O conceito "ação" no Fausto, na Bíblia e em Vygotsky
Fausto
Escrito está: "Era no início o Verbo" (3)
Começo apenas, e já me exacerbo!
Como hei de ao verbo dar tão alto apreço?
De outra interpretação careço;
Se o espírito me deixa esclarecido,
Escrito está: No início era o Sentido!
Pesa a linha inicial com calma plena,
Não se apressure a tua pena!
É o sentido então, que tudo opera e cria?
Deverá opor! No início era a Energia!
Mas, já, enquanto assim o retifico,
Diz-me algo que tampouco nisso fico.
Do espírito me vale a direção,
E escrevo em paz: Era no início a Ação! (4) [1]
A Bíblia
Versão 1
No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com Deus, e o Verbo era Deus. Ele estava no princípio com Deus. Todas as coisas foram feitas por intermédio dele, e, sem ele, nada do que foi feito se fez. A vida estava nele e a vida era a luz dos homens. A luz resplandece nas trevas, e as trevas não prevaleceram contra ela. [2]
Versão 2
No começo a Palavra já existia: a Palavra estava voltada para Deus, e a Palavra era Deus. Tudo foi feito por meio dela, e, de tudo o que existe, nada foi feito sem ela. Nela estava a vida, e a vida era a luz dos homens. Essa luz brilha nas trevas, e as trevas não conseguiram apaga-la. [3]
Lev Vygotsky
Sobre as ações das crianças, diz-nos Buehler:
eram exatamente como as dos chimpanzés, de tal forma esta fase da vida das crianças poderia ser corretamente designada por idade chimpanzóide; na criança que estudamos correspondia aos décimo primeiro e décimo segundo meses. É na idade chimpanzóide que ocorrem as primeiras invenções da criança – invenções muito primitivas, é certo, mas extremamente importantes para o seu desenvolvimento.
O que sobremaneira importa do ponto de vista teórico, tanto nestas experiências, como nas dos chimpanzés, é a descoberta da independência entre as reações intelectuais rudimentares e a linguagem. Notando isto, Buehler comenta:
Costumava-se dizer que a linguagem era o início da hominização (Menschwerden); talvez sim, mas antes da linguagem, há o pensamento implicado na utilização de utensílios, isto é, a compreensão das conexões mecânicas e a idealização de meios mecânicos com fins mecânicos, ou, para ser ainda mais breve, antes de surgir a linguagem, a ação torna-se subjetivamente significativa – por outras palavras, torna-se conscientemente finalista .
Citações
[1] Goethe, Fausto I, p. 112, tradução de Jenny Klabin Segall, Editora 34, 3ª edição, 2017
Rodapé: (3) Fausto prepara-se para traduzir o Evangelho segundo São João. No original, a expressão grega logos (Verbum, na Vulgata) vem traduzida por Wort, "palavra", em consonância com a tradução de Lutero. Como se trata do que era no princípio, Fausto, após passar pelas alternativas "Sentido" e Energia", chega à palavra "Ação".
Rodapé: (4) Vale lembrar aqui que Karl Marx, leitor assíduo do Fausto, ilustra a sua análise da troca de mercadorias, no segundo capítulo do Capital, com uma referência a este verso. A citação tem como pano de fundo um momento inicial do processo de circulação e troca de produtos, quando a "mercadoria-dinheiro ainda não havia se constituido e, assim, cada indivíduo reivindicava para sua mercadoria, numa ação espontânea e irrefletida, o papel de "equivalente geral" de todas as outras: "Em seu desconcerto, os nossos proprietários de mercadorias pensam como Fausto. Era no início a ação. Por isso antes mesmo de pensar, eles já agiram".
[2] João 1:1-18 ARA aqui
[3] Evangelho segundo São João, Bíblia Sagrada - Edição pastoral, p. 1353, Edição Paulus, 1990.
[4] Pensamento e Linguagem, Lev Vygotsky, 4. As raízes genéticas do pensamento e da linguagem, item II. Aqui
Sobre Lev Semenovich Vygotsky ver aqui
Em particular (no site): Pensamento e linguagem --> As raízes genéticas do pensamento e da linguagem
Nenhum comentário:
Postar um comentário