quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Sight & Sound divulga lista dos melhores filmes da história

Com “Jeanne Dielman” (1975) no topo, o ranking elege os 100 melhores longas de todos os tempos

por Vitória Roque, 2 de dezembro de 2022

O veículo britânico Sight & Sound publicou, recentemente, uma atualização da lista de melhores filmes de todos os tempos. A revista tem distribuição feita pela BFI (British Film Institute), e o ranking é definido por um grupo internacional de profissionais do cinema.

Na mais recente atualização, o primeiro lugar da lista ficou com “Jeanne Dielman”, filme franco-belga de 1975, dirigido por Chantal Akerman. Essa é a primeira produção de direção feminina a figurar no topo do tradicional ranking.


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Entre as entradas mais recentes da lista, estão “Parasita” e “Retratos de Uma Jovem Em Chamas”, de 2019. “Corra!”, de 2017 e “Moonlight: Sob a Luz do Luar”, de 2016 também são alguns dos títulos mais atuais.

Confira a lista completa abaixo.

1.    “Jeanne Dielman” (1975)
2.    “Um Corpo que Cai” (1958)
3.    “Cidadão Kane” (1941)
4.    “Era Uma Vez em Tóquio” (1953)
5.    “Amor à Flor da Pele” (2000)
6.    “2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968)
7.    “Bom Trabalho” (1998)
8.    “Cidade dos Sonhos” (2001)
9.    “Um Homem com uma Câmera” (1929)
10.    “Cantando na Chuva” (1951)
11.    “Sunrise: A Song of Two Humans” (1927)
12.    “O Poderoso Chefão” (1972)
13.    “A Regra do Jogo” (1939)
14.    “Cléo das 5 às 7” (1962)
15.    “Rastros de Ódio” (1956)
16.    “Tramas do Entardecer” (1943)
17.    “Close-up” (1989)
18.    “Quando Duas Mulheres Pecam” (1966)
19.    “Apocalypse Now” (1970)
20.    “Os Sete Samurais” (1954)
21.    “A Paixão de Joana d’Arc” (1928)
22.    “Pai e Filha” (1949)
23.    “Playtime – Tempo de Diversão” (1967)
24.    “Faça a Coisa Certa” (1989)
25.    “A Grande Testemunha” (1966)
26.    “The Night of the Hunter” (1955)
27.    “Shoah” (1985)
28.    “As Pequenas Margaridas” (1966)
29.    “Taxi Driver – Motorista de Táxi” (1976)
30.    “Retrato de Uma Jovem em Chamas” (2019)
31.    “O Espelho” (1975)
32.    “Oito e meio” (1963)
33.    “Psicose” (1960)
34.    “O Atalante” (1934)
35.    “Pather Panchali” (1955)
36.    “Luzes da Cidade” (1931)
37.    “M, O Vampiro de Dusseldorf” (1931)
38.    “Acossado” (1960)
39.    “Quanto Mais Quente Melhor” (1959)
40.    “Janela Indiscreta” (1954)
41.    “Ladrões de Bicicleta” (1948)
42.    “Rashomon” (1950)
43.    “Stalker” (1979)
44.    “O Matador de Ovelhas” (1977)
45.    “Intriga Internacional” (1959)
46.    “A Batalha de Argel” (1966)
47.    “Barry Lyndon” (1975)
48.    “Wanda” (1970)
49.    “A Palavra” (1955)
50.    “Os Incompreendidos” (1959)
51.    “O Piano” (1922)
52.    “Notícias de Casa” (1976)
53.    “O Medo Consome a Alma” (1974)
54.    “Se Meu Apartamento Falasse” (1960)
55.    “O Encouraçado Potemkin” (1925)
56.    “Sherlock Jr.” (1924)
57.    “O Desprezo” (1963)
58.    “Blade Runner – O Caçador de Androides” (1982)
59.    “Sem Sol” (1982)
60.    “Filhas do Pó” (1991)
61.    “A Doce Vida” (1960)
62.    “Moonlight: Sob a Luz do Luar” (1960)
63.    “Casablanca” (1942)
64.    “Os Bons Companheiros” (1990)
65.    “O Terceiro Homem” (1949)
66.    “A Viagem da Hiena” (1973)
67.    “Os catadores e eu” (2000)
68.    “Metrópolis” (1927)
69.    “Andrei Rublev” (1966)
70.    “Os Sapatinhos Vermelhos” (1948)
71.    “La Jetée” (1962)
72.    “Meu Amigo Totoro” (1988)
73.    “Romance na Itália” (1954)
74.    “A Aventura” (1960)
75.    “Imitação da Vida” (1959)
76.    “Intendente Sansho” (1954)
77.    “A Viagem de Chihiro” (2001)
78.    “Um Dia Quente de Verão” (1991)
79.    “Satantango” (1994)
80.    “Céline e Julie Vão de Barco” (1974)
81.    “Tempos Modernos” (1936)
82.    “Crepúsculo dos Deuses” (1950)
83.    “Neste Mundo e no Outro” (1946)
84.    “Veludo Azul” (1986)
85.    “O Demônio das Onze Horas” (1965)
86.    “História(s) do Cinema” (1988)
87.    “O Espírito da Colmeia” (1973)
88.    “O Iluminado” (1980)
89.    “Amores Expressos” (1994)
90.    “Desejos proibidos” (1953)
91.    “The Leopard” (1962)
92.    “Contos da Lua Vaga” (1953)
93.    “Parasita” (2019)
94.    “Yi Yi” (1999)
95.    “Um Condenado à Morte Escapou” (1956)
96.    “A General” (1926)
97.    “Era uma Vez no Oeste” (1968)
98.    “Corra!” (2017)
99.    “Garota Negra” (1966)
100.    “Mal dos Trópicos” (2004)

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Mostra explora todo o mal-estar indizível e a melancolia de Chantal Akerman

Diretora do clássico 'Jeanne Dielman', artista belga que se matou em 2015 ganha exposição no Rio

Silas Martí, FSP, 3.dez.2018

Anoitece na metrópole. A pele de vidro das torres à beira da baía de Xangai brilha com anúncios luminosos enormes, suas cores tingindo o horizonte. Não há ninguém em cena, mas o murmúrio anônimo das ruas se mistura à música pop esgoelada pelo rádio para forjar a trilha sonora desse instante banal.Outra projeção mostra uma mulher sozinha num apartamento. Ela dorme, come uma maçã. De dentro de sua jaula, parece observar o espectador. 

Os dois filmes que abrem a retrospectiva de Chantal Akerman agora no Oi Futuro, no Rio de Janeiro, são mostrados lado a lado na mesma sala escura na entrada do centro cultural no Flamengo. A vista impessoal da metrópole chinesa contrasta com a ronda intimista da câmera que flutua por seu quarto nova-iorquino. 

Mas não são retratos de solidões distintas. Tanto no horizonte esgarçado de Xangai quanto no calor sujo, condensado entre as quatro paredes de seu apartamento, Akerman mostra nada mais que a passagem do tempo —seus enquadramentos são janelas abertas à violência viva das horas.

Violência e memória, tornadas mais agudas pelo contraste entre plácidas cenas de interior e a vida selvagem que se passa lá fora nas grandes cidades, são os alicerces da obra dessa cineasta belga, uma das artistas mais influentes do fim do século 20.

Filha de uma sobrevivente de Auschwitz, Akerman começou a filmar há exatas cinco décadas. Em 1968, ela mesma estrelava “Saute Ma Ville”, ou exploda minha cidade. No curta, que mal mostra a sua Bruxelas natal, ela se tranca na cozinha, joga potes e panelas no chão, tenta fazer uma faxina e acaba por ligar o gás e acender o fogo. Não vemos a casa ir pelos ares, mas um estrondo encerra o trabalho, que corta para uma tela preta.

Esses cortes abruptos são raros na obra de Akerman, famosa por sequências longas e letárgicas como aquelas de seu filme mais celebrado, “Jeanne Dielman, 23, Quai du Commerce, 1080 Bruxelles”. 

Mas, talvez cansada da agonia de quando tudo já não parecia fazer mais sentido, a artista, que sofria de transtorno bipolar, recorreu a um mesmo corte seco ao dar fim à própria vida — ela se matou em outubro de 2015, um ano depois de perder a mãe, alvo e inspiração de muitos de seus filmes.

Na mostra, aliás, está o registro de uma performance em que Akerman aparece lendo trechos sobre a mãe que escreveu em sua autobiografia. Em contraste com o silêncio que domina quase toda a sua extensa obra cinematográfica, ali as palavras acabam sendo o centro das atenções.

Quem não conhece a artista encontra nesse ponto algumas pistas para entender o claustrofóbico universo de Akerman — claustrofóbico no sentido de espaço e de tempo, já que, mesmo que registre metrópoles às vezes em plano aberto, as paisagens urbanas de seus filmes espelham uma angústia íntima, que muitos dizem feminina.

Akerman, de fato, pôs a mulher, várias vezes em atrito violento com cenários domésticos, no centro de seus filmes.  “Jeanne Dielman” é o exemplo incontornável disso, com mais de três horas de arrastadas sequências em que a atriz Delphine Seyrig, na pele de uma viúva que se prostitui em casa para sustentar o filho adolescente, aparece fazendo comida, lavando a louça suja.

Na metade da década de 1990, Akerman passou a traduzir algumas dessas sequências e ideias para instalações em museus, entrando numa fase mais híbrida de sua obra e se tornando um caso raro de cineasta a ser também abraçada pelo mundo das artes visuais —ela chegou a participar das mostras de arte mais importantes do planeta, entre elas a Documenta, em Kassel, na Alemanha, a Bienal de São Paulo e a Bienal de Veneza.

Sua exposição no Rio se encerra com uma dessas transposições do cinema para a arte. Akerman mostra ali só uma cena de um filme da década de 1970 em que uma jovem só de calcinha se olha no espelho e enumera as imperfeições de seu corpo — os seios pequenos demais, o rosto também, marcas de celulite.

“Isso tem a ver com retratar o jeito como cada um enfrenta o mundo e a história, mas também o futuro”, diz Claire Atherton, que montava os filmes de Akerman e passou a trabalhar nas instalações. “É como se os sentimentos se tornassem matéria. São pequenos detalhes do cotidiano.”

Os detalhes, no caso, traduzem o mal-estar indizível que atravessa a obra de Akerman. É o que aparece com toda a força na maior sala da exposição carioca, com projeções de dois de seus últimos filmes.

“Maniac Summer” e “Maniac Shadows”, rodados no verão parisiense há quase dez anos depois de uma das crises nervosas da artista, mostram Akerman sozinha em casa, sempre no escuro, em contraste com tudo o que ela via pela janela, o rastro dos faróis dos carros no trânsito, as crianças brincando no parque num dia ensolarado.

Essas cenas, no entanto, vão se multiplicando, numa sucessão de projeções em que as mesmas imagens aparecem vistas mais de perto e com contraste cada vez maior, até se tornarem quase abstratas, nuvens de pontos luminosos. “É um ponto de vista adensado”, diz Evangelina Seiler, que organiza a mostra no Rio. “São os buracos da memória que ela comenta. Ela queria sentir a passagem do tempo.”

Na linguagem do cinema, Akerman encontrou no contraste estourado dessas séries uma tradução visual da melancolia pegajosa que a assombrava, como se o tempo expandido de que ela falava fosse sua tentativa de tornar mais elástico, talvez infinito, o agora, longe das sombras do passado e a salvo das ameaças de um futuro incerto.

Desde que começou a filmar, aliás, ela já se mostrava obcecada pela ideia de não desgrudar os olhos do desenrolar dos fatos em tempo real, o que explica a sua predileção pelo traveling, quando a câmera desliza sobre trilhos para retratar uma ação em movimento.

“Nos meus filmes, você sente a passagem de cada segundo com o seu corpo, acaba enfrentando você mesmo”, disse Akerman, numa entrevista. “Tudo que temos é o tempo.”

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