domingo, 1 de abril de 2018

Juliette



Juliette Binoche: 'É maravilhoso poder dizer não a homens abusivos'

Em 'Deixe a luz do sol entrar', a atriz vive pintora divorciada em busca do amor verdadeiro


POR CARLOS HELÍ DE ALMEIDA, ESPECIAL PARA O GLOBO
01/04/2018

RIO — Em cartaz nos cinemas desde quinta, a comédia dramática “Deixe a luz do sol entrar” reúne pela primeira vez dois ícones do cinema francês: a diretora Claire Denis, autora de dramas com mulheres no centro da trama, como “Minha terra, África” (2009), e a atriz Juliette Binoche, um dos talentos mais versáteis de sua geração. O filme descreve o carrossel de emoções de Isabelle, pintora divorciada em busca do amor verdadeiro. A produção, que abriu a Quinzena dos Realizadores, mostra paralela do Festival de Cannes do ano passado, chega às salas no momento em que movimentos feministas reivindicam fortalecimento do papel da mulher na vida profissional, social e amorosa — aqui, pela lente do humor.
— Isabelle diz não a vários homens abusivos por não se sentir respeitada, e é maravilhoso ter essa opção — diz Binoche, 53 anos, em entrevista por telefone ao GLOBO.

A busca de Isabelle por amor traz momentos cômicos e dramáticos. Como foi encarná-los?

Ao ler um roteiro, é difícil perceber o quanto uma personagem vai exigir de você. Só durante as filmagens nos damos conta do que ela demanda. Fiquei surpresa muito depois, ao assistir ao filme pela primeira vez, em Cannes, junto com o público, em como as pessoas riram de algumas situações. Também ri naquela primeira projeção, mas não na segunda vez. Ela tem momentos trágicos e engraçados também, depende de como você vê as coisas.


Como vê a obsessão de Isabelle, madura, mãe e divorciada, em achar um novo companheiro?

Ela é corajosa, acredita nas relações amorosas, na ideia de dividir coisas com outra pessoa, e busca isso até o ponto de doer demais, de sair ferida da tentativa. Mas reconheço que ela tem um método bastante peculiar de escolher homens, que nem sempre a respeitam. Talvez isso esteja relacionado a certa fragilidade da personagem. É interessante ver esse ideal romântico do ponto de vista da mulher.

Qual o lugar de Isabelle no mundo de hoje, que testemunha uma nova onda do feminismo?

Ela não pertence somente aos dias de hoje, ponto. O caso dela é antigo. Minha avó criou os filhos sozinha. Minha mãe também. Também criei meus filhos praticamente sozinha, porque a maior parte do tempo não estava casada. Talvez o fato de que somos capazes de dar a luz envolva uma responsabilidade carnal sobre a criação dos filhos, a ponto de influenciar as escolhas que fazemos na vida. Sei que há pais maravilhosos, participativos e responsáveis, mas nem sempre é assim, são homens que permanecem crianças e não se tornam pais.

Isabelle assinaria a carta do movimento liderado por Catherine Deneuve criticando o suposto “puritanismo” de iniciativas como o #MeToo?

Isabelle atravessa um período difícil no que diz respeito às relações amorosas, mas ela não é contra os homens. Ela quer amá-los o máximo que pode, porque acredita no relacionamento homem-mulher. Mas, como o vidente que ela procura diz, “para que isso aconteça, é preciso antes que você esteja bem consigo mesma”. Isso a ajudaria a escolher melhor seus companheiros (risos). Mas o filme não se propõe a fazer um julgamento do gênero masculino. A questão principal é de como nós, mulheres, às vezes, nos permitimos participar de uma relação abusiva. Isabelle é capaz de dizer não a vários deles, porque não se sente respeitada — e é maravilhoso ter essa opção.

No auge do escândalo envolvendo o produtor Harvey Weinstein, com quem você trabalhou em “O paciente inglês” e “Chocolate”, você deu uma entrevista ao jornal “Le Monde” em que falou sobre assédio sexual no trabalho. Foi reconfortante?

Acho bom que finalmente as mulheres possam se expressar. Vejo tudo como o início de uma mudança de consciência em curso no mundo. É importante, porque, em muitos países, as mulheres estão sendo oprimidas ou se tornando escravas com upgrade. Ainda existem muitos lugares em que as mulheres não são respeitadas.


POR SUSANA SCHILD
28/03/2018 16:08

Se assinado por um diretor, é bem provável que “Um beau soleil intérieur” (no original) fosse acusado de machista, misógino e adjetivos do gênero. Mas a marca Claire Denis — com uma longa filmografia fortemente marcada por questões sociais e familiares — associada a uma corroteirista e à parceira habitual Agnès Godard na fotografia afastam a suspeita.
Na França, o filme foi recebido como a primeira comédia da diretora. Comédia? Como assim? Vejamos: Isabelle é uma artista próxima dos 50 anos, linda, corpo de 30, sorriso irresistível (Juliette Binoche, cada vez mais deslumbrante). Apesar da aparência, a personagem padece de uma dupla patologia crônica: viciada em discutir a relação, cultiva o arcaico sonho de mulherzinha obcecada em encontrar o amor verdadeiro.
Por que seria tão difícil? Pelo visto — e ouvido — porque ela não consegue parar de questionar os homens que passam pela sua vida. O cardápio é variado — e inclui um banqueiro, um ator, o ex-marido, um rapaz mais novo com quem dança a lânguida “At last” na voz de Etta James.

Instável, hesitante, imatura, Isabelle chora à toa, mas não perde as esperanças. E os argumentos. A entrada de Gérard Dépardieu representa uma guinada de peso desconcertante e muito divertida. Com narrativa límpida, sem afetações, “Deixe o sol entrar” é um interessante estudo da alma feminina (seria um modelo em extinção?), com apenas um furo: a ausência da filha na vida desta mulher que não consegue parar para pensar — ou sentir. Um prato saboroso para acalorados debates feministas.




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