segunda-feira, 30 de abril de 2018

Daniela Vega

No texto Epifania deste blog conto a estória de Marina, uma transexual e seus problemas com sua afirmação como mulher. Foi explicitamente baseada no filme "Una mujer fantástica" de 2017. 
Agora como está a atriz do filme, Daniela Vega.



Após triunfo no Oscar, Daniela Vega quer ampliar voz pela diversidade

Atriz chilena transgênero estrela longa independente e prepara autobiografia

POR CARLOS HELÍ DE ALMEIDA*
30/04/2018  O Globo

RIO — Era mais uma edição de uma festa para celebrar o cinema ibero-americano, mas quem monopolizou olhares e atenções do V Prêmio Platino, encerrado ontem em um resort de Cancún, foi uma jovem chilena de 28 anos, com apenas dois filmes no currículo. A cena se repetia onde quer que Daniela Vega surgisse no balneário mexicano: um redemoinho de fãs, jornalistas e curiosos se formava em torno da carismática protagonista de “Uma mulher fantástica” (que ainda está em cartaz) — filme vencedor do Oscar de produção estrangeira —, que fez história ao se tornar a primeira atriz transgênero a participar da cerimônia em Hollywood apresentando um prêmio.
‘Sei o lugar que ocupo na sociedade chilena, que é fruto do trabalho que faço. Mas sei também que há os que não ficam confortáveis com a minha presença.
Aquela noite no palco do Dolby Theatre de Los Angeles, em março, foi o ponto alto da carreira do longa-metragem de Sebastían Lelio e de sua estrela, que virou símbolo da luta pela diversidade sexual desde a primeira exibição no Festival de Berlim de 2017, onde conquistou o troféu de melhor roteiro.
No filme, Daniela interpreta Marina, garçonete transexual de Santiago que enfrenta um périplo de humilhações e preconceitos para se despedir do companheiro morto. No Platino, ela levou levou o prêmio de melhor atriz — uma das nove categorias disputadas por “Uma mulher fantástica” — e também foi eleita na mesma categoria pelo júri popular.

Homenagem a ela na sexta (27/04/2018), no Prêmio Platino, 
onde mobilizou o público - Infoglobo


— Estar naquele auditório, cercada de artistas que admiro, em uma cerimônia vista por milhões de pessoas, foi um momento maravilhoso. Foi a primeira grande ligação entre minha arte e o mundo — diz Daniela ao GLOBO. — Tenho sentido o carinho das pessoas. Sei o lugar que ocupo na sociedade chilena, que é fruto do trabalho que faço. Mas sei também que há os que não ficam confortáveis com a minha presença. Mas acredito que quanto mais diversidade de cores houver, mais bonito o mundo será.
O sucesso internacional do filme transformou Daniela em símbolo dos direitos identitários, dentro e fora do Chile. Apesar de tanto alarde, ela mantém os pés no chão: seu próximo filme é uma produção de baixo orçamento (leia mais ao lado).
Ela estreou no cinema com “La visita” (2013), de Maurício López, primeira produção chilena a tratar as questões de gênero no país, no qual interpreta uma transexual que volta à cidade natal, no interior, para o enterro do pai. O roteiro de “Uma mulher fantástica”, no entanto, tem vários pontos em comum com a trajetória pessoal da atriz, uma aspirante a cantora de ópera que constrói sua identidade seguindo o caminho das artes. Com a repercussão do filme, que virou referência para o movimento LGBT, Daniela pretende dividir sua experiência em uma autobiografia.



Primeira atriz transgênero a apresentar um prêmio no Oscar
  LUCAS JACKSON / Reuters
 
— Já preparei uma espécie de roteiro do que quero contar no livro. Mas ainda estou fazendo um cursinho de redação porque não tenho experiência. Todas as vidas têm passagens tristes e alegres. Estou tentando encontrar um jeito de contar a minha história de uma forma mais divertida, sem entediar as pessoas. O filme do Sebastían me deu possibilidades. Agora posso amplificar a minha voz, torná-la mais pessoal — observa a atriz, que é modesta sobre as mudanças trazidas desde a consagração em Berlim. — A minha vida é mesma. A diferença é que agora há mais pessoas querendo escutar o que tenho a dizer. E antes eu tinha menos roupas no armário. (risos)
Filha mais velha do dono de uma gráfica e de uma dona de casa, ela iniciou a transição sexual ainda na adolescência, mas até hoje não conseguiu trocar o nome social porque o projeto de lei sobre identidade de gênero, enviado ao congresso em 2013 pela então presidente Michelle Bachelet, ainda não passou pelo Senado chileno. Após a vitória no Oscar, ainda em março, o prefeito de Nuñoa, distrito de Santiago onde Daniela cresceu, voltou atrás na ideia de dar a ela o título de cidadã ilustre argumentando que em seus documentos ainda constam o nome de batismo.

Texto de Bachelet na “Time”

No mesmo dia da cerimônia em Nuñoa, Daniela foi recebida por Bachelet. A ex-presidente é autora do perfil sobre Daniela publicado na revista “Time”, na edição em que a publicação americana a incluiu na lista das 100 personalidades mais influentes do ano. Em seu texto, Bachelet escreve: “O Chile tem muito orgulho de Daniela Vega e da equipe que escreveu e produziu ‘Uma mulher fantástica’. O filme mostra os desafios que enfrentamos não apenas como país, mas também como seres humanos, para aceitar a realidade das pessoas transexuais em nossas sociedades.”
— Achei bonito o que ela escreveu sobre mim e sobre o filme na revista. É uma prova de que a arte não conecta apenas o artista e o espectador. A polarização de ideias não é positiva. Temos que entender que existem matizes em tudo.
 
Pela primeira vez, papel cisgênero

A atriz chilena ainda faz mistério sobre as propostas surgidas na esteira da repercussão de “Uma mulher fantástica”:
— Tenho novos projetos em cinema, teatro e na música. Mas não quero estragar a surpresa.
Já não é segredo, no entanto, que ela está no elenco de “Um domingo de julho em Santiago”, produção independente chilena que começou a ser rodada antes da corrida do Oscar. No filme dirigido pelos irmãos Gopal e Visnu Ibarra, três histórias são contadas em seis planos sequência.
Daniela participa de uma delas, interpretando a assistente de um escritório de advocacia que tem um caso com um empresário. É a primeira personagem não transexual (ou seja, cis) da atriz.
— O ator é múltiplo, o talento não está limitado pela sexualidade. Fazemos o que está dentro de nossa capacidade. Não vejo necessidade de fazer todos os personagens do mundo.

* Especial para o GLOBO, de Cancún, México

https://oglobo.globo.com/cultura/apos-triunfo-no-oscar-daniela-vega-quer-ampliar-voz-pela-diversidade-22639805  

Sobre o filme Una mujer fantastica

Crítica: 'Uma mulher fantástica'
Bonequinho aplaude de pé: Diferente feminilidade


POR SUSANA SCHILD
06/09/2017 O Globo

Vencedor do Oscar na categoria: Filme estrangeiro (Chile).

Não se trata de propaganda enganosa. O título “Uma mulher fantástica” está à altura da atuação da atriz transexual Daniela Vega no papel de Marina, a “outra” de um triângulo amoroso. Se a música “Tua cantiga”, de Chico Buarque, vem provocando reações iradas por se referir a um homem que largaria tudo pela amante, o que se dirá de um marido exemplar que deixa mulher e filhos por outro, vestido de outra? Se não fosse por esse “detalhe”, o roteiro premiado com o Urso de Prata no último festival de Berlim teria tudo para ser um melodrama convencional em torno do tema, um dos preferidos da dramaturgia desde sempre. No centro da arena, um cidadão acima de qualquer suspeita e uma mulher bem mais jovem. De dia, ela é garçonete, de noite canta em boates, de madrugada dorme nos braços do amado. O casal está apaixonado e divide o mesmo teto há pouco tempo. Após uma noite de amor, Orlando (Francisco Reyes, ótimo) morre.

Trailer do filme
https://www.youtube.com/watch?v=_5dwogj-5t8 

Começa aí o calvário de Marina. Em choque, ela se torna suspeita e sofre constrangimentos por parte de policiais e inspetoras. A família oficial reivindica o enterro, o luto, a missa, as coroas de flores, sem falar no apartamento e na doce cadela diabla. O filho do falecido reage com ferocidade. E o encontro com a mulher preterida sintetiza, com primor, o grau de perplexidade em vigor: “Não sei o que estou vendo”. O espectador sabe. Está diante de uma atriz excepcional em seu segundo longa. Marina se impõe pela firmeza, pela dignidade e pela beleza. Não uma beleza convencional, estereotipada, mas um misto de força e feminilidade. Marina sofre mas não se vitimiza. Nem entrega os pontos.
Aclamado por “Gloria”, o diretor chileno Sebastián Lelio repetiu as parcerias com Gonzalo Maza como corroteirista e Benjamín Echazarreta como fotógrafo. Com boa parte das cenas em close frontal no rosto de Marina, alternadas a caminhadas por uma Santiago ensolarada, e ainda através de alguns toques oníricos na narrativa, o diretor parece almejar o âmago da personagem, ao mesmo tempo enigmática e transparente. A suspeita de assassinato conduz a trama a um tênue clima de suspense, com ótima trilha musical de Matthew Herbert, apesar de algumas ênfases exageradas. Saudado por alguns como um “Almodóvar chileno”, Lelio está longe da extravagância do diretor espanhol em “Tudo sobre minha mãe”, por exemplo. Sua busca de sobriedade e densidade o aproxima mais de “Traídos pelo desejo”, de Neil Jordan. Embora a conclusão deixe um pouco a desejar, A mulher fantástica do título se impõe pela determinação de Daniela Vega em ser a dona de sua própria história.

https://oglobo.globo.com/rioshow/critica-uma-mulher-fantastica-21795446
 

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