewindtosuck/ For hesuntorot, for theteetodrop/ Hereis a strangeandbittercrop.
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Identitarismo é fenômeno neoliberal para frear ação comum, avalia autor
Centrada no delírio do ego em busca de unidade, dinâmica emerge de gestão que organiza identidades para limitar política
Francisco Bosco, fsp, 07/02/2025
Doutor em teoria literária pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e ensaísta, foi presidente da Funarte (Fundação Nacional de Artes) de 2015 até o impeachment de Dilma Rousseff (PT). Autor, entre outros livros, de "O Diálogo Possível: Por uma Reconstrução do Debate Público Brasileiro"
[RESUMO] No livro "O que é Identitarismo?", Douglas Barros insere-se no campo das críticas progressistas ao conceito, sustentando-o como epifenômeno do neoliberalismo. Para o autor, a identificação, abertura constitutiva ao outro que ampara o vazio originário, transforma-se em delírio egoico quando o sujeito se fecha em uma identidade fixa. Esse fenômeno, alimentado pelas redes sociais e sua lógica do imediato antirreflexivo, resulta na ilusão de identidade plena, na qual o sujeito crê ter encontrado sua unidade impossível, enquanto a razão neoliberal se aproveita de particularismos irredutíveis de forma a impedir a ação comum.
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O identitarismo é um dos fenômenos mais relevantes da última década, tanto na dimensão social, quanto na cultural e na política institucional. Mas é também um dos fenômenos mais ambíguos e controversos — a começar pelo fato de que sua própria existência é posta em dúvida por uma parte importante do debate público.
Para certa esquerda progressista, o "identitarismo" não existe. Existe tão somente luta de minorias e, sob as aspas, o que se revela é um espantalho criado por conservadores, esquerdistas retrógrados (os jurássicos e os "esquerdomachos") ou pseudoprogressistas —no fundo, liberais de estratos privilegiados— assustados com uma ameaça de democratização efetiva.
Essa perspectiva, a meu ver, é falsa. O identitarismo existe e não se confunde com a luta por direitos de minorias, que pode ser exercida por métodos e premissas teóricas diferentes. Mas é verdade que as críticas ao identitarismo têm sentidos muito diversos, a depender da perspectiva ideológica de onde partem.
Com efeito, para os conservadores — não para os de boa cepa, minoritários, mas para os de direita radical ou extrema, hoje grande maioria —, identitarismo é mesmo um termo mobilizado para fins reacionários. E há, outrossim, um setor da esquerda para o qual o conceito de classe social deveria seguir tendo centralidade. Para essa esquerda, a política de minorias é constitutivamente divisiva, sobretudo no que diz respeito aos fins eleitorais.
Entretanto, nos últimos anos foram surgindo inúmeros críticos ao identitarismo, em diversos países, que se identificam com os valores fundamentais da esquerda progressista, formando, portanto, uma crítica de esquerda progressista à política identitária na sua forma atual. Esses autores não são, como alguns insistem em dizer —por ignorância ou, mais provavelmente, demagogia—, "homens brancos" (categoria, diga-se, ela mesma identitária, quando mobilizada em sentido essencialista).
Ato Sekyi-Otu, Olúfémi Táiwó, Kwame Appiah, Susan Neiman, Elisabeth Badinter, Elizabeth Roudinesco, Laura Kipnis, Benjamin Zachariah, Asad Haider, Wilson Gomes, Lygia Maria, entre muitos outros, se somam a intelectuais "homens brancos" em críticas indiretas ou, no mais das vezes, diretas ao identitarismo de esquerda. (A crítica ao identitarismo de direita —o nacionalismo, o racismo, o colonialismo— é bem mais antiga, ampla, e reconhecida mesmo entre autores de direita.)
Pois bem, o novo livro do filósofo e psicanalista Douglas Barros, "O que é identitarismo?", situa-se nesse campo mais amplo das críticas de esquerda ao identitarismo, mas de maneira incomum. Seu argumento central é que o identitarismo é um epifenômeno do neoliberalismo, um sintoma da nova razão do mundo formulada no pós-guerra, sobretudo por Hayek, e implantada como programa político e ideologia na era Thatcher-Reagan-Friedman.
O livro de Douglas Barros é, parágrafo a parágrafo, denso e culto, mas me parece ser possível resumir ao mínimo o encadeamento desse argumento central. A razão neoliberal postula uma "dessocialização social": ela se opõe ao princípio socializante do comum e afirma, em seu lugar, o imperativo do indivíduo.
Desse modo, "horizontes crescentes de expectativas sociais cedem espaço para horizontes egocentrados". Essa ideologia "será a casa de máquinas de uma ideia que, ao suspender a noção de sociedade em nome do indivíduo e da família, abre caminhos para uma relação identitária mercadologicamente orientada".
Basicamente, portanto, o identitarismo, enquanto regime egoico da identidade projetado no campo social e na política, seria um sintoma da atomização social neoliberal. O argumento a essa altura já está bastante claro, porque, na parte anterior do livro, o autor faz uma crítica magistral do que chama de "delírio" identitário.
Mobilizando filosofia e psicanálise, Barros lembra que o sujeito da modernidade clássica — cartesiano, iluminista — foi descentrado por Freud. Para a psicanálise, a identificação é um movimento constitutivo do ser humano, que, em seu inacabamento fundamental, forma-se por meio do outro.
A identificação é uma abertura ao outro por meio da qual constituímos nosso eu, recorrendo a suportes culturais que nos ajudam a sustentar o vazio originário. Essa dinâmica, entretanto, está sujeita a cair na tentação de um eu plenamente identificado, logo fechado, para o qual a existência do outro é uma ameaça.
Eis o que Douglas Barros chama de "delírio" identitário, e que podemos encontrar em diversas formações —religiosas, políticas, culturais — ao longo da história humana. E que, convém lembrar, tem no racismo colonial seu grande ponto de irradiação na modernidade, sob cujos efeitos ainda vivemos: "O processo de identitarização da diferença se inicia com o colonialismo. É o colonizador europeu o primeiro identitário da história moderna".
Conheça autores que propõem visões pós-coloniais em suas obras - fotos
Retomando o fio da meada, esse delírio do ego fechado em uma imagem comunitária qualquer ganha condições de ressurgimento com a razão neoliberal e, finalmente, adquire um meio técnico e social propício com o advento das redes sociais e sua lógica da imagem, do narcisismo, do imediato antirreflexivo.
Pensar o identitarismo como um fenômeno diretamente ligado às redes sociais é comum. Pensar a política identitária como tendo alcance limitado e, mais do que isso, impedindo, por meio dos particularismos irredutíveis, "a política no sentido radical da palavra", isto é, uma transformação profunda das estruturas sociais, isso também é comum (é a linha de Asad Haider, o crítico ao identitarismo de quem, a meu ver, Barros mais se aproxima).
Mas pensar que esse alcance limitado ou limitador é não apenas um sintoma como uma espécie de astúcia da razão neoliberal, uma gestão das identidades para canalizar o mal-estar social e controlar as insurgências —isso eu não me lembro de ter lido antes. Notem, não se trata de afirmar que o capitalismo se apropria da política identitária e faz um jogo de inclusão mínima a fim de preservar a exclusão máxima. Mas de afirmar que essa dinâmica parte de uma gestão do Estado neoliberal, que organiza as identidades de forma a impedir a ação comum.
Na, repito, hoje vasta bibliografia crítica ao identitarismo, o mais comum é interpretá-lo como tendo um desenvolvimento histórico próprio, no interior dos processos da esquerda. Maio de 68, o coletivo Combahee River, Said e a análise do discurso, o "essencialismo estratégico" de Spivak, a teoria crítica da raça, a análise do biopoder em Foucault etc. Esses são geralmente alguns dos processos e autores que se considera terem fornecido premissas e métodos do identitarismo (às vezes à revelia das intenções originais dos próprios autores, como defende Yascha Mounk em seu "The identity trap").
O livro de Douglas Barros está alinhado num ponto essencial com as críticas da esquerda progressista ao identitarismo: apesar das boas intenções democratizantes, trata-se de uma atuação baseada em um fechamento da identidade que produz tribalismo e, paradoxalmente, ódio à diferença.
Mas o autor conta uma história em que os processos da esquerda nos últimos 50 anos parecem não ter muita agência (talvez por discordar de que o identitarismo, tal como o entende, é tributário dos autores supracitados —aqui haveria um debate a ser feito). O identitarismo, para Barros, "não é um ato consciente, deste ou daquele movimento social, não se trata de uma escolha", é antes o estado da arte da gestão política e social do neoliberalismo, na era das redes.
Por fim, considero relevante notar que há pouco Brasil na perspectiva do autor. Barros aborda o fenômeno por uma lógica mais global, condizente com a razão totalizante do neoliberalismo. O identitarismo, entretanto, adquire sentidos específicos no Brasil, uma vez que seu tribalismo entra em choque frontal com a autoimagem miscigenada e mestiça que vigorou entre nós durante todo o século 20, com muita força.
A substituição do projeto cultural do "só interessa o que não é meu" pela proposta do "samba é coisa de preto" e outras afins não é problema de pouca monta.
Nem tampouco Douglas Barros desconhece a contradição central que impulsiona essa transformação: "É factível que a identidade nacional, no impulso que organizava e dinamizava a passagem ao capitalismo, tenha suprimido a especificidade do racializado sem superar sua condição, ou seja, apagado a experiência racial sem apagar a racialidade como forma de gestão".
Entretanto, arremata, "como um negativo subjacente à ideia de nação, a racialização permanece organizando os lugares disponíveis na reprodução da vida social e construindo a noção de cidadania democrático-liberal".
Isso, contudo, é o que o livro não é. O que ele é: uma importante contribuição para a compreensão de um tema repleto de mal-entendidos. Especialmente, a meu ver, por sua explicação irretocável do identitarismo enquanto delírio em que o sujeito acredita ter encontrado a sua unidade impossível.
O que é identitarismo? Preço R$ 63 (208 págs.). Autoria Douglas Barros. Editora Boitempo
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Tifanny desabafa após título no vôlei: 'vai ter mulher trans campeã, sim'
UOL, 09/02/2025
A oposta Tifanny, do Osasco, fez um desabafo após o título da Copa do Brasil de vôlei feminino.
"Chega de transfobia! Vai ter mulher trans campeã, sim!" Tifanny, oposta do Osasco
O que aconteceu
O Osasco São Cristóvão Saúde, de Tifanny, conquistou o tetracampeonato da Copa Brasil neste sábado (8) após vencer o Sesi Bauru por 3 sets a 1, com parciais de 27/25, 16/25, 27/25 e 26/24, no ginásio da Arena Multiuso de São José. Ela marcou oito pontos na decisão.
Aos microfones do sportv, a jogadora de 40 anos e 1,94m falou sobre o preconceito contra trans que existe dentro do esporte.
Estamos vendo muita transfobia no esporte, muitas leis contra nós mulheres trans, então tenho que lutar diariamente para jogar, dentro e fora de quadra. Mas é por esses momentos que estou lutando porque a minha classe é a que mais sofre e mais morre no Brasil
"A nossa média de idade é 35 anos, eu sou uma sobrevivente, estou com 40. Mas não vou deixar de lutar pela minha classe porque nós merecemos respeito. E obrigado a todos que lutam pela gente."
Sobre Tifanny
Primeira mulher trans no vôlei feminino brasileiro, Tifanny iniciou o processo de transição de gênero em 2012. Ela jogou profissionalmente em ligas masculinas até os 29 anos.
Aos 31, ela voltou às quadras, na segunda divisão da Itália, dessa vez como uma mulher. Em 2018, voltou ao Brasil e foi contratada pelo Bauru. A paraense defende o Osasco desde 2021.
Tifanny vídeo
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Dom Casmurro
Incerteza é o centro de "Dom Casmurro"
FRANCISCO ACHCAR, fsp, 20/11/1997
Em "Dom Casmurro" (1900), de Machado de Assis, um velho escreve um livro para contar sua vida e, assim, tentar recuperar, de alguma maneira, o passado perdido -perdido não só porque passou, mas por ele achar que o perdeu ao vivê-lo, enganou-se, não entendeu bem o que se passava.
Sua tentativa é de, como ele diz, "atar as duas pontas da vida" e ver se consegue, agora que é o Dr. Bento Santiago, apelidado de Dom Casmurro (no sentido de "homem calado e metido consigo"), reencontrar o Bentinho que namorou Capitu, casou com ela, separou-se dela sob suspeita de adultério com seu melhor amigo e se afastou do filho que acreditava não ser seu.
Portanto, o romance é apresentado como memórias do narrador, o livro com que ele, depois de muitos anos, vivendo solitário e em parte retirado, tenta recompor a figura incerta de sua vida frustrada.
É um livro "avançado" para o Realismo, moderno, tanto por sua história quanto por sua escrita e estrutura. A história, no fundo, é a história de um livro -um livro frustrado, que não cumpriu sua finalidade em relação à vida, pois não pôde contê-la, representá-la. E esse livro é o que o leitor tem em mãos, incerto até quanto a seu título: já no primeiro capítulo, "Do título", ele é deixado em dúvida sobre se Bentinho, agora Dr. Bento, é mesmo casmurro, pois muita coisa indica que não seja. No jogo de incertezas da trama, quase nada fica definido.
"Dom Casmurro" é um exemplo extraordinário de "obra aberta", obra organizada de forma a admitir sentidos diversos e mesmo incompatíveis entre si.
Mário de Andrade conta de um entusiasta de Machado que, ao reler o romance, espantou-se com o que considerou sua "imoralidade" (seria uma defesa cínica do adultério): em inúmeras leituras anteriores, sempre acreditara tratar-se de uma história "moralizante".
Trata-se de um dos maiores livros escritos em língua portuguesa, um dos grandes romances do século 19, em âmbito internacional.
Ele pode ser lido em vários planos: há o plano da história, envolvente, até divertida, mas intrigante porque não é conclusiva quanto ao seu nó central (Capitu traiu ou não traiu Bentinho?); há o plano da análise das personagens e das relações sociais, em que Machado revela sua penetração extraordinária, psicológica e sociológica, sempre destilando seu veneno discreto, mas corrosivo; há também o plano da grande estrutura da narrativa, em que o centro não é o adultério ou qualquer evento particular da história, mas a incerteza -a incerteza da vida e a incerteza do livro.
Francisco Achcar é professor de língua e literatura latina na Unicamp e autor de "Lírica e Lugar-comum" (Edusp).
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'Rio virou Caribe': por que a água ficou tão cristalina em praias cariocas?
UOL, 08/02/2025
O Rio de Janeiro teve um dia de Caribe ontem (7) devido às águas cristalinas na praia da Barra da Tijuca, na zona oeste, a em Itacoatiara, em Niterói, na região Metropolitana.
O que aconteceu
Mar comparado ao do Caribe. Pessoas elogiaram a água clara na Barra da Tijuca, maior praia do Rio de Janeiro, comparando-a com a do famoso destino turístico. "O Rio pode ter dias de Caribe, mas dificilmente o Caribe terá dias de Rio de Janeiro", escreveu um homem nas redes sociais.
Registros viralizaram. O influenciador Caio Ramon publicou um vídeo mergulhando, em que é possível ver o fundo do mar, tamanha a claridade da água. "Uma das águas mais claras que já vi por aqui", disse ele na legenda.
Rio virou Caribe vídeo
Por que o Rio virou Caribe?
Coloração cristalina é atribuída à "água tropical". Esse tipo de água banha a superfície do litoral e tem temperatura superior a 18,5 °C, por isso é considerada mais quente e salgada, como explica Cíntia Albuquerque, oceanógrafa, doutora pela Furg (Universidade Federal do Rio Grande) e pesquisadora da UERJ (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).
"O oceano é composto por vários corpos d'água. Muita gente pensa que a água do mar é tudo igual, mas não" Cíntia Albuquerque
Microorganismos alteram a cor do mar. Uma das características da água tropical é ter menos nutrientes, o que diminui a concentração de fitoplâncton (organismos aquáticos microscópicos). Quanto menos fitoplâncton, mais clara será a água. É um perfil diferente ao da água central do Atlântico Sul, por exemplo, que é mais fria e rica em nutrientes. "Isso influencia o fitoplâncton e a coloração da água, deixando mais turva", diz Albuquerque.
"O fitoplâncton tem uma pigmentação que muda a coloração da água, geralmente deixando mais verde. Quando não esta presente, a água fica mais cristalina. É o que estamos vendo agora." Cíntia Albuquerque, oceanógrafa
Falta de chuvas também influencia. Menor precipitação, devido ao sistema de alta pressão, diminui o volume de deságue dos rios no mar. Além de isso influenciar na concentração de fitoplânctons, há menos sedimentos na água, ajudando a deixá-la mais clara.
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Rio Tietê
Por que Tietê não corre para o mar, como outros cursos d'água fazem
Colaboração para o UOL, 07/02/2025
O Tietê, um dos principais corpos de água que passam pela capital paulista, vai na contramão de outros rios. Em vez de desaguar no mar, ele corre para o interior.
Por que rio vai no "sentido inverso"?
Caminho do Tietê é atípico. O rio nasce a 1.120 metros de altura, na cidade de Salesópolis (SP). A região fica situada na Serra do Mar, mas apesar de o rio estar a apenas 22 km do litoral, ele é obrigado a fluir no sentido inverso, rumo ao continente, por causa das escarpas montanhosas que funcionam como uma barreira, redirecionando o fluxo da água, segundo informações da Bacia Tietê-Paraná da Secretaria de Educação do Estado do Paraná.
Esse tipo de "caminho inverso" é conhecido oficialmente como drenagem endorreica. No caso do Tietê, ele atravessa o estado de São Paulo de sudeste a noroeste por 1.100 km até desaguar no lago da barragem de Jupiá, no rio Paraná, entre os municípios de Itapura e Castilho, próximos à divisa com Mato Grosso do Sul.
Terreno influencia na capacidade do Tietê ser "autolimpante". Após seu trecho mais alto, o Tietê segue um caminho natural com quedas relativamente grandes e que contribuem para sua autodepuração, aponta a Secretaria de Infraestrutura e Meio Ambiente do Estado de São Paulo. A autodepuração é justamente a capacidade de um corpo d'água de se livrar de impurezas.
Na prática, ao se distanciar de São Paulo, o rio recebe progressivamente menos descargas de esgoto e possui um fluxo de água mais intenso. Com a correnteza mais forte e menos lixo, a água acaba recuperando seu ecossistema natural de fungos e bactérias que decompõem a matéria orgânica e produzem oxigênio, apontou um estudo da Universidade de São Paulo.
Oxigênio é o ponto de partida para a restauração da vida de espécies ao longo do rio. Além disso, a força das águas o torna navegável e até fonte de energia hidrelétrica em alguns pontos. Ou seja, o Tietê pode ter uma aparência bem diferente daquela da capital ou até a de sua nascente em diferentes trechos.
Rio atípico foi essencial para a colonização de São Paulo e do Brasil
Justamente porque o Tietê anda "para trás", ele facilitou que bandeirantes navegassem pelo interior do estado e em regiões vizinhas. No século 18, o Tietê se tornou uma importante rota fluvial e colaborou para a formação de cidades de São Paulo a Mato Grosso. Hoje, ele passa por 62 municípios paulistas.
Tietê está ligado a seis sub-bacias hidrográficas nas seguintes regiões: Alto Tietê, Piracicaba, Sorocaba, Médio Tietê, Tietê/Jacaré, Tietê, Tietê/Batalha e Baixo Tietê. Ele ainda auxilia na geração de energia ao chegar às barragens de Barra Bonita, Ibitinga, Três Irmãos, Edgard de Souza, Pirapora do Bom Jesus, Anhembi, Iaras e Promissão. Até os anos 1950, o Tietê atraía ainda praticantes de esportes aquáticos graças ao seu curso.
Expedição Rio Tietê. Uma aventura pelo rio mais querido de São Paulo
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Um trilhão de juros!
Por Paulo Kliass, GGN, Publicado em
A maioria dos alunos matriculados na quarta ou na quinta série do ensino fundamental já começou a tomar os primeiros contatos com números decimais nas aulas de matemática. Assim, ali percebem nas salas com seus professores que o número 0,95 pode ser arredondado para 1,00. Por dedução, também o número 950 pode ser aproximado para 1.000. Pois, então, são essas regras que nos permitem afirmar que as despesas com juros realizadas pelo governo federal ao longo de 2024 alcançaram a trágica marca de um trilhão de reais. Uma tragédia!
O Banco Central (BC) divulgou há poucos dias o seu relatório mensal com a atualização das informações de política fiscal. Com a publicação deste boletim mais recente, é possível realizarmos a consolidação das informações para os 12 meses do ano passado. Em dezembro foram gastos R$ 96 bilhões com a rubrica de juros da dívida pública. Ainda que não tenha sido um recorde na série histórica mensal, o montante é muito alto e ocupa o segundo lugar no quesito, só sendo ultrapassado pelos R$ 111 bi ocorridos dois meses antes, em outubro. Esse valor representa um crescimento de 51% e relação ao realizado em dezembro de 2023.
Juros: nunca antes na História deste País.
Para não ficarmos apenas nas variações comparativas entre períodos de apenas 30 dias, talvez seja interessante ampliar o espaço analisado. Se considerarmos o último trimestre, por exemplo, percebemos que as despesas com juros atingiram o total de R$ 300 bi apenas para o período entre outubro e dezembro do ano passado. Esse total representa uma elevação de 77% na comparação com os R$ 169 bi que ocorreram para o mesmo período de 2023. Não existe nenhum outro tipo de variável de gasto público federal que tenha alcançado tal majoração.
Caso a comparação seja entre os valores do segundo semestre dos dois exercícios considerados, a diferença também é expressiva. Para o período julho/dezembro de 2024, o total de despesas com juros alcançou R$ 496 bi. Esse montante representou um crescimento de 30% em relação aos R$ 381 bi verificados no mesmo período de 2023.
Finalmente, pois para os 12 meses de 2024 o montante total de despesas com pagamento de juros da dívida pública foi de R$ 950 bi, que arredondados nos levam ao trilhão do título do artigo. Este valor significa uma elevação de 32% sobre os R$ 718 bi que foram transferidos do Orçamento da União para mesma função associada o parasitismo financista. Infelizmente esta parece ser a prioridade na agenda da área econômica do governo. Nada de limite, de corte ou de contingenciamento nesse item dos gastos.
O Gráfico abaixo exibe, de forma bem cristalina, o crescimento acentuado que ocorreu na dimensão das despesas financeiras ao longo da primeira metade do terceiro mandato de Lula. Para usar uma expressão bem ao gosto do Presidente, nunca antes na História deste País o governo federal realizou tamanho volume de despesas com o pagamento de juros da dívida.
O montante alocado para o pagamento das despesas financeiras no interior do Orçamento da União tem sido significativo ano após ano. De acordo com as informações apuradas e divulgadas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN) a série começou a ser elaborada em 1997. Assim, ao longo destes 28 anos, até o encerramento do exercício de 2024, o governo federal destinou o total de R$ 10,5 trilhões para o pagamento de juros da dívida pública. Para quem se preocupa de forma sincera com a “gastança” ou com a “qualidade do gasto público”, este deveria ser o objeto de análise e de crítica. Mas os escribas a soldo do financismo preferem esquecer este fenômeno.
Rigor da austeridade fiscal não mexe com juros.
Tais números desmontam o falso argumento a respeito das causas de suposto desequilíbrio estrutural das contas orçamentárias. As vozes que sempre saem em defesa dos interesses do financismo – e mesmo setores encastelados na alta tecnocracia estatal – sempre procuram responsabilizar as rubricas de natureza social como sendo as principais responsáveis pelo déficit fiscal. Para tanto, se agarram como podem na metodologia das “contas primárias”, que se arrasta de forma prolongada desde a década de 1980, como a técnica oficial de apuração do resultado fiscal para nosso País.
Assim, o problema reside na circularidade tautológica inerente ao modelo adotado. Como a definição do conceito de “primário” significa a exclusão das contas financeiras para fins de apuração do resultado consolidado entre receitas e despesas, o fato concreto é que o monstruoso volume de pagamento de gastos com juros da dívida pública fica de fora da contabilidade. Desta forma, o discurso oportunista do financismo e das forças conservadoras acaba por se concentrar nas contas mais expressivas de natureza social, ou seja, as chamadas contas primárias. E assim tem sido desde há muito tempo: o bombardeio contra as despesas com saúde, assistência social, educação, previdência social, salários de servidores, segurança pública e outros.
Um dos aspectos mais dramáticos desse processo é o esmagamento da capacidade orçamentária nestas áreas de natureza social, abrindo espaço para uma crescente privatização da oferta de tais serviços públicos. Com isso, observamos uma participação cada vez maior do capital privado em hospitais, planos de saúde, gestão de organizações sociais (OS) de saúde, escolas de ensino fundamental e médio, faculdades e universidades, empresas de segurança privada, serviços pagos de assistência social e outros.
Governo se orgulha de “robustez fiscal”.
Apesar das críticas generalizadas na sociedade à continuidade do modelo austericida proposto por Fernando Haddad, o governo continua encampando o conservadorismo na política econômica. Na verdade, o próprio Presidente Lula deixa escapar em vários momentos uma visão equivocada a respeito das características da dinâmica da economia, buscando associar o tratamento das contas públicas ao orçamento doméstico ou familiar. A manifestação mais recente ocorreu em entrevista coletiva concedida em 30 de janeiro, quando ele mais uma vez afirmou que tudo o que sabe de economia teria aprendido com sua mãe, Dina Lindu. Disse Lula aos jornalistas:
(…) “eu aprendi a estabilidade com a dona Lindu – é assim que eu governo esse país. Não se pode gastar mais do que a gente tem capacidade de arrecadar” (…)
Além disso, na mensagem enviada ao Congresso Nacional para marcar a abertura do ano legislativo de 2025, o governo faz uma extensa menção a seu compromisso com a austeridade. Tanto que o documento recebeu, de forma inédita, um capítulo dedicado exclusivamente ao tema, com o significativo título de “Compromisso com a robustez fiscal”. Uma loucura! E dentre as inúmeras referências positivas à austeridade fiscal, pode-se destacar no texto:
(…) “Em 2024, o Governo Federal manteve seu compromisso com o equilíbrio das contas públicas. Fizemos o sexto maior ajuste fiscal do mundo e o terceiro maior entre os países emergentes, de acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O déficit primário está estimado em 0,1%, o menor da década.
Em 2025, continuaremos a pautar nossa gestão pelo compromisso com o equilíbrio fiscal. Isso está expresso na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), assim como no conjunto de medidas fiscais enviadas em novembro de 2024 ao Congresso Nacional, que permitirão economizar R$ 70 bilhões em 2025 e 2026.” (…) [GN]
Apesar de todo esse autoelogio, que contradiz frontalmente qualquer perspectiva de um governo progressista e voltado para um projeto de desenvolvimento, não existe nenhuma referência à marca simbólica de um trilhão de reais para o cumprimento das obrigações com os detentores de títulos da dívida pública. Talvez a verdadeira razão para tal esquecimento carregado de significado esteja no fato de que essa cifra envergonha o Partido dos Trabalhadores e todos os grupos políticos, entidades e setores que apostam em um processo de mudança efetiva nos rumos do terceiro mandato.
O tempo avança rapidamente e, como o próprio Lula tem expressado, 2026 já começou. As pesquisas de opinião apontam para uma arriscada queda de popularidade do Presidente e de seu governo. Faz-se urgente a tomada de decisões para promover uma reorientação dos rumos da política econômica. Insistir na receita de juros elevados e cortes orçamentários a rodo não parece ser a melhor forma de se preparar para uma disputa que promete ser acirrada.
Paulo Kliass é doutor em economia e membro da carreira de Especialistas em Políticas Públicas e Gestão Governamental do governo federal.
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Sebo do Messias
Como funciona o Sebo do Messias, com milhões de livros e operação de guerra
No centro de São Paulo há 55 anos, loja vende mil obras usadas por dia e armazena um estoque com montanhas de exemplares
Walter Porto, fsp, 31/01/2025
"Aqui tem que ser uma casa de todos os santos", costuma pregar o gerente do Sebo do Messias, Cleber Aquino, plantado bem às costas da Catedral da Sé.
"Tem cliente que vê a Bíblia ao lado de um livro sobre umbanda e vem reclamar comigo. Já vi gente comprar coisa só para rasgar na minha frente. Eu sempre digo não, minha senhora, aqui tem que ser de todo mundo."
Pudera. O maior sebo de São Paulo tem hoje um estoque estimado em 3 milhões de produtos, cerca de um sexto disso no acervo para compra imediata. Vende de gibi da Marvel a revista de mulher pelada, de álbuns já gastos a pequenos eletrodomésticos — vende sobretudo livros, num ritmo alucinante.
Saem cerca de mil produtos por dia do depósito do Messias para a casa dos clientes, a um tíquete médio de dez reais. Se não é um lucro exorbitante, é uma operação de guerrilha que precisa de engrenagens muito bem lubrificadas para ficar de pé.
Como funciona o Sebo do Messias imagens
Hoje toda concentrada no coração da capital paulista, a livraria mudou de mãos desde o ano passado — provavelmente o mais marcante de sua história de 55 anos, por dois motivos.
Em dezembro, a equipe perdeu seu fundador e oráculo, o mineiro Messias Antonio Coelho, e passou a ser liderada por suas filhas, Daniela e Lilian, ao lado de Aquino, que trabalha ali desde 2002, quando foi contratado para inaugurar o braço virtual do comércio, que hoje vende tanto quanto a loja física.
O vazio do patriarca, morto aos 83 anos, se preencheu por trabalho dobrado. Em setembro, numa movimentação ainda supervisionada por ele, o sebo adquiriu cerca de 2 milhões de exemplares da extinta rede Saraiva, que dominava o mercado antes de ter a falência decretada em 2023, numa amostra de seu poder de fogo.
Messias Antônio Coelho nos 50 anos de seu sebo imagens
É livro que não acaba mais. Parte deles está exposta num endereço já cativo dos paulistanos desde o começo do século, na praça João Mendes, com 1.100 metros quadrados que se equilibram em quatro andares um labirinto de papel e luz branca com o qual leva tempo para se familiarizar.
Se essa ponta do iceberg já impressiona, entrar no estoque subterrâneo do Messias se parece com cair no túnel da Alice de Lewis Carroll. Naquela garagem de mais 2.000 metros quadrados em dois pisos, é feita a triagem de todas as obras que chegam ao sebo.
Ao descer a rampa pela qual entram caminhões atulhados de exemplares, dobrar à esquerda e dar poucos passos, o visitante já se depara com dezenas de milhares de livros empilhados em montanhas que Aquino jura terem uma organização que faz sentido.
A partir daí começa o trabalho de cerca de dez funcionários — a empresa tem 47 — responsáveis pela catalogação, registro fotográfico e minuciosa conferência de tudo o que chega ali. Segundo o gerente, se você doa um livro para o Messias, em no máximo 15 dias ele já estará disponível para outros leitores.
A equipe inclui algumas pratas da casa, como Stênio Alencar, de 83 anos e 25 de contrato, que os colegas costumam brincar que organizava as estantes da Biblioteca de Alexandria — e é suspeito de botar fogo nela, numa piada que escuta sorrindo como se já a tivesse ouvido centenas de vezes.
Folha estreia História de Livraria, série sobre a cultura de sebos no Brasil
Pouco antes da visita da Folha, numa manhã de quinta-feira, os funcionários tinham lidado com uma doação de mais de 70 mil livros que viajaram em três caminhões de Cataguases, em Minas Gerais, após a morte de uma colecionadora contumaz.
Toda a biblioteca da finada foi direto para o Messias, como é regra acontecer em casos desse porte. Assim, o sebo não se demora escolhendo a dedo o que quer levar nem deixa o vendedor encalhado só com livros de que ninguém quer saber. O atacado, por mais que possa soar insensível com produtos como livros, acaba sendo um bom negócio para os dois lados —o sebo paga mais barato por livros de valor e o vendedor consegue se livrar rápido de tudo, sem se preocupar muito com logística.
Compras grandiosas assim às vezes assustam os funcionários. "O que eu sempre lembro a eles é que esses 70 mil livros se derretem em duas semanas", conta Aquino, querendo dizer que o filé mignon de grandes coleções costuma ser arrematado com velocidade estonteante por leitores atentos. Muitos desses compradores, diz ele, são outras lojas buscando revender as obras. "Se o Messias fechar amanhã, olha, uns 30% das livrarias de São Paulo fecham junto", se vangloria o gerente.
É um modelo de negócios complicado de estruturar. "Eu não consigo calcular o meu volume de entrada", diz Aquino, com sotaque da cidadezinha de Liberdade, a 350 quilômetros de Belo Horizonte. "Se estou trabalhando com um número, alguém liga e fala, minha mãe morreu e deixou 5.000 livros. Aí já era."
Nas encomendas mais modestas, uma equipe especializada vai ao local garimpar o que há de mais precioso ali. Naquela quinta-feira, um livro didático assinado por Cecília Meireles, "Rute e Alberto Resolveram Ser Turistas", datado de 1938 e autografado pela autora, estava disposto atrás de um vidro e fichado com valor de R$ 7.000.
Joias como essa são oferecidas no Messias com a mesma naturalidade de livros com preço mais barato que uma coxinha com catupiry. Não é de se espantar quando você entende a alma do negócio.
"Meu pai nunca teve apego a livros", diz Daniela Guimarães Coelho, uma das herdeiras do fundador. "Se ele se apegasse, se ficasse guardando edições raras, não ia conseguir vender nada. Ele não tinha tempo de ler, vivia totalmente para o trabalho e a família."
Messias teve uma carreira folclórica, vindo da cidade mineira de Guanhães, onde capinava a roça de sua gente desde criança. Aos 23 anos, se mudou para São Paulo, onde trabalhou como ajudante de garçom e passou a vender livros de porta em porta por sugestão do pai de sua hoje viúva, dona Julian.
O que era um jeito de "fazer um dinheirinho por fora", como ele contou em sua última entrevista à Folha, virou coisa séria quando um cliente morreu e a família ofereceu que Messias comprasse sua biblioteca de 5.000 livros. Da garagem modesta onde armazenou essa primeira coleção, ergueu a empresa que subiu ao topo do ramo no país.
Durante 30 anos, o livreiro não tirou férias. Chegava a pagar boletos de faculdade de clientes fiéis. Se seu prazer não estava na literatura, estava no trabalho — e em um caso como esse, quem dirá qual a diferença?
Sebo do Messias: Quando Seg. a sex., das 9h às 18h; sáb., das 9h às 17h, Onde Praça Dr. João Mendes, 140, Centro, São Paulo
Como doar Contato pelo site sebodomessias.com.br ou telefone (11) 3104-7111
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DeepSeek
Bilionários das techs fizeram papel de cortesãos na posse de Trump
Livros contarão o que aconteceu antes do grande mico de 20 de janeiro
Elio Gaspari, fsp, 01/02/2025
O que a China fez com os bilionários americanos das big techs e com Donald Trump foi uma malvadeza histórica. No dia 20 de janeiro, o novo presidente anunciou em seu discurso de posse: "A partir de agora, terminou o declínio americano". E prometeu o início de uma "Era de Ouro" para o país.
Entre os convidados, aplaudindo-o, estavam os bilionários Elon (Tesla) Musk, Mark (Meta) Zuckerberg, Jeff (Amazon) Bezos, Tim (Apple) Cook, Sundar (Google) Pichai e Sam (OpenAI) Altman.
Com jeito de quem não queria nada, naquele dia, a empresa DeepSeek, do chinês Liang Wenfeng, soltou seu aplicativo de inteligência artificial R1. Em seguida, republicou um artigo de 22 páginas assinado por 193 autores (todos chineses) e a estrutura do seu programa.
O R1 da DeepSeek foi lançado no dia da posse de Trump de caso pensado. A China já fez coisa parecida em 2023, às vésperas de uma visita da secretária do Comércio dos EUA.
Segundo a DeepSeek, o R1 custou US$ 5,6 milhões. Os programas de inteligência artificial das empresas americanas custam entre US$ 100 milhões e US$ 1 bilhão. O R1 é grátis, enquanto alguns similares americanos cobram dos usuários pelo menos US$ 20 mensais.
No dia 25, o R1 era o aplicativo mais baixado nos Estados Unidos e em outros 50 países. Dois dias depois, as sete grandes empresas americanas de tecnologia, conhecidas como "the magnificent seven" (Alphabet, Amazon, Apple, Meta, Microsoft, Nvidia e Tesla), perderam US$ 1 trilhão em valor de mercado.
Os CEOs de cinco delas estavam na cena da posse e só a Apple não micou. A fabricante de chips Nvidia, princesinha do mercado de inteligência artificial, tomou a maior pancada, com uma perda de US$ 589 bilhões, a maior da história de Wall Street. Elon Musk perdeu US$ 5,3 bilhões. Como as ações sobem e descem, a Nvidia recuperou parte da queda.
O segredo do R1 estava no fato de que uma unidade de custo que no mercado das big techs vale US$ 15, na DeepSeek ele sai por apenas 55 centavos. Além disso, o R1 é grátis e aberto para programadores pelo mundo afora. A Microsoft e a Dell já incorporaram o R1 às suas plataformas.
Nos próximos meses, artigos e livros contarão o que aconteceu antes do mico de 20 de janeiro. Uma coisa é certa: os bilionários das big techs sabiam que a DeepSeek existia e que não era coisa de chinês em fundo de garagem.
Desde 2023 ela publica seus códigos. Desde maio de 2024 ela mostrava que fazia muito, gastando menos. No mundo a inteligência artificial corria o murmúrio de que a DeepSeek tinha uma "arma secreta". Em setembro, ela soltou a versão V2.5, que, em poucos dias, ficou entre os aplicativos líderes de inteligência artificial com códigos abertos. A primeira versão do R1 é de novembro de 2024.
Os bilionários americanos acreditaram na própria superioridade. Erraram. Diante da ameaça dos avanços tecnológicos da China, acreditaram na imposição de barreiras comerciais e, durante o governo de Biden, embargaram as vendas de chips. Erraram de novo.
No dia 20 de janeiro, exibiram-se mostrando-se próximos do poder. Violaram a regra da discrição dos magnatas dos verdadeiros tempos dourados dos Estados Unidos. John D. (Standard Oil) Rockefeller, Andrew (U.S.Steel) Carnegie e J.P. Morgan, o do banco, nunca enfeitaram festas de posse de presidentes em Washington.
(Perguntado sobre quais bilionários estavam na posse de Trump, o DeepSeek disse que não tinha informações sobre eventos futuros, esclarecendo que seu conhecimento se estende "até outubro de 2023". Feita a mesma pergunta ao Google, ele ofereceu dezenas de links e o primeiro dizia: Musk, Bezos e Zuckerberg: bilionários na posse de Trump.)
Momento Sputnik
Na tarde de domingo passado, o guru tecnológico Marc Andreessen descreveu o impacto da DeepSeek sobre o mercado americano: momento Sputnik.
O comentário de Andreessen refletiu o pânico que tomou conta dos Estados Unidos em 1957, depois que a União Soviética colocou em órbita o primeiro satélite artificial, pesando 83 quilos. Em 1961, veio a humilhação. Yuri Gagarin entrou em órbita e revelou: "A Terra é azul".
Pelo menos nove foguetes americanos haviam explodido, mas o presidente John Kennedy anunciou que os americanos iriam à Lua antes do fim da década.
Na outra ponta, o regime russo não revelava que havia perdido sete foguetes, um astronauta e mais de cem pessoas mortas numa explosão em seu centro espacial, inclusive um marechal. Em 1966, Sergei Korolev, pai do programa espacial russo, morreu durante uma cirurgia. Meses depois o astronauta Sergei Komarov foi carbonizado ao retornar à Terra.
Americanos e russos faziam maravilhas no espaço, mas o jogo virou em 1969. Os foguetes soviéticos continuavam com eventuais falhas e no dia 3 de julho o N-1 explodiu no Cazaquistão, destruindo parte da base de lançamentos. Duas semanas depois, três astronautas partiram de Cabo Kennedy. No dia 20 de julho, Neil Armstrong fincou a bandeira americana no Mar da Tranquilidade.
A corrida espacial estava terminada e o Sputnik tornou-se coisa do passado.
Começava outra competição, com os americanos na frente. Três meses depois, o Departamento de Defesa dos Estados Unidos criou, em segredo, a primeira rede de computadores, chamava-se Arpanet. Era o embrião da internet.
Quem ouviu os bips do Sputnik e acreditou no declínio americano perdeu seu tempo.
Em maio de 1936, o matemático inglês Alan Turing publicou na revista da London Mathematical Society seu artigo intitulado "Sobre Números Computáveis". Nele, prenunciava a "máquina universal".
Um ano depois, escrevia à mãe, queixando-se de que a revista havia recebido apenas dois pedidos de cópias do artigo. A "máquina universal" de Turing era o computador. Homossexual, ele foi condenado a submeter-se a um tratamento hormonal e matou-se em 1954. Em 2013, um raro exemplar de seu artigo de 1936 foi comprado por 205 mil libras (R$ 1,5 milhão na cotação de hoje). Desde 2024 seu retrato está no verso da nota de 50 libras.
O mundo de 2025 é outro. O artigo acadêmico que descreveu o modelo R1 da DeepSeek saiu no início de janeiro e tinha cerca de 200 autores, todos chineses. Em menos de um mês o aplicativo de inteligência artificial foi baixado mais de 3 milhões de vezes.
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Retorno de palestinos ao norte de Gaza reaviva pinturas de Pieter Bruegel
Meio milhão de pessoas viverá em ruas onde não há casas, escolas, lojas ou clínicas, após meses de ataques israelenses
Mario Sergio Conti, fsp, 31/01/2025
Nunca ninguém viu isso: meio milhão de estropiados à luz dourada da manhã, caminhando numa estrada precária; uma caravana de gente exausta e de passo apressado; mulheres cobertas de pó com crianças no colo; moços levando velhas esquálidas em cadeiras de roda.
Todos, absolutamente todos, carregam sacolas, malas, sacos, mochilas, até um colchão na cabeça. Um burrico puxa a carroça abarrotada; um adolescente empurra outra. Embora o sofrimento esteja inscrito nos rostos, alguns sorriem, parecem aliviados.
Não pense no futuro desses 500 mil molambentos. Esqueça que viverão em ruas onde não há casas, escolas, lojas, clínicas. Os deslocados na marra morarão em tendas. Também deixe de lado o passado, os 15 meses em que Israel calcinou a Faixa de Gaza e matou 47 mil.
Fixe-se no presente, na via-crúcis. Nunca, desde que descemos da árvore, tantos viram imagens tão assombrosas. E não houve quem as lamentasse. Pastores, padres e rabinos se calaram. Intelectuais emudeceram. Vladimir Putin, Donald Trump, o papa Francisco, Xi Jinping, Lula: silêncio.
O cortejo foi tragado pelo torvelinho de cenas que, no celular ou no laptop, as retinas não retêm. São figuras como as de Bruegel, provas vivas de que a marcha do meio milhão retoma os massacres de há meio milênio.
Pieter Bruegel, o Velho, foi um pintor flamengo do século 16, dos anos em que o duelo de católicos e protestantes coexistiu, nos Países Baixos, com a luta pela independência. Sua obra anteviu algumas das vítimas de Gaza: elas estão entre os atônitos de "A Procissão do Calvário"; nas acabrunhadas de "O Massacre dos Inocentes"; nos soldados de "O Suicídio de Saul".
Bruegel pintou o povo. Seus quadros estão apinhados de crianças, homens e mulheres miniaturizadas, camponeses que se fartam de comer e dançar, que riem, ralam, se embebedam, padecem. É um povo de seres palpáveis, sensíveis. Exemplo: o tiozinho de "O Massacre dos Inocentes" que suplica a um soldado que poupe sua rês. As divindades são diluídas. Exemplo: Jesus em "A Procissão do Calvário", diminuído e dissolvido no centro da tela.
A televisão pôs no ar reportagens com procedimentos parecidos. Numa delas, a panorâmica dos palestinos em movimento lembra uma procissão que se arrasta que nem cobra pelo chão, até que o travelling da câmera no chão contorna dois rapazes que se abraçam em prantos, de joelhos.
Por minutos doloridos, vê-se o reencontro de Ibrahim e Mahmoud Al-Attout, irmãos gêmeos que a guerra separou por um ano. Eles se agarram, soluçam, gritam a saudade que sentiram, não se largam, e então um deles beija o solo. A guerra se faz assim, com desamparo e lágrimas, não tem nada de heroico.
As dores são provocadas por cavalheiros bem-postos na vida, fidalgos como Fernando Álvarez de Toledo y Pimentel, o duque de Alba. A serviço de Felipe 2º, o Prudente, ele chegou a Bruxelas, em agosto de 1567. Sua missão era debelar os motins calvinistas que grassavam pela possessão espanhola.
Alba cumpriu a ordem à risca. Estima-se que mandou matar 18 mil holandeses; fez jus ao título de o militar mais cruel de seu tempo, quase um Binyamin Netanyahu a serviço da Casa Branca. Os espanhóis devem ao duque a fama de duros e arrogantes que gozam até hoje nos Países Baixos.
Segundo T.J. Clark, historiador da arte inglês, Bruegel pintou um quadro que seria uma resposta resignada ao carniceiro de Filipe 2º https://pt.wikipedia.org/wiki/Filipe_II_de_Espanha —"A Terra de Cocanha". Ele marcaria uma guinada na sua arte, que deixaria de denunciar a violência e a opressão, como fez em "O Triunfo da Morte".
"A Terra de Cocanha" exibe três homens largados no chão, estuporados de tanto comer. Estão no país mítico que, na Idade Média, equivalia a Atlântida e Eldorado: Cocanha. Bruegel não o considera uma utopia, ao contrário: como há comida em abundância, ninguém trabalha ou faz algo útil; ali a vida não vale a pena.
Segundo a tela, o ser humano é indolente, glutão, não se importa com nada e ninguém. Logo, é bobagem denunciar a injustiça, querer melhorar o homem. O certo é ser indiferente.
Bruegel também exalta a passividade em "A Queda de Ícaro". O herói acerca-se do Sol, a cola que segura suas asas derrete e ele cai no mar, mas ninguém liga para o "splash!" provocado pela queda. Indiferente, o navio que passa segue viagem —que cada um cuide de si e Ícaro se dane.
O Bruegel da segunda fase, o indiferente ao sofrimento alheio, também ressurgiu em Gaza. Ele se materializou no quese-dane geral, no silêncio que acompanhou a procissão dos palestinos rumo a ruínas.
NB: (1) As fotos dos quadros de Bruegel (wikipedia) são por conta deste que vos fala.
(2) Principais obras de Pieter Bruegel, o Velho: Provérbios flamengos - 1559, A luta entre Carnaval e Quaresma - 1559, Jogos para crianças - 1560, Paisagem com a queda de Ícaro - 1558, Triunfo da Morte - 1562, A queda dos anjos rebeldes - 1562, Dulle Griet - 1562, A Torre de Babel - 1563, A procissão para o calvário - 1564, As estações (1565), O dia sombrio - 1565, O retorno do rebanho - 1565, Os caçadores na neve - 1565, A terra de Cocanha - 1567
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Paul Newman aos trinta
Ele foi o mais longevo de uma geração que tinha Montgomery Clift, Brando, Dean e Steve McQueen
Ruy Castro, fsp, 01/02/2025
Paul Newman, um dos grandes de Hollywood, teria feito cem anos no dia 26 último. Paul Newman, cem anos! Não combina. Aos cem anos, o sujeito é levado a tomar sol sentado numa cadeira e com uma manta xadrez nas pernas. Eu sei, é só um clichê, e eu próprio tenho amigos que estão perto da marca e longe dessa descrição. Mas Paul Newman não foi feito para ter cem anos, e sim, sempre, trinta. Minha amiga Rita Kaufman, jornalista, me disse certa vez: "Se Paul Newman, aos trinta anos, tocasse o meu interfone pedindo para subir, eu já o receberia de baby doll."
Mas os trinta anos de Paul Newman sempre foram uma fantasia. Mesmo em seus primeiros e grandes papéis, como Billy the Kid em "Um de Nós Morrerá", o Brick de "Gata em Teto de Zinco Quente" (ambos 1958), o Eddie de "Desafio à Corrupção" (1961), o Chance de "Doce Pássaro da Juventude" (1962) ou o Hud de "O Indomado" (1963), já tinha deixado os trinta para trás. Aliás, quando fez seu primeiro filme para valer, "Marcados pela Sarjeta", em 1956, como o boxeur Rocky Graziano, já tinha 31.
Com alguns anos de diferença entre eles, Newman fez parte de uma geração única: Montgomery Clift, de 1920; Marlon Brando, de 1924; ele, de 1925; Steve McQueen, de 1930; e James Dean, de 1931. Todos estudaram teatro em Nova York com Lee Strasberg ou Stella Adler, todos fizeram o gênero "rebelde" em Hollywood e, na tela, todos usavam os mesmos truques: mãos nos bolsos de trás, queixo enterrado no peito, longos silêncios antes de falar e uma dicção abafada, como se falassem com as gengivas.
No cinema ou no teatro, Brando herdou papéis de Clift, Dean herdou papéis de Brando, Newman herdou papéis de Dean, e McQueen, que não herdou papéis de ninguém, devia sofrer horrores ao ver seus colegas consagrados enquanto ele ainda filmava besteiras, como "A Bolha Assassina", de 1958, e custava a estourar.
Newman foi, disparado, o mais longevo. Trabalhou até morrer, em 2008, com 83 anos. E, de alguma forma, era como se ainda tivesse trinta.
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Florestania
Aulas online em aldeias não levam em conta diversidade de etnias
Ensino a distância no Pará, com mais de 50 povos indígenas, pode ser fagulha a incendiar sonho do governo com COP30
Ailton Krenak, fsp, 01/02/2025
A COP30 na Amazônia já começou para os povos indígenas que estão mobilizados em Belém. Acampados há mais de duas semanas ocupando a Secretaria de Educação, assim como bloqueando rodovias que cortam seus territórios, os indígenas expõem a falta de cuidado do governo desse estado que, em breve, receberá milhares de visitantes ilustres no maior evento dedicado à discussão global do clima.
O tema, aliás, nos toca a todos, sujeitos a enchentes e inundações, tal como ocorre na capital paulista nesses dias, ou a incêndios nunca antes vistos, como o que apavorou a Califórnia recentemente. Os governos estão desorientados quanto a medidas que possam equipar nossas cidades diante dos imprevistos que ocorrem de norte a sul, sem aviso que permita acionar sistemas de proteção e defesa.
Cidades inteiras são paralisadas diante dos eventos climáticos, e isso deveria interessar a cada um de nós, além dos governos. Belém é uma cidade transtornada por canteiros de obras, que corre para terminar as instalações que deverão receber a COP30 —construções de ferro e concreto na capital que bem poderia ser, ela própria, um modelo de florestania, termo que define a condição cidadã para os povos da floresta.
Florescidade e florestania são conceitos que surgem a partir da experiência de décadas de organização das comunidades extrativistas, indígenas e ribeirinhas para resistir à ocupação das últimas florestas onde essas populações têm seus modos de vida estabelecidos.
Organizadas em regiões do Acre, Amazonas, Pará e Amapá, lograram garantir milhares de hectares de áreas cobertas por florestas, algumas demarcadas como terras indígenas ou Rexex (reserva extrativista), criando assim a condição de garantia onde uma economia local sustenta a vida de milhares de famílias dentro da floresta.
Animadas pelo sonho de Chico Mendes, as reservas extrativistas resistem às tentativas de esvaziamento de ações como pesquisa e apoio à permanência de seus jovens dentro da floresta. Ofertar ensino de qualidade para as novas gerações é uma das demandas constantes dessas comunidades. Promover políticas públicas voltadas à saúde e educação, nessas localidades, é tarefa dos governos municipais, mas também da esfera estadual e do governo federal.
Florestania é a condição cidadã da floresta, estabelecida como conquista de novos direitos por comunidades historicamente excluídas da vida pública brasileira. O país e a língua se descuidam do trato respeitoso com sua população, também "cidadãos" da floresta.
Um exemplo disso é a desnecessária crise na relação com as redes de escolas em aldeias e vilas ribeirinhas e quilombolas, promovida pelo governo do Pará. Atendidas em sistema presencial, com professores em sala de aula, esse sistema modular de ensino indígena está sendo reduzido à oferta de ensino a distância.
Obra de ampliação da rua da Marinha, em Belém fotos
O governador e seu secretário de educação estão sendo confrontados pelo movimento indígena, que não aceita a substituição de aulas presenciais por aulas online nas aldeias e ganhou o apoio de professores, de movimentos sociais e da sociedade civil.
É uma fagulha que pode incendiar o sonho do governo do Pará — e também de Brasília— quanto à realização dessa que deve ser a mais importante reunião de chefes de Estado na Amazônia.
A participação dos povos da floresta na COP30 é esperada por todas as organizações internacionais voltadas à questão das mudanças climáticas. Uma das razões da escolha dessa capital para receber o evento é sua proximidade com as áreas naturais, seus rios e suas florestas habitados por povos originários, com seus modos de vida e conhecimentos tradicionais do bioma amazônico.
Lideranças destacadas dessas comunidades da floresta, presentes em todas as Conferências do Clima e que pautaram o debate da COP30, podem ser agora a pedra no caminho de Helder Barbalho (MDB), grande beneficiário da escolha dessa capital amazônica para receber o mais importante debate sobre mudanças climáticas do planeta.
Os povos indígenas querem preservar a experiência do ensino escolar nas centenas de endereços educacionais das aldeias, para mais de 50 etnias, com seus próprios fundamentos pedagógicos de uma educação diferenciada.
Diante da ameaça de substituição das aulas presenciais por videoaulas, na nova modalidade proposta pelo atual secretário, a ativista Alessandra Korap, do povo munduruku, explica: "O estado do Pará tem vários povos, mais de 50 povos indígenas. Imagine uma TV falando uma língua e os alunos não entendendo o que o professor está falando na TV. Aulas online não servem para a gente porque muitos alunos não falam português". Para Korap, "isso é violação de direitos, violação de nossa cultura. Isso é muito grave".
Região do porto de Outeiro, previsto para navios da COP30, tem casas sem esgoto fotos
A mobilização, iniciada pelos indígenas, já reúne muitos representantes da sociedade paraense, com os professores e os servidores aderindo à luta por respeito e autonomia na educação escolar. Cada vez mais, a sociedade se dá conta de que a mudança no sistema de ensino não irá ficar restrita aos povos indígenas, mas entende que todos os povos da floresta serão afetados.
O filme "Amazônia, a Nova Minamata?" , de Jorge Bodanzky, tem a inconfundível voz de Alessandra Korap denunciando a tragédia que as invasões garimpeiras levaram à região do Tapajós, agravando a situação de ameaças em que vivem os ribeirinhos e as aldeias indígenas, agora com seus rios e lagos contaminados por mercúrio.
São as vozes da floresta que denunciam a destruição do bioma e, hoje, também a desestruturação do sistema de ensino, fundamental para a formação de lideranças de uma nova geração consciente da necessidade de se mudar a relação que temos com a floresta para que essa seja de reciprocidade.
Os enfrentamentos sobre o nosso futuro comum, que deverão ocorrer durante a COP30, já começaram em Belém.
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Matar a morte
Identidades mortas a caminho
Esse fascínio atemorizado pela morte decorre de uma alergia à vida, por um mal-estar civilizatório insuperável
Muniz Sodré, fsp, 01/02/2025
A maior preocupação da plutocracia que acaba de chegar ao poder com Trump é hoje a imortalidade. Jeff Bezos, da Amazon, pesquisa o elixir da juventude, enquanto Sergey Brin e Larry Page, donos da Google, concentram-se numa startup ("Calico") cujo objetivo é "matar a morte". Mas há colaterais de menor porte: movidos por achados arqueológicos, cientistas vêm se declarando prontos para ressuscitar animais extintos, do mamute ao pássaro dodô. O DNA das fezes e do vômito de dinossauros é o caminho técnico.
O dodô existia até o século 17 nas ilhas Maurício, no Índico, desaparecendo 100 anos após a chegada dos humanos. Anacronismo vivo, semelhante a um pombo de um metro de altura, tinha asas, mas não voava, não tinha medo de humanos, nem sequer de marinheiros esfomeados. Foi caçado até o último exemplar, mas ficou como símbolo da indiferença suicida. Ressuscitar o extinto é só uma variável dos projetos de extinção da morte.
O documentário "Eternal you" mostra a IA simulando conversas de vivos com mortos. Mas o passado projeta-se também para iluminar aspectos obscuros de identidades culturais presentes. É que, em matéria de evolução, não existe escala única como padrão hierárquico para os diversos modos de existência. Técnicas e objetos sempre foram vetores de energia em culturas tradicionais, como entre os europeus, com o diferencial do grau de desenvolvimento das forças produtivas. O que era sagrado e festivo perdeu a vez para o mercantilismo.
É preciso, assim, distinguir formas holísticas de vida nas sociedades tradicionais das formas mortas que rondam a atualidade. Hoje se assiste a uma mutação radical na espécie humana, em que são convergentes criação orgânica e criação artificial: tecnologia não é mais um outro do humano, é também o seu constituinte. São metamorfoses que ainda não se medem cientificamente, mas podem ser sentidas no cotidiano.
Ou assustadoras sob formas caóticas. Uma delas é a obsessão com identidades mortas, tematizadas no imaginário como mortos-vivos, infecciosos e mortíferos. Fantasias do medo radical, que é o medo da morte. E a solução fantasiosa para a ameaça é sempre o emprego de armas, cada vez mais criativas e poderosas. Coisa natural para os americanos, cuja cidadania está ancorada no passado miliciano da independência e da guerra civil. Arma virou agora fonte de identidade. No Natal, pais deram pistolas verdadeiras de presente a crianças de seis anos.
Esse fascínio atemorizado pela morte decorre de uma alergia à vida, por um mal-estar civilizatório insuperável, já que a prosperidade predatória é outra face da morte do planeta. A Constituição americana consagra o direito individual de busca da felicidade, mas o país é sem alegria real, pois alegria ensina que felicidade é comunhão de vida. Importam apenas negócios e, agora, esperança de futuro em Marte com o homem imortal, o cyborg, pesquisado por Musk. Vale perguntar o que nós mortais temos a ver com isso. Nada, responderia o bom senso. Mas a ultradireita sempre encontrará nas redes o vômito de algum dinossauro político para o DNA da mistificação. Por isso é bom ter em mente que, no regime "imperial libertário" tramado pelos plutocratas, democracia é o pássaro dodô da vez.
Saiba que empresários de big techs compareceram à posse de Trump nos EUA
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'Ainda Estou Aqui' aborda ditadura militar com suavidade apolítica
Direção de Walter Salles cruza microcosmo familiar com cenário político, mas insiste em caminhar pela procura de conciliações
Mas não se pode fugir de seu temperamento, (Walter Salles ) que não parece o melhor para fazer esse tipo de filme.
Inácio Araujo, fsp, 06/11/2024
Ainda Estou Aqui *** de cinco
Quando Estreia nos cinemas em 07 de novembro, Classificação 14 anos, Elenco Fernanda Torres, Fernanda Montenegro e Selton Mello, Produção Brasil, 2024
Toda vez que o cinema de Walter Salles deriva para um tema ou personagem direta ou indiretamente político, sua delicadeza tende a levar esse tema para uma esfera curiosamente apolítica.
Aconteceu assim com Che Guevara, por exemplo. Tratando da formação do futuro revolucionário, nos introduz a sua viagem de motocicleta por países da América Latina. No entanto, é difícil (talvez impossível) conectar sua peregrinação, frequente naquele momento, com o que ele viria a se tornar.
Tratando do sequestro, tortura, assassinato e morte do ex-deputado Rubens Paiva por militares do exército brasileiro, sua delicadeza o leva a colocar a ênfase seja no heroísmo de Eunice, mulher de Rubens Paiva, seja no destino familiar, desmantelado pelo desaparecimento do seu chefe, e reconstruído graças à atividade da viúva.
A construção do roteiro indica boa parte desse percurso. O que vemos, no início, é uma família de classe média alta que podemos tanto chamar de feliz quanto de "normal". O pai engenheiro ocupa-se dos negócios da casa; a mãe ocupa-se dos filhos, que por sua vez estudam e/ou se divertem na praia e com os amigos.
Esse cenário idílico transforma-se do dia para a noite, com a prisão de Rubens. Entendemos que toda a narrativa se constrói do ponto de vista da mulher, Eunice, e pode-se aceitar que fosse completamente alheia às atividades políticas do marido.
Por um instante, a iluminação parece nos jogar em um filme de terror: o que aconteceu com Rubens, quando voltaria, etc. A situação não se suaviza, mas passa por uma estabilização no instável. Nada como ter um carro vigiando seus movimentos e sua casa o tempo todo!
Confira cenas do filme 'Ainda Estou Aqui', de Walter Salles
É a partir daí que Eunice se notabiliza, seja por administrar a situação dos filhos, seja por buscar informações sobre o marido. É quando descobre, conversando com um amigo dele, que Rubens não era tão apolítico quanto parecia.
O ex-deputado fazia um trabalho de apoio aos guerrilheiros —e aparentemente apenas isso—, como tantas outras pessoas fizeram. O que justificou o seu sequestro foi, portanto, o fato de ser um personagem importante da oposição ao golpe de 1964, quando era deputado. Sua prisão não foi um acaso, nem foi a prisão de um "inocente". Elas existiram. A eventual inocência de Paiva não está em questão no filme, e sim as decorrências do sequestro.
Essa despolitização dos acontecimentos, que prosseguirá na medida em que a política é praticamente alijada do filme, embora passe a fazer parte importante na vida de Eunice, não se deve a uma opção por mascarar os fatos mais violentos daquele período. Longe disso. O filme ainda introduz alguns elementos de clara acusação dos responsáveis. O mais evidente é o retrato do então presidente Garrastazu Medici. O segundo, mais humano, é do soldado que confessa a Eunice não concordar com aquilo —a tortura—, em uma maneira de dizer que os responsáveis não são os soldados, mas os que mandam neles.
O caráter ambíguo do filme, que chama para um tema político e termina tocando um assunto familiar me parece que se deve ao temperamento delicado de seu realizador. Por mais atroz que sejam os acontecimentos que tenha em mãos, é sempre para uma suave conciliação que o filme caminha.
Salles fez o filme que quis, com toda precisão possível, abordando um fato político com ressonância histórica. Não foi infiel ao tema, não dirigiu mal seus atores ou técnicos. Mas não se pode fugir de seu temperamento, que não parece o melhor para fazer esse tipo de filme.
Nesse sentido, é bem evidente que "Central do Brasil", um filme da regeneração nacional, continua a ser o trabalho que melhor representa o seu diretor.
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As armadilhas do aparente consenso em torno de 'Ainda Estou Aqui'
Em tom reverente, jornal entra no oba-oba dos prêmios e deixa divergência em segundo plano
Alexandra Moraes - Ombudsman, fsp, 01/02/2025
Os jornais, a Folha em especial, devem ser o espaço do contraditório. Se não por princípios, por sobrevivência. Parece mais interessante, porém, que o sejam por princípios.
A Folha tem o contraditório entre seus princípios editoriais. O jornal "declara compromisso" com o cultivo da "pluralidade na composição da Redação e no conteúdo veiculado pelo jornal, seja ao divulgar um amplo espectro de opiniões de diferentes atores sociais, seja ao focalizar mais de um ângulo da notícia". Além de praticá-lo, é preciso mostrá-lo.
A ideia elementar de que toda história deve ser contada de mais de um ponto de vista vem encontrando dificuldade em se consolidar num caso específico e aparentemente banal: o do oba-oba ao redor do filme "Ainda Estou Aqui".
A produção, não resta dúvida, coleciona grandes feitos que devem ser bem noticiados: amealha espectadores, ganha prêmios como o Globo de Ouro para Fernanda Torres e indicações ao Oscar, conquista críticos, toca em feridas coletivas a partir de um drama particular.
Como toda obra, porém, ela acaba submetida a avaliações. Na Folha, a ovação prevaleceu. O jornal também demorou a narrar a ciranda de cancelamentos contra quem quer que emitisse críticas negativas ao filme nas redes sociais. Não foi por falta de aviso: ainda em novembro, mês da estreia, a colunista Mariliz Pereira Jorge alertado sobre o fenômeno.
Um caso que se tornou emblemático foi o do sociólogo e youtuber Thiago Torres, que usa nas redes o apelido Chavoso da USP. Com mais de 420 mil seguidores na plataforma de vídeos, compartilhou a perspectiva de alguém a quem a obra não havia emocionado.
As reações ao vídeo viraram linchamento virtual. O nível de animosidade na discussão poderia por si só ter sido objeto de apuração. Mas custou a virar assunto no jornal, que noticiou o fenômeno apenas nesta semana, depois dos ataques em massa ao Le Monde por sua crítica negativa ao filme, à atriz Karla Sofía Gascón, concorrente de Fernanda Torres no Oscar, e a qualquer um que fosse visto como potencial puxador do tapete vermelho virtualmente estendido para o filme.
Com a demora e o desequilíbrio, o jornal perde a oportunidade de estimular o debate em vez de se acomodar na arquibancada com a torcida. Não se trata meramente de "detonar" o filme (foi usando esse verbo que a Folha definiu o que fez o Le Monde), mas de discutir nuances e pontos de vista, de abrir espaço para interpretações e leituras que desafiem consensos.
Outros produtores de conteúdo que criticaram o filme também foram hostilizados. Thiago Guimarães, do canal OraThiago (143 mil seguidores no YouTube), relata com bom humor que comentaristas revoltados com suas observações sugeriram que ele "se churrascasse", em referência a uma das expressões usadas nas redes para substituir "suicídio".
Apesar de elogios ao filme em sua avaliação feita na plataforma Letterboxd, ele conta que o estopim para os ataques foi o fato de ter dado nota três ao filme. Três de um máximo de cinco.
Em comum, essas críticas chamam ao centro do debate feridas sociais que não somem com boas intenções. Nas reações a elas, sobressai a ideia de que o filme é apenas a história de uma família —e que portanto não teria espaço para elaborações mais profundas sobre racismo ou manutenção da brutalidade do Estado contra grupos sociais específicos (o que a própria história da protagonista parece desafiar).
Essa discussão era uma das que poderiam ter tido lugar amplo e controverso no jornal. Mas ele a entrega de bandeja às plataformas digitais — que em outras oportunidades já levaram embora parte da receita com anúncios.
Houve espaço, na Folha, para críticas abertamente negativas através de personagens caricatos (como em "Mario Frias diz que ‘Ainda Estou Aqui’ é ‘peça de propaganda e desinformação comunista"). O dissenso saudável, porém, ficou mais apagado.
As avaliações menos condescendentes têm sido poucas e pouco exploradas (o crítico Inácio Araujo, que também deu três estrelas à produção, e o colunista Gustavo Alonso fizeram as honras da casa), frequentemente com títulos pouco convidativos.
Coube ao blog Sons da Perifa oferecer ao leitor algo das ideias que causaram escândalo nas redes. Mas o texto foi ao ar em 30 de dezembro, já entre os fogos do Réveillon.
A discordância deve ser natural para mercadores de ideias como são os sites noticiosos e jornais, mas requer bem mais do que certezas opostas. Como dizia o verso de abertura da outrora popular "Dança do Créu" (2009), tem que ter disposição.
Também acho natural que esse sentimento não seja unanimidade. Qualquer produção artística toca de forma singular a audiência. Para mim, "A Substância", para usar um exemplo atual, é uma obra-prima, enquanto causou apenas repulsa em outros que estiveram nos cinemas. Portanto, parece razoável que alguém tenha considerado o filme de Walter Salles apenas mediano ou que tenha avaliado como nulas as chances na premiação mais badalada do mundo. (Mariliz Pereira Jorge)
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Copa do Brasil 2025
Copa do Brasil: veja tabela detalhada da primeira fase
CBF divulga datas, locais e horários das partidas iniciais da competição, que estreia no dia 18 de fevereiro com Tocantinópolis x Atlético-MG
Por Redação do ge — Recife, 09/02/2025
A CBF divulgou neste domingo a tabela detalhada da primeira fase da Copa do Brasil, com datas, locais e horários das partidas iniciais da competição nacional. Os confrontos ocorrem nos dias 18, 19 e 20, além de 25, 26 e 27 de fevereiro.
Nesta fase inicial, 80 clubes disputam a classificação em 40 partidas eliminatórias, realizadas em jogo único. O mando de campo pertence à equipe com pior posição no Ranking Nacional de Clubes. Os duelos foram definidos por sorteio na última sexta-feira, no Rio de Janeiro.
A segunda fase também é em jogo único. Em caso de empate, disputa da classificação nos pênaltis. Na terceira fase, os duelos serão definidos por sorteio, uma vez que doze equipes entram na competição: Botafogo, Palmeiras, Fortaleza, Internacional, Paysandu, Flamengo, CRB, Santos, São Paulo, Corinthians, Bahia e Cruzeiro.
Confira as partidas
18 de fevereiro (terça-feira)
19:00 | Tocantinópolis-TO (0 x 2) Atlético-MG | João Ribeiro, Tocantins-TO
21:30 | União Rondonópolis-MT (0 x 3) x Vasco | Luthero Lopes, Rondonópolis-MT
19 de fevereiro (quarta-feira)
19:00 | Santa Cruz-RN (0 x 4) x Náutico | Frasqueirão, Natal-RN
19:30 | Tuna Luso-PA (1 x 0) x Sampaio Corrêa | Francisco Vasques, Belém-PA
19:30 | São Raimundo-RR (1(1) x 1(4)) Grêmio | Canarinho, Boa Vista-RR
19:30 | Trem-AP (0 x 2) Brusque-SC | Zerão, Macapá-AP
19:30 | Boavista-RJ (0 x 2) CSA | Elcyr Resende, Saquarema-RJ
20:00 | CSE-AL (1 x 3) Tombense-MG | Juca Sampaio, Palmeira dos Índios-AL (26/02/25)
20:00 | Porto Velho-RO (0(4) x 0(3)) Cuiabá | Aluízio Ferreira, Porto Velho
20:00 | Capital-DF (0(5) x 0(3)) Portuguesa-RJ | JK Paranoá, Brasília-DF
21:00 | Independência-AC (1(2) x 1(4)) Manaus | Arena da Floresta, Rio Branco-AC
21:30 | ASA-AL (1(5) x 1(6)) Atlético-GO | Coaracy da Mata, Arapiraca-AL
21:30 | Sergipe (0 x 2) Ceará | Batistão, Aracajú-SE
20 de fevereiro (quinta-feira)
20:00 | Rio Branco V. Nova-ES (0((5) x 0(3)) Amazonas | Kleber Andrade, Cariacica-ES
21:30 | Olaria (1 x 0) ABC | Moça Bonita, RJ
25 de fevereiro (terça-feira)
19:00 | Maranhão (0 x 1) EC Vitória BA | Castelão, São Luís-MA
19:30 | Maringá-PR (1 x 0) Juventude | Willie Davids, Maringá-PR
19:30 | Barcelona-BA (1 x 2) Athletic-MG | Waldomiro Borges, Jequié-BA
20:00 | Operário-MS (0 x 1) Criciúma | Jacques da Luz, Campo Grande-MS
21:30 | Pouso Alegre-MG (0 x 2) Athletico PR | Manduzão, Pouso Alegre-MG
21:30 | Operário VG-MT (0(4) x (0(2)) Sport Recife | Arena Pantanal, Cuiabá-MT
26 de fevereiro (quarta-feira)
16:00 | Dourados-MS (0 x 2) Caxias-RS | Douradão, Dourados-MS
19:00 | Guarany-RS (2 x 1) Altos-PI | Estádio Antônio Magalhães Rossel, Bagé-RS
19:00 | Parnahyba-PI (0 x 5) Confiança-SE | Pedro Alelaf, Parnahyba-PI
19:00 | FC Cascavel-PR (1 x 0) América-MG | Olímpico Regional, Cascavel-PR
19:30 | Jequié-BA (1 x 2) Retrô-PE | Waldomiro Borges, Jequié-BA
19:30 | Grêmio Sampaio-RR (0 x 4) Remo-PA | Canarinho, Boa Vista-RR
19:30 | Votuporanguense-SP (2(4) x 2(5)) Aparecidense-GO | Arena Plínio Marin, Votuporanga-SP
19:30 | Águia de Marabá-PA (0 x 8) Fluminense | Mangueirão, Belém-PA
20:00 | Barcelona-RO (1 x 4) Nova Iguaçu-RJ | Estádio Aluízio Ferreira, Porto Velho-RO
20:00 | Maracanã-CE (1(5) x 1(4)) Ferroviário-CE | Domingão, Horizonte-CE
20:00 | União-TO (4 x 2) América-RN | Mirandão, Araguaína-TO
20:00 | Oratório-AP (1 x 3) São José-RS | Zerão, Macapá-AP
21:00 | Humaitá-AC (0(1) x 0(3)) Operário-PR | Arena da Floresta, Rio Branco-AC
21:30 | Concórdia-SC (2 x 1) Ponte Preta-SP | Domingos Machado, Concórdia-SC
27 de fevereiro (quinta-feira)
19:00 | Ceilândia-DF (2(4) x 2(2)) Coritiba | Abadião, Brasília-DF
20:00 | Portuguesa-SP (1(3) x 1(4)) Botafogo-PB | Canindé, São Paulo-SP
20:00 | Rio Branco-ES (1 x 3) Novorizontino-SP | Kleber Andrade, Cariacica-ES
21:30 | Sousa-PB (1(4) x 1(5)) Red Bull Bragantino-SP | Marizão, Sousa-PB
21:30 | Inter de Limeira-SP (0(6) x 0(7)) Vila Nova-GO | Major Levy Sobrinho, Limeira-SP
Veja os confrontos da segunda fase da Copa do Brasil 2025
Atlético-GO x Retrô
Tuna Luso x CSA
Vasco x Nova Iguaçu
Operário-PR x Tombense
Athletico-PR x Guarany de Bagé
Ceilândia-DF x Maracanã-CE
Porto Velho x Capital
Ceará x Confiança-SE
Maringá x União Tocantinópolis
Concórdia-SC x Botafogo-PB
Grêmio x Athletic-MG
Vitória x Náutico
Red Bull Bragantino x São José-RS
Criciúma x Remo
Cascavel-PR x Aparecidense-GO
Vila Nova x Rio Branco de Venda Nova
Atlético-MG x Manaus
Brusque x Olaria
Fluminense x Caxias
Operário Vargem Grande x Novorizontino
4 de março, terça-feira
Aparecidense-GO 1 x 0 FC Cascavel-PR Annibal Batista de Toledo, Aparecida de Goiânia-GO
Quarta-feira, 05/03
19h - Caxias 1 x 2 Fluminense Francisco Stédile - Centenário, Caxias do Sul, RGS
19h30 - Atlético-MG 4 x 1 Manaus, Mineirão, Belo Horzonte-MG
21h30 - Nova Iguaçu 0 x 3 Vasco Nilton, Santos Nilton Santos
Quinta-feira, 06/03
19h30 - Maringá 4 x 2 União-TO, Estádio Regional Willie Davids, Maringá-PR
21h30 - Olaria 1 x 2 Brusque-SC, Estádio Luso Brasileiro (Estádio dos Ventos Uivantes), Ilha do Governador, Rio de Janeiro-RJ
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