quarta-feira, 1 de junho de 2011

Solidão clandestina

Já vivi muito. Agora o problema é viver mais. Otávio sempre diz esta frase quando perguntam como está a vida. Adora ouvir a natureza, os passarinhos, a chuva. Ver a luz do sol, a lua e a sombra da noite. Será que o silêncio apavora as pessoas? Para Otávio não. Convive bem com o silêncio. É mais de ouvir do que falar. É um homem só.

Hoje está aposentado, tem duas filhas e um filho já formados e bem criados. Bem criados na visão dele, vamos deixar claro. Frutos de dois casamentos. Entrar em casa com dignidade, esta é máxima na vida de Otávio quando pensa nas filhas e filho.

 Trabalhou em empresas de engenharia, mas sempre transitou nas áreas das humanidades. Considera-se um bárbaro sensível. Tentarei explicar.

Um dia passou a tarde no Arteplex Botafogo, no Rio. Café, cinema e livraria. É o típico ambiente que Otávio gosta de viver, apesar de que para fumar tenha que sair dele. Coisas de excluídos. Nesta tarde viu o filme Sempre bela (Belle toujours) de Manoel de Oliveira e comprou filmes em DVD: Saló ou 120 Dias de Sodoma de Pier Paolo Pasolini; teve dúvidas em comprar os filmes Tragam-me a Cabeça de Alfredo Garcia de Sam Peckimpah e Faces (Rostos) de John Cassavetes. Optou pelo primeiro.  Para terminar comprou o livro Incesto: de um diário amoroso de Anais Nin. Caso alguém conheça estas obras entenderá o porquê Otávio está na categoria bárbaro sensível. Para quem não conhece dou outra dica: ele adora futebol, blues, rock and roll e vê boxe na TV. É o seu lado viking. O outro lado: tem idéia fixa na literatura de Rachel de Queiroz. Explicado?

Nossa personagem sempre esteve envolvida com mulheres. Dizem que um homem e uma mulher se casam porque não sabem o que fazer consigo mesmo. Mas talvez a formação colegial fale mais alto neste quesito. Otávio jovem vivia tardes e tardes lendo Alexandre Herculano, Benjamim Constant e outros românticos descaradamente intempestivos. O amor é infinito enquanto dura. Não, Vinícius Moraes. O amor é eterno; se acabou é porque não era amor. Sim, Nelson Rodrigues.

Joana foi a mulher por quem Otávio se apaixonou como um condenado. Eram colegas na empresa que trabalhavam e ela tinha formação em administração. Tudo começou como um amor ilícito, pois Joana era casada e já tinha uma filha na época. Era a mulher do tipo que dizia “tira essa bermuda que eu quero você sério” (Kid Abelha). E toma fazer amor na madrugada.

Otávio se lembra deste casamento com muito carinho. Eram profissionais sérios e competentes. Mas quando iam para a balada, sai de baixo. Muita bebida e conversa fiada com os amigos e amigas. Às vezes a noite terminava em motéis regada a sexo, droga e rock and roll. E terminava às oito da manhã num boteco da praia.

O casamento durou 10 anos. Durou até Joana começar a questionar a relação. Na época, em sua cabeça passava as mesmas angustias da Joana de Clarice Lispector em Perto do coração selvagem. Casar, ter filhos e, finalmente ser feliz. Achava que depois do casamento “tudo o que você pode fazer é esperar pela morte”. Julgava mais ou menos isso: o casamento é o fim, depois de me casar nada mais poderá acontecer. Imagine: ter sempre uma pessoa ao lado, não conhecer a solidão. – meu Deus! – não estar consigo mesma nunca, nunca. E ser uma mulher casada, quer dizer, uma pessoa com destino traçado. Daí em diante é só esperar a morte. Nem a liberdade de ser infeliz se conserva porque se arrasta consigo outra pessoa.

Final da estória: Joana num certo momento se descobriu homossexual e foi morar com uma mulher por quem se apaixonou. Era amor. Não acabou até hoje. Deixou de ser a Joana da Clarice.

Otávio e Joana tiveram dois filhos: Carlos e Márcia.  Carlos graduou-se em filosofia. É professor universitário e já tem alguns contos publicados. Márcia fez cinema e trabalha com publicidade. Atualmente tem um filme de curta metragem em produção.

Após o primeiro casamento, Otávio continuou sua vida. Trabalhava muito, mas nunca deixou as baladas. Ficava com algumas mulheres e teve alguns casos mais sérios. No entanto entre as paixões e a solidão ele optava pela segunda. E tome sexo, droga e rock. Esta vida agitada durou até aparecer a Lídia.

Otávio, nesta época, estava mais para o delírio do que para a razão. As baladas e as mulheres eram delírio puro. Lídia trazia o equilíbrio, era a razão. Ela tinha o que ele estava procurando: estabilidade. Se é que isto seja possível.

Lídia trabalhava na empresa do pai e fazia o gênero donzela que tinha uma mãe que era uma fera.  Dona Clara, a mãe, não era a Margaret White, a mãe do filme Carrie, a Estranha de Brian De Palma. Não, esta era louca; aquela era dura e possessiva. Clara tinha um poder razoável sobre Lídia. E cá entre nós, as mães não são seres encantados que nos embala o tempo todo. Elas nos alimentam de sabedoria e ignorância, erros e acertos, virtudes e defeitos.

Otávio apostou na estabilidade que Lidia trazia para si. Casou de fato e de direito e por algum tempo a relação ocorreu na paz. Mas a partir de um momento o calo começou a incomodar. E sabe onde? No sexo. Ele era uma máquina de fazer sexo e ela tinha muitos bloqueios. Ela não era aquela puta na cama, como a Joana. E ele continuava um libertino neste ambiente. Parafraseando Marçal Aquino, Lídia e Otávio nunca passaram da página de agradecimentos do Kama-Sutra. O casamento durou três anos.

Fruto desse casamento apareceu a filha Lívia. Lívia está no início da graduação em matemática.   Atualmente Lídia é casada com um pastor de uma igreja evangélica.

E hoje, como está Otávio? Está tranqüilo (circunscrito ao ambiente freudiano, claro). Vive bem com as filhas e filhos, tem tempo para os filmes, para a culinária, para os livros e para namorar. E o sexo? Continua aquela máquina? Da revista NOVA, de maio de 2011, numa matéria sobre sexo. Pergunta: Homens mais velhos ainda têm ereções incontroláveis? Resposta: Homens são homens, sempre!

Quando perguntado se é infeliz, Otávio responde: sim e não. É insatisfeito? Sim. Otávio continua (in) feliz e insatisfeito em sua solidão clandestina.

Minha solidão carece de viver em paz (Almir Guineto).

Edson Pereira Cardoso, maio de 2011


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