segunda-feira, 16 de outubro de 2023

Tarifa zero, passe livre de ônibus

São Caetano quer implementar passe livre de ônibus ainda neste ano

Prefeito deve enviar projeto à Câmara; investimento da prefeitura é de R$ 41 milhões

Painel, FSP, 16 out 2023

A prefeitura de São Caetano do Sul pretende implantar a tarifa zero para o transporte municipal na cidade da região do ABC, vizinha à capital paulista. O prefeito José Auricchio Júnior (PSDB) deve enviar nesta terça (17) projeto de lei à Câmara Municipal prevendo a gratuidade dos ônibus a partir do mês que vem. O benefício valeria ao menos até o fim do atual mandato, em 2024.

A passagem custa atualmente R$ 5, e o investimento previsto pela prefeitura é cerca de R$ 41 milhões, dinheiro vindo dos cofres municipais. Atualmente, o serviço é prestado por uma empresa concessionária. A cidade de 165 mil habitantes seria a segunda da região metropolitana a ter tarifa zero, após Vargem Grande Paulista.

Segundo o prefeito, a medida pôde ser implementada após um ajuste fiscal realizado nas contas públicas do município. "Hoje fomos capazes de oferecer este incentivo com grande impacto social, pois beneficia diretamente às pessoas que mais precisam, além de ser um grande estímulo econômico e ambiental", disse.

O debate sobre o tema tem ocorrido também na capital. O prefeito Ricardo Nunes (MDB) chegou a prometer estudos sobre a viabilidade de zerar a tarifa na cidade, mas a ideia não avançou. Um dos principais representantes do PT na capital, o deputado federal Jilmar Tatto, tem a proposta como bandeira. Já o pré-candidato Guilherme Boulos (PSOL) promete tratar o tema com "responsabilidade".


Em todo o país, 74 cidades já oferecem tarifa zero no transporte

 Utopia em 2013, passe livre atrai classe política com apelo eleitoral dez anos depois. País já têm 74 cidades com tarifa zero e pressão deve fazer discussão crescer em 2024 

Artur Rodrigues. FSP, 18 jun 2023

Dez anos depois dos protestos contra o aumento da tarifa, a bandeira de passe livre no transporte público saiu do status de utópica e entrou no vocabulário de políticos de diversas matizes ideológicas. O transporte público gratuito, realidade em só dez cidades antes de junho de 2013, chegou a 74. Na esteira da corrida eleitoral do ano que vem, capitais também estudam adotar a medida.

Quando os protestos eclodiram em 2013, mesmo setores da esquerda simpáticos à ideia consideravam a bandeira do MPL (Movimento Passe Livre) como algo de execução praticamente impossível em grandes cidades.

Autor do livro "A Razão dos Centavos" (Zahar), que trata dos protestos de junho e da questão da tarifa zero, o professor Roberto Andrés, da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), diz que historicamente é raro que ciclos de protestos produzam efeitos institucionais imediatos. No entanto, eles geralmente causam mudança de mentalidade.

Para exemplificar, ele cita editoriais dos jornais na época, inclusive da Folha, que chamavam os manifestantes de irrealistas e tratavam o assunto como uma bandeira impossível. "De lá para cá a pauta cresceu enormemente, você tinha 300 mil pessoas e hoje são 3,5 milhões pessoas atendidas pela tarifa zero. Isso sem haver uma incorporação institucional da pauta pelo governo federal, somente com o fato de essa ideia passar para o campo do possível", afirma.

A mudança tem se dado de baixo para cima, com prefeitos encampando a propostas em diferentes modelos, sem ajuda federal ou estadual, diz Andrés. A proximidade das eleições do ano que vem é um dos fatores que ajuda a impulsionar a ideia. Na campanha paulistana, por exemplo, os dois principais candidatos, um de esquerda e um de direita, devem comprar a ideia.

O atual prefeito Ricardo Nunes (MDB) defendeu a discussão do assunto e citou dados positivos em cidades que adotaram a medida. A postura de Nunes coincide com o cenário em que, no penúltimo ano de gestão, ele ainda não conseguiu nenhuma marca e a cidade vive críticas pelo caos na região central.

Aliado do prefeito, o presidente da Câmara Municipal, Milton Leite (União Brasil), chegou a dizer em entrevista à revista Veja SP que "ou implementamos a tarifa zero ou o [Guilherme] Boulos ganha a eleição". O psolista Boulos também é um adepto da pauta.

A situação de São Paulo, porém, é mais complexa do que a maioria das grandes cidades brasileiras por envolver a necessidade de ajuste com o governo estadual, responsável pelo sistema de metrô e trens metropolitanos. Por se tratar de um sistema enorme, também haveria necessidade de novos investimentos para atender à demanda, que explodiria.

A pandemia intensificou um processo de fuga de passageiros nas cidades, gerando pressão por aumento de subsídios e da passagem. Em alguns municípios, as concessionárias de ônibus resolveram abandonar o serviço sob a justificativa de que a conta não fechava.

No caso de Caucaia (CE), a tarifa zero gerou o efeito inverso. Na cidade de 368 mil habitantes, a mais populosa a adotar a medida, o número de passageiros saltou de 510 mil por mês para 2,33 milhões –a frota seguiu o mesmo caminho, ao subir de 48 para 70. O prefeito da cidade, Vitor Valim, diz que a ideia surgiu em 2021, durante a pandemia, como uma opção para fazer transferência de renda à população afetada pela crise –em algumas famílias, orçamento extra pode superar os 30%.

Valim diz que ainda houve melhora no trânsito, índices de acidentes e a população passou a desfrutar mais da cidade, que também passou a receber outros representantes de municípios com objetivo de replicar a medida. Embora seja apto a reeleição, o prefeito diz que só trata do assunto no ano que vem e que não vê a tarifa como trunfo eleitoral. "Eu vejo a população a exigir do poder público a prestação desse tipo de serviço", afirma.

O prefeito afirma que a discussão sobre a tarifa zero vai se espalhar por outras cidades em 2024, quando acontecem as eleições municipais, uma vez que ela se mostrou viável. No Ceará, o exemplo de Caucaia deve ser implantado na região metropolitana, uma vez que a tarifa zero é promessa do governador Elmano de Freitas.

Em Caucaia, a cidade usa 3% do orçamento para este fim e diz não ter criado novas taxas para custear esse tipo de transporte, mas esse modelo não é o único para custear esse tipo de transporte. Em Maricá (RJ), por exemplo, a isenção da passagem é bancada com recursos de royalties do petróleo.

Já em Vargem Grande Paulista, no interior de SP, a gestão do prefeito Josué Ramos (PL) criou um fundo de transporte com parte da verba que os empresários pagariam como vale transporte, além de multas, publicidade nos ônibus, zona azul e locação de lojas em terminais. Ramos conta que a ideia surgiu, em 2017, quando passou a ser pressionado pela concessionária na cidade para aumentar a tarifa e, como não o fez, o contrato acabou rescindido.

"Do dia para a noite, eu tive que colocar vans para operar na cidade e eu não tinha como efetuar cobrança, e daí surgiu a ideia de colocar as vans gratuitas. Evidentemente que a população começou a entender que foi até melhor do que era antes e, com isso, surgiu essa ideia de criar a tarifa [zero]", diz ele, que é ex-cobrador de ônibus. Posteriormente, ao fazer as contas, acabou verificando que sairia mais barato para a cidade embarcar na tarifa zero do que voltar ao modelo tradicional de concessão.

Em 2019, o serviço gratuito efetivamente começou e, desde então, os passageiros mensais passaram de 40 mil para 110 mil. Entre os benefícios para além do transporte, Ramos diz que já há empresas que pretendem mudar para a cidade devido ao valor menor que gastarão com o vale-transporte e que caiu o número de pessoas que faltam a consultas médicas.

Embora admita que o passe livre pautará as eleições, ele defende que o assunto seja tratado sem divisões ideológicas e não de maneira eleitoreira. "A minha visão é que esse sistema pode ser implantado em qualquer lugar", diz, acrescentando que é preciso que a conta seja dividida entre os três entes da Federação.

Embora a aposta mais ruidosa no governo Lula (PT) até agora seja incentivar carros mais baratos, há algumas iniciativas na esfera federal que colocam a tarifa zero no horizonte.

Uma delas é o projeto de lei do deputado federal Jilmar Tatto (PT-SP), que era secretário de Transportes de São Paulo em junho de 2013. Assim como o caso de Vargem Grande, ele prevê a criação de um fundo usando o vale-transporte, uma obrigação das empresas.

O outro é uma PEC (proposta de emenda à Constituição), de Luiza Erundina (PSOL), que cria um sistema único de mobilidade, em modelo similar ao SUS (Sistema Único de Saúde), e está em fase de coleta de assinaturas (são necessárias 171 para apreciação). A proposta foi formulada em conjunto com entidades como a Associação Nacional de Transportes Públicos (ANTP), o Movimento Passe Livre (MPL) e o Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

Rafael Calabria, coordenador de mobilidade urbana do Idec, diz que também há atualmente a tentativa de encontrar um um plano mais imediato para ajudar financeiramente os municípios. "O governo está trabalhando em duas frentes: numa nova legislação, vai criar novas formas para ajudar os municípios a baratear a tarifa e, por outro lado, um programa mais imediato que forneça frota nova aos municípios para conseguir também baratear o sistema local e ajudar na busca da tarifa zero", diz.

Segundo levantamento da Coalização Mobilidade Triplo Zero, um conjunto de entidades relacionadas a área de transportes da qual o Idec faz parte, o estado de São Paulo lidera o ranking com 21 cidades com passe livre, seguido por Minas Gerais (18) e Paraná (10). Entre elas, Caucaia, Ibirité, Maricá, Paranaguá, Balneário Camboriú, Formosa e Assis têm mais de 100 mil habitantes.


Cidades que aplicam tarifa zero no Brasil

Estado Município Início População

CE Caucaia               2021 368.918

MG Ibirité             2023   184.030

RJ Maricá 2014 167.668

PR Paranaguá 2022 154.936

SC Balneário Camboriú 2023 149.227

GO Formosa 2021 121.617

SP Assis 2021 105.768

SP Itapeva 2021 94.354

RO Cacoal 2023 86.416

PR Cianorte 2023 84.980

CE Aquiraz 2018 81.581

MG Mariana 2022 60.724

RS Parobé               2022               59.419

SP Arthur Nogueira 2021 56.247

SP Piedade 2023 55.731

MG Campo Belo 2019 54.338

SP Vargem Grande Paulista 2019 54.315

SP Porto Feliz 2023 53.698

MG Pirapora 2022 53.368

MG Lagoa da Prata 2021 53.236

CE Eusébio 2011 52.880

RJ Paracambi 2023 52.683

SP Itararé 2021 50.624

SP Cerquilho 2020 48.949

MG Monte Carmelo 1994 47.682

MG São Lourenço 2022 46.539

MG Caeté 2021 44.718

MG Arcos 2022 40.658

MG Ouro Branco 2022 40.220

SP Agudos 2002 37.023

RJ São João da Barra 2018 36.731

PR Matinhos 2022 35.705

RJ Tanguá 2021 34.309

PR Ivaiporã 2001 32.035

PR Ibaiti 2017 31.854

MG São Joaquim de Bicas 2021 31.578

PR Pitanga 2012 30.635

MG Claudio 2021 28.617

SP Santa Rita do Passa Quatro 2017 27.641

SC Forquilhinha 2023 27.621

SP Ilha Solteira 2010 26.886

PR Quatro Barras 2022 24.253

SC Garopaba 2023 24.070

RJ Conceição de Macabu 2023 23.561

MG Abaeté 1997 23.263

SP Tambaú 2022 23.255

GO Goiás 2021 22.122

RJ Silva Jardim 2014 21.773

GO Anicuns 2014 21.717

MS Costa Rica 2021 21.456

SC Bombinhas 2022 20.889

MG Muzambinho 2011 20.594

PR Wenceslau Braz 2008 19.444

RJ Carmo 2023 19.161

SP Pirapora do Bom Jesus 2020 18.895

SP Nazaré Paulista 2023 18.866

SP Conchas 1992 18.138

PR Faxinal 2001 17.379

SP Potirendaba 1998 17.201

SP Macatuba 2004 17.111

PR Clevelândia 2023 16.344

SP São Lourenço da Serra 2021 16.127

SC Governador Celso Ramos 2023 14.739

SP Holambra 2007 14.579

SP Morungaba 2019 13.936

ES Presidente Kennedy 2009 11.741

MG Itatiaiuçu 2015 11.037

MG Arceburgo 2019 10.990

GO Aruanã 2008 10.340

SP Dourado 2014 8.883

RJ Comendador Levy Gasparian 2020 8.590

RS Pedro Osório 2018 7.683

MG São José da Barra 2018 7.532

MG Santana do Deserto 2021 3.985

Fonte: Coalização Mobilidade Triplo Zero 



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