Também a prioridade do ter sobre o ser - motivo bastante expressivo nos/dos Manuscritos, amplamente tematizado por autores conhecidos (com destaque para Erich Fromm, entre ouros) - comparece nos Cadernos, nas notas relativas a James Mill:
O homem - esta é a pressuposição fundamental da propriedade privada - só produz para ter. A finalidade da produção é a posse. E a produção não tem apenas esta finalidade útil; tem uma finalidade egoista: o homem só produz para possuir para si mesmo. O objeto da sua produção é a materialização da sua necessidade imediata, egoísta.
'Les eaux glacées du calcul égoiste' como está no Manifesto Comunista: 'Águas geladas do cálculo egoísta'
Portanto,
sob a propriedade privada, o trabalho é alienação de vida, porque trabalho para viver, para conseguir um meio de viver. Meu trabalho não é a minha vida [...]. Sob a propriedade privada, a minha individualidade está alienada a tal grau que esta atividade [o trabalho] me é detestável, motivo de tormento; é, antes, um simulacro de atividade, uma atividade puramente forçada, que me é imposta por um constrangimento exterior e contingente e não por uma exigência interna e necessária.
Algo muito diverso dar-se-á quando os homens produzirem "como homens", isto é, quando a propriedade privada for suprimida:
Suponhamos que produzissem como seres humanos - cada um de nós haveria se afirmado duplamente na produção: a si mesmo e ao outro. 1º) Na minha produção, eu realizaria a minha individualidade, a minha particularidade; experimentaria, trabalhando, o gozo de uma manifestação individual da minha vida e, contemplando o objeto, a alegria individual de reconhecer a minha personalidade como um poder real, concretamente sensível e indubitável. 2º) No teu gozo ou na tua utilização do meu produto, eu desfrutaria da alegria espiritual imediata, através do meu trabalho, de satisfazer a uma necessidade humana, de realizar a essência humana e de oferecer à necessidade de outro o seu objeto. 3º) Eu teria a consciência de servir como mediador entre ti e o gênero humano, de ser reconhecido por ti como um complemento do seu próprio ser e como uma parte necessária de si mesmo, de ser aceito em teu espírito e em teu amor. 4º) Eu teria, em minhas manifestações individuais, a alegria de criar a manifestação da tua vida, ou seja, de realizar e afirmar, na minha atividade individual, a minha verdadeira essência humana, a minha sociabilidade humana.
A superação da propriedade privada, permitindo a instauração da verdadeira comunidade humana, propiciaria uma outra modalidade de produção, aquela liberada do trabalho "lucrativo", do trabalho alienado; então o "trabalho seria uma livre manifestação de vida, um gozo de vida": "a minha individualidade particular, a minha vida individual, seria afirmada pelo trabalho"
Karl Marx: uma biografia, José Paulo Netto, pp. 97- 98, Boitempo, 2020.
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'A esquerda no Brasil: história e dissidências.' Ler aqui
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'Manifesto comunista.' Ler aqui
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