Maria Bethânia, sua irmã, já declamou em shows o poema de Fernando Pessoa pregando que todas as cartas de amor são ridículas. Mas a escritora Mabel Velloso preferiu se dedicar às de desamor e libertação. Quarenta histórias de mulheres que sofrem e se redimem, escritas por ela em forma de missivas e publicadas em livro, estão a partir desta terça-feira no Oi Futuro, no Flamengo, na mostra “Cartas”, do Programa Poesia Visual e Digital.
Elas aparecem em vídeos, lidas por mulheres como a coreógrafa Márcia Milhazes e a artista plástica Maria Lynch, e por homens como os poetas Antonio Cícero e Jorge Salomão.
— Mabel faz contos epistolares a partir de histórias que ouviu, talvez inventou ou viveu — diz Alberto Saraiva, curador da exposição. — As cartas falam mais diretamente ao leitor, que fica um pouco como espectador e voyer.
“Proibida a leitura às mulheres felizes!”, adverte Mabel, de 84 anos, na dedicatória do livro “Cartas de dor, cartas de alforria” (Oiti, 2004), que deu origem ao projeto. Mas mesmo essas entenderão bem dramas como o que aparece em “Verão, 1975”:
“Sei que você vai ficar surpreso quando voltar para casa. Na mesa, em vez dos seus pratos preferidos, vai encontrar somente esta carta. Não está sendo fácil escrevê-la, e muito mais difícil foi tomar a atitude que até que enfim tomei: chamar um caminhão, arrumar todas as coisas e desarrumar a vida que estava vivendo. Arrumar outra vida e sair...”.
— Peguei as coisas que vivi, que me contaram, e passei para o papel para não me esquecer. Você sabe que quem conta um conto aumenta um ponto, né? — diverte-se a filha de Dona Canô, que diz ainda receber cartas. — Gosto de cartas porque elas levam e trazem o cheiro das pessoas.
UMA MULHER QUE PASSOU POR "MUITAS COISAS"
Mabel classifica seu estado civil de “atrapalhado” (“era divorciada, mas o pai da minha filha morreu e fiquei viúva”, explica). Ela conta que decidiu se dedicar ao projeto das cartas por ser mulher e ter passado por “muitas coisas”:
— Eu me chamo Maria Isabel. Digo que minha carta de alforria já está no nome.
Mabel, que lecionou por 40 anos numa escola pública de Santo Amaro, na Bahia, lembra que começou a escrever porque queria que seus alunos pudessem ter histórias em que pudessem “entrar”.
— Eram uma opção aos contos com palácios e gente loura. Eles liam sobre as tranças de Rapunzel, mas tinham tranças nagô — diz a autora de 11 livros para crianças, que buscou neste universo inspiração para as cartas. — Nelas, queria que fosse como nas histórias infantis: “E foram felizes para sempre.”
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