sábado, 21 de maio de 2011

Projeto: a banalização de um conceito

Deu na Folha de São Paulo de 15 de maio de 2011: "Semanas antes de assumir o cargo mais importante do governo Dilma Rousseff, o ministro Antonio Palocci (Casa Civil) comprou um apartamento de luxo em São Paulo por R$ 6,6 milhões. Um ano antes, Palocci adquiriu um escritório na cidade por R$ 882 mil. Os dois imóveis foram comprados por uma empresa da qual ele possui 99,9% do capital. Em 2006, quando se elegeu deputado federal, Palocci declarou à Justiça Eleitoral um patrimônio estimado em R$ 375 mil, em valores corrigidos pela inflação. Ele tinha uma casa, um terreno e três carros, entre outros bens. Com o apartamento e o escritório, Palocci multiplicou por 20 seu patrimônio nos quatro anos em que esteve na Câmara-período imediatamente posterior à sua passagem pelo Ministério da Fazenda, no governo Lula."

Será que esta empresa na qual o dono tem 99,9% existe para a lavagem de dinheiro como nos tráficos de drogas e armas? E qual o nome da empresa do Palocci? PROJETO. Segundo os registros da Junta Comercial de São Paulo, a PROJETO Administração de Imóveis foi criada como consultoria e virou administradora de imóveis dois dias antes de Palocci chegar à Casa Civil. O ministro disse que os dois imóveis que comprou são os únicos que a PROJETO administra.

O conceito projeto me infernizou durante um bom tempo da minha vida de docente universitário. Fiz uma tese de doutoramento cujo título é "Projetos de aprendizagem mediados por ambientes virtuais no ensino de Engenharia Elétrica". Um dos focos desta pesquisa é a metodologia de projetos aplicada à aprendizagem em engenharia baseada nas formulações da John Dewey. Projeto neste contexto corresponde a uma ação planejada e com metas propostas pela motivação e interesse dos estudantes.

Numa pesquisa no Google (maio de 2011) a palavra projeto teve 84 milhões de citações ou resultados. Em inglês, project, tem 1.600 milhões . Não é pouco. Tem projeto para Deus e o Diabo. Projeto: de pesquisa, de lei, de vida, de construção, tecnológico, pedagógico, de gestão, político, de trabalho, de formação, de investimento, de sociedade, cultural etc.
Jean Pierre Boutinet, no livro Antropologia do Projeto (Artmed, 5ª edição, 2002), escreve: "Além de seu uso abusivo, além das figuras patológicas que engendra na maneira como declina em seu interior as condutas de idealização, o projeto, essa propriedade tipicamente humana, tem o mérito de nos auxiliar a rever o estatuto psicológico da ação. (...) As condutas de projeto revelam um contexto cultural, justamente aquele de culturas de projeto que, por razões que devem ser arroladas, leva a uma incompreensão, até mesmo a uma má utilização dos processos de idealização. Nossa inabilidade para dominar esses processos não deixa de provocar desvios patológicos, aqueles que se desenvolvem diante dos nossos olhos quando recorremos a um uso intempestivo do projeto ou daquilo que o substitui."

Projeto, no sentido amplo, significa intenção, planejamento, organização do trabalho, propósito, objetivo, alvo. A origem deste termo remonta ao período quatrocentista italiano, no início do século XV, e tem sua expressão vinculada ao projeto arquitetônico. O arquiteto era um intelectual afastado do canteiro de obras e responsável pela concepção do que se pretendia realizar. Sua missão é elaborar um plano claro, inteligível e equilibrado que responda à concepção que se pode ter do belo. Em tal contexto, o projeto, na medida em que é antecipação da realização, desempenhará para a execução o papel de norma operatória (Boutinet, 2002, p. 37).

Assim, o projeto se propõe como um guia eficaz para a ação e em sua origem estabelece uma clara separação entre concepção e execução. A partir do século XVIII, com o iluminismo e o progresso tecnológico, o conceito de projeto se amplia e se estende para além da norma operatória. É como uma intenção de antecipação, mas indispensável à ação. É o projeto como um guia operacional perceptível em uma metodologia mais ou menos explícita. Surge o projeto-método.

Estudando sucintamente as práticas profissionais hoje existentes, as quais recorrem ordinariamente à metodologia do projeto, poderemos identificar três delas, contrastadas em sua configuração, mas ávidas por estabelecer, cada uma a seu modo, a legitimidade de sua ação pela utilização do projeto. De um lado, trata-se das práticas arquiteturais e de ordenamento; de outro, das práticas pedagógicas e de formação e por último, das práticas de gestão organizacional e tecnológica. Diríamos que, hoje, o conceito de projeto, para além dos atributos acima citados, poderia ser a ação a ser conduzida, a antecipação operacional ou a mudança a ser operada.

Na PROJETO do Palocci a ação a ser conduzida é: como usar do tráfico de influência e o valor de mercado (outra palavra banalizada e bastarda) que o ministro teve quando fora do governo. A mudança a ser operada é: como multiplicar por 20 o patrimônio da empresa em quatro anos. 
E xô Boutinet. 

Edson Pereira Cardoso
Maio de 2011

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