quarta-feira, 8 de outubro de 2025

Pílulas 35

O Projeto de Netanyahu e Trump para a Palestina - Análise de Breno Altman 

Tarifa zero

O que você vê da sua janela?

Ghassan Kanafani e a literatura árabe no Brasil, com Ahmed Zogbi 

De noite, na cama - Ruy Castro

Trama golpista: PGR pede condenação de 8 kids pretos e um policial federal

Foro de Teresina | A condenação de Bolsonaro e o vexame de Fux 

Tenório Jr. é encontrado e identificado na Argentina quase 50 anos após morte

Generais na cadeia e a 'vitória da democracia' contra nossa história sempre viva de golpe

Nada de China ou norte da Europa; Etiópia, Nepal e Turquia são as novidades na energia limpa 

Um sopro de voz à esquerda 

Brasil promove programa de atração de milionários 

'Frankenstein': como é a versão de Guillermo del Toro

Condenação inibe militares na política, mas não evita arroubos golpistas

Ostentação de políticos, população pobre e redes bloqueadas: entenda a fúria da 'Geração Z' que levou o Nepal ao caos

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Tarifa zero

Vitória da roleta. 

Por Bernardo Mello Franco, 05.10.2025

Dos 22 vereadores que assinaram projeto de transporte gratuito, só 10 não voltaram atrás

Ainda não foi desta vez. Belo Horizonte poderia ter se tornado a primeira capital brasileira a adotar a tarifa zero nos ônibus. A proposta mobilizou a cidade, mas naufragou na Câmara Municipal. Na sexta-feira, foi derrotada por 30 votos a 10.

Os defensores da ideia sabiam que não seria fácil, mas saíram frustrados com a goleada da roleta sobre os passageiros. O projeto chegou ao plenário com a assinatura de 22 vereadores. Na hora da votação, mais da metade debandou.

O placar refletiu a pressão das empresas de ônibus e das entidades patronais. O prefeito Álvaro Damião (União Brasil) também jogou pesado. Ontem ele demitiu ao menos sete funcionários ligados a vereadores que contrariaram a ordem de votar contra a tarifa zero.

Hoje BH tem a terceira passagem mais cara entre as capitais: R$ 5,75. Apesar do valor, o bilhete só cobre 25% da arrecadação do sistema. As maiores receitas vêm do subsídio da prefeitura (38%) e do vale-transporte (37%).

O projeto apresentado pela vereadora Iza Lourenço (PSOL) previa substituir o vale-transporte pela Taxa do Transporte Público, a ser cobrada de empresas sediadas na cidade. As firmas com até nove funcionários não pagariam nada. A partir do décimo empregado, contribuiriam com R$ 185 por pessoa.

O modelo se baseou em estudo da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que projetou impactos positivos na redução da desigualdade e na economia local. Com a tarifa gratuita, as famílias ficariam com mais dinheiro para consumir. Cada real investido na política teria potencial para gerar quase R$ 4 em benefícios econômicos.

Defensores da tarifa zero também projetam efeitos positivos no trânsito, no meio ambiente e até na saúde pública. “Tirar carros da rua reduz os congestionamentos, a poluição e os acidentes”, resume o urbanista Roberto Andrés, professor da UFMG.

Autor do livro “A razão dos centavos”, que discute as manifestações de 2013, ele diz que a bandeira do passe livre “deixou de ser utopia e se mostrou viável”. A afirmação é amparada em números compilados pelas próprias empresas de ônibus.

Hoje 127 cidades brasileiras adotam a tarifa zero universal, sendo 12 com população acima de cem mil habitantes. A lista é suprapartidária. Inclui a petista Maricá (RJ) e a bolsonarista Balneário Camboriú (SC).


Estados que têm cidades com tarifa zero

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O que você vê da sua janela?

Ao juntar diferentes linguagens, espetáculo cria experiência única para público diverso.  Nova abordagem permite que pessoa com deficiência mergulhe mais livremente na arte

Jairo Marques, fsp, 07.10.2025

Há um esforço poético e intelectual de tempos para que a gente consiga ampliar as dimensões daquilo que entra por nossas janelas. É "complicoso" porque nos habituando e nos acomodamos em ver a folha do jornal voando, o passarinho cantando na árvore, o trânsito infernal buzinando e o cachorro latindo para o nada a cada vez que abrimos a casa para o mundo.

Foi por isso que fiquei comovido quando fui assistir a uma peça infantil, sim, sou desses, chamada "Da Janela", com uma proposta de comunicação e inclusão muito inovadora, que, certamente, aponta para uma nova forma de ver as mesmas coisas.

Antes do espetáculo começar, um anúncio curioso: "Temos à disposição objetos que podem auxiliar na regulação de autistas. Também dispomos de monitores que podem intermediar ou facilitar a comunicação do público."

Já há algum tempo, as leis de incentivo à cultura têm empurrado os produtores artísticos a fazerem o óbvio, oferecerem obras que atendam também ao público submerso no total abandono de acesso à arte, as pessoas com deficiência, principalmente aquelas que necessitam de recursos comunicacionais.

Aos poucos, então, é possível encontrar intérprete de Libras na lateral de palcos durante shows, fazendo a tradução do que é dito para surdos que usam essa língua e dispositivos eletrônicos que descrevem em palavras o que se vê, a chamada audiodescrição – aquela que deu um quiprocó danado com a atriz Cláudia Raia.

Também já não é raridade locais de espetáculos que dispõem de salas ou cantos equipados para aliviar tensões de pessoas neurodivergentes.

O ousado em "Da Janela", e também já começa a acontecer em outras várias montagens, é a incorporação de signos inclusivos dentro do próprio espetáculo e não mais como acessórios ou apêndices obrigatórios pela legislação.

Na história em que três crianças – Malu, Nina e Cadu — vão se conhecendo por meio das janelas de suas casas, os próprios atores interpretam suas falas em gestos, em libras, e narram o que se passa nas cenas, no que chamam de descrição poética. É um desbunde harmônico, instigante e do nosso tempo.

Espetáculo infantil revoluciona comunicação inclusiva -fotos

Atrás de mim, na plateia, um garotinho surdo, acompanhado dos pais, estava nas nuvens, emocionado. De maneira inédita, ele não tinha de ficar concentrado a um intérprete, na lateral do palco, perdendo o que acontecia no centro da arena. O espetáculo falava com ele e falava com todos os presentes, simultaneamente.

De quebra, uma das atrizes, Mariana Siciliano, que dá vida a Nina, é surda. Dando à produção um sentido inclusivo de 360 graus.

Não tenho dúvidas de que estamos diante de uma nova abertura da forma como nos comunicamos, que deixa de ser meramente multimídia e passa a dialogar com a semiótica, com várias linguagens coexistindo em uma mesma mensagem, atendendo à diversidade.

É tempo de não mais contemplar a vida sozinhos, debruçados no batente do olho de nossas casas. Chegou o tempo de abrir o quintal, de fazer festa na varanda para todos. Somos plural. E, mais uma vez, é a arte o que escancara essa realidade.

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Ghassan Kanafani e a literatura árabe no Brasil, com Ahmed Zogbi 

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De noite, na cama - Ruy Castro

Síndico em Santa Catarina proíbe sexo depois das 22h

Queria vê-lo fazer isso tendo Zé Kéti entre seus condôminos

Ruy Castro, fsp, 18.09.2025

Um condomínio no município de São José, na Grande Florianópolis, soltou regulamento proibindo que seus moradores pratiquem relações sexuais depois das 22h. A medida foi tomada porque 18 condôminos reclamaram de uivos de prazer, ranger de molas e outros ruídos que os impediam de dormir. Pela medida, o morador que descumprir a ordem levará uma advertência. Se reincidente, receberá uma multa de R$ 237. O síndico cogita instalar sensores de ruídos nos corredores e gravar áudios dessas atividades para reproduzi-los na assembleia.

São medidas deliciosamente contraditórias. Significa que relações sexuais em voz alta, incluindo gemidos, serão bem-vindas até 21h? Se os sensores de áudio se destinam a captar os suspiros e sussurros das relações, isso não contraria o mérito da questão, que se refere aos frêmitos em voz alta? A apresentação dos áudios nas reuniões, que se supõem humilhantes para os praticantes do fux-fux, não terá um efeito pedagógico para os casais residentes que se limitam ao papai-mamãe? E é claro que a multa de R$ 237 em caso de reincidência será paga alegremente pelo dito reincidente —uma noitada num motel custa muito mais.

A reincidência também comporta especulações. Se o morador for advertido depois de uma primeira relação, será multado se der uma segunda dali a uma hora? E as mulheres que têm sonoros orgasmos múltiplos num único ato? Quantas multas isso custará?

Em 1968, morando no Solar da Fossa, tive como vizinho o grande sambista Zé Kéti, autor de, por acaso, "Malvadeza Durão". Todas as noites, justamente às 22h, ele e sua namorada começavam a função, com estrondos e alaridos que atravessavam a parede do meu apartamento. Não ouso descrever os espasmos de deleite da garota, nem dizer em quantos decibéis. Mas tinha-se a impressão de que estavam jogando cofres e cômodas um no outro. Era sensacional.

Ao saber dessas performances, outros moradores do Solar vinham ao meu quarto para escutar Zé Kéti em ação. Eram tantos que comecei a cobrar ingresso.

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Trama golpista: PGR pede condenação de 8 kids pretos e um policial federal

Luccas Lucena, UOL, 15/09/2025 

A PGR (Procuradoria-Geral da República) pediu hoje a condenação de nove réus do núcleo 3 da trama golpista. Na semana passada, o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) e outros sete integrantes do "núcleo crucial" foram condenados pelo STF (Supremo Tribunal Federal).

O que aconteceu

Dos dez réus do núcleo 3, nove devem ser condenados, segundo a PGR. Grupo é formado por oito militares, os chamados "kids pretos", e um policial federal. Eles foram acusados de planejar "ações táticas" para efetivar o golpe e manter Bolsonaro no poder, de acordo com a PGR. São eles:

Estevam Cals Theophilo Gaspar de Oliveira, general

Bernardo Romão Correa Netto, coronel

Fabrício Moreira de Bastos, coronel

Márcio Nunes de Resende Júnior, coronel

Hélio Ferreira Lima, tenente-coronel

Rafael Martins de Oliveira, tenente-coronel

Rodrigo Bezerra de Azevedo, tenente-coronel

Sérgio Ricardo Cavaliere, tenente-coronel

Wladimir Matos Soares, policial federal

Réus devem ser condenados por cinco crimes, defende procuradoria. Os crimes são: organização criminosa armada, tentativa de abolição violenta do Estado democrático de Direito, dano qualificado pela violência e grave ameaça, contra o patrimônio da União, e com considerável prejuízo para a vítima e deterioração de patrimônio tombado.

Décimo réu é o tenente-coronel Ronald Ferreira de Araújo Júnior. No lugar da condenação, a PGR pede que ele seja enquadrado por incitação ao crime. Assim, o militar poderá negociar um acordo para obter benefícios penais "pertinentes".

Não houve "elementos adicionais" para a vinculação de Ronald com os envolvidos da trama golpista, aponta PGR. "No caso do acusado Ronald, contudo, as provas até então produzidas conduziram 'apenas' à prática pontual de conduta incitatória, não sendo possível diferenciá-lo dos demais militares que assinaram e compartilharam a carta. É razoável, portanto, a desclassificação de sua conduta, para enquadrá-la como incitação ao crime."

Núcleo é suspeito de plano para matar autoridades. A PGR apontou que integrantes teriam tramado o assassinato do presidente Lula (PT), do vice-presidente Geraldo Alckmin (PSB) e do ministro do STF Alexandre de Moraes. Entre os denunciados, estão os militares que chegaram a monitorar a localização de Moraes e até a ir perto de sua casa, em Brasília, para executar o plano de capturar ou mesmo assassinar o ministro.

Acusados contribuíram para "propósito disruptivo e violento", diz procuradoria. "Graças à ação dos acusados, o Alto Comando do Exército foi severamente pressionado a ultimar o golpe de Estado, autoridades públicas estiveram na mira de ações violentas e forças terrestres foram disponibilizadas aos intentos criminosos."

Com "conhecimentos técnicos especializados", réus colocaram em risco a "preservação da ordem democrática". "Os réus atuaram em momento temporal decisivo, por meio do aparato de força do Estado e de seus conhecimentos técnicos especializados, colocando sob sério risco a preservação da ordem democrática", disse PGR.

Agora, defesas terão 15 dias para defender absolvição de militares. Após essa etapa, o processo, relatado por Moraes, estará pronto para ser julgado pelo STF.

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Foro de Teresina | A condenação de Bolsonaro e o vexame de Fux 

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Tenório é encontrado e identificado na Argentina quase 50 anos após morte

Músico seminal desapareceu às vésperas da ditadura militar

Na ocasião, ele acompanhava Vinicius de Moraes numa turnê

Sylvia Colombo&Thea Severino, fsp, 13.09.2025

https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2025/09/tenorio-jr-e-encontrado-e-identificado-na-argentina-quase-50-anos-apos-morte.shtml

Um mistério de quase 50 anos que assombrava a música popular brasileira teve desfecho na última sexta-feira (12), quando a Justiça argentina informou à embaixada do Brasil em Buenos Aires que havia, por fim, identificado o corpo do pianista Francisco Tenório Cerqueira Júnior, o Tenório Jr..

Ele acompanhava Vinicius de Moraes numa turnê pelo Uruguai e pela Argentina com o baixista Azeitona, o baterista Mutinho e Toquinho no violão, poucos dias antes do golpe militar de 1976.

 O pianista carioca Francisco Tenório Cerqueira Jr., o Tenório Jr., em 1964, 12 anos antes de desaparecer na Argentina, onde foi preso, torturado e morto - Reprodução

Na madrugada de 18 de março de 1976, após um show na renomada casa de espetáculos Gran Rex, na avenida Corrientes, Tenorinho, como era chamado carinhosamente por Vinicius, teria deixado um bilhete para Toquinho, com quem dividia um quarto no Hotel Normandie, no centro de Buenos Aires, dizendo que sairia para comprar cigarros e um lanche. Nunca mais voltou, e seu corpo jamais foi encontrado.

O corpo que agora se atribui ao músico foi identificado por meio de impressões digitais. As de Tenório Jr. estavam em dois órgãos diferentes dedicados a buscas de pessoas desaparecidas durante a ditadura. Um cotejamento das informações feito apenas recentemente permitiu a identificação do pianista.

Agora, a investigação será encaminhada à renomada Equipe Argentino de Antropología Forense, criada para identificar restos mortais dos mais de 20 mil desaparecidos da ditadura argentina, mas que se especializou posteriormente em trabalhos de identificação reconhecidos em vários países do mundo. O objetivo agora é definir como o músico foi assassinado.

Os restos de Tenório Jr. foram encontrados na interseção entre a avenida General Belgrano e a Panamericana, na província de Buenos Aires. Segundo a Justiça, a morte teria ocorrido em 20 de março de 1976, ou seja, apenas dois dias depois de seu sequestro. "É uma descoberta para a história de uma família, da música brasileira e das ditaduras: a argentina, que cometeu o crime, e a brasileira, que o encobriu. Cinquenta anos depois, Tenório revive", diz Ruy Castro, colunista da Folha.

"É uma notícia surpreendente, quando já não tínhamos esperança de saber mais nada. De certo modo, dá um fechamento a essa história tão triste", diz Marta Rodríguez Santamaría, que foi a oitava e penúltima mulher de Vinicius de Moraes e, na época do desaparecimento do músico, ajudou-o a percorrer embaixadas, delegacias e a entrar em contato com juízes.

"Triste pensar hoje que, em todas aquelas semanas em que Vinicius passou na Argentina buscando ajuda para encontrar o amigo, ele já estava morto", diz Santamaría.

Várias especulações rondaram o caso todos esses anos. A mais aceita era a de que o músico teria sido confundido com algum "subversivo" por sua aparência — naquela época, ter cabelos compridos, como boa parte dos artistas tinha, era sinal de desobediência em relação ao sistema.

O golpe militar na Argentina ocorreu em 24 de março, mas já nas semanas anteriores havia repressão militar e busca por opositores. Tenório pode ter sido confundido com um líder montonero, guerrilha que resistiria ao regime, que estaria circulando na zona. Segundo essa hipótese, ele teria sido levado a uma delegacia na rua Lavalle. Ali, apesar de identificar-se como brasileiro e sem saber falar espanhol corretamente, teria sido espancado e morto.

Outras hipóteses circularam na época. Uma delas dizia que, em vez de buscar cigarros e algo de comer, Tenório estivesse buscando drogas. Não muda a crueldade do crime, mas era comum, segundo o historiador Uki Goñi, que naquele tempo houvesse "batidas" na região central da cidade, onde tradicionalmente se vendiam drogas.

Uma terceira versão considerava que Tenório estaria na companhia da amante, e que a necessidade de encobrir esse "affair" teria complicado as investigações.

Embora a morte encerre um ciclo, muitas perguntas permanecem. Por que o músico foi espancado até a morte, se não era uma figura relacionada à militância política ou a pessoa que a polícia buscava? O caso será reaberto para entender o que ocorreu na delegacia da rua Lavalle? Quem ordenou sua morte? Como se comportaram os diplomatas brasileiros ante o desaparecimento? Na época, o Brasil já vivia seus anos de chumbo e colaborava com os vizinhos na busca por subversivos.

Nascido em 4 de julho de 1941, em Laranjeiras, no Rio de Janeiro, Tenório Jr. cresceu entre o estímulo artístico e o rigor acadêmico. Filho de Alcinda Lourenço Cerqueira e do delegado Francisco Tenório Cerqueira, foi aluno de Moacir Santos e integrante do grupo instrumental Os Cobras, composto por ele, José Carlos, o Zezinho, Paulo Moura, Meirelles, Raul de Souza, Hamilton e Milton Banana.

Pianista talentoso, ele se destacou pelo improviso nos gêneros sambajazz e bossajazz na década de 1960, quando a música instrumental brasileira era muito popular. Começou as jams sessions do Little Club aos 21 anos, em Copacabana, no beco das Garrafas, formado por quatro clubes —Little Club, Bottle's, Baccará e Ma Griffe —, onde todos os grandes nomes da bossa tocavam. Participou de festivais internacionais, aos 22 anos, como o Jazz (La Costa), em Mar del Plata, cidade costeira argentina na província de Buenos Aires.

Aos 23 anos, gravou a convite dos diretores da gravadora RGE, José Scatena e Benil Santos, o LP "Embalo", lançado em 1964. Foram 11 músicas gravadas com Paulo Moura, Raul de Souza, Zezinho Alves, Milton Banana e Rubens Bassini, entre fevereiro e março de 1964, e posteriormente lançadas em 2004 num CD.

Mais

Tenório Jr. 

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Generais na cadeia e a 'vitória da democracia' contra nossa história sempre viva de golpe

Quarenta anos depois do fim da ditadura de 1965-1985, oficiais-generais golpistas são punidos

Vitória da democracia, 40 anos depois - 11/09/2025 - Vinicius Torres Freire - Folha

https://www.pressreader.com/brazil/folha-de-s-paulo/20250912/281887304452169

O 11 de setembro de 2025 foi uma "vitória da democracia", como antigamente se lia em títulos gritantes dos jornais, até porque a democracia precisava de vitórias gritadas para nos dar um pouco mais de segurança de que sobreviveria. "Antigamente": nos anos 1990.

Além do mais, como diz o clichê, "a luta continua". Antes de pensar nas próximas ameaças, porém, é preciso ressaltar aspecto menos considerado do julgamento dos golpistas. Foram condenados quatro oficiais-generais de quatro estrelas, topo da carreira. Outros militares irão para a cadeia.

Além do capitão das trevas Jair Bolsonaro, foram condenados o almirante-de-esquadra Almir Garnier e os generais de Exército Braga Netto, Paulo Sérgio Nogueira e Augusto Heleno. Quarenta anos depois do fim da ditadura de 1964-1985, oficiais-generais devem ir para a cadeia por tentativa de golpe. É preciso lembrar desse passado sempre vivo da história do país.

Não é possível dizer que a condenação de militares e civis responsáveis por 21 anos de opressão política e social teria sido vacina forte contra o golpismo, que ainda nos dias de hoje parece doença crônica, não ataque viral aleatório.

Mas teria sido pelo menos tentativa de prevenção, contragolpe imunizante, de educação para a democracia ou de evitar que ainda na Constituição de 1988 houvesse fresta para animar golpe militar.

A condenação dos generais ainda é tentativa, tardia, de encerrar uma história de golpes comandados por militares ou por civis secundados por militares.

Um otimista poderia dizer que Bolsonaro não se tornou ditador porque a maioria do Alto Comando do Exército "votou" contra; porque o general de Exército e comandante Freire Gomes e o tenente-brigadeiro e comandante Baptista Júnior disseram não a Bolsonaro e a seus esbirros. Foi por um fio, na verdade.

Ainda no começo de Lula 3, o Exército indicava o tenente-coronel Mauro Cid para chefiar o Batalhão de Ações e Comandos, uma unidade perigosa, e seguir caminho para o generalato.

Fora "aluno brilhante" de academias militares. Pois é. Cid e colegas estudaram como a Constituição permitiria "intervenção militar" (golpe) na escola de pós-graduação do Exército. É uma das ideias centrais do bolsonarismo puro.

A partir de 1945, quando começa algo parecido com uma democracia no Brasil, a violência militar contra as instituições foi recorrente. A ditadura de Getúlio Vargas caiu com um golpe, comandado por alguns generais com simpatias nazistas. Houve golpes ou tentativas em 1954, 1955, 1956, 1961, 1964; golpes dentro do golpe em 1968, 1969 e 1977.

Em 1985, Tancredo Neves foi internado horas antes de tomar posse como presidente. Naquela madrugada, perguntávamos se teria havido ou haveria golpe.

Outra vez o otimista poderá dizer que, no primeiro quarto do século 21, agora somos capazes de evitar o cancelamento da democracia e, de quebra, mandamos para a cadeia candidatos a tiranos e generais. Mas tivemos de fazê-lo.

Agravante, parcela crescente da população é indiferente ao destino da democracia. Outra parte é adepta da destruição, liderada por Bolsonaro, filhote da ditadura, defensor da tortura, de genocídio. Entre um terço e dois quintos do Congresso, no mínimo, poderiam votar pela anistia de Bolsonaro e comparsas.

Governadores de direita dos maiores estados do país também, assim como parte do empresariado e de elites profissionais.

A "luta continua". Sem anistia.

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Nada de China ou norte da Europa; Etiópia, Nepal e Turquia são as novidades na energia limpa 

The Economist, 28.09.2025

 https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2025/08/nada-de-china-ou-norte-da-europa-etiopia-nepal-e-turquia-sao-as-novidades-na-energia-limpa.shtml

Vendas de veículos elétricos disparam e implantação de novas tecnologias sustentáveis acelera

Ao mesmo tempo, Brasil e Indonésia adotam medidas para proteger sua indústria de transição verde

Imagine um país onde as energias renováveis estão sendo rapidamente implementadas e as vendas de veículos elétricos disparam, e você provavelmente terá em mente algum lugar presunçoso do norte da Europa; um lugar com pessoas altas, governos de coalizão e uma paixão por férias de bicicleta.

Ou talvez a primeira coisa que venha à sua cabeça seja a escala imensa da China, que fabrica a maior parte desses equipamentos e no ano passado contribuiu com mais da metade do aumento global na instalação de energia solar e eólica.

Pense novamente. Uma onda de veículos elétricos fabricados na China inunda novos mercados. No último ano, as vendas destes carros mais que triplicaram na Turquia, onde a Togg, uma marca local, também é popular — eles agora representam 27% de todos os carros vendidos, tornando o país o quarto maior mercado europeu.

Linha de produção de carros elétricos da Togg, na Turquia - Yasin Akgul - 17.mai.2024/AFP

No ano passado, mais de 70% dos carros importados pelo Nepal eram elétricos. Cerca de 60% dos novos carros vendidos na Etiópia eram movidos a bateria, depois que o estado proibiu completamente a venda de veículos com motor de combustão. As vendas de modelos elétricos dobraram no Vietnã no último ano devido, em parte, à VinFast, uma montadora local.

Veículos de duas e três rodas também estão tendo um aumento de popularidade. A AIE (Agência Internacional de Energia) estima que nos países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, as vendas de veículos elétricos aumentaram 60% em 2024.

A história é semelhante com as energias renováveis. Nos primeiros seis meses do ano, o Paquistão gerou 25% de sua eletricidade a partir da luz solar —não muito abaixo dos 32% alcançados pela Califórnia (EUA), pioneira em energia limpa.

As importações de baterias do país também estão em alta. De fato, o think tank Instituto de Economia e Análise Financeira de Energia prevê que, pelo ritmo atual, o armazenamento de baterias cobrirá 26% da demanda de eletricidade de pico do Paquistão até 2030. Enquanto isso, no último ano, Marrocos aumentou sua geração eólica em 50%, tornando-se o nono país com maior geração. A Índia viu quatro meses de declínio na geração de energia a carvão, auxiliada por um aumento de 14% nas opções renováveis.

Imagine um país onde as energias renováveis estão sendo rapidamente implementadas e as vendas de veículos elétricos disparam, e você provavelmente terá em mente algum lugar presunçoso do norte da Europa; um lugar com pessoas altas, governos de coalizão e uma paixão por férias de bicicleta.

Ou talvez a primeira coisa que venha à sua cabeça seja a escala imensa da China, que fabrica a maior parte desses equipamentos e no ano passado contribuiu com mais da metade do aumento global na instalação de energia solar e eólica.

Pense novamente. Uma onda de veículos elétricos fabricados na China inunda novos mercados. No último ano, as vendas destes carros mais que triplicaram na Turquia, onde a Togg, uma marca local, também é popular — eles agora representam 27% de todos os carros vendidos, tornando o país o quarto maior mercado europeu.

A imagem mostra uma linha de montagem de carros em uma fábrica. Vários veículos prateados estão alinhados em uma estrutura tubular com iluminação em forma de arcos. Uma funcionária está ao lado da linha, utilizando um dispositivo eletrônico para verificar ou registrar informações. O ambiente é moderno e bem iluminado, com um foco na produção automotiva.

No ano passado, mais de 70% dos carros importados pelo Nepal eram elétricos. Cerca de 60% dos novos carros vendidos na Etiópia eram movidos a bateria, depois que o estado proibiu completamente a venda de veículos com motor de combustão. As vendas de modelos elétricos dobraram no Vietnã no último ano devido, em parte, à VinFast, uma montadora local.

Veículos de duas e três rodas também estão tendo um aumento de popularidade. A AIE (Agência Internacional de Energia) estima que nos países em desenvolvimento da África, Ásia e América Latina, as vendas de veículos elétricos aumentaram 60% em 2024.

A história é semelhante com as energias renováveis. Nos primeiros seis meses do ano, o Paquistão gerou 25% de sua eletricidade a partir da luz solar —não muito abaixo dos 32% alcançados pela Califórnia (EUA), pioneira em energia limpa.

As importações de baterias do país também estão em alta. De fato, o think tank Instituto de Economia e Análise Financeira de Energia prevê que, pelo ritmo atual, o armazenamento de baterias cobrirá 26% da demanda de eletricidade de pico do Paquistão até 2030. Enquanto isso, no último ano, Marrocos aumentou sua geração eólica em 50%, tornando-se o nono país com maior geração. A Índia viu quatro meses de declínio na geração de energia a carvão, auxiliada por um aumento de 14% nas opções renováveis.

DESEJO POR ENERGIA

Embora os princípios da diplomacia climática internacional sugiram que os países mais pobres, sendo menos responsáveis pelas mudanças climáticas, têm menos obrigação de se tornarem verdes, muitos têm fortes incentivos econômicos para fazê-lo de qualquer maneira

A maioria dos países do hemisfério Sul são importadores de energia e, portanto, devem usar moeda estrangeira para comprar petróleo e gás. China e Índia têm reservas de carvão que desempenham um papel importante em suas economias e geração de energia, mas nenhum dos dois possui reservas significativas de petróleo ou gás.

Por sua vez, a proibição de motores de combustão na Etiópia não foi uma medida verde —foi projetada para reduzir os gastos com combustíveis fósseis e economizar moeda estrangeira.

Conheça a fábrica de painéis solares da BYD em Campinas

Além disso, nos mercados emergentes, os veículos elétricos fabricados na China agora são quase tão baratos quanto os modelos tradicionais. Em alguns lugares, são até mais baratos. A AIE estima que no ano passado a versão chinesa média foi vendida por cerca de US$ 30 mil na Tailândia, em comparação com os US$ 34 mil para o típico carro a gasolina.

Na faixa mais baixa do mercado, os veículos tradicionais ainda têm vantagem, mas apenas relativamente modesta. As políticas governamentais também fizeram diferença. Na Turquia, os compradores de carros elétricos normalmente pagavam apenas 10% de imposto, em comparação com outra taxa entre 45% e 220% para veículos movidos a gasolina. O recente aumento refletiu em parte a antecipação dos compradores de carros à medida governamental.

A tecnologia limpa geralmente requer mais investimento inicial do que a tecnologia de combustíveis fósseis, mesmo que tenha custo de vida útil mais baixo. Isso historicamente a reteve em lugares onde o custo de capital é alto.

A AIE calculou que o custo típico de capital para um projeto solar na Índia, por exemplo, é de 11%, em comparação com cerca da metade disso em países ricos. Mas o Rocky Mountain Institute, agora estima que, devido à queda de preços, muitas tecnologias limpas atingiram a "paridade de capex", onde os custos iniciais são os mesmos que os combustíveis fósseis em uma base por unidade. Como consequência, elas se tornaram mais atraentes em grande parte do mundo.

As tarifas também têm sido úteis. À medida que EUA e UE tentam excluir os carros elétricos chineses, eles estão encontrando espaço em outros mercados —a preços ainda mais baixos. A maioria dos mercados emergentes não possuem fabricantes tradicionais que pressionarão seus governos para manter as opções chinesas distante.

No entanto, esse comércio relativamente livre está em risco à medida que o protecionismo começa a se espalhar. Até recentemente, o Brasil permitia a entrada de veículos elétricos em sua economia sem tarifas; agora está gradualmente aumentando os impostos de importação para 35% até 2026.

As importações de painéis solares acabados da Índia estagnaram à medida que o país busca construir sua própria cadeia de suprimentos. A Nigéria está considerando proibir completamente as importações de painéis solares em um esforço para apoiar o fabricante local.

Os governos estão pelo menos também criando brechas que permitem que as importações chinesas continuem, desde que as empresas em questão se comprometam com a produção local. O Brasil criou uma isenção para a BYD, enquanto ela estabelece uma fábrica no país. A Indonésia reduziu o imposto sobre valor agregado em veículos elétricos de 11% para 1% para os que atendem a um requisito de conteúdo local de 40%; enquanto isso, os fabricantes estrangeiros podem trazer equipamentos sem impostos, desde que prometam aumentar a produção doméstica até 2026 e forneçam uma garantia para as tarifas perdoadas se não cumprirem o prometido.

Tais políticas estão longe de serem perfeitas, mas são melhores que a alternativa. Os abastados europeus do norte têm algo a aprender.

Texto do The Economist, traduzido por Fernando Narazaki, publicado sob licença. O artigo original, em inglês, pode ser encontrado em www.economist.com

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Um sopro de voz à esquerda 

Muniz Sodré, fsp, 30.08.2025

https://www1.folha.uol.com.br/colunas/muniz-sodre/2025/08/um-sopro-de-voz-a-esquerda.shtmlç

O desvario trumpista é momento para uma rearticulação de mercados e de objetivos

Num arroubo cândido, Lula se disse inclinado a ser "mais esquerdista". Antes, um rumor desse tinha bastado para que o temor ganhasse vozes públicas. Tudo ao vento, tão flutuante é o sentido de esquerda. Leve e solta, a palavra é como liberdade sem o vetor da pretensa libertação. "Liberdade de expressão" passa por direito de uso de miséria moral contra a dignidade alheia, senão de cogitação golpista para o assassinato de autoridades. Já esquerda, como flutuação de ânimo, é ingresso no imaginário da política

Ponto real a se considerar é a era de caos e bifurcação que o sistema-mundo atravessa há décadas por oscilações estruturais. A existência da economia-mundo capitalista perdura há meio milênio, desde o núcleo euro-americano, como único sistema histórico do planeta. Seu motor básico é a acumulação incessante de capital, que permeia todas as instituições por meio de dispositivos universalistas, como a geocultura dominada pelo liberalismo centrista. Para o historiador Immanuel Wallerstein, esse sistema mostrou-se capaz de favorecer uma taxa de expansão sem precedentes em termos de tecnologia e de riqueza, "mas ao custo de uma polarização cada vez maior do sistema-mundo, entre uma faixa superior de 20% e uma inferior de 80% —polarização ao mesmo tempo econômica, política, social e cultural" (em "L´Universalisme Européen").

A polarização econômica, porém, é muito maior em países como o Brasil, com abissal desigualdade entre ricos e pobres. Capital financeiro e neoliberalismo são indiferentes a formas produtivas e includentes. Qualquer verdadeira inclinação à esquerda implicaria reformas política, judiciária e tributária, ou seja, uma mudança estrutural suscetível de reduzir a polarização. Neoliberalismo é outro nome para o aumento de peso da geocultura centrista nas orientações político-econômicas, com força de cooptação das "inclinações" esquerdistas. Quando Lula diz que "o Estado Democrático de Direito para nós é coisa sagrada", frente ao direito sagrado da loucura de não ver o mal à frente, age como estadista de referência mundial. Mas os mandatos de centro-esquerda no eixo do poder brasileiro têm sido alheios a mudanças. Foi-se a linguagem emancipatória.

Daí o espaço conquistado pela centro-direita rentista e pela ultradireita, horda de rapina à espreita das sobras do caos, em modo golpista permanente. O sistema de poder equilibra-se no centro, ao qual interessa, em princípio, a democracia, ou suas aparências. Mas, nos porões parlamentares, o fisiologismo abole fronteiras ideológicas. Algo identificável como "esquerda" seria propriamente fazer política restaurativa do vazio de palavras com sentido, o vazio do caos. Uma política de consolidação democrática, com pejo de blindagem em malversações de fundos. Mais, vontade de poder para um projeto nacional articulado a tecnologia e conhecimento competitivos, secundado por educação de ponta. E de imediato uma frente de combate ao ecossistema criminoso no país.

O desvario trumpista é momento para uma rearticulação de mercados e de objetivos. O Executivo e o Judiciário têm contido até agora a agressão imperial. Numa desejável frente ampla, porém, vale rever o anacrônico léxico político, discurso é chave do contato popular. O "nós contra eles", mote funcional em 2006, pode despertar militância e recuperar bases com Lula à frente nas pesquisas, sem apontar, entretanto, para qualquer reordenação de rumos. É dose de ódio calibrada na medida das redes. Mas soa também a bravata, sopro de gogó ao vento.

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Brasil promove programa de atração de milionários 

Eduardo Cucolo, fsp, 31.08.2025

Para as pessoas que estão nas faixas mais elevadas de renda, tributação é inferior à aplicada nos Estados Unidos

Na semana em que a Câmara dos Deputados pode aprovar o Imposto de Renda Mínimo de até 10% para pessoas de alta renda, novos dados sobre a tributação dos brasileiros mostram um cenário mais desigual do que se imaginava.

Pessoas residentes no Brasil com renda anual de pelo menos US$ 1 milhão (cerca de R$ 5,5 milhões) pagam o equivalente a 20,6% em tributos. O valor é menos da metade da alíquota média de 42,5% que incide sobre a renda de todos os brasileiros. Conclusão: se tem alguém pagando menos, outros estão pagando mais.

Nos Estados Unidos, a tributação média da população é de 29%. Deveríamos todos fugir para lá em busca de uma tributação menor? Para as pessoas que estão na faixa de renda dos chamados "milionários em dólar", melhor ficar por aqui. No país de Donald Trump esses contribuintes pagariam 36% de imposto. Lembrando que aqui são 20,6% para essa faixa.

Os números fazem parte de um relatório divulgado na última sexta (29) pelo Ministério da Fazenda, fruto de uma parceria entre a Receita Federal e o Observatório Fiscal da União Europeia, liderado pelo economista francês Gabriel Zucman. Os dados confirmam que o Brasil possui uma carga tributária elevada, mas o peso que recai sobre cada um é bem diferente, a ponto de alguns contribuintes (pessoas físicas e jurídicas) conviverem com uma tributação abaixo de 10%.

No caso das empresas, embora a alíquota nominal sobre os lucros seja de 34%, a tributação média das 3.000 maiores é de 15%. Algumas dessas pagam menos de 5% —patamar equivalente ao de uma microempresa do Simples Nacional.

Os principais fatores que explicam tamanha disparidade na tributação de empresas e cidadãos são os suspeitos de sempre.

Primeiro, a isenção de Imposto de Renda para os lucros distribuídos pelas empresas. O Brasil é um dos poucos países no mundo que isentam integralmente os dividendos recebidos pelas pessoas físicas.

Segundo, os incentivos tributários que essas companhias recebem: 90% deles ficaram com 1% das empresas.

O terceiro ponto é a carga mais elevada sobre o consumo do que sobre a renda das pessoas físicas.

Benefícios tributários não são uma exclusividade do Brasil. Mas nosso sistema contribui para aumentar as desigualdades existentes e gera distorções que prejudicam a vida da maior parte das empresas.

A reforma do Imposto de Renda não resolve todos esses problemas, mas é um primeiro passo para reduzir algumas dessas discrepâncias. E como mostram os dados, é pouco provável que ela provoque uma fuga de capitais do país. Nas próximas semanas, os deputados terão a chance de melhorar nosso sistema, mas também podem torná-lo pior. Sob o argumento de que é preciso reduzir a carga tributária para todos, inclusive para as pessoas de maior renda, o partido de Jair Bolsonaro (PL) quer ampliar a faixa de isenção do imposto para R$ 10 mil, sem compensações por meio de um imposto mínimo.

Lembrando que os dados apresentados pela Fazenda são de 2019 e que outro trabalho recente mostra que alguns desses números pioraram após a pandemia.

Uma observação. O estudo inova ao calcular a tributação com base na carga efetiva sobre a renda nacional, antes de impostos. Na renda das pessoas físicas, estão computados também os lucros das empresas das quais elas são sócias, inclusive ganhos não distribuídos aos acionistas. O dado é diferente da carga tributária sobre o PIB (Produto Interno Bruto), próxima de 33% no mesmo ano.

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'Frankenstein': como é a versão de Guillermo del Toro do clássico, aplaudida por 13 minutos no Festival de Cinema de Veneza

Steven McIntosh, BBC, de Veneza (Itália), 31.08.2025


Del Toro disse dar preferência a cenários reais e procurar reduzir a computação gráfica ao mínimo possível

Alguns anos atrás, o chefe da Netflix, Ted Sarandos, estava em uma reunião com Guillermo del Toro quando perguntou ao célebre diretor quais filmes estavam em sua lista de desejos ainda não realizados.
Del Toro respondeu com dois nomes: "Pinóquio e Frankenstein".

"Então faça", respondeu Sarandos, sinalizando que a gigante do streaming iria financiar ambos os projetos. O primeiro filme, a aclamada versão dark fantasy de Pinóquio, de Del Toro, seria lançado em 2022.

Quando chegou a hora de começar a trabalhar em Frankenstein, del Toro avisou: "É grande".
Ele não estava brincando. A ambiciosa versão do cineasta mexicano do clássico que retrata um cientista louco e sua monstruosa criação é um dos grandes destaques do Festival de Cinema de Veneza deste ano.
É um projeto em que ele trabalha há décadas. "É uma espécie de sonho, ou mais do que isso, uma religião para mim desde criança", disse del Toro aos jornalistas no festival.

Ele destaca a atuação de Boris Karloff na adaptação de 1931 como particularmente influente na fascinação que tem pela história e explica por que sua própria versão demorou tanto tempo para sair do papel. "Sempre esperei que o filme fosse feito nas condições certas, criativamente, em termos de atingir o escopo necessário, para torná-lo diferente, para fazê-lo em uma escala que permitisse reconstruir o mundo inteiro", explica.

Agora que o processo chegou ao fim e o filme está prestes a ser lançado, o diretor brinca que está "em depressão pós-parto".
O público que compareceu à primeira exibição do filme na 82ª edição do festival o aplaudiu de pé por 13 minutos, conforme a agência de notícias AP. Ele está previsto para estrear nos cinemas brasileiros em outubro e entra no catálogo da Netflix em novembro.

Desde que Mary Shelley escreveu o romance Frankenstein em 1818, centenas de filmes, séries de TV e histórias em quadrinhos apresentaram versões do famoso personagem.
A adaptação mais recente traz Oscar Isaac no papel de Victor Frankenstein, com Jacob Elordi irreconhecível como a criatura monstruosa à qual ele dá vida. Isaac relembra: "Guillermo disse: 'Estou criando este banquete para você, você só precisa aparecer e comer'. E essa era a verdade, houve uma fusão, eu simplesmente me conectei com Guillermo e mergulhamos de cabeça.
"Não acredito que estou aqui agora", acrescenta ele, "que chegamos a este ponto em dois anos. A sensação é de que aquilo era um auge".

Andrew  Garfield havia sido originalmente escalado para interpretar a criatura, mas teve que deixar o projeto devido a conflitos de agenda decorrentes da greve dos atores de Hollywood.
Elordi assumiu o projeto em cima da hora. "Guillermo me procurou com o processo bem adiantado", lembra o ator, "eu tinha cerca de três semanas antes de começar a filmar".
"Parecia uma tarefa monumental, mas, como Oscar disse, o banquete estava lá e todos já estavam comendo quando cheguei, então tive só que puxar uma cadeira. Foi um sonho que se tornou realidade."

O filme também é estrelado por Cristoph Waltz e Mia Goth como Elizabeth, personagem que se casa com Frankenstein, mas se distancia dele à medida que demonstra mais gentileza com a criatura do que com o marido.

O filme é dividido em três partes — um prelúdio seguido por duas versões dos eventos contadas do ponto de vista de Frankenstein e de sua criação.
Mostra a infância de Frankenstein e os fatores que o levaram a começar a trabalhar no projeto. Mas também incentiva o público a ver as coisas do ponto de vista da criatura — destacando o quão maltratado ele foi por seu criador.

Em quase duas horas e meia (149 minutos), há espaço para que os personagens e suas histórias se desenvolvam. As primeiras críticas destacaram que o filme quase merece a duração que tem.
"Talvez pudesse ter sido encurtado, mas o universo criado por del Toro é tão irresistível, o retorno à grande produção cinematográfica de Hollywood tão pronunciado, que deve ser difícil de contê-lo", opinou Pete Hammond, do Deadline. "Quando você solta um cineasta do porte de del Toro no laboratório, por que encurtar o filme?"

Avaliações menos generosas, contudo, pontuaram que o trabalho estava longe de ser o melhor do diretor.
Geoffrey  McNab, do The Independent, disse que o filme era "só espetáculo e pouca substância", acrescentando: "Apesar de toda a maestria formal de Del Toro, este Frankenstein carece, em última análise, da energia necessária para realmente lhe dar vida".
David Rooney, do Hollywood Reporter, demonstrou muito mais entusiasmo, escrevendo: "Um dos melhores trabalhos de Del Toro, esta é uma narrativa em escala épica, de beleza, sentimento e arte incomuns".
Jane Crowther, da Total Film, que deu quatro estrelas ao filme, escreveu: "Magistralmente elaborado e com temática pertinente, Frankenstein, de Guillermo del Toro, é uma adaptação elegante, embora não tão ousada, com potencial para premiações."

Del Toro é um dos diretores mais queridos de sua geração, estimado na indústria cinematográfica por seu amor pelo cinema e sua ambição em torno do que o cinema pode atingir.Aos 60 anos, o cineasta t ambém é o preferido de Hollywood para histórias que envolvam monstros ou outras criaturas fantásticas. Seus trabalhos incluem O Labirinto do Fauno, Círculo de Fogo e A Forma da Água. Este último lhe rendeu o Oscar de melhor filme e melhor diretor em 2018.

Del Toro tem grande afeição por monstros e é conhecido por humanizá-los em seus filmes, despertando a simpatia do público por personagens antes vistos como vilões. No caso de Frankenstein, ele diz: "Eu queria que a criatura nascesse de novo. Muitas das interpretações são como vítimas de acidentes, e eu queria beleza."

Sua visão e atenção aos detalhes em Frankenstein se estenderam a todos os aspectos da produção, com grande cuidado com figurinos e cenários — que são cenários físicos e realistas, em vez de gerados por computação gráfica (CGI, na sigla em inglês para "computer generated imagery").
"CGI é para perdedores", comenta Waltz, provocando muitas risadas. Del Toro acrescenta que filmar com cenários reais acaba resultando em uma interpretação melhor dos atores do que quando se usam telas verdes.

Ele compara a distinção entre CGI e o trabalho manual artesanal à diferença entre "colírio para os olhos e proteína para os olhos" — uma comparação que o cineasta usa com frequência para argumentar que seus filmes não são apenas espetáculos visuais, mas também obras com substância.
Ele acrescenta, contudo, que usa efeitos digitais quando absolutamente necessário.
A ideia de criar um ser inteligente que acaba agindo sob seus próprios termos pode soar familiar hoje em dia, mas Del Toro diz que o filme "não pretende ser uma metáfora" para a inteligência artificial, como alguns críticos sugeriram.

Em vez disso, ele reflete: "Vivemos em uma época de terror e intimidação, e a resposta, da qual a arte faz parte, é o amor. E a questão central do romance, desde o início, é: o que é ser humano?
"E não há tarefa mais urgente do que permanecer humano em uma época em que tudo caminha para uma compreensão bipolar da nossa humanidade. E isso não é verdade, é inteiramente artificial."
Ele continua: "A característica multicromática de um ser humano é poder ser preto, branco, cinza e todos os tons intermediários. O filme tenta mostrar personagens imperfeitos e o direito que temos de permanecer imperfeitos".

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Condenação inibe militares na política, mas não evita arroubos golpistas

Carla Jimenez*, UOL, 11/09/2025

Os generais Augusto Heleno, Paulo Sérgio Nogueira (em cima) e Braga Netto e o almirante Almir Garnier Santos, Imagem: Adriano Machado/Reuters; Sergio Lima e Evaristo Sá/AFP

As Forças Armadas acompanharam com serenidade e discrição o julgamento histórico de estrelados generais que ocuparam o poder e compartilhavam dos arroubos golpistas do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Desde que as investigações trouxeram a público a ação subterrânea de alguns de seus pares, abriu-se uma distância natural com alguns dos que foram julgados pelo STF (Supremo Tribunal Federal) nesta semana.

Vários fardados da alta cúpula que foram vítimas de fogo amigo dos golpistas viram o rosto e as negociatas subterrâneas de seus algozes, e o clima azedou há algum tempo.

Desde 8 de janeiro de 2023, o comando militar faz questão de separar o 'CPF' dos acusados, e agora condenados neste processo, do CNPJ da instituição, como repetiu algumas vezes o ministro da Defesa, José Múcio Monteiro.

O atual comando entende que militares e política são como água e óleo, não se misturam, e preferem distância de holofotes. Não se sabe ao certo se a condenação de generais vai reduzir de fato a tentação de fardados de querer participar em aventuras partidárias nas próximas eleições, mas difícil acreditar que a condenação soará indiferente. "É um baque, a exposição de generais abala a moral", acredita o professor João Roberto Martins Filho, do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Federal de São Carlos.

Pela primeira vez na história brasileira os militares estão assistindo ao que agora parece óbvio: quem conspira contra a democracia, será punido. "É inédito no Brasil, e muito significativo. Nunca houve punições desse tipo para militares que se envolveram em tentativas de golpe de Estado", diz Lucas Rezende, cientista professor de ciência política da UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais).

"A ideia é que o julgamento ajude a desestimular outros militares de participar da vida política, mas, mais do que isso, é muito importante que esse julgamento contribua, no sentido histórico, numa mudança para a percepção institucional das Forças Armadas, sobre o funcionamento da vida democrática", completa Rezende, autor do livro "Forças Armadas e política no Brasil Republicano".

Mas a história do Brasil mostra que os arroubos golpistas da instituição são cíclicos. Quem garante que dentro de alguns anos, ou décadas, militares não caiam em tentação de querer interferir na política nacional outra vez? Está no DNA das Forças Armadas, desde a fundação da República, essa ideia de que compõem uma espécie de "poder moderador", ou tutor da democracia, como mencionou Carmen Lúcia durante seu voto que condenou os oito réus nesta quinta. (Em voto, Cármen Lúcia diz que 8/1 mereceu ter 'resposta do direito penal'  Cármen Lúcia diz que 8/1 mereceu ter 'resposta do direito penal'

O 8 de janeiro de 2023 não foi um acontecimento banal, depois de um almoço de domingo, quando as pessoas saíram a passear. O inédito e infame conjunto de acontecimentos havidos ao longo de um ano e meio para insuflar, maliciar, instigar, por práticas variadas de crimes conducentes ao vandalismo, haveria de ter uma resposta no direito penal. Carmén Lúcia, ministra do STF Cármen Lúcia diz que 8/1 mereceu ter 'resposta do direito penal'

Em outras palavras, há um DNA golpista e os anos Bolsonaro acessaram uma memória popular e enviesada de que no tempo dos militares a vida era melhor.

"Punir militares não é um seguro antigolpe", diz Ana Penido, pós-doutora em Ciência Política, e pesquisadora do Grupo de Estudos em Defesa e Segurança Internacional da Unicamp.

Ana, porém, reconhece que a impunidade que existia até agora alimentava esse caldo golpista, como se viu nas próprias provas deixadas pelos réus que agora estão sendo julgados pelo STF. "A quantidade de vestígios deixados é reflexo dessa certeza de que eles achavam que nunca seriam pegos, ou punidos", completa.

A condenação de generais marca, certamente, um novo capítulo para as Forças Armadas do Brasil, muito embora o voto do ministro Luiz Fux tenha deixado dúvidas sobre eventuais questionamentos. O tema divide a comunidade jurídica. Há quem acredite que não há espaço para questionar o resultado do julgamento, e quem acredite que abriu-se uma brecha para contestá-lo.

Tudo dentro do esperado diante de uma lei promulgada em 2021 que inseriu no Código Penal os crimes de tentativa de golpe de Estado e abolição violenta do Estado democrático de Direito. As novas diretrizes reforçaram o poder do Judiciário no sentido de defender a democracia.

Cabe também ao Legislativo fazer sua parte através da votação da PEC 42/2023, por exemplo, que prevê o afastamento de militares da ativa caso queiram migrar para a política. Quem quiser se candidatar, terá de ir para a reserva antes.

A PEC está parada há mais de um ano no Senado, depois que o senador Hamilton Mourão (Republicanos-RS) solicitou o adiamento da discussão no final de agosto de 2024. "É lamentável que a proposta não vá a voto. Essa PEC é fundamental para ajudar a manter a neutralidade política e a disciplina dentro das instituições militares", disse a senadora Eliziane Gama (PSD-MA).

Mourão já havia se queixado publicamente sobre a PEC por julgar que ela cerceia o direito dos militares de usufruir do "exercício da cidadania". O senador, que celebrou o voto de Fux no julgamento na rede social X, deixa claro que não fará força para que o tema seja avaliado no curto prazo.

* Carla Jimenez é jornalista formada pela Faculdade Cásper Líbero, com extensão em Finanças (FIA-USP). Foi editora-chefe de Política do UOL, diretora e editora-chefe do jornal El País no Brasil e cofundadora do portal Sumaúma Jornalismo. Foi colunista de política na Carta Capital e no The Intercept Brasil. Especializou-se na cobertura de macroeconomia, negócios e gestão em veículos como O Estado de S. Paulo, Agência Estado, IstoéDinheiro, CanalRh, PEGN e revista Época. Apaixonada pelo Brasil, onde vive desde criança, nasceu em Santiago do Chile.

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Ostentação de políticos, população pobre e redes bloqueadas: entenda a fúria da 'Geração Z' que levou o Nepal ao caos

Onda de protestos provocou a morte de 19 pessoas. Jovens entraram em confronto com a polícia, além de incendiarem prédios governamentais e casas de ministros. Governo recuou em relação às redes sociais e instituiu toque de recolher.

Por Redação g1, 10/09/2025 

O Nepal presenciou, entre segunda-feira (8) e terça-feira (9), uma fulminante revolta da "Geração Z" contra o governo, motivada pelo contraste entre a ostentação de políticos e a pobreza da população. O bloqueio de redes sociais foi visto como a gota d'água para uma revolta sem precedentes no país.

Contexto: A onda de protestos que mergulhou o país no caos gerou imagens históricas na capital, Katmandu. Durante as manifestações, prédios governamentais e casas de ministros foram incendiados. Em cenas brutais, autoridades do governo foram arrastadas pela multidão e agredidas.

 A desigualdade social é um dos principais pontos de descontentamento dos jovens nepaleses que levaram milhares de pessoas às ruas. Segundo o Banco Mundial, os 10% mais ricos ganham mais de três vezes a renda dos 40% mais pobres do país.

Um em cada cinco nepaleses vive na pobreza. Além disso, 22% dos jovens entre 15 e 24 anos estão desempregados. O Nepal está na lista da ONU de 44 países menos desenvolvidos do mundo.

Gaurav Nepune, um dos líderes dos protestos, disse que os jovens vinham conduzindo uma campanha online havia três meses para expor o contraste entre a vida dos políticos e a das pessoas comuns.

Usuários passaram a criticar a elite nepalesa publicando fotos de filhos de políticos ostentando luxo, enquanto jovens de famílias pobres precisam deixar o país para sustentar seus parentes.

Em meio a isso, escândalos de corrupção beneficiaram políticos. A impunidade alimentou ainda mais a revolta da população.

👉 Força da juventude: As manifestações foram fortemente organizadas por jovens da "Geração Z". Esse é o nome popular dado às pessoas nascidas entre 1995 e 2009, com algo entre 16 e 30 anos.

É a primeira geração considerada nativa digital, já que cresceu em meio à internet, smartphones e redes sociais.

Por isso, esse grupo costuma ser descrito como mais conectado, crítico e engajado em debates sobre diversidade, sustentabilidade e política, além de ter hábitos de consumo e comunicação moldados pelo ambiente digital.

🔥 A agitação popular, que resultou no incêndio da sede do governo, do Parlamento e da Suprema Corte, é a pior em décadas no país.

O país enfrenta instabilidade política e econômica desde a década de 1990, quando uma guerra civil que durou 10 anos resultou na abolição da monarquia nepalesa, em 2008.

Por ser muito recente, a democracia no Nepal ainda é considerada muito frágil.

Ainda assim, segundo o Índice de Democracia de 2025, publicado pelo V-Dem, da Universidade de Gotemburgo, na Suécia, o Nepal é classificado como uma democracia eleitoral — no mesmo patamar de Brasil, Argentina e Polonia.


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