O problema dos três corpos (vol. 1), A floresta sombria (vol. 2) e O fim da morte (vol. 3)
Posfácio, pelo autor Cixin Liu (p. 313, vol. 1)
Até hoje tenho nítida na memória uma noite da minha infância: eu estava do lado de um lago perto de um povoado no distrito de Luoshan, na província de Henan, onde várias gerações de meus antepassados haviam vivido. Estava cercado por muita gente, adultos e crianças. Juntos, estávamos olhando para o céu noturno sem nuvens, onde uma estrelinha minúscula deslizava sem pressa pelo firmamento escuro. Era o primeiro satélite artificial lançado pela China: Dongfanghong I (“O Oriente É Vermelho I”).
Era 25 de abril de 1970, e eu tinha sete anos.
Fazia treze anos desde que Sputnik havia sido lançado, e nove desde que o primeiro cosmonauta saíra da Terra. Fazia só uma semana desde que a Apollo 13 voltara de uma perigosa viagem à lua.
Mas eu não sabia de nada disso. Enquanto olhava aquela estrelinha voadora minúscula, meu coração se encheu de uma curiosidade e um anseio indescritíveis. E, tão nítida quanto essas emoções, minha memória registrou também a sensação de fome. Naquela época, a região em que ficava o meu povoado era extremamente pobre. A fome era uma companheira constante de toda criança. Eu até podia me considerar sortudo, porque estava com os pés calçados. Quase todos os meus amigos estavam descalços, e alguns dos pezinhos ainda não tinham terminado de cicatrizar as geladuras do inverno anterior.
Atrás de mim, a luz fraca de lamparinas de querosene vazava pelas frestas nas paredes dos casebres decadentes de palha — o povoado só foi receber eletricidade nos anos 1980.
Os adultos à minha volta disseram que o satélite era diferente de um avião porque voava fora da Terra. Na época, a fumaça e a fuligem das indústrias ainda não haviam poluído o ar, o céu estrelado estava muito limpo e dava para ver com clareza a Via Láctea.
Na minha cabeça, as estrelas que preenchiam o céu não estavam muito mais distantes do que o satélite voador minúsculo, então eu achava que ele voava entre elas. Até fiquei com medo de que ele batesse em uma quando passasse pelos aglomerados estelares densos.
Meus pais não estavam comigo, porque trabalhavam em uma mina de carvão a mais de mil quilômetros de distância, na província de Shanxi. Alguns anos antes, quando eu era ainda menor, a mina tinha sido uma zona de combate das guerras civis entre as facções da Revolução Cultural. Eu me lembrava do barulho de tiros no meio da noite, de caminhões passando cheios de homens com armas e braçadeiras vermelhas… Só que eu era muito pequeno naquela época e não sei se essas imagens são lembranças de verdade ou miragens criadas mais tarde. Mas uma certeza eu tenho: como a mina era muito insegura e meus pais tinham sido afetados pela Revolução Cultural, eles foram obrigados a me mandar para o vilarejo antigo da minha família em Henan. Quando eu vi Dongfanghong I, já estava morando lá havia mais de três anos.
Demorou mais alguns anos até eu entender a distância entre aquele satélite e as estrelas. Nessa época, eu estava lendo uma coleção famosa de livros básicos de ciência chamada Shi Wan Ge Weishenne [Cem mil por quês]. No volume sobre astronomia, aprendi o conceito de ano-luz. Antes, eu já sabia que a luz levava só um segundo para percorrer uma distância equivalente a sete vezes e meia a circunferência da Terra, mas nunca havia considerado a distância assustadora que algo poderia atravessar nessa velocidade durante um ano inteiro.
Imaginei um raio de luz passando pelo silêncio gelado do espaço a trezentos mil quilômetros por segundo, e foi difícil visualizar a vastidão e a profundidade arrepiantes. Senti um terror e um fascínio imensos e, ao mesmo tempo, fiquei com uma euforia quase narcótica.
A partir desse momento, percebi que eu tinha um talento especial: escalas e existências que eram muito superiores aos limites da percepção sensorial humana — tanto no nível macro quanto no micro — e que, para outras pessoas, pareciam só números abstratos, para mim ganhavam uma forma concreta. Eu conseguia encostar nelas, senti-las, assim como outros conseguiam encostar em árvores e pedras.
Até hoje, quando referências aos quinze bilhões de raio de anos-luz do universo e a “cordas” que são infinitamente menores que quarks já não significam muita coisa para a maioria das pessoas, os conceitos de ano-luz ou nanômetro ainda geram imagens vívidas e grandiosas na minha mente e despertam em mim um sentimento indescritível, religioso, de admiração e choque. Não sei se tenho sorte ou azar em comparação com a maior parte da população que não tem essa sensação. Mas, com certeza, essas emoções me transformaram, primeiro em um fã de ficção científica e, depois, em um escritor de ficção científica.
Naquele mesmo ano em que fiquei fascinado pela primeira vez pelo conceito de ano-luz, aconteceu uma enchente (conhecida como a Grande Enchente de Agosto de 1975) no meu vilarejo. Em um dia, choveu um volume recorde na região de Zhumadian, em Henan. Cinquenta e oito barragens de tamanhos variados cederam, uma atrás da outra, e 240 mil pessoas morreram no dilúvio subsequente. Pouco depois que as águas recuaram, voltei ao vilarejo e vi um cenário cheio de refugiados. Achei que estava olhando para o fim do mundo.
E assim, satélite, fome, estrelas, lamparinas de querosene, a Via Láctea, as guerras civis das facções da Revolução Cultural, um ano-luz, a enchente… todos esses elementos, aparentemente sem relação entre si, misturaram-se e formaram a primeira parte da minha vida, e também moldaram a ficção científica que escrevo hoje.
Na condição de escritor de ficção científica que começou como fã, eu não uso minha ficção como um modo mascarado de criticar a realidade do presente. Acho que o maior atrativo da ficção científica é a criação de diversos mundos imaginários fora da realidade. Sempre tive a impressão de que as melhores histórias da humanidade, as mais bonitas, não eram cantadas por bardos itinerantes, nem escritas por dramaturgos e romancistas, mas relatadas pela ciência. As histórias da ciência são muito mais magníficas, grandiosas, complexas, profundas, empolgantes, estranhas, aterrorizantes, misteriosas e até sentimentais, em comparação com as histórias contadas pela literatura tradicional. Só que essas histórias maravilhosas estão presas em equações frias que poucas pessoas sabem ler.
Os mitos de criação dos vários povos e religiões do mundo são ínfimos diante da glória do Big Bang. Os três bilhões de anos de história da evolução da vida desde moléculas capazes de se reproduzir até a civilização contêm reviravoltas e romances que vão muito além de qualquer mito ou épico. Existe também a visão poética do espaço e do tempo na relatividade, o mundo subatômico esquisito da mecânica quântica… Todas essas histórias maravilhosas da ciência exercem uma atração irresistível. Por meio da ficção científica, eu só pretendo usar o poder da imaginação para criar meus próprios mundos e apresentar a poesia da natureza nesses mundos, contar as lendas românticas que se desenvolveram entre o Homem e o Universo.
Mas não posso fugir e abandonar a realidade, do mesmo modo como não posso abandonar a minha sombra. A realidade impõe sobre cada um de nós sua marca indelével. Cada era prende grilhões invisíveis nas pessoas que as viveram, e eu só posso dançar com minhas correntes. Na ficção científica, muitas vezes a humanidade é descrita como um coletivo. Neste livro, um indivíduo chamado “humanidade” confronta um desastre, e tudo o que ele demonstra diante da existência e da aniquilação definitivamente tem origem na realidade que eu vivi.
O incrível da ciência é que, diante de certas configurações hipotéticas de mundo, ela é capaz de transformar aquilo que em nossa realidade é mal e sombrio em algo virtuoso e iluminado, e vice-versa. Este livro e as duas continuações tentam fazer exatamente isso, mas, por mais que a realidade seja distorcida pela imaginação, ela nunca desaparece.
Sempre achei que uma inteligência extraterrestre será a maior fonte de incerteza do futuro da humanidade. Outras grandes transformações, como mudanças climáticas e desastres ecológicos, têm certo processo de progressão e períodos inerentes de ajuste, mas o contato da humanidade com alienígenas pode acontecer a qualquer momento.
Talvez, daqui a dez mil anos, o céu estrelado diante da humanidade continue vazio e silencioso. Porém, talvez amanhã descubramos uma nave espacial alienígena do tamanho da lua orbitando o planeta. O aparecimento de uma inteligência extraterrestre vai obrigar a humanidade a confrontar o Outro. Antes disso, a humanidade como um todo nunca terá conhecido uma contraparte externa. O surgimento desse Outro, ou o mero conhecimento de sua existência, vai produzir impactos imprevisíveis em nossa civilização.
A ingenuidade e a bondade demonstradas pela humanidade diante do universo revelam uma contradição curiosa: na Terra, os seres humanos podem entrar em outro continente e, sem pensar duas vezes, destruir pela guerra e pela doença a civilização irmã que encontrarem. Mas, quando olham para as estrelas, eles ficam sentimentais e acreditam que, se inteligências extraterrestres existirem, devem ser civilizações dotadas de uma moral nobre, universal, como se valorizar e amar formas de vida diferentes fizessem parte de um código de conduta universal evidente.
Acho que devia ser exatamente o contrário: que a bondade que exibimos para as estrelas seja voltada para os membros da raça humana na Terra, e que sejam estabelecidas a confiança e a compreensão entre os diversos povos e civilizações que fazem parte da humanidade. Mas, para o universo além do sistema solar, deveríamos manter vigilância constante e estar preparados para atribuir as piores intenções a qualquer Outro que possa existir no espaço. Para uma civilização frágil como a nossa, sem sombra de dúvida esse é o meio mais responsável.
Como fã de ficção científica, minha vida foi moldada pelo gênero. Saber que diversos leitores agora podem apreciar meu livro me deixa ao mesmo tempo feliz e animado. A ficção científica é uma literatura que pertence a toda a humanidade. Ela descreve circunstâncias que interessam a todos e, portanto, deveria ser o gênero literário mais acessível para leitores de diversas nações.
Muitas vezes, a ficção científica descreve um dia em que a humanidade formará um todo harmonioso, e acredito que não será preciso esperar a vinda de extraterrestres para que esse dia possa chegar.
Cixin Liu (劉慈欣), 28 de dezembro de 2012
Cixin Liu, O problema dos três corpos, tradução: Leonardo Alves, 1ª edição, Suma, 2016 (316 páginas)
Sumário
Parte I - Primavera silenciosa
1. Os anos de loucura - China 1967 (p. 09)
2. Primavera silenciosa Dois ano depois, cordilheira Khingan (20)
3. Costa Vermelha I (35)
Parte II - Três corpos
4. Fronteiras da ciência - Mais de quarenta anos depois (45)
5. Uma partida de sinuca (58)
6. O franco - atirador e o criador de aves (63)
7. Três corpos: o rei Wen de Zhou e a longa noite (80)
8. Ye Wenjie (94)
9. O universo pisca (100)
10. Da Shi (108)
11. Três corpos: Mo Zi e chamas flamejantes (116)
12. Costa Vermelha II (126)
13. Costa Vermelha III (135)
14. Costa Vermelha IV (142)
15. Três corpos: Copérnio, Futebol universal e dia trissolar (147)
16. O problema dos três corpos (154)
17. Três corpos: Newton, Von Neumann, o primeiro imperador e Sizígia trissolar (169)
18. Encontro (184)
19. Três corpos: Einstein, o monumento do pêndulo e o grande rasgo (189)
20. Três corpos: expedição (198)
Parte III - O ocaso da humanidade
21. Rebeldes da Terra (203)
22. Costa Vermelha V (209)
23. Costa Vermelha VI (219)
24. Rebelião (225)
25. A morte de Lei Zhicheng e Wang Weining (230)
26. Ninguém se arrepende (234)
27. Evans (246)
28. Segunda base Costa Vermelha (254)
29. Movimento Terra - Trissolaris (256)
30. Dois prótons (260)
31. Operação Guzheng (266)
32. Trissolaris: o ouvinte (279)
33. Trissolaris: sófon (287)
34. Insetos (308)
35. Ruinas (311)
Posfácio (313)
Trechos do livro - vol. 1
Graças a esses dois sucessos, as opiniões de Pan Han a respeito de questões sociais tinham cada vez mais peso. Ele acreditava que o progresso tecnológico era uma doença da sociedade. A explosão do desenvolvimento tecnológico era análoga ao crescimento de células cancerígenas, e os resultados seriam os mesmos: o esgotamento de todas as fontes de nutrição, a destruição dos órgãos e, por fim, a morte do organismo. Ele defendia o fim de tecnologias nocivas, como combustíveis fósseis e energia nuclear, em favor da manutenção de tecnologias menos agressivas, como energia solar e energia hidrelétrica de pequena escala. Pan acreditava na descentralização gradual das metrópoles modernas mediante a distribuição mais eficiente das populações em cidades e vilarejos menores. Com base nas tecnologias mais avançadas, construiria uma nova sociedade agrícola. (vol. 1, p. 72)
...
“Certa vez o astrofísico soviético Nikolai Kardashev propôs uma possível divisão das civilizações em três tipos, com base na quantidade de energia que são capazes de dominar para… digamos que para propósitos de comunicação.
Uma civilização de Tipo 1 é capaz de manipular uma quantidade de energia equivalente à energia total produzida pela Terra. Com base nas estimativas dele, a produção energética da Terra é de cerca de 1015 a 1016 watts. Uma civilização de Tipo 2 pode dominar uma quantidade de energia equivalente à produção de uma estrela média: 1026 watts. Já a energia de comunicação de uma civilização de Tipo 3 pode chegar a 1036 watts, aproximadamente o mesmo que a produção energética de uma galáxia. A atual civilização da Terra corresponde a mais ou menos um Tipo 0,7, nem sequer um Tipo 1 completo. E as transmissões da Costa Vermelha consumiam apenas cerca de um décimo de milionésimo da quantidade de energia que a Terra era capaz de gerar. Nossa ligação era como um zumbido
de mosquito no céu. Ninguém ia escutar.”
— Mas, se as civilizações de Tipo 2 e 3 de Kardashev existem mesmo, nós
deveríamos ser capazes de escutar as mensagens delas.
— Nunca ouvimos nada durante os vinte anos de operação da Costa Vermelha.
— Entendo. Considerando a Costa Vermelha e o Seti, será que no fim das
contas todos os nossos esforços só provaram que, no universo inteiro, apenas a
Terra possui vida inteligente?
Ye suspirou de leve.
— Teoricamente, talvez nunca haja resposta definitiva para essa pergunta.
Agora, a minha impressão, e a de todo mundo que passou pela Costa Vermelha, é de que é isso mesmo. (pp. 143 e 144, vol. 1)
...
“De vez em quando, eu (Ye Wenjie) olhava para as estrelas depois de um turno à noite e
pensava que elas pareciam um deserto luminoso e que eu não passava de uma pobre criança abandonada nessa imensidão… Eu achava que a vida era realmente um acidente entre tantos acidentes no universo. O universo era um palácio vazio, e a humanidade, a única formiga no palácio inteiro. Esse tipo de pensamento me levou a passar a segunda metade da minha vida em dúvida: às vezes eu achava que a vida era preciosa e tudo era muito importante. Já em outros momentos eu achava que os seres humanos eram insignificantes e que nada valia a pena. Enfim, passei muitos dias acompanhada dessa sensação estranha e, quando vi, já estava velha…” (pp. 145 e 146, vol. 1)
...
A essa altura, eu (Wei Cheng) estava farto de tudo. Fiz as malas e fui para um templo
budista perdido nas montanhas em algum lugar no Sul da China.
Ah, não fui para virar monge. Preguiça demais para isso. Eu só queria ir morar por algum tempo em um lugar realmente pacífico. O abade lá era um velho amigo do meu pai — um grande intelectual, que se tornou monge depois de idoso. Pelo que meu pai me contou, na situação dele, era a única opção. O abade me convidou para ficar.
— Eu quero achar um jeito pacífico de deixar correr o resto da minha vida — respondi.
— Este lugar não é pacífico de verdade. Recebemos muitos turistas e também muitos peregrinos. Quem é realmente calmo consegue encontrar a paz até em uma cidade efervescente. Para alcançar esse estado, você precisa se esvaziar.
— Já sou bastante vazio. Fama e fortuna não significam nada para mim. Muitos monges neste templo são mais sofisticados do que eu. O abade balançou a cabeça e respondeu:
— Não, o vazio não é o nada. O vazio é um tipo de existência. Você precisa usar esse vazio existencial para preencher a si mesmo. (p. 157, vol 1)
...
* O movimento de três corpos, influenciado mutuamente pelas atrações gravitacionais de cada um, é um problema tradicional da mecânica clássica que surgiu como um questionamento natural no estudo da mecânica celeste. Muitos pensadores trabalharam nele desde o século XVI. Euler, Lagrange e pesquisadores mais recentes (com o auxílio de computadores) encontraram soluções para casos específicos do problema dos três corpos. Mais tarde, Karl F. Sundman provou a existência de uma solução geral para o problema dos
três corpos na forma de uma série convergente infinita, mas essa série converge a um ritmo tão lento que é praticamente inútil. (N. A.)
** Poincaré demonstrou que o problema dos três corpos apresentava uma dependência sensível em condições iniciais, algo que hoje consideramos que seja característica de um comportamento caótico. (p. 158, vol. 1)
...
Como astrofísica, Ye era extremamente contra armas nucleares. Sabia que esse poder devia pertencer apenas às estrelas. E sabia também que o universo tinha forças ainda mais terríveis: buracos negros, antimatéria e mais. Em comparação com essas forças, uma bomba termonuclear era só uma vela minúscula. Se os seres humanos dominassem qualquer uma daquelas forças, o mundo talvez fosse vaporizado em um instante. Diante da loucura, a
racionalidade era impotente. (p. 220, vol. 1)
...
Porém, nesse dia, Ye viu algo estranho com a forma de onda na tela. Até especialistas tinham dificuldade para identificar a olho nu se uma onda possuía alguma informação. Mas Ye estava tão acostumada com o ruído do universo que conseguiu perceber algo a mais na onda que se deslocava diante de seus olhos. O sobe e desce da curva fina parecia ter uma alma. Ye tinha certeza de que aquele sinal de rádio fora modulado por alguma inteligência. (p.221, vol. 1)
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Cixin Liu, A floresta sombria, tradução: Leonardo Alves, 1ª edição, Suma, 2017 (470 páginas)
Sumário
Prólogo ( p. 07)
Parte I - Barreiras
Ano 3, Era da Crise (21)
Parte II - O feitiço
Ano 8, Era da crise (173)
Ano 12, Era da crise (218)
Parte III - A floresta sombria
Ano 205, Era da crise (283)
Trechos do livro - vol. 2
A personagem viva
- Ela está viva, não é?
Ele (Luo Ji) assentiu com a cabeça e se sentou.
- Rong (Bai Rong), eu achava que a personagem de um livro era controlada pelo criador, que ela seria o que o autor desejasse e que faria tudo o que ele mandasse, que nem Deus faz com a gente.
- Ledo engano... - respondeu ela, levantando-se e começando a andar pelo quarto. - Agora você percebe que estava errado. Essa é a diferença entre um escritor e um artista. Uma criação literária atinge o nível mais alto quando as personagens ganham vida na mente do autor, que não tem nenhum controle e talvez nem consiga prever o gesto seguinte delas. O máximo que podemos fazer é observar, fascinados, e registrar os mínimos detalhes da vida das personagens, como um voyeur. É assim que nasce um clássico.
- Então, no fim das contas, a literatura é um ato de perversão.
- Era assim para Shakespeare, Balzac e Tolstói, pelo menos. As imagens clássicas que esses gênios criaram nasceram do ventre mental. Mas as pessoas que praticam literatura hoje em dia perderam essa criatividade. A mente delas só é capaz de gerar fragmentos arruinados e monstrengos, cujo cujos breves sopros de vida não passam de espasmos incompreensíveis destituidos de razão. Depois elas jogam todos esses fragmentos dentro de um saco e fecham com um rótulo de "pós-modernidade" ou "desconstrucionismo" ou "simbolismo" ou "irracionalidade". (pp. 77 e 78, vol. 2)
...
Eu me tornei a morte
- Eu me tornei a morte, o destruidor dos mundos! - exclamou Allen
- O que?! - Rey Diaz virou a cabeça de repente, como alguém tivesse disparado em suas costas.
- Oppenheimer proferiu essas palavras quando viu a primeira explosão nuclear. Acho que é uma frase do Bhagavad Gita.
O disco no leste se expandiu rapidamente, lançando uma teia dourada de luz sobre a Terra. O mesmo Sol estava presente naquela manhã em que Ye Wenjie sintonizara a antena da Costa Vermelha, e antes, muito antes, o mesmo Sol havia iluminado a poeira baixando após a primeira explosão nuclear. Os australopiteco de um milhão de anos atrás e os dinossauros de cem milhões de anos atrás haviam voltado seus olhos ignorantes para o mesmíssimo Sol, e antes, muito antes, a luz difusa que havia penetrado a superfície do oceano primitivo e fora sentida pela primeira célula viva fora emitida pelo mesmo Sol.
- E então - continuou Allen - um homem chamado Bainbridge rebateu a declaração de Oppenheimer com outra, que não tinha absolutamente nada de poética: "Agora nós somos todos uns filhos da puta". (p. 135, vol. 2)
...
A forma do mundo surgiu
Escuridão. Antes da escuridão não havia nada além do nada, e o nada não tinha cor. Não havia nada no nada. A escuridão indicava que, pelo menos, havia espaço. Logo apareceram agitações na escuridão do espaço, penetrando tudo como uma brisa suave. Era a sensação do passar do tempo, pois não havia tempo no nada, mas agora o tempo tomava forma em um descongelamento glacial. Só muito mais tarde houve luz, no início apenas uma mancha luminosa amorfa e, após outra longa espera, a forma do mundo surgiu gradualmente. (p. 283, vol. 2)
...
Na verdade, a principal razão para a Terra Internacional e a Frota Internacional decidirem enviar um ser humano até a sonda não era para uma inspeção. Quando o mundo viu a sonda pela primeira vez, todos ficaram fascinados pelo exterior magnífico. A gota de mercúrio era lindíssima, uma forma extremamente simples, mas produzida com extraordinária maestria. Cada ponto de sua superfície parecia perfeitamente posicionado, e ela tinha um elegante dinamismo, como se a cada instante gotejasse sem parar na noite cósmica, inspirando a sensação de que artistas humanos, mesmo se tentassem criar a forma mais lisa possível, jamais conseguiriam chegar perto daquilo. A sonda transcendia toda e
qualquer possibilidade.
Nem na República de Platão havia uma forma tão perfeita: mais reta que a linha mais reta, mais circular que um círculo perfeito, um golfinho espelhado que saltava de um mar de sonhos, a cristalização de todo o amor do universo… Como a beleza sempre foi associada ao bem, se de fato havia alguma separação entre o bem e o mal no universo,
aquele objeto só poderia pertencer ao lado do bem.
Assim, logo surgiu uma hipótese: o objeto talvez nem fosse uma sonda. Observações posteriores confirmaram essa hipótese, de certa forma. A princípio, as pessoas perceberam a superfície externa, o extraordinário acabamento liso que fazia com que a sonda fosse
completamente reflexiva. A frota realizou um experimento no alvo com uma grande quantidade de equipamentos de monitoração: a superfície toda foi irradiada com ondas eletromagnéticas de alta frequência e comprimentos variados, e a refletância foi medida. Para espanto geral, descobriu-se que em todas as frequências, inclusive a luz visível, a reflexão era de praticamente cem por cento. Não se detectou nenhuma absorção, o
que indicava que a sonda não era capaz de detectar nenhuma onda de alta frequência — ou, em termos leigos, que ela era cega. Um objeto cego devia trazer algum significado especial. A suposição mais razoável era de que se tratava de um gesto de boa-fé de Trissolaris para com a humanidade, expresso pelo design não funcional e pela beleza da forma. Uma demonstração genuína do desejo de paz.
Desse modo, a sonda recebeu um nome novo em homenagem à forma: “gota”. Tanto na Terra quanto em Trissolaris, a água era a origem da vida e um símbolo de paz. (vol. 2 p. 370)
...
— A frota! Evacuar a frota!
Mas era tarde demais. Uma potente interferência já havia eliminado os canais de comunicação. A imagem transmitida da Mantis desapareceu, e a frota não conseguiu ouvir o último apelo do capitão de fragata.
Uma aura azul surgiu na ponta da gota, a princípio pequena, mas muito intensa, lançando um manto azul ao redor. Então se expandiu drasticamente, indo do azul
para o amarelo e, por fim, para o vermelho. Quase parecia que a aura não estava sendo produzida pela gota, e sim abrindo caminho de dentro dela. A aura foi perdendo luminosidade conforme se expandia e, ao atingir um diâmetro duas vezes maior do que o lado mais largo da gota, sumiu. No mesmo instante, uma segunda aura pequena surgiu na ponta. Como a primeira, ela se expandiu, mudou de cor, perdeu luminosidade e logo
desapareceu. As auras continuaram surgindo da ponta para a cauda a cada dois ou três segundos e, movida por esse impulso, a gota passou a avançar e acelerou rapidamente. No entanto, os quatro integrantes da expedição não chegaram a ver a segunda aura, porque a primeira foi acompanhada de uma temperatura ultra-alta semelhante à do núcleo do Sol, vaporizando-os instantaneamente.
O casco da Mantis brilhou, vermelho, como o lado de fora de uma lanterna chinesa cuja vela tivesse acabado de ser acesa. A estrutura de metal derreteu feito cera, mas, assim que começou a derreter, a nave explodiu dispersando-se pelo espaço como um líquido
incandescente, sem quase nenhum vestígio sólido. (vol. 2 p. 384)
...
A destruição de toda a força espacial da humanidade foi realizada por apenas uma sonda trissolariana. Dentro de três anos, outras nove chegariam ao sistema solar. A soma das dez juntas não chegava nem a um décimo de milésimo do tamanho de uma única belonave, e
Trissolaris ainda tinha uma frota de mil a caminho do sistema solar.
“E se te destruo, o que podes fazer?” (vol. 2 p. 398)
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Cixin Liu, O fim da morte, tradução: Leonaro Alves, 1ª edição, Suma, 2019 (583 páginas)
TABELA DE ERAS
Era Comum: Dias atuais - 201X E.C.
Era da Crise: 201X - 2208
Era da Dissuasão: 2208 - 2270
Era Pós-Dissuasão: 2270 - 2272
Era da Transmissão: 2272 - 2332
Era da Casamata: 2333 - 2400
Era da Galáxia: 2273 - indeterminado
Era do Domínio Negro para o Sistema DX3906: 2687 - 18.906.416
Cronologia para o Universo 647: 18.906.416 - ...
Sumário
Trecho extraído do prefácio de um passado além do tempo ( p. 09)
Parte I
Maio 1453 E.C. A morte do Mago (13)
Era da crise, Ano 1 A escolha da vida (26)
Trecho extraído de um passado além do tempo Infantilismo no início da crise (41)
Era da crise, Ano 4 Yun Tianming (45)
Era da crise, Ano 1 a 4 Cheng Xin (57)
Trecho extraído de um passado além do tempo Hibernação: pela primeira vez o ser humano atravessa o tempo (70)
Era da crise, Ano 1 a 4 Cheng Xin (72)
Trecho extraído de um passado além do tempo Programa Escadaria (78)
Era da crise, Ano 1 a 4 Cheng Xin (80)
Era da crise, Ano 5 a 7 Programa Escadaria (88)
Parte II
Era da dissuasão, Ano 12 Era de bronze (101)
Trecho extraído de um passado além do tempo Nictoilofobia (103)
Era da dissuasão, Ano 12 Era de bronze (105)
Era da dissuasão, Ano 13 Julgamento (109)
Era da dissuasão, Ano 61 O Portador da Espada (117)
Trecho extraído de um passado além do tempo O fantasma das barreiras: O Portador da Espada (125)
Era da dissuasão, Ano 61 O Portador da Espada (130)
Trecho extraído de um passado além do tempo Reflexo cultural (132)
Era da dissuasão, Ano 61 O Portador da Espada (134)
Era da dissuasão, Ano 62 Gravidade, nos arredores da nuvem de Oort .143
Trecho extraído de um passado além do tempo Mais provas indiretas a favor da Floresta Sombria: regiões opacas antissófons (145)
Era da dissuasão, Ano 62 Gravidade, nos arredores da nuvem de Oort (146)
Era da dissuasão, Ano 62 - 28 de novembro, 16 h a 16 h17: Centro de dissuasão (158)
Trecho extraído de um passado além do tempo A decisão da Portadora da Espada: dez minutos entre a existência e a aniquilação (160)
Era da dissuasão, Ano 62 - 28 de novembro, 16 h a 16 h17: Centro de dissuasão (164)
Os últimos dez minutos da Era da Dissuasão, Ano 62 - 28 de novembro, 16 h 17 min34 a 16 h 27 min58: Centro de Dissuasão (169)
Era Pós-Dissuasão, primeira hora - um mundo perdido (175)
Trecho extraído de um passado além do tempo Reflexões sobre o fracasso da Dissuasão por Floresta Sombria (177)
Era Pós-Dissuasão, primeira hora - um mundo perdido (179)
Era Pós-Dissuasão, dia 60 - um mundo perdido (183)
Trecho extraído de um passado além do tempo Explosão tecnológica em Trissolaris (185)
Era Pós-Dissuasão, dia 60 - um mundo perdido (186)
Era Pós-Dissuasão, Ano 2 Austrália (189)
Os últimos dez minutos da Era da Dissuasão, Ano 62 - 28 de novembro,16 h17min34 a16 h27min58: Gravidade e Espaço Azul, espaço sideral (213)
Era Pós-Dissuasão, dias 1 a 5 Gravidade e Espaço Azul, espaço sideral além da nuvem de Oort (231)
Parte III
Era da Transmissão, Ano 7 Cheng Xin (253)
Trecho extraído de um passado além do tempo Delírio da perseguição cósmica: a última tentativa de invalidar a Teoria da Floresta Sombria (255)
Era da Transmissão, Ano 7 Cheng Xin (257)
Trecho de Um passado além do tempo Um novo modelo para a Foresta Sombria (260)
Era da Transmissão, Ano 7 Sófon (262)
Trecho extraído de um passado além do tempo O aviso de segurança cósmica: uma arte performática solitária (269)
Era da Transmissão, Ano 7 Sófon (272)
Trecho extraído de um passado além do tempo A longa escadaria (279)
Era da Transmissão, Ano 7 Yun Tianming (281)
Era da Transmissão, Ano 7 Os contos de fadas de Yun Tianming (300)
O primeiro conto de Yun Tianming "O novo pintor real" (304)
O segundo conto de Yun Tianming "O mar dos glutões" (316)
O terceiro conto de Yun Tianming "Príncipe água profunda " (325)
Era da Transmissão, Ano 7 Os contos de fadas de Yun Tianming (338)
Trecho extraído de um passado além do tempo Projeto Casamata: uma arca para a civilização terrestre (344)
Era da Transmissão, Ano 7 Os contos de fadas de Yun Tianming (348)
Trecho de um passado além do tempo Movimento mediante dobras no tempo (352)
Era da Transmissão, Ano 7 Os contos de fadas de Yun Tianming (368)
Era da Transmissão, Ano 8 Opção do destino (370)
Trecho extraído de um passado além do tempo Sentinela espaciais: o sistema da alerta avançado do sistema solar (384)
Era da Transmissão, Ano 8 Opção do destino (386)
Trecho extraído de um passado além do tempo Terror da noite sem fim (392)
Era da Transmissão, Ano 8 Ponto de Lagrange Sol - Terra (394)
Parte IV
Era da Casamata, Ano 11 Mundo Casamata (405)
Era da Casamata, Ano 11 Velocidade da luz II (423)
Era da Casamata, Ano 11 Cidade Halo (430)
Parte V
Era da Casamata, Ano 67 Braço de Órion da Via Láctea (449)
Era da Casamata, Ano 67 Halo (461)
Era da Casamata, Ano 68 Plutão (480)
Era da Casamata, Ano 67 O Sistema Solar bidimensional (495)
Parte VI
Era da Galáxia, Ano 409 Nossa estrela (523)
Cerca de dezessete bilhões de anos após o início dos tempos - Nossa estrela (552)
Além do tempo - Nosso universo (561)
Trecho de um passado além do tempo Os degraus da responsabilidade (575)
Além do tempo - Nosso universo (577)
Posfácio do tradutor americanos (582)
Trechos do livro - vol. 3
Algo mais perturbava Yang Dong: sua mãe, Ye Wenjie. Sem querer, ela descobrira no computador da mãe algumas mensagens codificadas com criptografia pesada. Isso provocou uma intensa curiosidade em Yang.
Como muitos idosos, a mãe de Yang não estava familiarizada com os detalhes da web e de seu próprio computador, por isso só havia deletado os documentos criptografados em vez de destruí-los digitalmente. Ela não sabia que seria fácil recuperar os dados mesmo se o
disco rígido fosse reformatado.
Pela primeira vez na vida, Yang Dong escondeu um segredo da mãe e recuperou a informação dos documentos deletados. Foram dias até conseguir ler tudo, e nesse tempo Yang Dong descobriu uma quantidade espantosa de detalhes sobre o mundo de
Trissolaris e o segredo entre sua mãe e os extraterrestres. (pp. 26 e 17, vol. 3)
....
Se era possível hibernar, por que persistir no presente?
Sob a ótica da sociologia, a descoberta biotecnológica da clonagem humana era muito menos complicada do que a hibernação. A clonagem suscitava questionamentos morais, mas era um problema que abalava sobretudo quem tinha uma perspectiva moral inspirada no cristianismo.
Já os problemas suscitados pela hibernação eram de ordem prática e afetavam toda
a raça humana. Quando a tecnologia passasse a ser comercializada com sucesso, quem tivesse condições a usaria para viajar direto ao paraíso, enquanto o resto da humanidade seria obrigado a continuar no presente, que em comparação era deprimente, para construir esse paraíso.
Porém, ainda mais problemático era o aspecto mais sedutor que o futuro proporcionava: o fim da morte.
Com o avanço rápido da biologia moderna, as pessoas passaram a acreditar que o fim da morte seria alcançado em mais um ou dois séculos. Se isso acontecesse, quem optasse pela hibernação subiria os primeiros degraus rumo à vida eterna. Pela primeira vez na história, a morte deixava de ser justa. As consequências eram inimagináveis. (p. 71, vol. 3)
...
Depois do início da Era da Dissuasão, a maior parte das indústrias pesadas fora transferida para o espaço em órbita, e a ecologia natural da Terra se recuperou. A superfície do planeta agora se aproximava da que existia nos tempos pré-Revolução Industrial.
Devido a uma diminuição da população e ao aumento da produção alimentícia industrializada, parte considerável da terra cultivável pôde permanecer desocupada e voltar ao estado natural. O planeta Terra estava se transformando em um parque gigantesco. (p. 123, vol. 3)
...
O próximo voto a favor ativará a transmissão universal. (...)
Então, dezenas de mãos avançaram juntas, e o botão piscou mais uma vez.
Trezentos e quinze anos haviam se passado desde aquela manhã do século XX em que Ye Wenjie havia apertado outro botão vermelho.
A transmissão de ondas gravitacionais começou. Todos sentiram uma trepidação forte. A sensação não parecia vir de fora, mas de dentro do corpo de cada um, como se cada pessoa tivesse se tornado uma corda vibratória.
Esse instrumento de morte tocou só por doze segundos, e depois o silêncio cobriu tudo.
Do lado de fora da nave, a fina membrana do espaço-tempo oscilou com as ondas gravitacionais, como um lago plácido agitado por uma brisa noturna. O juízo de morte para os dois mundos se expandiu pelo cosmo à velocidade da luz. (p. 228, vol. 3)
...
Diante das estrelas giratórias, Cheng Xin viu o Mundo Casamata.
Dali, era possível ver a maioria das cidades espaciais atrás de Júpiter. Ela viu vinte e duas (incluindo a dela), e havia outras quatro escondidas atrás da cidade em que estavam. Todas as vinte e seis (seis a mais do que o planejado) estavam ocultas à sombra de Júpiter, dispostas vagamente em quatro fileiras, e Cheng Xin se lembrou das naves alinhadas atrás do pedregulho gigantesco no espaço, mais de sessenta anos antes.
Em um dos lados de Ásia I estavam América do Norte I e Oceania I, e do outro estava Ásia III. Havia um intervalo de apenas cinquenta quilômetros entre Ásia I e suas vizinhas mediatas, e Cheng Xin conseguia sentir a imensidão delas, como se fossem dois planetas. A fileira seguinte com outras quatro cidades ficava a cento e cinquenta quilômetros de distância, e era difícil determinar o tamanho só de olhar. As cidades espaciais mais distantes ficavam a cerca de mil quilômetros dali e pareciam brinquedos delicados. (p. 413, vol. 3)
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A população de Europa IV era a menor de todas, só 4,5 milhões de pessoas. Era a cidade mais rica do Mundo Casamata. Cheng Xin ficou impressionada com as belas
casas à luz dos minissóis. Cada uma tinha a própria piscina, e algumas possuíam amplos gramados. A paisagem serena do mar equatorial era decorada por pequenas velas brancas, e nas margens as pessoas relaxavam e pescavam. Ela viu um iate passar lentamente, e parecia tão luxuoso quanto qualquer iate na Terra de antigamente. Estava acontecendo uma festa, com música ao vivo... Cheng Xin ficou admirada ao ver que era possível transferir aquele estilo de vida para a sombra de Júpiter, a oitocentos milhões de quilômetros da Terra. (p. 417, vol. 3)
...
Cinco horas atrás, o sistema de alerta avançado confirmou que
foi iniciado um ataque de floresta sombria contra nosso
mundo.
Isso acontece sob a forma de ataque dimensional, que fará o
espaço em torno do Sistema Solar cair de três dimensões
para duas. O resultado será a destruição absoluta de toda a
vida.
Estima-se que o processo leve de oito a dez dias para se
completar. Neste momento, o colapso encontra-se em
andamento, e a velocidade e extensão estão crescendo
rapidamente.
Confirmamos que a velocidade de escape para a região em
colapso é a velocidade da luz.
Uma hora atrás, o Governo Federal e o Parlamento promulgaram
uma nova resolução que revoga todas as leis relativas ao
Escapismo. No entanto, o governo gostaria de lembrar a
todos os cidadãos que a velocidade de fuga é muito superior
à capacidade máxima de todos os veículos espaciais
humanos. A probabilidade de fuga é zero.
O Governo Federal, o Parlamento, a Suprema Corte e a Frota da
Federação seguirão cumprindo suas responsabilidades até o
fim. (p. 483, vol. 3)
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A Terra foi o primeiro planeta sólido a cair em duas dimensões. Em comparação com Netuno e Saturno, os “três anéis” da Terra bidimensionalizada eram mais repletos ainda de pequenos detalhes — o amarelo do manto se tornava gradualmente um vermelho-escuro do núcleo de níquel e ferro —, mas a área total era muito menor do que a dos gigantes gasosos. (p. 503, vol. 3)
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Assim que o Sol começou a se bidimensionalizar, um círculo se expandiu no plano. Em pouco tempo, o diâmetro do Sol plano superou o diâmetro do que restava do astro. Esse processo levou apenas trinta segundos.
Com base no raio solar médio de setecentos mil quilômetros, a borda do Sol bidimensional cresceu a um ritmo de vinte mil quilômetros por segundo. O Sol plano continuou crescendo, formando um mar de fogo, e todo o Sol tridimensional naufragou lentamente nesse oceano vermelho sangue de chamas. (p. 507, vol. 3)
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— Já falei, não estou dizendo nada, só imaginando. — A voz de Yifan ficou mais baixa. — Mas ninguém sabe se a verdade é mais sombria ainda do que as nossas hipóteses... Só temos uma certeza: o universo está morrendo. (p. 539, vol. 3)
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