Ultradireita avança, mas centro mantém liderança no Parlamento Europeu
Projeções indicam que o Partido Popular Europeu deve conquistar maior número de assentos no Legislativo da UE
Michele Oliveira, FSP, 09/06/2024
O bloco de centro, formado por centro-direita, centro-esquerda e liberais, deverá manter a maior quantidade de assentos do Parlamento Europeu, segundo as projeções divulgadas pela própria Casa. Os números indicam que os grupos de ultradireita devem conquistar mais espaço, mas sem desbancar a atual maioria.
De acordo com a última projeção divulgada, o Partido Popular Europeu (EPP, na sigla em inglês), de centro-direita, deverá conquistar 189 cadeiras, nove a mais que em 2019, e permanecerá como o maior grupo do Legislativo.
O segundo maior vencedor devem ser os socialistas (S&D), de centro-esquerda, que poderão obter 135 assentos, em queda de 19 vagas em relação a cinco anos atrás. Em terceiro, ficam os liberais do Renew, que perderam 25 cadeiras em cinco anos e devem ficar com 83 assentos.
Os três são as maiores forças de apoio da atual presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que faz parte do EPP e tenta a reeleição. No total, essa coalizão poderá somar 409 cadeiras, garantindo em teoria uma maioria relativamente confortável do total de 720 assentos.
No entanto, a hegemonia do centro pode ser abalada pelo crescimento da ultradireita. O grupo dos Conservadores e Reformistas (ECR), liderado pela primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, deve conquistar 72 vagas, alta de 9 em relação a 2019.
Outro representante de peso da ultradireita, o Identidade e Democracia (ID), que inclui o partido da francesa Marine Le Pen, deve ficar com 58 cadeiras. Semanas antes da votação, o grupo expulsou a sigla alemã de extrema direita Alternativa para a Alemanha (AfD), o que havia diminuído o tamanho da bancada inicial de 2019 de 73 para 49.
O bom desempenho de Le Pen causou um terremoto na política francesa, levando o presidente Emmanuel Macron, que obteve menos da metade do percentual da adversária, a dissolver a Assembleia Nacional e convocar eleições antecipadas para o Legislativo francês.
Juntas, as bancadas de Meloni e Le Pen podem somar 128 cadeiras, o que as posicionaria em pé de igualdade com os socialistas. Também poderiam atrair o apoio de políticos do mesmo espectro, como o húngaro Viktor Orbán, que não pertence hoje a nenhum grupo e ficou em primeiro em seu país, com 43,7%, conquistando dez cadeiras.
Especialistas, no entanto, apontam que a união de forças na ultradireita pode esbarrar em divisões internas, especialmente em relação ao entendimento de como trabalhar com as instituições da UE e em temas de política externa, como a Guerra na Ucrânia.
"Nenhuma maioria poderá ser formada sem o EPP. Nós iremos construir um bastião contra os extremos da esquerda e da direita", disse Von der Leyen, ao comentar os resultados. Em busca de ampliar seu apoio no Parlamento, ela pode buscar alianças, mesmo que informais, com o grupo de Meloni, que tem adotado atitude pragmática em relação à UE, depois de sustentar um discurso eurocético no passado.
Uma derrota expressiva foi sofrida pelos Verdes, cuja bancada deverá diminuir em cerca de 21 unidades, indicando o enfraquecimento da onda verde que marcou a votação anterior.
Desde a última quinta (6) e até este domingo (9), cerca de 373 milhões de europeus estavam aptos a votar nos 27 países que formam a União Europeia. A definição das 720 cadeiras é proporcional ao tamanho da população de cada país. Alemanha (96), França (81), Itália (76), Espanha (61) e Polônia (53) são os que elegem mais eurodeputados.
Com sede em Estrasburgo, na França, e em Bruxelas, na Bélgica, o Parlamento Europeu é a única instituição do bloco que tem eleição direta. Junto com os governos dos países-membros, tem como funções a negociação e aprovação de leis que são aplicadas aos cerca de 450 milhões de cidadãos.
Os eurodeputados aprovam o orçamento da UE e o nome do presidente da Comissão Europeia, braço executivo do bloco. Temas importantes para os próximos cinco anos serão o reforço e uma maior integração na área da defesa, o financiamento da transição verde e o alargamento do bloco.
Após a confirmação dos resultados finais, os grupos políticos se reunirão no Parlamento para a formação das bancadas. Os encontros estão previstos para ocorrer entre 18 de junho e 3 de julho. Cada grupo deve reunir ao menos 23 integrantes e representantes de ao menos sete países.
A nova legislatura deve ter início no meio de julho, quando o novo presidente da Casa deve ser eleito. O cargo é ocupado hoje pela maltesa Roberta Metsola (EPP). Embora as negociações informais já estejam em andamento, a primeira reunião oficial do Conselho Europeu, que reúne os governantes dos 27 países, está marcada para 17 de junho, em que serão debatidos candidatos para a presidência da Comissão Europeia e do próprio Conselho.
Caso Von der Leyen seja escolhida pelo Conselho, seu nome deverá ser aprovado em votação secreta pelo Parlamento, prevista para ocorrer até a metade de setembro.
Na Europa, direita radical é ascendente e preocupa projeto de integração
Fernanda Magnotta, UOL, 10/06/2024
As eleições do Parlamento Europeu em 2024 marcaram um momento decisivo, refletindo uma inclinação acentuada para a direita no espectro político europeu. Este fenômeno não se restringe a países específicos; em nações como França e Alemanha, a ascensão de partidos de extrema-direita e o declínio dos centristas redefinem o cenário político e impactam diretamente a economia, afetando o euro e os mercados de ações.
Na França, a resposta de Emmanuel Macron aos resultados eleitorais foi dissolver a Assembleia Nacional e convocar novas eleições, uma medida drástica após a derrota para o RN ("National Rally"). Na Alemanha, o chanceler Olaf Sholz e seu Partido Social-Democrata também enfrentaram um revés significativo, cedendo espaço para a AfD ("Alternativa para a Alemanha"), de extrema-direita. Contrastando com esses desafios, Ursula von der Leyen, Presidente da Comissão Europeia, viu seu PPE ("Partido Popular Europeu") ganhar mais assentos, fortalecendo sua posição para negociações futuras.
A ascensão da direita na Europa sinaliza potenciais mudanças nas políticas da União Europeia, desde políticas climáticas progressistas até questões de migração, apontando para um endurecimento das posturas em diversos temas. Além disso, a polarização política é apenas um entre muitos desafios contemporâneos que moldam o papel e a identidade europeus no cenário global, incluindo imigração, separatismo, e as tensões de segurança intensificadas pela guerra na Ucrânia e a crise no Oriente Médio.
Esta nova configuração política não é isolada. Exemplos variam, nos últimos anos, desde a Suíça, onde o SVP ("Partido Popular Suíço") liderou eleições com políticas restritivas à imigração, até a Hungria, onde Viktor Orban promove um nacionalismo exacerbado por meio do que chama de "democracia iliberal". Na Dinamarca, o impacto da ultradireita moldou uma coalizão centrista, enquanto na Áustria e Itália, partidos similares ganham suporte explorando o medo da imigração e a insatisfação com a União Europeia.
O futuro da União Europeia e a resposta aos seus desafios internos, como a assimetria econômica entre os estados-membros e fragmentação política, são cruciais para a coesão da região. A polarização, refletindo tensões que não ficam circunscritas ao bloco, evidencia uma luta pela definição do que a Europa "quer ser".
Navegar por esses desafios será vital não apenas para os países do continente, mas também para o equilíbrio de poder global e a estabilidade política internacional. Assim, as eleições do Parlamento Europeu servem como um termômetro essencial para medir não só a força da direita global, mas também os desafios significativos que o projeto europeu de integração deve enfrentar nos próximos anos.
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