sexta-feira, 20 de maio de 2011

Marlon



 O grande motim (O mutiny on the bounty) de 1935, dirigido por Frank Lloyd, ganhou o Oscar de melhor filme e teve como intérpretes principais Charles Laughton (William Bligh) e Clark Gable (Fletcher Christian). Uma sinopse do filme: em 1787 o navio Bounty deixa Portsmouth (Inglaterra) com destino ao Taiti, para trazer o maior carregamento possível de fruta-pão. O capitão do navio (William Bligh) fica de tal forma obcecado em cumprir sua missão que, em virtude dos seus métodos extremamente rígidos, provoca um forte descontentamento na sua tripulação, o que acaba resultando em um motim. Quando a tripulação chega no Taiti Christian se apaixona por uma nativa de nome Tehani (interpretada pela mexicana Maria "Movita" Castaneda).

Houve uma refilmagem desta estória em 1962 com direção de Miles Milestone, Marlon Brando (Fletcher Christian) e Trevor Howard (William Bligh). Neste filme a nativa tem nome Maimiti e é interpretada pela taitiana Tarita Teriipia. Antes de optar por fazer O grande motim ofereceram a Marlon Brando o papel de Lawrence da Arábia (filme dirigido por David Lean). Não aceitou porque não queria ficar seis meses no deserto. No lugar da areia preferiu as águas das ilhas da Polinésia. Particularmente considero Lawrence da Arábia uma obra prima. O grande motim, não.

Marlon casou-se com Maria "Movita" Castaneda (7 anos mais velha) em 4 de junho de 1960. Tiveram dois filhos. Durante as filmagens no Taiti, Brando se apaixonou por Tarita Teriipia. Casaram-se no dia 10 de agosto de 1962. Este casamento durou até 1972. Tiveram dois filhos. Tai uma questão: a paixão foi pela personagem ou pelas atrizes que fizeram a personagem? Em se tratando de Marlon tudo é possível.


 O grande motim não é o melhor filme feito por Marlon, mas tem uma marca em sua vida. Além das personagens e atrizes envolvidas, depois do filme ele comprou uma ilha de nome Tetiaroa na região do Taiti e viveu por lá na década de 1960. Gostava da natureza, dos nativos e da vida isolada do tormento que considerava o ambiente em Hollywood. O naturalismo não se apresentava apenas na vida do cidadão Marlon Brando. Estava também na arte.

"É costume dizer que um ator representa bem um personagem, mas isto é noção de amador. Elaborar a caracterização de um personagem não é uma simples questão de maquiagem, de indumentária ou de encher as bochechas de lenços de papel. Isto que os atores costumavam fazer denominava caracterização. Ao representar tudo emerge da pessoa, do que você é ou de algum outro aspecto do ser, do quem você é. Tudo faz parte da própria experiência do ator. É um espectro amplo e a tarefa do ator é penetrar nessa variedade de emoções e sensações escolhendo as que são adequadas ao personagem e à história". Esta dissertação sobre o que pensava a respeito da arte de representar está em sua autobiografia "Brando: canções que minha mãe me ensinou" (Brando: songs my mother taught me) da Editora Siciliano, 1994.


Portanto nada de colírio para representar chorando e sim elaborar uma técnica mental "que me permitia que eu me dirigisse a certas partes de mim mesmo, escolhesse uma emoção e enviasse do cérebro para o corpo algo semelhante a um impulso elétrico que me habilitava a sentir uma determinada emoção". Tai, explicitado, o conceito sobre a forma naturalista (Actor’s Studio) de representar. Por isso que a personagem e o ator foram surrados nas cenas de violência em filmes como Sindicato dos ladrões (On the Waterfront) de 1954, A face oculta (One-Eyed Jacks) de 1961 e A caçada humana (The Chase) de 1966. Outro exemplo desta forma de atuar é relatado na autobiografia: "Na cena de morte de O grande motim eu quis parecer que estava em estado de choque depois de uma queimadura fatal. Pedi à equipe de filmagem que preparasse bastante gelo e deitei-me até o meu corpo ficar gelado e eu tremendo a ponto de bater os dentes. Enquanto o corpo reagia fisicamente ao frio, pensei no quanto amava a taitiana pela qual me apaixonara no que eu tanto amava nela e depois na dor, no assombro e na surpresa de morrer." Detalhe: durante as filmagens Marlon se apaixonou por Tarita Teriipia. O caso entre Fletcher Christian e Maimiti era o que acontecia, na época, entre ator e atriz.

Brando começou no teatro com sua forma naturalista (o método) de representar. Era o naturalismo que buscava o entendimento da essência humana e maior vivacidade cênica, a qual havia sido congelada pela tradição acadêmica. Na literatura o naturalismo é uma escola conhecida por ser a radicalização do realismo baseando-se na realidade e na experiência. Os naturalistas acreditavam que o indivíduo é um mero produto da hereditariedade e o seu comportamento é fruto do meio em que vive e sobre o qual age. Marlon tinha uma visão naturalista, sobre sua função no mundo. As feministas ficariam enlouquecidas com esta pérola de seu pensamento: "Acho que não nasci para ser monógamo. Acho que a monogamia não faz parte da natureza humana de nenhum homem. Os chipanzés, que são nossos parentes mais próximos, não são monógamos, do mesmo modo que babuínos e gorilas. A natureza humana não é mais monógama do que a deles. Em qualquer sociedade humana os homens são compelidos (por impulsos que são ordenados geneticamente e por isso incontroláveis) a distribuir as próprias sementes para o maior número de mulheres possível de mulheres. O sexo é a força primordial de nossa espécie e de todas as outras. O nosso desejo mais forte é replicar os nossos genes e perpetuar a espécie. Diante disso nós nada podemos fazer e somos programados para fazer o que fazemos."

A relação de Marlon com as mulheres é um caso clínico que Freud gostaria de analisar. Na adolescência teve uma convivência conturbada com a mãe e o pai. Ela era alcoólatra e ele um grande cafajeste com as mulheres. O filho adorava a mãe e teve alguns momentos na vida que desejava surrar o pai. Foi casado com Anna Kashfi (de 1957 a 1959), Maria Movita Castaneda (de 1960 a 1962) e Tarita Teriipia (de 1962 a 1972). Teve um filho com Anna, dois com Movita e dois com Tarita e sempre casou quando (ou porque) as mulheres estavam grávidas. Além destes, teve três filhos com Maria Christina Ruiz, sua governanta, no período de 1989 a 1994. E mais: um adotado (1972) e quatro de mães desconhecidas no período de 1967 a 1982. Marlon teve filho aos 70 anos. Foi sua contribuição na perpetuação da espécie.

Uma pista para entender a relação de Brando com as mulheres, além de sua concepção naturalista, é a sua relação com a mãe. Diz ele que uma mulher que mexeu muito com seus sentimentos foi Weonna. É mais uma personagem de sua autobiografia. Na verdade Weonna no mundo real chama-se Jill Banner. Foi uma atriz pouco conhecida. Assisti dela dois filmes. Um chamado Spider Baby or, The Maddest Story, 1968, de Jack Hill (na época ela tinha 22 anos). Descaradamente trash. O outro foi Un uomo, un cavallo, una pistola, 1967 de Luigi Vanzi. Um spaghetti western. Jill morreu em 1982 de acidente com automóvel. Marlon em sua autobiografia diz que ela morreu de acidente com um cavalo. Nem pensar entender por que ele deu esta versão.

O caso de Marlon com Weonna foi conturbado e cheio de idas e vindas, mas ele dizia que ela era a mulher de sua vida. Depois de uma briga com Weonna ele percebeu que se quisesse se perdoar por tudo que fizera de mal com as mulheres teria que perdoar a mãe. Foi o que fez e a partir daí suas relações com as mulheres melhoraram. Será? Só perguntando para as mulheres pós Weonna. O espectro cafajeste (com as mulheres) que acompanhou a vida de Brando recomenda dúvidas sobre esta afirmação.

Domingos de Oliveira em 2004, quando da morte de Brando aos 80 anos escreveu: "Marlon impõe a sua personalidade acima de tudo, usando, para isso, variados recursos, dentre os quais o sexo sempre foi o principal. Ele queria seduzir sexualmente a platéia. Homens e mulheres. Era um bissexual assumido. Os analistas hoje em dia, quase em sua totalidade, afirmam que o bissexualismo não existe. Coisa de grego, forma disfarçada de homossexualismo. Então Marlon era grego."

A vida de Brando fora das telas e de suas relações afetivas tinha outras idiossincrasias. Sempre esteve engajado em defesa das minorias injustiçadas. É notória sua participação em defesa dos índios (socialmente excluídos até hoje) e dos negros estadunidenses. Quando visitou a Índia ficou horrorizado com a miséria e a presença das crianças neste ambiente. Brando afirmava que o melhor filme em que atuou foi Queimada (Burn) de Gillo Pontecorvo. Este filme tem um viés explicitamente marxista. Marlon não era marxista, mas tinha preocupações sociais próximas dos indignados com a realidade em que vivia. Era um rebelde com causas.

No final da vida Brando tinha uma posição pessimista quanto à humanidade. Ele assistiu e gostou do filme Expresso para o inferno (Runaway train) de 1985, dirigido por Andrey Konchalovskiy com John Voight (Manny). Narra a fuga de dois presidiários que acabam num trem sem controle. Num certo instante os dois se atracam na presença de uma mulher e Manny surra o companheiro sem piedade. Ela desesperada com a briga diz para Manny: você é um animal? Ele responde: Não. Sou bem pior. Sou humano.

Marlon era rebelde, arrogante, brilhante em pelo menos meia dúzia de filmes que fez, cafajeste, intratável, instável, sexy e engajado. Era humano.

Edson Pereira Cardoso

Maio de 2011




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