terça-feira, 7 de novembro de 2023

'Free Solo' e o namoro com a morte

Free Solo, 2018, Jimmy Chin&Elizabeth Chai Vasarhelyi

“Mas nunca ficarei satisfeito se não tentar. Porque se fizer o trabalho todo e ainda achar que é muito difícil, talvez não seja para mim, seja para as gerações futuras. Ou talvez para alguém que não tenha razões para viver.”

Free Solo é um documentário americano de 2018 dirigido por Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin. O filme demonstra o trabalho do alpinista Alex Honnold em sua missão de escalar o El Capitan, em junho de 2017. Estreado no Festival de Cinema de Telluride em 31 de agosto de 2018, também foi exibido no Festival Internacional de Cinema de Toronto, vencendo a categoria People's Choice Award: Documentaries. O lançamento ocorreu em 28 de setembro de 2018, nos Estados Unidos, por intermédio da National Geographic Documentary Films, levando-o a arrecadar US$ 15 milhões em bilheteria. O filme recebeu aclamação crítica, incluindo uma vitória no Oscar 2019 na categoria de Melhor Documentário. Wiki

Free Solo (2018): proeza individual e audiovisual

William Sousa 

Nas montanhas da Califórnia fica o Parque Nacional de Yosemite, onde há um dos mais lindos vales do mundo. Ele possui formações geológicas únicas, como o “Half Dome”, uma enorme cúpula de granito de 1500m de altura, e também o impressionante penhasco chamado “El Capitán” com quase um quilômetro de paredão de pedra. Não é à toa que o lugar é um dos principais destinos para alpinismo no planeta, atraindo verdadeiros loucos por adrenalina. Alex Honnold é sem dúvida um deles e responsável por um feito inédito e de tamanha insanidade que dificilmente será superado no futuro. O experiente alpinista encarou “O Capitão” sem nenhum equipamento de proteção, contando somente com os pés e as mãos livres na modalidade conhecida como “Free Solo”. Este é o nome do impressionante documentário que gravou a intimidade, a metódica preparação e a incrível façanha quase suicida de Alex, contra a preocupação genuína de todos os profissionais envolvidos.

Realizadas pelo casal Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin (“Meru – O Centro do Universo”) com apoio da National Geographic, as imagens do documentário são em si um resultado tão miraculoso quanto a escalada, devido ao altíssimo perigo e aos desafios da produção. Nada menos que a vida de Alex dependia não só de suas habilidades físicas, mas de total e absoluta concentração. Assumir o risco de interferir e, sem querer, causar a morte do alpinista, seria devastador para a equipe participante, formada por profissionais especialistas em montanhas justamente para solucionar esses problemas. Como forma de contornar os obstáculos técnicos, foram utilizadas câmeras controladas remotamente e microfones projetados em consideração às dificuldades físicas.

Em relação à proeza registrada, é possível uma comparação com o também excelente documentário “O Equilibrista”, que relatou a caminhada do francês Philippe Petit sobre um cabo de aço entre as torres gêmeas do World Trade Center em Nova York. No entanto, “Free Solo” tem a oportunidade que o anterior não teve, que foi acompanhar “ao vivo” todos os passos de preparação para a fascinante aventura. A montagem do filme ainda propõe estudar Alex Honnold, seu passado e suas motivações, buscando pintar um retrato completo sobre sua pessoa. Morando há quase uma década numa van por praticidade, Alex dedicou a vida ao alpinismo, colocando relacionamentos em segundo plano e evitando pessoas para não ter estresses. Seu comportamento distanciado e propenso a riscos tem uma explicação científica sugerida por testes neurológicos, realizados a partir da ideia de que seria preciso algo anormal na cabeça de uma pessoa para ela se sujeitar ao desafio de escalar montanhas sem proteção.

Quanto ao quebra-cabeça psicológico construído em paralelo com a preparação e depoimentos dos profissionais envolvidos, na ausência de um crédito de roteirista para a obra, atribui-se igualmente o notável resultado ao veterano editor Bob Eisenhardt (“Nora Ephron – Tudo é Cópia”). Um clássico arco narrativo é apresentado entre os relatos em fotomontagens estilizadas e as animações tridimensionais sobre os perigosos trechos da escalada. Alex é o protagonista, seu objetivo e obstáculos são claros, e os “coadjuvantes” do filme ajudam a desenhar seu caráter. O clímax dessa história já conhecemos, mas não o caminho a percorrer nem as lições do “herói” ao final da jornada. Sua “mocinha” se chama Sanni, a metade emotiva e compreensiva namorada de Alex. E seu “ajudante” é o também perito Tommy Caldwell. Enquanto Sanni representa a imprevisível distração e a estabilidade que Alex resiste a buscar, as reações de Tommy são o melhor indício da inconsequência de encarar “El Capitán”. Caldwell tem anos de experiência a mais que o amigo, e todo o medo que Honnold não sente é visível em seus olhos.

Com vertiginosas imagens desconcertantes e uma narrativa limpa e envolvente, “Free Solo” é um impecável documentário, que só não é mais emocionante de acompanhar por causa da natural dificuldade de se criar empatia com um personagem com as condições psicológicas de Alex. Não se surpreenda, no entanto, se seu estômago congelar ao escutar sobre os perigos da escalada livre e os históricos acidentes fatais. Em certo momento, até a equipe técnica parece torcer para que Honnold desista da subida para não arriscar serem testemunhas de sua morte. Mesmo já sabendo de antemão sobre o sucesso do alpinista, é quase igual desafio tentar manter o fôlego durante esse ótimo filme.

 
 



 BS: as fotos do filme, no texto, são daquele que vos fala


 
 





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