sexta-feira, 27 de dezembro de 2024

O amor começa ... e acaba

89 motivos para um amor acabar

A mais linda crônica brasileira de desamor, e o fim do romance do autor, Paulo Mendes Campos, com Clarice Lispector

Por Joaquim Ferreira dos Santos, O Globo, 16/12/2024

O amor tem cheiro de morte (Clarice L.)

Na vida real é melhor ser alegre que ser triste, é melhor o primeiro “eu te amo” do que o definitivo “tudo acabado entre nós”, mas na poesia, na arte da escrita, quem há de negar a superioridade lírica do desencontro, da porta que se bate, do eu desconfio que o nosso caso está na hora de acabar?

O amor acaba, e graças a Deus este não é um desabafo sobre o que vai no cotidiano do cronista, não é um depoimento na primeira pessoa sobre a dor de viver tamanha tragédia. O que agora segue é a comemoração dos 60 anos da mais bonita crônica sobre esse acontecimento inevitável na alma dos homens, no coração das mulheres ou onde mais ele se instale, infeliz, na vida de quem quer que seja. Em 1964, na revista Manchete, o mineiro Paulo Mendes Campos escreveu a página antológica que começa assim:

“O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas;....”

Separadas apenas pelo soluço do ponto-e-vírgula, sem perder tempo em abrir parágrafo para pausar por mais tempo a tristeza do que vai escrito, Paulo Mendes Campos relaciona 89 maneiras de um amor sair de cena, ir ali na esquina comprar cigarros e desejar jamais ter existido, jamais ter havido aquele dia em que os olhos se cruzaram no elevador da empresa, o coração bateu despudorado na mesa do bar, e todos os demais clichês de quando um amor começa, com seus drinques coloridos e mãos se imiscuindo umas nas outras, naquela euforia inocente de que nunca mais dali sairão.

A crônica “O amor acaba” (ler aqui) é o que se chama de poesia em prosa, e uma semana depois, impactado por sua beleza, o capixaba José Carlos Oliveira responderia no Jornal do Brasil também com uma crônica, “O amor começa” (ler aqui). Abusava do mesmo lirismo e entre outros 89 motivos dizia “o amor começa quando na penumbra do cinema um perfil se entrega a quem perdeu o interesse no filme”. Carlinhos apostava que o fim e o início de um amor são fenômenos da mesma lei que regula o imponderável da existência e, “de quatro milhões em quatro milhões de anos, congela uma quantidade dada de fogo em bolas autônomas que rolarão durante algum tempo ao redor de um eixo proposto por ninguém e por nada”.

Paulo Mendes Campos era casado com uma inglesa quando teve um romance com a escritora Clarice Lispector, aquela que disse “o amor tem cheiro de morte” , e eram vistos nas ruas escondidas do Leme pelo jornalista Ivan Lessa, aquele que sobre o casal disse, “em termos de neurose, foram feitos um para o outro”.

O amor desses dois neuróticos geniais acabou em 1964, mesmo ano de “O amor acaba”, e o motivo foi a esposa traída ter ameaçado voltar para Londres levando o filho. Não era um motivo lírico como os 89 da crônica, mas, o que fazer?, se “na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares, o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba”. 

Paulo Mendes Campos e Clarice Lispector: o amor acaba — Foto: Fotos de internet

****
NB: Fora do texto - O amor é eterno. Se acabou, não era amor (Nelson Rodrigues)

Nenhum comentário:

Postar um comentário