domingo, 19 de junho de 2022

Homenagem a Dom e Bruno

 Melhor homenagem a Dom e Bruno é proteger anônimos defensores da floresta 

 Chico Alves Chico Alves, UOL, 19/06/2022

A luta pela preservação da Amazônia tem muitos mártires, a maior parte deles anônimos. São indígenas, camponeses, ativistas, religiosos, indigenistas e outros heróis que não se conformaram com a destruição da floresta e dedicaram a vida a defendê-la. Para isso, enfrentaram interesses poderosos do crime organizado e do crime de colarinho branco (se é que existe diferença entre os dois). Pagaram o preço da resistência com a própria vida. Além da impunidade, os criminosos contam com a indiferença dedicada pela maioria dos brasileiros aos assassinatos dos defensores do meio ambiente.

A distância que separa a realidade amazônica das principais capitais do país faz parecer que aqueles extermínios não dizem respeito a todos da nação. Envolvidos nas delícias e nas tragédias do próprio cotidiano, habitantes de outras regiões delegam a esses poucos abnegados a tarefa de lutar e morrer pelo maior patrimônio natural do planeta, cuja destruição tornará insustentável a vida no país. A imprensa está longe de cobrir como deveria essa realidade dramática — as confusões de Brasília ocupam quase todo o noticiário.

Volta e meia, porém, a brutalidade de alguns crimes ecoa mais forte e rompe a barreira de silêncio da floresta para repercutir em todo o mundo. O primeiro desses casos foi a morte de Chico Mendes, em 1988. Na luta pela preservação da mata e em especial das seringueiras do Acre, o sindicalista enfrentou os grandes fazendeiros para tentar garantir o meio de subsistência de sua comunidade. Depois de muitas ameaças, foi assassinado a tiros de escopeta na porta dos fundos da casa de madeira em que residia, na cidade de Xapuri.

Em 2005, mais uma vez a Amazônia atraiu a atenção mundial. Aos 73 anos, a religiosa americana Dorothy Mae Stang, a Irmã Dorothy, foi assassinada com seis tiros em uma estrada de terra do município de Anapu, no Pará. Integrante da Comissão Pastoral da Terra e defensora da reforma agrária, ela vinha recebendo muitas ameaças por parte dos latifundiários da região. Dois fazendeiros foram condenados como mandantes do crime. Agora, 17 anos depois, o planeta volta a olhar para a floresta com perplexidade. A Polícia Federal confirmou ontem que o indigenista Bruno Pereira e o jornalista inglês Dom Phillips foram assassinados no Vale do Javari, no Amazonas, com tiros de escopeta.

Os relatos sobre as quadrilhas que ameaçavam Bruno e Dom dão ideia de como a Amazônia está ainda mais perigosa que há 34 anos, quando Chico Mendes foi morto. Multiplicaram-se as modalidades criminosas, reduziram-se as equipes governamentais de fiscalização e repressão. Tudo segundo as diretrizes do presidente Jair Bolsonaro, tão tolerante com os garimpeiros ilegais e tão agressivo com indígenas e ambientalistas. Essa é a grande diferença em relação a outros momentos de violência contra os defensores da floresta: agora, o mais poderoso político da nação é visto como aliado pelos criminosos.

Tal descalabro não é, porém, a única causa da barbárie instalada no imenso verde da Amazônia. É preciso lembrar que antes de Bolsonaro os criminosos da região contaram com a indiferença da maior parte dos brasileiros para perpetrar os seus ataques à flora, à fauna e às pessoas que moram e trabalham nessas áreas. O mais dramático é a convicção de que, tudo indica, quando passar a gigantesca repercussão do assassinato do indigenista brasileiro e do jornalista inglês a Amazônia estará novamente entregue à própria sorte.

Seus únicos defensores voltarão a ser os abnegados de sempre: aqueles que convivem com o risco de morte, aqueles cujo martírio não gera mobilização nacional e muito menos mundial. A maior homenagem que se pode prestar a Bruno e Dom é mudar essa trágica sina. 

Vamos passar a tratar os heróis anônimos da Amazônia como eles merecem. Nesses tempos tão propícios à morte, vamos mantê-los vivos.


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