sexta-feira, 16 de março de 2018

Epifania

Marina

Marina esteve no Presídio Central de Porto Alegre cumprindo pena por tentativa de homicídio. Foi condenada a 3 anos. Desde criança era assediada pelo padrasto, um pedófilo violento. Até que não aguentou e tentou mata-lo quando nos 18 anos.  Por bom comportamento saiu depois de dois anos.

Epifania 1

Marina saiu da prisão com a sensação de uma espécie de epifania amargurada. Algo como um iluminamento que permitiria seguir vivendo. Amargura sim pelo que viveu de ruim nos vinte anos de vida. A prisão, o padrasto pedófilo, a mãe inerte e às vezes conivente, a opressão e preconceito presentes sempre. Mas ela foi em frente e viveu, não morreu.
De que adianta ler o jornal de ontem? Notícias conhecidas por todos que ninguém mais quer ler. O que passou perdeu a validade.

A música

Marina estudou canto lírico desde os dez anos. Retomou às aulas com o professor Sérgio Augusto. Além do canto trabalha como estilista de moda. O que significa o canto lírico para Marina? Autoafirmação. A arte a serviço da autoestima. Sente-se nos céus quando canta Ombra mai fu, de Handel. Uma ajuda para quem não conhece esta ária. Ouça a mezzo-soprano Mairin Srygley

Preconceito

O encantamento pela música resultou em paixão entre Marina a Sérgio. Juntos moraram em Porto Alegre até um acontecimento desagradável no Sgt. Peppers Bar.  Estavam numa mesa tomando gin tônica quando apareceu um sujeito muito embriagado. Te conheço, mas não sei de onde. Deixe lembrar. Ah já sei, do Presídio Central. Disse olhando fixamente para Marina. Sim estive presa lá. Meu nome é Marina e o teu? Sei lá o meu nome, seu viado. Pare de hipocrisia! Marina, estupefata, quase agrediu o sujeito. Mas não, apenas respondeu: olha aqui, seu merda, só não arranco tua cabeça porque não bato em cachorro morto.

Epifania 2

Marina saiu do bar com um claro sintoma de epifania desesperada. Um pensamento indescritível e único de revolta, de desespero. Usou dos seus recursos vocais e fez o que desejava no momento: um grito primal para que todos e todas na rua ouvissem. Não bastasse o que de ruim já viveu, agora carrega a cruz pesada por ser transexual.

E por último

Marina e Sérgio mudaram para Santiago do Chile. Vivem como queriam. De canto lírico, aulas de  piano e moda.

NB: este texto é descaradamente inspirado no filme chileno Una Mujer Fantastica, 2017,  vencedor do Oscar 2018 na categoria de melhor filme estrangeiro. Que tem a protagonista interpretada pela fantástica atriz Daniela Vega

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