13.abr.2018 Folha de São Paulo
Foi complicado pensar em sexo no começo da gravidez. Eu sentia um cansaço absurdo, um enjoo macabro e um sono matador. Foi difícil pensar em fazer um amorzinho maroto no final da gravidez. Eu sentia os pés da bebê na costela, a lombar latejante e uma azia que piorava até com água mineral. Agora que estou amamentando tudo mudou! Só que pra pior. Complicados e difíceis se tornaram impossíveis.
Meus peitos parecem os da tia Cidinha, meu intestino insiste em se expressar livremente e a cervical acorda mais detonada a cada manhã. Sofro com a privação do sono, com a privação de qualquer coisa um dia chamada de “minha vida” e toda a energia que resta está voltada, exclusivamente, para os sortidos barulhinhos do neném.
A verdade é que do dia que urinei no teste de gravidez até hoje, passei a entender minha vagina como um local estranhíssimo por onde saem humanos (e até nisso fracassei: sem dilatação, fiz cesárea). Tentei ser uma mulher muito carnal, sensual, atual, natural, mas minha libido ignorou a extensa lista e saiu para comprar cigarros (o que achei uma falta de respeito tremenda, posto que eu estava grávida). Repito diariamente para meu corpo nu, no espelho do banheiro: “Você é mulher antes de ser mãe”! Mentira, nem pra tomar banho tenho tempo, o que dirá me dizer coisas pelada.
Quando vi Pedro, pela primeira vez, numa festa, não consegui dormir. Ele estava com o braço quebrado, o cabelo desarrumado e não sosseguei enquanto não o convidei para sair, para vir aqui em casa, para passar uma noite e uma semana e nisso vão cinco anos. Eu achei seu nariz, seu queixo, seus ombros, suas pernas, sua falsa arrogância cheia de delicadezas e gentilezas, seus silêncios que gritavam milhares de histórias (mas só pra quem insiste em ouvi-las) as coisas mais lindas do mundo.
Acontece que virei um zumbi do amor materno. Ou bem estou dormindo de babar, ou bem estou babando de sono (ou bem estou babando olhando minha filha, e parece um sonho). E, no momento, não cabe mais nenhum corpo entre essas salivas tantas. O amor por um filho é a minha primeira experiência com a fidelidade.
Então, as amigas falam: “Mas desse jeito você vai perder o marido”. Eu sei e tudo bem. Entre a sobrevivência de uma criaturinha maravilhosa que já existe e a dança do acasalamento para que outro serzinho seja feito, a natureza escolhe garantir o primeiro. E eu também. E Pedro também. Não transar é a mais libertadora aquisição de uma vida sexual livre.
É tanta imersão obsessiva no fantástico mundo dos sorrisos, puns, arrotos, bocejos, soluços, engasgos e gargalhadinhas que, às vezes, me surpreendo com outros sujeitos perambulando por aí, incluindo um deles, muito bem-apessoado, dentro de casa.
Olha, lá vai um homem bonito da sala pra cozinha! Ah, se eu tivesse corpo, mãos, boca, olhos... ele não me escaparia! Mas sou feita de líquidos, calor e intuição. Sou qualquer forma não humana de mulher libidinal e toda e qualquer forma possível de mãe abismada pela porrada avassaladora desse novo amor.
Olheiras, moletons azedos e cabelos sujos são minhas armas de não sedução. E elas são necessárias e bonitas e Pedro, porque é o melhor dos homens, nunca me achou tão sexy e divertida. Mentira. Não me importo. Mentira. Enfim, o espaço acabou junto com meu tempo. Lá vou eu muito feliz e também um pouco confusa para mais uma mamada.
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