quinta-feira, 16 de janeiro de 2025

David Lynch (1946 - 2025)

David Lynch disse à Folha que televisão e internet virariam uma coisa só

Cineasta, morto aos 78 anos, afirmou sentir medo do futuro do cinema e comentou lançamento de seu livro de meditação 

Teté Ribeiro, fsp, 16/01/2025

Morto nesta quinta-feira (16/01/2025) aos 78 anos, o cineasta americano David Lynch previu, numa entrevista à Folha em 2008, que televisão e internet estreitariam suas relações. "A internet e a TV vão virar uma só. Vai acontecer como na música. O mundo da música está caindo aos pedaços. E isso vai acontecer com os filmes daqui a muito pouco. Já começou. É preciso resolver o problema da pirataria. Se as pessoas pararem de simplesmente pegar o que querem da internet e resolverem pagar alguma coisa pelo que baixam, seria quase perfeito. Tenho um pouco de medo do futuro dos filmes", afirmou o diretor.

O cineasta  David Lynch - fotos

Releia, a seguir, a entrevista completa, concedida por ocasião do lançamento de seu livro "Em Águas Profundas: Criatividade e Meditação". Naquele ano, Lynch faria uma visita ao Brasil para promover os benefícios da meditação transcendental.

"Você toma um café?", pergunta David Lynch quando chego à sua sala, enquanto aponta para a poltrona velha, com estofado todo puído, que posicionou à sua frente para mim. Ele se levanta para me dar a mão, então se senta de novo em uma cadeira daquelas ergonômicas de escritório. Fica atrás de uma mesa de madeira com restos de uma massinha cinza escura que usa para fazer o que me parece ser uma escultura. Veste calça bege toda respingada de café, barro ou tinta, camisa branca de manga comprida abotoada até em cima e blazer azul marinho, apesar do calor de mais de 30 graus que faz lá fora. A assistente que me leva até ele carrega um cappuccino em uma xícara preta enorme, entrega ao diretor, que em troca lhe dá uma xícara idêntica, vazia, do cappuccino que tomou antes.

O cineasta David Lynch - Leonhard Foeger/Reuters 

Apaixonado por café, o cineasta diz que chega a tomar até dez por dia, em xícaras de chá cheias até a boca, no estilo americano. Ele tem sua própria marca de pó de café. Não aceito a bebida por causa do calor e para não desperdiçar o tempo da entrevista com uma interrupção, mas depois me arrependo profundamente. No curso dos próximos quase 45 minutos, a cafeína me seria útil. E em que outra oportunidade eu tomaria um café do David Lynch com o David Lynch?

O criador de "Twin Peaks", "Veludo Azul" e "Coração Selvagem" recebeu a reportagem da Folha em seu estúdio em Los Angeles, um complexo de duas casas e algumas salas soltas, construídas em concreto aparente com detalhes de madeira clara, encrustradas no alto de um morro em Hollywood Hills, em um ruazinha pequena e toda curva.

Olhando no mapa, a Senalda Road, onde David Lynch construiu seu local de trabalho, é paralela a um trecho da Mulholland Drive, rua que já serviu de inspiração e título para um de seus filmes, no Brasil batizado de "Cidade dos Sonhos", e que revelou aos Estados Unidos a atriz britânica Naomi Watts. A Mulholland Drive é imensa e famosa, e tem Jack Nicholson como seu morador mais ilustre (depois, é claro, da morte do seu vizinho Marlon Brando). 

Paz na terra

Abrir seu próprio estúdio para um jornalista estrangeiro é coisa rara em Hollywood. Mas a entrevista, assim como a viagem ao Brasil que o diretor faz neste mês, é parte de uma peregrinação que começou mais ou menos três anos atrás e tem uma missão ousada: promover a paz no mundo por meio da meditação transcendental, que ele pratica há mais de 30 anos (volto ao assunto daqui a pouco).

O encontro, no entanto, tinha regras: não poderia acontecer antes das 10h30, seria interrompido pouco depois das 11h15 e ele passaria apenas nove minutos no final da conversa com o fotógrafo, que devia chegar lá antes para preparar a luz e se posicionar. E o assunto da entrevista seria principalmente o livro "Em Águas Profundas: Criatividade e Meditação", que acaba de sair no Brasil.

Publicado nos Estados Unidos em 2006, virou best-seller. Com 204 páginas, formato quadrado e capítulos curtos, é uma leitura rápida e divertida, cheia de informações de bastidores e a promessa de que, se você se empenhar na tal meditação transcendental, vai ser mais criativo e feliz.

As produções de  David Lynch 

Várias vezes durante a conversa tento emplacar perguntas sobre cinema, TV, seus atores preferidos e todas as vezes ele entorta o raciocínio e volta a falar dos benefícios da meditação. Este não é um homem que você dribla, enrola, confunde. Sabe exatamente o que quer e faz exatamente do jeito que prefere. Isso foi tudo o que eu consegui arrancar:

PASSADO: "Minha vida inteira foi no hemisfério norte, nunca atravessei a linha do Equador. Essa vai ser a minha primeira vez na parte de baixo do planeta. Morei um ano e meio na Cidade do México, mas imagino que o Brasil seja bem diferente, não?"

PRESENTE: "Acordo todos os dias às sete da manhã, tomo o primeiro café do dia, medito por 20 minutos e venho para o trabalho. Fico até umas sete da noite, medito de novo, vou para casa jantar e então trabalho mais um pouco ou vejo um pouco de TV. Gosto da série 'Cold Case' (que conta histórias reais de crimes não resolvidos)."

FUTURO: "A internet e a TV vão virar uma só. Vai acontecer como na música. O mundo da música está caindo aos pedaços. E isso vai acontecer com os filmes daqui a muito pouco. Já começou. É preciso resolver o problema da pirataria. Se as pessoas pararem de simplesmente pegar o que querem da internet e resolverem pagar alguma coisa pelo que baixam, seria quase perfeito. Tenho um pouco de medo do futuro dos filmes."

E só. Ele se impôs essa missão e dá a impressão de que vai falar sobre os benefícios da meditação até se decidir por outro assunto. Mas, como tudo o que faz, defende sua ideia com cores fortes e imagens marcantes. "É dinheiro no banco. Não tem erro. Meditar é como mergulhar em um cofre cheio. Cada vez que vai lá, consegue pegar umas moedas. Se for todos os dias, pega mais e mais moedas", enfatiza, com sua voz anasalada e uma cadência de quem ensina uma lição óbvia a um aluno desatento. No curso da conversa, recorre a muitas outras metáforas para tornar clara, transparente, sua mensagem. Que no final é quase uma lição de casa: "Apenas faça, depois siga com a sua vida e veja tudo melhorar".

Segundo Lynch, a receita para transcender é muito simples, só tem um ingrediente: um professor legítimo. "Ele te dá um mantra, que é um som, ou uma vibração, que significa um pensamento, e você repete aquele mantra durante todo o tempo que medita, então mergulha dentro de si mesmo e começa a chegar a níveis mais profundos de consciência."

O som OM, muito usado antes e depois de aulas de ioga, é considerado o mantra universal. Mas, para o cineasta, é melhor ter o seu próprio, entregue sob medida por um professor. "Não adianta meditar com qualquer mantra. Se você meditar usando a palavra 'creme de leite', vai acabar só pensando em laticínios", brinca.

O amor infinito

Ao contrário do que faz com seus filmes, que odeia explicar ou dizer o que significam, o americano de 62 anos, divorciado três vezes, com três filhos (um de cada casamento), não quer deixar nenhuma dúvida a respeito da meditação. "Não é religião, não é culto, é uma técnica que permite que você chegue até a felicidade infinita, a inteligência infinita, a criatividade infinita, o amor infinito", afirma.

E, antes que a noção de amor infinito e a lembrança de alguns de seus filmes como "A Estrada Perdida" entrem em choque, o cineasta volta ao seu tom professoral: "O artista não pode ser deprimido, não pode deixar a melancolia ocupar sua mente e seu tempo, isso é um desperdício de vida. Tem apenas que entender a depressão, ou o ódio, ou qualquer sentimento ruim, para poder retratá-los em seu trabalho. Se eu não estiver bem, não crio nada que preste." E promete: "As ideias são como os peixes. Se você se contentar com um peixinho magro e pequeno, pode pescar na beira do rio. Mas, se quer os peixes maiores, vai ter que jogar sua isca em águas mais profundas."

Entendeu? É assim: as idéias já existem, estão passeando por aí. David Lynch faz filmes ou séries de TV com as que captura. Van Gogh fazia quadros. John Lennon fazia músicas, ou protestos. Ah, e tem outra coisa: isso, de "capturar" as ideias, não acontece enquanto você faz meditação transcendental.

A MT (podemos estabelecer que MT é meditação transcendental?) expande a sua capacidade de capturar as ideias. E mais: quem medita seus males espanta. Ele não disse isso assim, com essas palavras. Na verdade arregala os olhos azuis e enfia os dedos das duas mãos na cabeleira grisalha, puxando o topete ainda mais para cima, enquanto afirma: "A negatividade vai embora e leva junto a depressão, a melancolia, o desejo de vingança. Você medita e, BUM!, atinge a iluminação".

Mestre Yogi

A técnica da MT foi trazida ao Ocidente pelo indiano Maharishi Mahesh Yogi, que morreu aos 91 anos, menos de um mês depois de anunciar sua aposentadoria. Desde os anos 50, Maharishi viajava pelo mundo ensinando uma técnica milenar de meditação que ele batizou de transcendental. Foi ele quem ensinou a prática aos Beatles, aos Beach Boys, ao comediante Andy Kaufman e à atriz Mia Farrow nos anos 1960 e 1970. David Lynch conheceu a prática criada por Maharishi em 1977, mesmo ano em que lançou seu primeiro filme. E dedica a ele seu último livro.

Sua peregrinação pela paz mundial começou com a inauguração da David Lynch Foundation, uma organização fundada em 2005, que pretende levar a MT para escolas do mundo inteiro e, por meio dos estudantes, professores e pais de alunos, todos devidamente "transcendidos", atingir toda a humanidade.

Para começar a promover a ideia, ele fez uma turnê por 13 universidades americanas, em que era anunciado como convidado para um bate-papo informal sobre meditação e criatividade. Os estudantes apareciam, faziam perguntas, ele respondia. As sessões foram gravadas, os melhores trechos foram reunidos e transformados no livro. "Esse livro não foi escrito, e sim falado", disse. Todo o dinheiro que ganha com as vendas é doado para a fundação. Aproveitando o lançamento do livro, ele aproveita para viajar e espalhar sua mensagem. E é isso que o traz ao Brasil pela primeira vez. A turnê vai virar um documentário, seu próximo projeto cinematográfico.

Pergunto o que vem à sua cabeça quando ouve falar do nosso país. Ele toma o último gole de seu terceiro cappuccino daquela manhã, pensa por alguns segundos, então me olha e diz, com a maior serenidade do mundo: "Nada. Quero ser surpreendido".

Os escolhidos

Sete atores que ajudaram a definir a obra do diretor:

Kyle MacLachlan

O diretor e o ator americano são muito amigos e fizeram vários trabalhos juntos, entre eles "Duna", de 1984, o primeiro filme do ator, e "Veludo Azul", em 1986. Mas o agente Cooper de "Twin Peaks" foi seu papel mais marcante sob a tutela de David Lynch. De 1990 a 1991, encarnou o agente do FBI na série televisiva e depois no longa, em 1992, que seguia os momentos finais da vida de Laura Palmer.

Laura Dern

A estrela de "Império dos Sonhos", último filme do diretor, dividiu com ele o prêmio especial de colaboração no Independent Film Award de 2007. O Oscar dos filmes independentes, que costuma acontecer na tarde anterior à entrega dos prêmios da Academia, já tinha dado a Dern o prêmio de melhor atriz em 1986 pelo papel principal de "Veludo Azul". Protagonizou, ao lado de Nicholas Cage, "Coração Selvagem", de 1990.

Jack Nance

Um dos atores preferidos do cineasta, fez seis filmes e a série "Twin Peaks". Participou dos elencos de "Duna", "Veludo Azul", "Coração Selvagem" e "Estrada Perdida", o último filme de sua carreira. O ator foi assassinado em Los Angeles em 1996, antes que o longa estreasse.

Harry Dean Stanton

Aos 82 anos, com mais de cem longas-metragens na carreira, ele já trabalhou com quase todo mundo em Hollywood. Com Lynch, fez quatro filmes: "Coração Selvagem", "Twin Peaks: Os Últimos Dias de Laura Palmer", "Uma História" e "Império dos Sonhos".

Isabela Rossellini

O namoro de David Lynch com Isabela Rossellini durou desde que trabalharam juntos pela primeira vez, em "Veludo Azul", de 1986, até o diretor vencer a Palma de Ouro no festival de Cannes, em 1990, pelo segundo longa que fizeram juntos, "Coração Selvagem". O namoro era segredo, e no livro de memórias da atriz, "Some of Me", ela conta que o único beijo que deu no diretor em público foi no palco de Cannes. Ela imaginou que o relacionamento seria assumido, mas em vez disso o diretor rompeu com ela e assumiu o namoro mais secreto ainda com sua assistente de direção, Mary Sweeney, que estava grávida.

Sherilyn Fenn

No primeiro filme com o diretor, "Coração Selvagem", sua personagem não tinha nem nome. Era apenas a "garota do acidente". Mas chamou a atenção do cineasta, que deu a ela o papel da sedutora Audrey de "Twin Peaks".

Naomi Watts

A atriz britânica criada na Austrália já tinha 25 filmes na carreira quando fez "Cidade dos Sonhos", em 2001. Esse o filme a transformou em estrela. Por isso, vive dizendo em entrevistas que faria qualquer coisa que David Lynch pedisse. Pois, no ano seguinte, ele pediu que ela participasse da série "Rabbits", em que pessoas vestidas de coelho apareciam em cenas do dia-a-dia. Depois, em "Império dos Sonhos", Lynch voltou a usar os coelhos e pediu que Naomi voltasse ao "personagem". Seu rosto não aparece no filme; ela é um dos personagens coelhos.

___________

Mastroianni e Marlon Brando, que fariam 100, eram gigantes diferentes

Reunidos em mostra na Cinemateca, italiano se ancorava no carisma, já americano encarnava o método Stanislavski 

Inácio Araujo, fsp, 17/04/2024


sábado, 11 de janeiro de 2025

Hollywood e o cinema

O veículo britânico Sight & Sound publicou, recentemente (2022), uma atualização da lista de melhores filmes de todos os tempos. A revista tem distribuição feita pela BFI (British Film Institute), e o ranking é definido por um grupo internacional de profissionais do cinema.

Abaixo o ranking dos 100 filmes selecionados. Destes, 34 ganharam Oscar. Os demais [Academy Awards, USA: zero] 

1.    “Jeanne Dielman” (1975) (Imdb nota 7,5) [Academy Awards, USA: zero] 

2.    “Um Corpo que Cai” (1958) (8,3) [Academy Awards, USA: zero] 

3.    “Cidadão Kane” (1941) (8,3) [Oscar Best Writing, Original Screenplay Herman J. Mankiewicz&Orson Welles] 

4.    “Era Uma Vez em Tóquio” (1953) (8,1) [Academy Awards, USA: zero] 

5.    “Amor à Flor da Pele” (2000) (8,1) [Academy Awards, USA: zero] /

6.    “2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968) (8,3) [Oscar Best Effects, Special Visual Effects] 

7.    “Bom Trabalho” (1998) (7,3) [Academy Awards, USA: zero]  

8.    “Cidade dos Sonhos” (2001) (7,9) [Academy Awards, USA: zero]  

9.    “Um Homem com uma Câmera” (1929) (8,3) [Academy Awards, USA: zero]  

10.  “Cantando na Chuva” (1951) (8,3) [Academy Awards, USA: zero]    

11.    Aurora, “Sunrise: A Song of Two Humans” (1927) (8,1) [Vencedor Oscar Best Picture, Best Actress in a Leading Role: Janet Gaynor, Best Cinematography: Charles RosherKarl Struss] 

12.    “O Poderoso Chefão” (1972) (9,2) [Best Picture: Albert S. Ruddy, Best Actor in a Leading Role: Marlon Brando, Best Writing, Screenplay Based on Material from Another Medium: Mario Puzo&Francis Ford Coppola] 

13.    “A Regra do Jogo” (1939) (7,9) [Academy Awards, USA: zero]    

14.    “Cléo das 5 às 7” (1962) (7,8) [Academy Awards, USA: zero]    

15.    “Rastros de Ódio” (1956) (7,8) [Academy Awards, USA: zero]      

16.    “Tramas do Entardecer” (1943) (7,8) [Academy Awards, USA: zero] 

17.    “Close-up” (1989) (8,2) [Academy Awards, USA: zero]  

18.    Persona, “Quando Duas Mulheres Pecam” (1966) (8,0) [Academy Awards, USA: zero]  

19.    “Apocalypse Now” (1970) (8,4) [Best Cinematography: Vittorio Storaro, Best Sound: Walter Murch&Mark Berger&Richard Beggs&Nathan Boxer]

20.    “Os Sete Samurais” (1954) (8,6) [Academy Awards, USA: zero]  

21.    “A Paixão de Joana d’Arc” (1928) (8,1) [Academy Awards, USA: zero]    

22.    “Pai e Filha” (1949) (8,2) [Academy Awards, USA: zero]     

23.    “Playtime – Tempo de Diversão” (1967) (7,8) [Academy Awards, USA: zero]    

24.    “Faça a Coisa Certa” (1989) (7,9) [Academy Awards, USA: zero]      

25.    “A Grande Testemunha” (1966) (7,7) [Academy Awards, USA: zero] 

26.    O mensageiro do diabo, “The Night of the Hunter” (1955) (8,0) [Academy Awards, USA: zero] 

27.    “Shoah” (1985) (8,7) [Academy Awards, USA: zero]  

28.    “As Pequenas Margaridas” (1966) (7,2) [Academy Awards, USA: zero]  

29.    “Taxi Driver ” (1976) (8,2)  [Academy Awards, USA: zero]    

30.    “Retrato de Uma Jovem em Chamas” (2019) (8,1) [Academy Awards, USA: zero] 

31.    “O Espelho” (1975) (7,9) [Academy Awards, USA: zero] 

32.    “Oito e meio” (1963) (8,0) [Best Costume Design, Black-and-White: Piero Gherardi, Best Foreign Language Film] 

33.    “Psicose” (1960) (8,5) [Academy Awards, USA: zero]  

34.    “O Atalante” (1934) (7,7) [Academy Awards, USA: zero]  

35.    “Pather Panchali” (1955) (8,2) [Academy Awards, USA: zero]  

36.    “Luzes da Cidade” (1931) (8,5) [Academy Awards, USA: zero]    

37.    “M, O Vampiro de Dusseldorf” (1931) (8,3) [Academy Awards, USA: zero]    

38.    “Acossado” (1960) (7,7) [Academy Awards, USA: zero] 

39.    “Quanto Mais Quente Melhor” (1959) (8,2) [Best Costume Design, Black-and-White: Orry-Kelly] 

40.    “Janela Indiscreta” (1954) (8,5) [Academy Awards, USA: zero]  

41.    “Ladrões de Bicicleta” (1948) (8,3) [Academy Awards, USA: zero]  /

42.    “Rashomon” (1950) (8,2) [Academy Awards, USA: zero]    

43.    “Stalker” (1979) (8,0) [Academy Awards, USA: zero]    

44.    “O Matador de Ovelhas” (1977) (7,2) [Academy Awards, USA: zero]  

45.    “Intriga Internacional” (1959) (8,3) [Academy Awards, USA: zero]  

46.    “A Batalha de Argel” (1966) (8,1) [Academy Awards, USA: zero]    

47.    “Barry Lyndon” (1975) (8,1) [Best Picture, Best Director: Stanley Kubrick, Best Writing, Screenplay Adapted From Other Material: Stanley Kubrick, Best Cinematography: John Alcott, Best Art Direction-Set Decoration: Ken Adam&Roy Walker&Vernon Dixon] 

48.    “Wanda” (1970) (7,1) [Academy Awards, USA: zero]      

49.    “A Palavra” (1955) (8,2) [Academy Awards, USA: zero]    

50.    “Os Incompreendidos” (1959) (8,0) [Academy Awards, USA: zero]      

51.    “O Piano” (1922) (7,5) [Best Actress in a Leading Role: Holly Hunter, Best Actress in a Supporting Role: Anna Paquin, Best Writing, Screenplay Written Directly for the Screen: Jane Campion]  

52.    “Notícias de Casa” (1976) (7,3) [Academy Awards, USA: zero]       

53.    “O Medo Consome a Alma” (1974) (8,0) [Academy Awards, USA: zero]        

54.    “Se Meu Apartamento Falasse” (1960) (8,3) [Best Picture, Best Director: Billy Wilder, Best Writing, Story and Screenplay - Written Directly for the Screen: Billy Wilder&I.A.L. Diamond, Best Art Direction-Set Decoration, Black-and-White: Alexandre Trauner&Edward G. Boyle, Best Film Editing: Daniel Mandell]

55.    “O Encouraçado Potemkin” (1925) (7,9) [Academy Awards, USA: zero]        

56.    “Sherlock Jr.” (1924) (8,2) [Academy Awards, USA: zero]          

57.    “O Desprezo” (1963) (7,4) [Academy Awards, USA: zero]          

58.    “Blade Runner – O Caçador de Androides” (1982) (8,1) [Academy Awards, USA: zero]          

59.    “Sem Sol” (1982) (7,7) [Academy Awards, USA: zero]            

60.    “Filhas do Pó” (1991) (6,6) [Academy Awards, USA: zero]            

61.    “A Doce Vida” (1960) (8,0) [Best Costume Design, Black-and-White: Piero Gherardi] 

62.    “Moonlight: Sob a Luz do Luar” (1960) (5,8) [Academy Awards, USA: zero]            

63.    “Casablanca” (1942) (8,5) [Best Picture, Best Director: Michael Curtiz, Best Writing, Screenplay:Julius J. Epstein&Howard Koch]  

64.    “Os Bons Companheiros” (1990) (8,7) [Best Actor in a Supporting Role: Joe Pesci]

65.    “O Terceiro Homem” (1949) (8,1) [Best Cinematography, Black-and-White: Robert Krasker] 

66.    “A Viagem da Hiena” (1973) (7,0) [Academy Awards, USA: zero]             

67.    “Os catadores e eu” (2000) (7,7) [Academy Awards, USA: zero] 

68.    “Metrópolis” (1927) (8,3) [Academy Awards, USA: zero]  

69.    “Andrei Rublev” (1966) (8,0) [Academy Awards, USA: zero]   

70.    “Os Sapatinhos Vermelhos” (1948) (8,1) [Best Art Direction-Set Decoration, Color: Hein Heckroth&Arthur Lawson, Best Music, Scoring of a Dramatic or Comedy Picture: Brian Easdale] 

71.    “La Jetée” (1962) (8,2) [Academy Awards, USA: zero] 

72.    “Meu Amigo Totoro” (1988) (8,1) [Academy Awards, USA: zero]  

73.    “Romance na Itália” (1954) (7,3) [Academy Awards, USA: zero]  

74.    “A Aventura” (1960) (7,7) [Academy Awards, USA: zero]   

75.    “Imitação da Vida” (1959) (7,8) [Academy Awards, USA: zero]    

76.    “Intendente Sansho” (1954) (8,4) [Academy Awards, USA: zero]     

77.    “A Viagem de Chihiro” (2001) (8,6) [Best Animated Feature: Hayao Miyazaki] 

78.    “Um Dia Quente de Verão” (1991) (8,2) [Academy Awards, USA: zero]  

79.    “Satantango” (1994) (8,2) [Academy Awards, USA: zero]  

80.    “Céline e Julie Vão de Barco” (1974) (7,2) [Academy Awards, USA: zero]    

81.    “Tempos Modernos” (1936) (8,5) [Academy Awards, USA: zero] 

82.    “Crepúsculo dos Deuses” (1950) (8,4) [Best Writing, Story and Screenplay: Charles Brackett&Billy Wilder&D.M. Marshman Jr.,  Best Art Direction-Set Decoration, Black-and-White: Hans Dreier&John Meehan&Sam Comer&Ray Moyer, Best Music, Scoring of a Dramatic or Comedy Picture: Franz Waxman] 

83.    “Neste Mundo e no Outro” (1946) (8,0) [Academy Awards, USA: zero]  

84.    “Veludo Azul” (1986) (7,7) [Academy Awards, USA: zero]  

85.    “O Demônio das Onze Horas” (1965) (7,4) [Academy Awards, USA: zero]   

86.    “História(s) do Cinema” (1988) (6,9) [Academy Awards, USA: zero]    

87.    “O Espírito da Colmeia” (1973) (7,8) [Academy Awards, USA: zero]    

88.    “O Iluminado” (1980) (8,4) [Academy Awards, USA: zero] 

89.    “Amores Expressos” (1994) (8,0) [Academy Awards, USA: zero]  

90.    “Desejos proibidos” (1953) (7,9) [Academy Awards, USA: zero]   

91.    “The Leopard” (1962) (7,9) [Academy Awards, USA: zero]    

92.    “Contos da Lua Vaga” (1953) (8,1) [Academy Awards, USA: zero]    

93.    “Parasita” (2019) (8,5) [Best Motion Picture of the Year, Best Achievement in Directing: Bong Joon Ho, Best Original Screenplay: Bong Joon Ho&Han Jin-won, Best International Feature Film] 

94.    “Yi Yi” (1999) (8,1) [Academy Awards, USA: zero]     

95.    “Um Condenado à Morte Escapou” (1956) (8,2) [Academy Awards, USA: zero]      

96.    “A General” (1926) (8,1) [Academy Awards, USA: zero]  

97.    “Era uma Vez no Oeste” (1968) (8,5) [Academy Awards, USA: zero]    

98.    “Corra!” (2017) (7,8) [Best Original Screenplay: Jordan Peele] 

99.    “Garota Negra” (1966) (7,4) [Academy Awards, USA: zero]    

100.    “Mal dos Trópicos” (2004) (7,1) [Academy Awards, USA: zero]      

quinta-feira, 9 de janeiro de 2025

Eunice Paiva por Ailton Krenak

Ailton Krenak: ‘É impossível contar história do movimento indígena na ditadura sem falar de Eunice Paiva’

Escritor, ativista e imortal da Academia Brasileira de Letras fala sobre o legado de Eunice Paiva, advogada retratada no filme “Ainda Estou Aqui”, de Walter Salles.

Por Amanda Mazzei, cbn/globo, 13/11/2024 

Eunice Paiva e Ailton Krenak — Foto: Reprodução/TV Globo e Reprodução/Instagram

“Um dia cheguei na casa dela, tinha na sala um krenak, Ailton, de quem ficou muito amiga”, escreveu Marcelo Rubens Paiva sobre a mãe, Eunice Paiva, em seu livro “Ainda Estou Aqui” (2015). 

Naquele tempo, Eunice e Ailton “assumiram causas monumentais”, nas palavras de Krenak, para defender da ditadura militar indígenas de diversas partes do Brasil – segundo relatório da Comissão Nacional da Verdade, milhares foram mortos em decorrência da ação direta de agentes governamentais ou da sua omissão.

Quem leu “Ainda Estou Aqui” ou assistiu ao filme homônimo de Walter Salles, que estreou no dia 7 de novembro nos cinemas brasileiros, entrou em contato com a força de Eunice Paiva. O destaque maior em ambas as obras é para a luta por justiça pelas violências da ditadura e sua “resistência através do afeto” (como classificou a atriz Fernanda Torres). Viúva sem que soubesse a princípio, cuidou dos cinco filhos e fez de tudo para proteger a memória do marido, o ex-deputado Rubens Beyrodt Paiva, torturado, desaparecido e morto pelo governo.

Eunice se formou em Direito e passou a advogar depois da tragédia, engajada não apenas por sua causa pessoal e familiar, mas pela defesa dos direitos humanos. Integrou o movimento das Diretas Já e foi uma das primeiras críticas à Lei de Anistia, se tornando um dos símbolos da luta contra o autoritarismo, e participou da Assembleia Constituinte.

Mas uma parte importante de seu legado, relatada no livro do filho, é menos lembrada pelas mídias: ao se tornar uma das poucas especialistas em direito indígena em sua época, Eunice trabalhou junto a movimentos e lideranças indígenas e se dedicou a garantir demarcações de terras, indenizações e outras proteções a povos em vulnerabilidade desde a colonização portuguesa.

Eunice fez parte da fundação do Instituto de Antropologia e Meio Ambiente (IAMA), ONG que atuou até 2001 na defesa e autonomia dos povos indígenas. Foi voluntária da Comissão Pró-Índio. Na Constituinte, contribuiu para a criação dos artigos 231 e 232, que tratam dos direitos dos povos indígenas. Escreveu artigos e um livro. Tornou-se consultora do Banco Mundial e da ONU, participou de fóruns internacionais e debates na televisão.

“Ela foi mais que uma advogada. Considero Eunice uma verdadeira jurista”, disse Ailton Krenak em uma pré-entrevista por telefone. Depois, em conversa por videoconferência, o escritor, filósofo, ativista do movimento socioambiental e direitos indígenas e imortal da Academia Brasileira de Letras contou suas memórias de Eunice Paiva, “que agia como o Ministério Público antes de existir Ministério Público”; do trabalho com os companheiros indígenas e não-indígenas; e do momento que viveram naquela etapa final da ditadura militar e redemocratização.

Como o senhor conheceu Eunice Paiva?

Ailton Krenak: Nos anos 80, pairava ainda um clima de muita vigilância policial. A luta contra a tortura e para a soltura de presos políticos ainda estava acontecendo. E, admiravelmente, a nossa querida Eunice Paiva, no meio de todo esse enfrentamento contra a ditadura, arrumou tempo para ser voluntária da Comissão Pró-Índio, uma iniciativa de antropólogos e juristas para defender os direitos indígenas contra toda a violência institucional que estava implantada.

A nossa Comissão Pró-Índio assumiu vários enfrentamentos. Eu era um dos membros, junto com outras pessoas que lutaram, como o professor Dalmo Dallari e Carlos Frederico Marés, a professora Manuela Carneiro da Cunha, a professora Lux Vidal, com outros colegas da USP e PUC... Eram pessoas excepcionais, que arriscaram suas vidas pela defesa dos direitos humanos. Foi nesse tempo que eu tive quase que a minha formação na área dos direitos. Eu trabalhava e convivia com eles em reuniões duas a três vezes por semana.

O que é interessante é que a minha relação, a minha convivência, com a doutora Eunice foi se tornando tão gentil que eu frequentei a casa dela em São Paulo e conheci o Marcelo e as meninas. Foi um tempo muito rico de afetos, de experiências, de convivência com a cultura, e uma ampliação dos meus horizontes também como pessoa, porque eu estava exilado do meu território Krenak em Minas Gerais, onde finalmente pude voltar a viver com a minha família.

Mas eu fiquei mais de 20 anos nessa rendição política, nesse exílio político, liderando o movimento indígena, que foi resultar na Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), que é esse movimento que tem hoje. Ele nasceu das nossas jornadas, onde a nossa querida Eunice Paiva, além dessas pessoas que eu mencionei, sempre esteve orientando a perspectiva jurídica do movimento indígena para que a gente não pisasse em bombas.

Eunice Paiva e indígenas Pataxó Hã-Hã-Hãe, em retomada de terra indígena no sul da Bahia. — Foto: Arquivo de Marcelo Rubens Paiva

Como foi o trabalho da Eunice e dos outros aliados junto ao senhor e o movimento dos povos indígenas para conseguir garantias constitucionais e proteger direitos em meio à repressão?

Ailton Krenak: Não era um pequeno comitê. Era muita gente. Além de advogados e antropólogos, tinha engenheiros, geólogos, etc. A gente se constituiu em um coletivo muito amoroso, muito integrado. Não era uma burocracia. E a gente tinha muita afinidade uns com os outros.

Em uma ocasião, depois da campanha das Diretas Já, nos debruçamos sobre produzir uma proposta de capítulo dos indígenas na Constituição. O artigo 231 e 232 saíram dessa fornalha. Juristas e constitucionalistas, que conheciam a história das Constituições brasileiras, nos instruíam como evitar armadilhas. E a gente tentou evitá-las de toda maneira. Uma dessas armadilhas que tentamos evitar, aconselhados pelo Dalmo, pela Eunice, pelo Maré, e outros juristas, era que a gente não incluísse a questão relativa à autorização da mineração em terra indígena. Conseguimos bloquear isso. No texto da Constituição, a gente não abre a possibilidade de a mineração acontecer dentro dos territórios indígenas, e deixamos isso como alguma coisa que ia ser definida no futuro. E esse futuro sempre bate à nossa porta em diferentes formatos. Um deles é o Marco Temporal, que diz: “não demarca a terra para os índios e entra com o que quiser lá dentro”.

Era um balcão de assistência jurídica, literalmente. Além dos projetos de longa duração, como a Constituinte, tinha processos contra a emancipação, ação contra outras violências muito amplas contra o povo indígena... Esse balcão atendia qualquer demanda.

As lideranças indígenas apareciam nessas agendas quando estavam sendo ameaçadas, ou quando o seu território era invadido, ou uma hidrelétrica ia cair em cima da cabeça deles. E aí eram todos, desde o Mário Juruna, que se tornou deputado e que precisava de assistência jurídica para exercer o mandato, até o Marcos Terena, que foi junto comigo uma das lideranças que ergueu esse movimento indígena, Álvaro Tukano, o Idjarruri Karajá, o Domingos Veríssimo Terena, que era um membro do conselho da Comissão Pró-Índio, os nossos parentes Kaingang do Paraná, do Rio Grande do Sul, os Guarani de São Paulo...

Foi dessas experiências que se produziu também uma literatura sobre direitos indígenas. Você vai encontrar artigos da doutora Eunice Paiva debatendo os textos da Constituição e anteriores à Constituinte de 1988, discutindo outras questões relativas aos direitos dos povos indígenas na chave de direitos humanos.

Sobre os debates em televisão, em jornal e universidades como USP e PUC, participávamos com uma frequência bem perceptível. Naquele tempo, a TV Cultura tinha um programa, que acontecia à tarde, que convidava pessoas para discutir temas importantes. Não foi apenas uma vez que participei de debates lá e também de outras discussões, onde a presença da dona Eunice era tão importante que eu só estaria naquele debate junto com ela, porque eu ia fazer afirmações políticas que precisavam de garantia jurídica.

A gente assumia causas monumentais. A doutora Eunice participava dessas pautas todas. Eu acho que ela e os colegas daquela época expressavam um tipo de compreensão dos direitos humanos e da emergência da sociedade brasileira que hoje não se vê com essa dimensão. Acho que foi um período de grande mobilização da vida política brasileira, que hoje eu olho em perspectiva e não acredito que a gente virou um povo tão medíocre.

Ailton Krenak em discurso na Assembleia Constituinte. — Foto: Reprodução

Notícia de debate com Eunice Paiva, Ailton Krenak, Dalmo Dallari, Lux Vidal. — Foto: Folha de S.Paulo/ Recuperado por Mariana Rodrigues Festucci Ferreira no artigo "Eunice Paiva: uma Antígona brasileira na defesa dos direitos humanos para além da finda-linha"

Vocês foram perseguidos pela ditadura? Marcelo Rubens Paiva conta em “Ainda Estou Aqui” que Eunice era sempre vigiada pelo regime.

Ailton Krenak: Nós vivemos muitas experiências de perseguição. Eu só fiquei sabendo quando abriram os arquivos do SNI (Sistema Nacional de Informações). Eles vigiavam até quando você pegava um ônibus na rodoviária, com quem se reunia, quando saia uma matéria em jornal, o que você estava falando. Guardavam as falas para poder usar contra nós depois.

E essa perseguição chegou, em alguns momentos, a beirar o pânico, como quando sobrevoaram com um helicóptero militar um lugar onde a gente estava reunido. Tinha todo tipo de baixaria. Eles queriam nos apavorar.

Qual o legado de Eunice Paiva para o direito indígena?

Ailton Krenak: Eunice é de uma expressão tão grande que é impossível contar a história do movimento indígena nos anos 70 e 80 sem fazer referência à contribuição dela, tanto do ponto de vista jurídico quanto do ponto de vista humanitário, de acolher, defender e encarar a ditadura para que esses povos pudessem finalmente inscrever na Constituição os seus direitos e se fazerem cidadãos. Creio que a nossa querida Eunice via a questão indígena como uma questão dos direitos humanos, não como uma coisa étnica. É assim que ela atuava.

Até a Constituição de 88, a gente não era cidadão, a gente não podia nem assinar uma ação contra o Estado. A gente tinha que ser acompanhado por juristas, como o Dalmo Dallari, como a Eunice Paiva, e outros. Eles assinaram ações contra o Estado em nosso nome, por nós. Eles assumiram o risco por nós. Eles confrontaram a arrogância do Estado brasileiro que tinha tutela exclusiva dos indígenas.

Antes de o Ministério Público existir, eles já exerciam isso que o Ministério Público veio a assumir como tarefa sua, que é a defesa dos direitos difusos e coletivos – a proteção do meio ambiente, dos indígenas e das pessoas que são consideradas juridicamente incapazes. Quando você vê alguém falando que o Ministério Público denunciou, entrou com ação, fez não sei o quê, a Eunice Paiva já fazia isso antes de o Ministério Público existir. Está bom?

Acho que ela tinha uma consciência muito grande de que existia o risco de os indígenas serem capturados por ideologias perigosas. Fosse a de ir para uma luta desigual, em que seríamos massacrados, ou mesmo que a gente fosse cooptado por um pensamento idiota de explorar as terras indígenas para ganhar dinheiro.

Fomos muito apoiados por essas pessoas boas, que ajudaram para que o movimento indígena alcançasse, em tão pouco tempo, a relevância que alcançou. Hoje a gente tem a Joenia Wapichana como presidente da Funai, a gente tem advogados e advogadas indígenas defendendo o direito do indígena no STF, admitidos em debates de alta relevância.

E temos uma ministra, a Sonia Guajajara. A gente não precisa ficar cantando muito isso, porque é uma situação precária. É um ministério que não tem todas as prerrogativas que os outros ministérios da grana têm. Ele é um ministério da minoria. Assim como as pastas dos Direitos Humanos e Meio Ambiente, são as políticas menores do Estado brasileiro. E os indígenas estão dentro dessas políticas menores do Estado brasileiro. Mas o que é importante é olhar que, dos anos 70 e 80 até agora, para quem ia desaparecer, com a ajuda de pessoas incríveis, esses indígenas conseguiram constituir um movimento que hoje tem repercussão internacional.

Eunice teve uma atuação internacional também, certo?

Ailton Krenak: Sim. Ela teve expressão nos fóruns internacionais que estavam produzindo a Declaração Universal dos Direitos dos Povos Indígenas que finalmente existe e que o Brasil é um signatário, na Convenção 169 de Genebra… Ela atuava no direito internacional com a mesma desenvoltura que discutia as questões internas no Brasil.

Eunice Paiva ao lado de Marcelo Rubens Paiva. — Foto: Reprodução/Instagram

O senhor esteve com Eunice Paiva antes de ela adoecer com Alzheimer?

Ailton Krenak: Enquanto eu convivi com ela, era lúcida e ativa. Eu só tive notícia de que Eunice estava com dificuldade de participar ativamente do convívio quando seus filhos deram notícia de que ela estava com a saúde debilitada. Mas ela já tinha vencido o bom combate dela, já tinha confrontado e condenado o Estado brasileiro. Ela é uma mulher vitoriosa. A família toda é. Também gosto muito do Marcelo e das meninas.

Eunice chegou a comentar alguma vez com o senhor como surgiu o interesse e a dedicação pelos direitos indígenas?

Ailton Krenak: Não precisava. Nós éramos uma geração de pessoas que entendia que a vida brasileira implicava luta, e nós todos estávamos na luta contra a ditadura. A família dela tinha sofrido uma violência enorme, ela não tinha que nos explicar o que estava fazendo ali. Ela era bem-vinda e pronto.

O que acha do lançamento do filme “Ainda Estou Aqui”?

Ailton Krenak: Eu acho que vão sair outros. Essas histórias nunca são completas. A gente vai conhecer cada vez mais. Eu acho muito bem-vindo, não sei por que ainda não tinham feito [risos]. Vai acontecer, ainda vai ter mais abordagens dessa história, talvez costurando ela com outras famílias, outras pessoas que também sofreram a mesma violência do Estado.

__________________

Defendam os Pataxó

Folha de São Paulo, 18/10/1983

Artigo da antropóloga Manuela Carneiro da Cunha e da advogada Eunice Paiva remonta em detalhes todo o histórico do conflito fundiário que envolve os índios Pataxó Hã-Hã-Hãe e fazendeiros do sul da Bahia. 

Deixemos as discussões sobre a forma do discurso do deputado Mário Juruna, falemos do conteúdo. Seu tema central, esquecido durante a tormenta, era a situação dos índios Pataxó Hã-hã-hãe do sul da Bahia.

Os fatos: em 1926, é criada uma reserva de 50 léguas quadradas para os índios e pacificam-se grupos arredios da região. Em 1936, a reserva é demarcada, mas já mutilada: 36.000 ha são garantidos e o SPI leva para essa zona de refúgio remanescentes de aldeamentos extintos. A partir de 1937, o SPI arrenda parcelas da reserva a fazendeiros. Arrendatários, posseiros e grileiros, sem nenhuma fiscalização do SPI, começam a expulsar os índios, em ondas periódicas de grande violência. Na década de 60, os Postos Indígenas são desativados: os arrendamentos deixam de ser cobrados. Os índios estão abandonados. Muitos refugiam-se em Minas Gerais, junto aos Maxacalis, outros, que recusam deixar a área, resignam-se a trabalhar como empregados dos invasores. Um pequeno grupo resiste em um alqueire em torno das ruínas do Posto Indígena. Nos anos 70, o governo da Bahia começa a distribuir títulos de propriedade sobre terras da reserva.

Em abril de 82, cerca de 60 índios voltam à área, vindos de Minas Gerais. Conseguem a proteção da Funai, que restabelece o Posto Indígena, e a da Polícia Federal. Instalam-se na Fazenda São Lucas. A essas alturas, o enfrentamento com o governador Antônio Carlos Magalhães, então em plena campanha eleitoral, torna-se agudo. A Funai começa a recuar. Verdade é que em junho de 82 inicia uma ação declaratória de nulidade referente aos títulos de propriedade que o governo do Estado havia expedido sobre terras indígenas. Mas cabe perguntar se não se trata de uma saída protelatória: a forma global como foi proposta a ação, na medida em que implica na citação de cerca de 400 réus, muitos de domicílio desconhecido, acarreta em processo que pode se arrastar por mais de dez anos! Ações parciais que fossem recuperando áreas menos problemáticas seriam visivelmente mais eficazes. A sugestão já foi feita à Funai, que não se manifestou.

Em setembro de 82, a Funai encaminha ao governo do Estado da Bahia proposta segundo a qual os índios contentar-se-iam com 6.500 ha e renunciariam aos 29.500 ha restantes. Os índios negam terem sido consultados sobre tal proposta da qual declaram ter tido informações pelos jornais. De sua parte, o governo da Bahia rejeita esse acordo e propõe a transferência dos índios!

Cedendo a argumentos eleitoreiros, a Funai converte-se em agente direto do partido no governo: tenta dividir os índios, em outubro de 82 acelera uma transferência, apresentada como provisória — até as eleições de 15 de novembro — de 200 índios para a Fazenda Almada, de Itabuna, a 15 km de Ilhéus. Enquanto uns 200 índios iam cedendo, cerca de 65 resistem às pressões da Funai e permanecem na área, apesar das ameaças de retirada da proteção da Polícia Federal e do corte de alimentos. A divisão em torno da transferência gera uma cisão que viria a ter sérias consequências.

Depois das eleições, não se cumprindo a promessa de reassentamento, os índios voltam, à revelia da Funai, para a Fazenda São Lucas. Entre eles e os que haviam resistido a transferência, haviam mútuas suspeitas. A Funai promove a eleição de um cacique sem sustentação real ligado a um dos grupos. Durante uma discussão, esse infeliz biônico, acusado de compactuar com a Funai num acordo que redundaria na perda da maior parte da reserva, é morto em junho de 83 por um líder do grupo adverso. Três índios são presos e aguardam julgamento. A partir dessa tragédia, este grupo sai da Fazenda São Lucas e é abandonado pela Funai. São estes os índios que retomam, em agosto de 83, uma outra área da reserva, a Fazenda Providência. Cercados pela Polícia Militar, por sua vez cercada pelos fazendeiros em pé de guerra, sem mantimentos e sem apoio da Funai, os índios acabam sendo retirados numa madrugada de domingo, no dia 25 de setembro, e são realojados na Fazenda São Lucas. Apesar de todo o seu passivo, as duas facções conseguiram chegar nas últimas semanas a um entendimento. Mas com a tensão reinante, a situação pode tornar-se novamente explosiva.

Os Pataxós estão acuados: são mais de 750 na Fazenda São Lucas, em barracas que já apodreceram. Estão na inteira dependência da Funai para sua alimentação; a transferência para a Almada, no fim do ano passado, não permitiu o cultivo das roças; faltam ferramentas e sementes. Mais grave ainda, estão sem água potável. Esta se encontra a 1 km, mas os fazendeiros não lhe permitem o acesso.

Nesta situação, a quem recorrer? Há a Funai que, enquanto tutora, deveria encaminhar a vontade expressa dos seus tutelados, mas está substituindo sua voz à deles. Coloca-se em posição que não lhe cabe, de mediadora e até de juiz entre toda a sorte de interesses e os direitos dos índios. E sejamos claros: a Funai, supondo mesmo que quisesse cumprir seu papel, está atrelada a um sistema no qual os direitos indígenas são a última das preocupações. Que autonomia pode ter um órgão do Ministério do Interior diante de um governador ou de um ministro? A impotência da Funai tem analogias com a do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana, órgão do Ministério da Justiça na época da repressão.

Há a Justiça que se tem manifestado favoravelmente na questão da Fazenda São Lucas e na qual estão depositadas muitas esperanças. Mas o ritmo da Justiça pode não acompanhar o ritmo dos acontecimentos, o tempo é contra os Pataxós.

Há a Comissão Parlamentar de Inquérito, recém-criada: havia planejado uma ida à área, que foi adiada. É essencial que vá, que informe os índios sobre o andamento dos processos na Justiça, que os faça sentir que não estão abandonados, que lhes infunda confiança e um pouco mais de paciência, para que se evitem catástrofes. E que também negocie com os fazendeiros o acesso à água potável.

Há enfim a opinião pública. Um grupo de índios que resiste a todas as violências conseguirá comovê-la? Defendam os Pataxós.


MANUELA CARNEIRO DA CUNHA é antropóloga, professora da Unicamp. Foi a pesquisadora responsável pelo Programa Indígena, do Idesp e faz parte da Comissão Pró-Índio de São Paulo.

EUNICE PAIVA é advogada e atualmente assessora a Comissão Pró-Índio de São Paulo.

Documento disponível no site Terras Indígenas do Brasil.

Para saber mais sobre a atuação de Eunice Paiva em apoio aos povos indígenas do Brasil, acesse esta reportagem da Agência Pública


sexta-feira, 3 de janeiro de 2025

Cadê Maria Gladys

Maria Gladys, avó de Mia Goth, é encontrada após filha relatar desaparecimento

Atriz de 85 anos está no Rio de Janeiro; filha pede desculpas e diz que 'entrou em pânico'

A atriz Maria Gladys - Divulgação/Globo

f5, fsp, 02/01/2025 

A atriz Maria Gladys, 85, deixou sua filha preocupada na virada do ano. Depois de não encontrar a mãe no apartamento em que estava ficando no Rio de Janeiro, Maria Thereza Mello Maron fez uma postagem no Facebook dizendo que ela estava desaparecida. Gladys, porém, foi encontrada algumas horas depois do post.

"Amigos, Maria Gladys está desaparecida desde ontem as 5 da manhã! A polícia diz que precisa esperar 24 horas. Não sei o que fazer! Socorro!", dizia o post de Maria Thereza na manhã desta quarta-feira (1º).

Cerca de duas horas depois, ela retornou à rede social para esclarecer que tinha encontrado a mãe. "Consegui achá-la. Está no Hotel Venezuela, no Flamengo. Desculpem o susto é porque ela está em um apartamento na Sá Ferreira e quando cheguei e não a encontrei, entrei em pânico", escreveu.

Imagens da atriz Maria Gladys

Gladys foi fotografada com fãs no Réveillon carioca. @mlugalli Em uma das postagens, usuária do X (ex-Twitter) publicou duas fotos com a atriz e escreveu: "eu e a avó da atriz americana Mia Goth". 

Mia Gypsy Mello da Silva Goth é protagonista dos filmes "MaXXXine", "X —A Marca da Morte" e "Pearl" e casada com o ator e diretor Shia LaBeouf.

A história que revela o parentesco com a atriz de Hollywood começa com o exílio de Gladys no Reino Unido durante o período da ditadura militar e parece seguir um roteiro de cinema.

Naquela época, de um namoro "simples, mas com liberdade", como ela disse, veio uma gravidez. Contudo, a paternidade só foi mesmo descoberta na volta da atriz ao Rio de Janeiro, quando um amigo viu que o filho do antigo namorado da atriz era bastante parecido com Raquel Goth, filha de Maria Gladys. Contato feito, amostras de DNA coletadas e pronto, caso confirmado.

Sem Frescura 2004 - Maria Gladys