A motivação
Assisti ao filme "A última sessão de Freud" (Freud's Last Session, 2023, direção de Matt Brown) na HBO MAX.
Filme, baseado numa peça de teatro de autoria de Mark St. Germain, cujo enredo trata de um possível diálogo / debate entre Sigmund Freud e C.S.Lewis (das Crônicas de Nárnia).
Um dialogo me intrigou: C.S.Lewis: Há um santo católico na sua estante. Freud: É Santa Dimpna, da Irlanda. Ela é a padroeira dos loucos e dos perdidos. C.S.Lewis: Faz sentido.
Santa Dimpna era a filha de um rei irlandês pagão e de sua esposa cristã no século VII e que foi assassinada por seu pai. A história de Santa Dimpna foi relatada pela primeira vez no século XIII num cânone da Igreja de Santo Alberto em Cambrai, encomendado pelo bispo da cidade, Guido I (1238-1247). O autor afirma expressamente que seus escritos foram baseados numa tradição oral muito antiga e em persistentes histórias de curas milagrosas e inexplicáveis de pessoas acometidas por doenças mentais. De acordo com o que Petrus Cameracencis, cônego de Cambrai, Dimpna nasceu em 636, sendo filha de um rei pagão da Irlanda, chamado Damon, com uma piedosa cristã muito devota, de nome ignorado. Ela tornou-se cristã e foi batizada secretamente. Com 14 anos, consagrou-se à Jesus Cristo, fazendo voto de virgindade.
Pouco depois, a mãe de Dimpna morreu. O rei Damon tinha uma atração profunda por sua esposa e, após a morte dela, sua saúde mental piorou drasticamente. Por fim, os conselheiros do rei persuadiram-no a se casar novamente. Damon concordou, mas apenas com a condição de que sua noiva fosse tão bonita quanto sua finada esposa. Depois de procurar em vão, Damon começou a desejar um relacionamento incestuoso com a sua própria filha devido a forte semelhança física com a mãe.
Quando Dimpna soube das intenções de seu pai, ela jurou cumprir seus votos e então fugiu de sua corte junto com seu confessor, o padre Gereberno e dois cortesões. Juntos, eles navegaram em direção ao continente europeu, desembarcando em Antuérpia, na atual Bélgica, vindo a se refugiar nas florestas de Geel. .
Uma vez estabelecida em Geel, Dimpna construiu um hospício para os pobres e doentes da região. No entanto, seu pai acabou descobrindo seu paradeiro, já que algumas das moedas usadas permitiram que o rei as rastreasse até a Bélgica. Dirigindo-se até lá, Damon ordenou que seus soldados matassem o padre Gereberno e tentou forçar Dimpna a retornar com ele para a Irlanda, mas ela resistiu fortemente. Furioso, o rei desembainhou a espada e decapitou sua filha. Ela tinha então 15 anos quando foi martirizada, em 650. Os residentes de Geel os sepultaram em uma caverna próxima e, anos depois, decidiram remover os restos mortais, colocando-os em um relicário de prata e depositando-os em uma igreja em Geel construída em sua homenagem.
No século XIII uma casa foi construída ao lado da capela para acomodar o crescente número de peregrinos, e então um manicômio real, que ainda está ativo. Em 1349, uma igreja maior foi construída e em 1374 Geel já contava 2.136 habitantes. Por volta de 1480 a Igreja de Santa Dimpna original incendiou. Como o número de peregrinos que vinham de toda a Europa, em busca de tratamento para distúrbios psiquiátricos, era grande demais, a nova "Igreja de Santa Dimpna" foi ampliada consideravelmente, sendo consagrada em 1532. Mas logo depois este santuário para os considerados "loucos" estava novamente lotado, e os habitantes da cidade começaram a recebê-los em suas próprias casas. Assim se iniciou uma tradição de cuidado permanente aos portadores de problemas psiquiátricos que perdura há mais de 500 anos e é estudada e admirada até hoje. Os pacientes foram, e ainda são, levados para as casas dos cidadãos de Geel. No entanto, eles não são chamados de pacientes, e sim de internos, e são tratados como membros da família anfitriã, comuns e úteis à cidade. Trabalham, na maioria das vezes em trabalhos braçais e, em troca, tornam-se parte da comunidade. Alguns permanecem alguns meses, algumas décadas, alguns por toda a vida. Em seu pico na década de 1930, mais de 4.000 "internos" foram alojados com os habitantes da cidade.
Santa Dimpna é a santa padroeira das pessoas que padecem de transtornos mentais e neurológicos bem como dos centros de saúde e de profissões médicas relacionadas à saúde psíquica.
Santa Dinfna, virgem e mártir Padroeira dos Psicólogos e Psiquiatras, Profissionais de Saúde Mental, Padroeira dos que sofrem com distúrbios e transtornos mentais, dos que sofrem abusos dos pais. Variações de grafias: SANTA DINFNA, SANTA DIMPNA, SANTA DYNPHNA
Sobre o filme
O embate Freud versus Lewis (Deus não, Deus sim) tem como fundo o iminente início da 2ª guerra e a doença terminal de Freud. A morte ronda o enredo. O pensamento incisivo de Freud e o pensamento dogmático de Lewis. E Anna Freud perambula pela cabeça do pai com certo sentimento de posse.
Algumas observações de Tais Zago:
O ano é 1939 e a Inglaterra acaba de declarar guerra à Alemanha após a tomada da Polônia pelos nazistas. Entre sirenes, máscaras de gás, exercícios de evacuação e acolhimento em bunkers improvisados, a população de Londres se aglomera em estações de trem e em vias de saída da cidade na busca de refúgio nas zonas rurais. A ameaça de bombardeio à metrópole inglesa por parte dos alemães acabava de se tornar uma possibilidade real. Em sua casa, no subúrbio londrino de Hampstead, Sigmund Freud (Anthony Hopkins) padece de um câncer bucal terminal enquanto tenta manter uma rotina de relativa normalidade. Acompanhado de sua filha – e fiel cuidadora – Anna (Liv Lisa Fries), o psicanalista se encontra em suas últimas semanas de vida. Anna, que seguiu os passos do pai e se especializou em psicanálise e pedagogia, leciona e comanda sua própria clínica direcionada ao tratamento de crianças ao lado de sua companheira de vida Dorothy (Jodi Balfour). Entre Freud e Anna a relação é de codependência e admiração. Anna coloca o pai em um pedestal e cuida dele como uma mãe.
Na zona central de Londres, em meio ao turbilhão de pessoas atarantadas, C.S. Lewis (Matthew Goode) inicia seu percurso até a casa de Freud. O professor de Oxford acabara ficando intrigado com o convite do terapeuta após esse ler o seu livro de ficção “The Pilgrim’s Regress” (1933). Freud era um notório ateísta e Lewis, até pouco tempo, compartilhava da mesma opinião. Mas, como é bastante comum entre pensadores questionadores, Lewis teve uma mudança radical de opinião e passou a defender a existência de Deus se dedicando ao estudo do cristianismo. Lewis fazia parte do grupo de ex-estudantes, escritores e professores da universidade de Oxford que se autointitulava “the inklings” e do qual J.J.R. Tolkien também participava. Além disso, ambos autores tiveram experiências traumáticas em suas épocas de soldados durante a Primeira Guerra Mundial, algo que, assim como ocorreu com Tolkien, marcou Lewis, e consequentemente sua obra, de uma forma profunda.
“Freud’s Last Session” nasceu como peça de teatro pelas mãos do dramaturgo Mark St. Germain. Germain, por sua vez, usou como base de seu roteiro a obra “The Question of God: C.S. Lewis and Sigmund Freud Debate God, Love, Sex, and the Meaning of Life” do professor de psiquiatria Armand Nicholi. A semente do encontro ficcional inusitado surgiu com o boato de que Freud, pouco antes de sua morte, havia passado o dia com um suposto professor da universidade de Oxford. A partir daí Nicholi e Germain criaram a conversa imaginária que poderia ter ocorrido entre os dois sobre os mais diversos campos da vida – morte, sexo, religião, família, política e trauma. A adaptação das obras originais de Nicholi e Germain para o cinema, veio pelas mãos do diretor e roteirista Matt Brown (The Man Who Knew Infinity / 2015). Brown pegou para si a complicada tarefa de tornar psicanálise, existencialismo e filosofia temas palatáveis para o grande público. Algo que não é novidade na Hollywood de obras como “Spellbound” (1945) de Hitchcock, “Kinsey” (2004) de Bill Condon ou “Um Método Perigoso” (2011) de David Cronenberg.
A questão importante aqui é a abordagem escolhida em relação ao momento histórico e o contexto pessoal dos personagens. O mundo estava no início de mais uma guerra mundial, Freud estava à beira da morte e Lewis ainda lidava com os fantasmas de seus traumas relacionados ao tempo de soldado. O resultado é uma discussão extensa e soturna com elementos pragmáticos e um cenário centrado no escritório de Freud. Como contraponto o diretor nos oferece diferentes flashbacks de memórias de ambos os autores em seus devaneios e lembranças de infância, juventude e guerra. Nisso apenas dois personagens principais dividem o enorme vazio do palco (mais certeiramente eu diria que seria uma arena) em um combate derradeiro onde a espada é a palavra e o questionamento a munição. Temos Goode e Hopkins diante de uma situação extrema onde ambos baixam suas guardas e expõem suas fragilidades, porém sem nunca perder o humor – no caso de Freud – e o sarcasmo -no caso de Lewis.
Fim de papo
Ateu confesso tenho comigo, na estante uma escultura de São Jorge, o santo dos ferrados, ferradas e outsiders. Caso encontre uma escultura da Santa Dimpna é certo que ela fará companhia ao Jorge. É bom lembrar que Deus prefere os ateus.
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