sexta-feira, 20 de maio de 2011

Alma salva Alba


Tenho medo do domingo maldito que me liquidifica, disse Alba, parafraseando Clarice, numa sexta em final de expediente. Alba Lívia é professora universitária, capixaba, mulher bonita, boa filha e no passivo dois casamentos. É cheia de tarefas a cumprir e de uma incessante vida dedicada ao trabalho. Seria nossa personagem uma pessoa viciada em trabalho? Sei não, mas o que interessa é a vida e não o vício.

Dona Alma é a da mãe de Alba e Seu Tobias, o pai. Não imagino a segunda sem a primeira e o terceiro. Impossível. No cotidiano de Alba o trabalho e a família se entrelaçam. A rotina é modificada por encontros com amigos, amigas e colegas de trabalho. Um cineminha aqui, um jantar ali e a vida segue. Namorados? Ah, deixa prá lá, depois conversamos sobre.

Num dia normal de trabalho a agenda de Alba tem a seguinte cara: levanta as oito, café da manhã às 8h30min, chega as nove na Universidade, almoço as doze, aula às 14h, conversa com estudantes às 16h, pesquisa e outras atividades as dezoito e volta para casa as 20h. Segunda, terça, quarta, quinta e sexta, sempre assim a rotina desta mulher.

Tenho tanta coisa para fazer neste fim de semana! Não sei nem por onde começar me disse Alba numa outra sexta. Prova para corrigir, projeto para escrever, tese para ler, supermercado etc. E, claro, as visitas à família, compromisso inadiável.

E nas férias? O que fazia nossa divina e graciosa Alba Lívia. Bem, quando não viajava ficava remoendo tarefas universitárias não cumpridas. Dívidas a pagar, deveres não realizados que estão lá, marcados, na agenda.

Passo agora a relatar o que o que aconteceu numa destas férias de Alba. O caso eu conto como o caso foi.

Domingo de praia.

Deus me fora tão clemente aqui nesse ambiente de luz. A luz e o olor da rosa de Pixinguinha se intrometem quarto adentro dizendo bom dia. Era o resplendor da luz do sol de verão em Vitória, o sol dos fotógrafos. Alba Lívia acorda, espreguiça, dá um tempo e levanta. Passa pela sala e vai até a cozinha tomar água. Volta para a sala e se detém na agenda em cima da mesa. Folheia e vê a página do dia 28, domingo. Vazia, sem nada escrito. Não lembrava que estava em férias. Estava no automático.

Mas, como? Sem nada pra fazer? Não acredito! Perambula pela sala, vai até o quarto e veste uma bermuda e uma blusa de malha branca. Que saco! Diz para si mesma como uma fera enraivecida.

Alba e não ter o que fazer corresponde ao imponderável. É mais ou menos estar próximo de um buraco negro. Um corte epistemológico: no interior de um buraco negro as leis do universo desintegram-se literalmente. Tempo e espaço se desmoronam. O inexplicável, o desconhecido, reside nas entranhas deste monstro capaz de alimentar-se de estrelas e para alguns, acabar por engolir o universo.

O universo de Alba estava com problemas naquele dia. Ela tem pavor de monstro e naquele domingo ele estava solto. Liga a TV e passeia por 13 canais diferentes em 13 minutos. Nenhum interessante. Liga o computador, vai para a internet ver email e nada, só lixo. Lá pelas 11 continua indo e vindo pelo seu belo apartamento do 5º andar. Uma boa idéia, um livro de Clarice Lispector. Folheia, folheia e nada. Nem Clarice entenderia aquela louca manhã de domingo. Ansiedade, palpitação, medo de perder o controle, confusão, sudorese, vertigem, dificuldade de respirar, medo de morrer. Péra aí, pânico? Xô! Mas a coisa estava feia.

Até que, infelizmente, Alba não se conteve. Terminar tudo, acabar de vez com o problema. Correu para a sacada do apartamento e sem pensar fez o movimento fatal. Ia se jogar. Disse bem, ia. Porque naquele momento toca o telefone. Ei minha filha, como vai? O que você está fazendo? diz Dona Alma. Nada mamãe, E ESTE É O PROBLEMA! Estou ligando para te convidar para almoçar aqui em casa, retrucou Alma.

E foi assim que a Alma salvou a Alba naquele domingo maldito.


 
Edson Pereira Cardoso

Setembro de 2010

 

 




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