quarta-feira, 11 de outubro de 2023

Livraria resistente

O intrépido livreiro de rua em guerra contra os algoritmos e o mercado eletrônico de Jeff Bezos

Ele não luta sozinho, embora ainda se contem nos dedos os escritores em condições de dispensar os serviços e vantagens oferecidos pelas livrarias online

Sérgio Augusto, 08/10/2023, O Estadão

Sábado é o melhor dia para uma passada na livraria Folha Seca; até porque ela fica no centro do Rio, intransitável durante a semana. Dupla homenagem, ao craque Didi e a Nelson Cavaquinho, a Folha Seca fica no 37 da machadiana Rua do Ouvidor, que aos sábados, sitiada por mesas dos botecos vizinhos, abriga manhãs e tardes de autógrafos, quando não almoços de aniversário, sambas e choros por conta da casa.

Fui lá, semana passada, ao lançamento carioca do livro de histórias, memórias e ruminações de José Luiz Tahan, Um Intrépido Livreiro nos Trópicos (Vento Leste, 400 págs.) – precisamente nos trópicos de Santos, onde Tahan nasceu, vive, edita livros, cuida da charmosa livraria de rua Realejo e do festival Tarrafa Literária. Na dedicatória que me fez, seu brado permanente: “Viva as livrarias de rua!”. Tahan continua em guerra contra as livrarias online, epígonos da Amazon.com, e seus algoritmos.

Reprodução de capa do livro 'Um Intrépido Livreiro nos Trópicos', de José Luiz Tahan' Foto: Vento Leste

O intrépido livreiro não luta sozinho, embora ainda se contem nos dedos os escritores em condições de dispensar os serviços e vantagens oferecidos pelo tentacular empório eletrônico de Jeff Bezos, que, ao contrário dos livreiros, não vende apenas livros. Há dois anos, o bostoniano Dave Eggers, premiado autor de O Círculo, proibiu que a continuação daquele romance, The Every, fosse vendida na (ou pela) Amazon, cujas práticas de exploração laboral são, para muitos, análogas às da escravidão.

Outro nome de peso acaba de aderir à confraria: a romancista, ensaísta e tradutora Lydia Davis, a grande dama da flash-fiction, que se orgulha de não cortejar a fama e a glória e de ter um refinado leitorado relativamente modesto, mas fiel.

Uma das livrarias de rua que resistem no Brasil, a Yerba Café e Livraria, em São Paulo Foto: TIAGO QUEIROZ / ESTADÃO 

Faz dez anos que pela primeira vez lhe publicaram aqui uma coletânea de contos, Tipos de Perturbação, traduzidos pela Companhia das Letras. Idiossincrática, concisa, austera, elegante, lacônica, elíptica, aforística, divertida – eis alguns do adjetivos que nessas páginas dediquei à sua microprosa, por mim lida inicialmente num kindle da Amazon. Não mais.

O novo livro de Davis, Our Strangers (Nossos Estranhos), lançado quinta-feira pela Canongate, só estará disponível em livrarias físicas e sites online selecionados. Já pensando em vindouras aquisições fora do circuito amazônico, inscrevi-me no Bookshop.org, indicado pela autora como o melhor acesso às livrarias independentes com as quais ela optou trabalhar.

Pelos títulos de algumas micronarrativas, uns mais longos que a própria narrativa, Davis continua desconcertante. O título de Fim de uma Discussão Sobre Capas de Chuva Entre uma Mulher Madura e Outra Mulher Madura na Hora do Almoço tem quase 90 caracteres, o dobro da discussão em si. Que praticamente se resume a este comentário de uma das mulheres: “Não precisa ser uma Burberry”. Puro Beckett.

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