domingo, 19 de junho de 2011

Docência: uma profissão dividida

Quando revejo os resultados da minha atividade docente, no passado, as
consequências reais são as mesmas – ou produziram dano ou nada ocorreu.
Isto é francamente aflitivo (1).

A aflição presente no depoimento acima é simplesmente de Carl Rogers (1902 – 1987). Rogers foi um dos formuladores da abordagem pedagógica humanista. A abordagem em que aprendizagem é centrada na pessoa e o professor intervém como um facilitador da aprendizagem e não como aquele que transmite conhecimento.
Quando discutimos a profissionalização docente devemos considerar a conjuntura atual das transformações no mundo do trabalho. As profissões tradicionais, de uma forma geral, estão num período de redefinições e a profissão docente, devido às suas especificidades, não foge destas redefinições.

Os profissionais têm conhecimentos especializados adquiridos, normalmente, em universidades. Esses conhecimentos exigem autonomia e discernimento, além de uma parcela de improvisação e adaptação a situações novas. Exigem do profissional reflexão para que possa compreender o problema como também organizar e esclarecer os objetivos almejados e os meios a serem usados para atingi-los. Uma das tendências que discute a profissionalização do ofício docente objetiva desenvolver e implantar essas características no interior do ensino e formação de professores. Tardif (2).

Uma outra corrente nesta discussão trata o tema de forma diferente. Diz que "o conceito de profissionalidade docente está em permanente elaboração, devendo ser anlisado em função do momento histórico concreto e da realidade social que o conhecimento escolar pretende legitimar; em suma, tem de ser contextualizado" (3). Em função da dificuldade em obter uma definição exata do conceito de profissionalidade diz-se que a profissão docente é uma semi-profissão em comparação com as profissões liberais clássicas.

O ensino é uma prática social que reflete a cultura e contextos sociais contemporâneos. Para a compreensão da prática docente devemos entender as interações em três níveis ou contextos diferentes:
(a) o contexto pedagógico formado pelas práticas cotidianas da classe; (b) o contexto profissional elaborado por um comportamento de grupo que legitima a sua prática e (c) o contexto sócio-cultural que incorpora valores e conteúdos considerados relevantes. A prática profissional estará delimitada por estes contextos e em permanente mudanças já que os indivíduos no processo educativo interagem com o meio social e com a realidade histórica. Aqui o conceito de prática não está limitado ao domínio metodológico. Existe uma prática educativa anterior e paralela à escolaridade própria de uma determinada sociedade ou cultura. São as práticas institucionais que regulam o sistema educativo no geral e as condições de trabalho no particular.

Estas práticas nos remetem a uma questão importante a ser discutida que é a autonomia do professor. Esta autonomia está circunscrita a regras bem definidas que configuram as ações profissionais a uma acomodação à ordem vigente. A liberdade do professor se desenvolve no interior de um ambiente que só pode mudar parcialmente. O professor completamente autônomo não existe. Se for real a existência de múltiplas restrições e condicionalismos é também verdade que há espaços possíveis para a expressão da individualidade profissional.

Como conviver num ambiente escolar em que a proposta pedagógica privilegia o ensino centrado no professor e supõe a aprendizagem predominantemente em aulas presenciais? A resposta pode estar na insatisfação com esta ordem e na proposição de alternativas de transformação das práticas pedagógicas de aprendizagem. O professor não é um técnico que se limita a aplicar corretamente um conjunto de diretivas, mas um profissional que se interroga sobre o sentido e a pertinência de todas as decisões em matéria educativa.

Sacristan argumenta que a profissão docente não detém a responsabilidade exclusiva sobre a atividade educativa devido às influências políticas, econômicas e culturais além da desprofissionalização do professorado. Diz ainda que "do ponto de vista social a educação escolar e extra-escolar é entendida como um espaço cultural partilhado, que não é exclusivo de uma classe profissional concreta, ainda que se conceda uma certa legitimidade técnica à ação docente. Pode mesmo afirmar-se que, contrariamente a outros ofícios, a prática artesanal de ensino não codificou um saber especializado no seio da profissão."

Aspectos que se deve ressaltar nestas reflexões:

1. Apesar de elementos de uma profissão confusa (ou profissionalidade dividida) o professor tem que intervir em todos os domínios que influenciam a prática docente no sentido da emancipação profissional
2. Os programas de formação devem incidir em pelo menos quatro campos: o docente e a melhoria e mudança das condições de aprendizagem; o professor participando ativamente do desenvolvimento curricular; o docente participando e alterando as condições da escola e, finalmente, o docente participando nas mudanças da realidade social.
3. Uma proposta de profissionalização: que os docentes dominem a utilização de práticas profissionais em termos conscientes e com conhecimento da gramática e da sintaxe de sua atividade.


O certo é que existe no discurso pedagógico dominante uma hiper-responsabilização dos professores em relação à prática pedagógica e à qualidade do ensino, situação que reflete a realidade de um sistema escolar centrado na figura do professor como condutor visível dos processos institucionalizados de educação (3).

Quando penso na complexidade com o ser docente lembro-me das aflições de Carl Rogers e do filme/clip da banda Pink Floyd, Another brinck in the wall (4).


Edson Pereira Cardoso, junho de 2011



Citações
(1) In Mizukami, M. G. N., ENSINO: As abordagens do processo, EPU, 1986, p.51
(2) Tardif, Maurice, Saberes profissionais dos professores e conhecimentos universitários, Revista Brasileira de Educação, nº13, Jan/abr, 2000.
(3) Sacristan, S. Gimeno. Consciência e ação sobre a prática como libertação profissional dos professores. In Novoa, Antônio, Profissão professor, Porto Editora, 1995.
(4) Pink Floyd, Another brinck in the wall

               http://www.youtube.com/watch?v=t4SKL7f9n58 15/06/2011

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