A fotografia é a verdade, e o cinema é a verdade 24 vezes por segundo
Marina Silva1
Marina Silva2
Jeitinho brasileiro
Pensões militares versus ensino superior e bolsa família
As pensões e os bilhões da família militar
Participação privada no SUS
Índia promete atacar Paquistão com água
Normalização da mediocridade - Tostão
Brasil sobe cinco posições em ranking de IDH
Claudia Andujar
O crime no fundo das redes - Muniz Sodré
AMAZONAS, O MAIOR RIO DO MUNDO
A FRAUDE BILIONÁRIA NO INSS
Bruna: quando deixaremos de ter medo nas ruas?
Em defesa de uma camisa vermelha para a seleção
Partido Alto (filme) - Leon Hirszman
Guerra do Vietnã: 50 anos - análise de Breno Altman
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A fotografia é a verdade, e o cinema é a verdade 24 vezes por segundo
Hoje e então; como era e como é
Uma coisa se tornou ridiculamente outra e vice-versa, e precisamos aprender a conviver com isso
Ruy Castro, fsp, 28/05/2025
Carmen Veronica, fabulosa vedete do teatro rebolado dos anos 1960, disse tudo: "Naquele tempo se enfiava a bunda dentro do biquíni. Hoje se enfia o biquíni dentro da bunda". A atriz Camila Amado resumiu a nova e difícil situação em sua profissão: "Quando jovem, eu fazia teatro para ganhar dinheiro. Hoje, preciso ganhar dinheiro para fazer teatro". E Tom Jobim assim definiu a diferença entre o Brasil e o Japão: "O Japão é um país paupérrimo com vocação para a riqueza. O Brasil é um país riquíssimo com vocação para a pobreza".
Em Portugal, quando nos pedem alguma coisa, nosso gentil e obsequioso "Pois não" significa um peremptório "Não". Já, ao ouvir algo de que duvidamos, nosso irônico "Pois sim..." significa um afirmativo "Sim". Lá, as calcinhas femininas são cuecas. As cuecas masculinas também. Por essas e outras se acredita que somos dois países separados pela mesma língua. E o dramaturgo Oscar Wilde dizia de seu colega George Bernard Shaw: "Shaw não tem um inimigo no mundo. Em compensação, nenhum de seus amigos gosta dele".
Ficou famosa a frase de Jean-Luc Godard: "A fotografia é a verdade, e o cinema é a verdade 24 vezes por segundo". Mas Godard não contava com a inteligência artificial, que tornou o cinema a mentira 24 vezes por segundo. E alguém falou outro dia do problema da segurança em São Paulo: "Latrocínio era roubo seguido de morte. Agora é morte seguida de roubo".
Um ecologista perguntou: "Pode-se acreditar que, um dia, o ar já foi limpo e o sexo, sujo?". Claudio Manoel, cardeal do ex-grupo Casseta&Planeta, definiu a nossa nova situação institucional: "Antes, os políticos eram eleitos por votos. Hoje, por devotos".
E quem não se lembra da cantilena de Bolsonaro, "Brasil acima de tudo e Deus acima de todos"? Conversa para trouxas. Com sua campanha para reduzir o Brasil a um puxadinho dos EUA com Donald Trump como síndico, Bolsonaro não demora a arrancar sua máscara de religioso e, no desespero, acusar Deus de conluio com Alexandre de Moraes.
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Marina Silva1
Presença de Marina é agressão ao meio ambiente do Congresso
Josias de Souza, UOL, 28/05/2025
Se pudessem falar, as baleias entoariam um coro: "Salvem antes a Marina Silva". Presidente do Senado e do Congresso, Davi Alcolumbre molha o paletó para provar que o impossível é apenas uma palavra que carrega o possível dentro de si. Nos últimos dias, o senador atingiu o inimaginável. Não bastassem a camada de ozônio e as queimadas, Alcolumbre conseguiu transformar a presença de Marina Silva no Congresso numa agressão ao meio ambiente do Legislativo.
Uma semana depois de explodir as regras do licenciamento ambiental, o Senado convidou Marina para debater na Comissão de Infraestrutura a criação de unidades de conservação na região da bacia do Rio Amazonas, no Amapá, estado de Alcolumbre. O convite revelou-se uma emboscada.
Marina foi ofendida por senadores, teve o microfone cortado e se retirou da sessão. Alcolumbre honrou sua plateia com um sonoro silêncio. O episódio emoldura a incivilidade que polui a política nacional. Em meio ao avanço da deterioração, quase tudo mudou exceto Marina Silva. É possível discordar da ministra, jamais desrespeitá-la.
Alcolumbre ganhou notoriedade ao levar a irrigação do orçamento secreto da Codevasf dos vales do São Francisco e do Paranaíba para o semiárido do Amapá. Marina ostenta uma biografia sem pesticidas.
A ausência de Alcolumbre preencheria uma lacuna na conjuntura política. Se Marina chamasse o caminhão de mudança às vésperas da COP30, o governo Lula entraria em parafuso. De repente, organizou-se a partir do Planalto um cinturão de preservação da ministra do Meio Ambiente.
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Marina Silva2
Marina Silva, de repente, ficou gigante
Josette Goulart. TixaNews, 27/05/2025
Imagem: Arte: Marcelo Chello
Os senadores Omar Aziz, Marcos Rogério e Plínio Valério querem nos provar que são os homens do atraso, BRASEW. Hoje tem o atraso com os senadores. Hoje tem o futuro com a Marina. Hoje tem o PT atrás do Dudu. Hoje tem os parlamentares atrás das emendas e o Dino querendo tirar as emendas. Hoje tem depoimentos do golpe. O éNoiteNaCidade da TixaNews só começou.
O Senado Federal aprovou um projeto de lei que muda drasticamente o licenciamento ambiental no país e permite que obras gigantes sejam feitas sem muitos estudos de impacto ambiental. (Grandes obras, darling, sabe como é: muito investimento, muitos bilhões). Lembra da boiada? Aquela boiada do Ricardo Salles? Então, os senadores deixaram passar.
Aí hoje eles pegaram uma mulher, preta, de origem humilde, uma das maiores ambientalistas do país, e resolveram que queriam humilhá-la. Foram machistas, misóginos, como se diria lá no Rio, foram ixcrotos.
Os atrasados
A visão do atraso de Omar Aziz: "A senhora está atrapalhando o desenvolvimento do país. Eu lhe digo isso com a maior naturalidade do mundo. Tem mais de cinco mil obras paradas por causa dessa conversinha, governança, nhê-nhê-nhê, blá-blá-blá."
O Marcos Rogério disse para ela se botar no lugar dela, quando ela afirmou que não era mulher submissa. O Plínio Valério disse que ia respeitar a mulher, mas não ia respeitar a ministra. Oi? Um show de horrores, darling.
"Eu me retiro porque fui convidada não por ser mulher, mas por ser ministra."
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Mas eis que Marina, que passou esse governo bem desaparecida, se ergueu gigante diante dos senadores. Foi combativa. Foi argumentativa. E quando não foi respeitada, se levantou e foi embora. Mas então veio a recompensa: Marina pôde falar em muitas entrevistas tudo o que tem feito pelo meio ambiente e que não aparecia.
Com a palavra, sem interrupção, para a ministra Marina:
Alcolumbre, o Davi estrela do Senado, não quis se pronunciar (ah, vá).
O Marcos Rogério divulgou que a ministra quis fazer um teatro. Claro, claro.
O governo Lula não soltou nenhuma nota. Deixou apenas que Marina dissesse que ele ligou.
Jacques Wagner, senador pelo PT e que estava na comissão, disse que não viu nada porque tinha saído.
Janja postou foto com Marina e disse que estava indignada.
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Jeitinho brasileiro
Eis aqui o jeitinho brasileiro, meu caro João Martins
Milly Lacombe, UOL, 27/05/2025
O assessor técnico de Abel Braga, o português João Martins, reclamou do jeitinho brasileiro depois do jogo em que seu time perdeu para o Flamengo. No mesmo jogo o diretor técnico do Flamengo, José Boto, sugeriu que estamos no terceiro mundo ao reclamar de uma invasão do vestiário dos juízes por alguém do Palmeiras - o que não aconteceu.
Vamos falar primeiro do jeitinho brasileiro. De fato, João está certo: existe mesmo um jeitinho brasileiro.
Ele se manifesta todas as vezes que a bateria da Portela entra na avenida. Ele está vivíssimo no Olodum. Ele mora em Gilberto Gil, Leila Gonzales, Ailton Krenak, Chico Buarque, Fernanda Torres, Wagner Moura, Carolina Maria, Ana Maria Gonçalves, Sueli Carneiro, Conceição Evaristo. Ele está na cintura de Garrincha, na cabeça de Pelé, na genialidade de Marta, na alma de Zico, na perna esquerda de Rivellino. Ele esteve com Senna, entrou no tablado com Daiane dos Santos e na trave com Rebecca Andrade. Já dançou o frevo, meu caro João? Já chacoalhou com o funk e com o forró? Olha aí o jeitinho brasileiro explodindo fronteiras e gerando vida. Quem sabia bem dele era Telê Santana que, em 82, encantou o mundo com nosso jeitinho muito brasileiro.
Então, antes de falar bobagem, compreenda onde está. Nossa história é uma história de resistência e de sobrevivência contra a colonização. Olha agora a sua história chegando perto da nossa, quem diria. Um país que nasceu como um projeto econômico conhecido como latifúndio primário escravagista exportador. Uma forma de violência, de extermínio e de genocídio. Fomos saqueados por 400 anos. Nossas riquezas servindo à construção de metrópoles romantizadas por sua beleza, limpeza e imponência em solo europeu. Sabe o que acontece com uma nação construída nessas bases? Vladimir Safatle explica:
"O latifúndio escravagista exportador faz uma distinção ontológica entre sujeitos, de um lado aqueles reconhecidos como pessoas e que têm direito a um Estado protetor; do outro, sujeitos que caem ao estado de coisas e, para eles, não têm Estado protetor, só predador. Quando essas pessoas morrem, não tem dor, nem luto, nem lágrimas. Não tem história, nem nome, nem nada."
E, ainda assim, aqui estamos. Nosso jeitinho é ferramenta de sobrevivência. É arte. É cultura. É a gente na avenida e nas ruas em fevereiro. É o São João e o Círio de Nazaré. Está nos terreiros e nas encruzilhadas.
Respeito máximo ao nosso jeitinho, João porque ele, afinal, o acolheu.
Quanto a José Boto, seria bacana romper a ignorância do uso de termos que já não existem mais. Terceiro mundo não se usa, meu caro. O que antes era assim chamado estava nessa condição por culpa do colonialismo praticado durante séculos por países na Europa. Faz um tempo que a terminologia correta é: países em desenvolvimento. E aqui poderíamos entrar num debate maravilhoso sobre o que é exatamente desenvolvimento mas deixemos para lá porque se você ainda usa "terceiro mundo" então não está nem perto de estar preparado para esse debate.
O fato é: o Brasil os recebeu, é aqui que vocês vivem, ganham, gastam, amam, sofrem, respiram, vibram, gozam, enriquecem. Seria demais pedirmos com gentileza mais respeito com essa cultura e com essa terra?
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Pensões militares versus ensino superior e bolsa família
Gastos com pensões militares são o dobro das despesas previstas com a educação superior
Amanda Gorziza, Marta Salomon e Renata Buono | 20 ago 2021
Os gastos com pensões destinadas a familiares de militares superam o valor autorizado para o ensino superior. Em 2021, o valor autorizado para pensões militares das Forças Armadas é de R$ 22,2 bilhões, já os gastos com o ensino superior, R$ 9,8 bilhões.
Em 2020, a União pagou pensões a 529 mil pessoas – e a maioria delas são parentes de servidores civis e militares que já morreram. O valor anual foi de R$ 36,6 bilhões – maior que o orçamento do Bolsa Família (R$ 32 bilhões), que atende mais de 14 milhões de famílias. Além disso, em torno de 17 mil famílias têm dívidas com a União, ou seja, 3% do total de pensionistas do governo federal. No total, elas devem R$ 2,2 bilhões, como mostram os dados de março da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.
Fonte: Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento
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As pensões e os bilhões da família militar
Taís Seibt, Bernardo Baron, Maria VitóriaRamos e Renata Buono | 12 jul 2021
Em 2020, o governo federal pagou pensões a 529 mil pessoas – em geral, parentes de servidores civis e militares que já morreram. Somadas, essas pensões custaram R$ 36,5 bilhões, valor maior que o orçamento do Bolsa Família, que atende cerca de 14 milhões de famílias. Os parentes de militares são responsáveis pela maior fatia do bolo, e receberam, em média, 47% a mais do que os parentes de civis. Mais de 2 mil pessoas se encaixam na categoria de superpensionistas – isto é, acumulam mais de um benefício, como no caso de mulheres que são filhas e viúvas de militares ao mesmo tempo. Com o dinheiro das superpensões, seria possível comprar ao menos 35 milhões de doses de vacina da Astrazeneca. Esses dados foram divulgados no Portal da Transparência após a agência de dados Fiquem Sabendo cobrar reiteradamente o Tribunal de Contas da União (TCU), que já havia determinado, em janeiro do ano passado, que o governo tornasse públicas essas informações. O =igualdades faz um panorama do que dizem os dados de pensões do governo federal.
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O avanço do setor privado no SUS | Lenir Santos - vídeo
Participação privada no SUS
Participação privada no SUS chega a 85% em alguns serviços
Lenir Santos, Consultor Jurídico, 21 de fevereiro de 2024
São 35 anos do reconhecimento da saúde como direito de cidadania, que mesmo tendo sido tardia a sua positivação no ordenamento jurídico brasileiro (1988), é senso comum tratar-se de uma política essencial de garantia da dignidade e qualidade de vida das pessoas, que se consolidou no país como absolutamente indispensável.
Nestas décadas, o mundo passou por grandes transformações, com salto tecnológico que mudou a cultura, os costumes, a comunicação, o conhecimento, exigindo permanente olhar sobre o SUS em seus mais diversos campos, como é o caso da saúde digital, da proteção de dados, da atuação do setor econômico na saúde e a participação do setor privado, uma vez que esses serviços, os públicos e os privados, são de natureza pública, não importando a sua titularidade.
É preciso qualificar permanentemente o conceito de relevância pública das ações e serviços de saúde para mantê-los todos sob resguardo do Poder Público.
Direito fundamental
Sendo a saúde um direito fundamental que pode ser explorado pelo mercado, é preciso que regras públicas evitem as tensões próprias de direitos contrapostos, inibindo a contaminação do interesse privado sobre o interesse público.
Dalmo Dallari [1] já afirmava ser a saúde um instrumento de negociação política, pois tem representação econômica, podendo ser tratada como mercadoria, o que exige do Poder Público, conforme determina a Constituição, artigo 197, total controle sobre esses serviços para não ficarem sujeitos as regras do mercado como se fossem produtos e serviços de consumo, livremente comercializados.
O reconhecimento de sua relevância, exige certos cuidados, como a vedação constitucional do capital estrangeiro na saúde; a comercialização do sangue e partes do corpo humano, o tratamento indistinto dos serviços públicos e privados, todos submetidos à regulamentação, fiscalização e controle públicos.
Não obstante, tem sido crescente o poder de influência do setor privado na saúde nos mais diversos campos, como medicamentos, tecnologias, exames diagnósticos, formação de pessoal, tributação, dentre outros.
Os conglomerados sanitários privados certamente tem poder de influência nas políticas públicas de saúde e, excetuando os regramentos de cunho técnico-sanitário, há pouca regulamentação nesse campo.
Como exemplo, pode-se citar o capital estrangeiro, aberto ao arrepio da Constituição que o veda como regra [2], e que hoje atua totalmente desregulado no mercado brasileiro sanitário.
Nessa esteira há várias outras tentativas de desregulamentar o mercado da saúde, como é a situação do sangue, com Projeto de Emenda Constitucional (PEC) n° 10, de 2021, que pretende abrir ao mercado o uso do plasma humano para a fabricação de medicamentos, até então sob domínio público.
Tem sido comum alegarem que o apetite do mercado na saúde poderá ser salvaguardado pelo aperfeiçoamento da legislação e dos contratos, convênios, ajustes público-privados, bem como com melhor fiscalização.
Ajustes público-privados
Mas a questão do privado na saúde é mais profunda, indo além dos ajustes público-privados firmados no SUS, seu aperfeiçoamento, acompanhamento, adentrando o modelo assistencial da saúde, o seu financiamento insuficiente e a formulação de suas políticas, além de outras como a formação dos preços privados e a incorporação de tecnologias; a indução a uma saúde de consumo, a formação profissional, dentre muitos outros aspectos. Isso impacta o modelo assistencial constitucional, fundado na prevenção e promoção da saúde, na proteção coletiva, na educação da sociedade para a racionalidade no uso dos aparatos sanitários, na prevenção de riscos, na universalidade do acesso.
Quando um direito é a um só tempo, um direito fundamental e um bem que pode ser explorado no mercado, o papel do Estado, com a participação da sociedade, é evitar armadilhas que podem colocar em risco a original concepção do SUS, o seu núcleo essencial, a sua fundamentalidade que é o direito à vida.
Em 1988 não havia um forte mercado de plano de saúde, considerado então um seguro-saúde sob a forma de medicina pré-paga, regulada pela Susep [3]. Tanto que a Lei n° 8.080, de 1990, ao regular o setor privado na saúde, o fez de forma muito genérica sem atentar para esse mercado futuro.
Não obstante olhou para os serviços de saúde assistenciais dos servidores públicos em geral, até então considerados dentre os benefícios previdenciários, determinando fossem incorporados pelo SUS ou extintos.
No mundo real, muitos desses serviços não foram extintos e outros se transformaram, como ocorreu no Poder Executivo federal, que criou um modelo de serviço de autogestão (Plano de Saúde para Servidores Públicos — Geap [4]), sem falar nos planos de saúde dos servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, além da reivindicação dos sindicatos, de modo geral, por plano de saúde para os seus trabalhadores, como um benefício da relação de trabalho, na esteira do anterior modelo previdenciário, que garantia serviços de assistência à saúde ao trabalhador e seus beneficiários.
Incentivo fiscal
O SUS público, de acesso universal, que deveria pôr fim a esses serviços públicos segmentados, conforme determinação do artigo 45, § 1° da Lei n° 8.080, de 1990, passou a não ser usado por parte do servidor público e dos trabalhadores privados e por boa parte da classe média que passou a contratar planos de saúde, abatendo o seu custo do imposto de renda devido à Receita Federal, anualmente.
Isso tudo consolidou um SUS público, fundamentalmente utilizado (serviços assistenciais) pela massa da população que não pode ter um plano de saúde (financiado pelo Poder Público ou como benefício trabalhista ou pago diretamente pelo seu usuário).
Na verdade, o crescimento dos serviços privados de saúde tem sido defendido por organismos internacionais na linha da cobertura universal de saúde [5] contraposto ao conceito de sistemas universais de saúde que se configura como dever estatal de acesso universal e financiamento público e não por modelos alternativos de planos de saúde no mercado como garantia de acesso.
A cobertura universal de saúde propugna pela existência de serviços no mercado que possam garantir o acesso, enquanto o segundo impõe ao Estado o dever dessa garantia com serviços e financiamento públicos.
No nosso país o acesso universal e igualitário tem sido acompanhado do crescente modelo de parcerias público-privadas sob as mais variadas formas de fomento público e do regime da complementaridade, que implica na compra de serviços privados pelo SUS para suprir insuficiência pública.
E o mercado privado mantém as mais diversas formas de serviços, alguns sem regulamentação pública, como ocorrem com as clínicas populares de saúde com atuação inclusive na telemedicina [6].
As parcerias público-privadas no SUS, que têm origem na participação complementar do setor privado na saúde, nasceu voltada para suprir insuficiências públicas, mas que a partir do Plano Diretor de Reforma do Aparelho de Estado [7] de 1995, que cunhou a expressão serviço público não estatal, passou a defender uma administração pública mais gerencial e menos burocrática na garantia de serviços de qualidade, a qual poderia contar com a prestação de serviços públicos pelo setor privado mediante fomento público, de forma contratual, e sob o controle público.
Contudo, a saúde, setor onde mais existem as organizações sociais, criadas a partir deste plano [8] e na esteira da reforma administrativa, não foram chamadas à mesa pública para esse debate em suas três esferas de governo, tendo na ocasião sido criadas as organizações sociais federais.
É preciso lembrar que na realidade não houve lei a regular a complementaridade no SUS e o fomento público, objeto das organizações sociais, que também não contaram com diretrizes nacionais a orientar as leis estaduais e municipais.
Organizações sociais
A lei federal das organizações sociais serviu de parâmetros para algumas delas. Lembramos que a organização social, cujo modelo foi objeto da ADI n° 1.923 [9], 1998, julgada em 2015 como constitucional, não mereceram regras de cunho nacional, de diretrizes gerais, sendo livre a cada ente da federação a sua disciplina.
Passadas três décadas, em dezembro de 2023, a Folha de S. Paulo [10] noticiou que os hospitais Einstein e Sírio-Libanês administram mais leitos públicos que privados.
A participação privada no SUS tem sido crescente e chega hoje a 85% em alguns serviços, especialmente os de alto custo, e o fomento às entidades privadas qualificadas como organizações sociais é tão crescente que a maior organização social do país em 2021 faturou mais de R$ 9 bilhões [11].
A reportagem da Folha confirma o quão crescente é a participação privada na saúde. É necessário aprofundar essa discussão do privado na saúde considerando o crescente mercado sanitário, especialmente em relação ao capital estrangeiro desregulado na saúde e o seu poder de influência no modelo assistencial.
A questão do privado no campo da saúde é um tema que precisa de mais debates, análises, estudos, regulamentação, com consonante melhoria do financiamento público, mais investimentos nos hospitais universitários para impulsionar a necessária inovação do setor, a fim de desfazer a possível armadilha do SUS pobre para os pobres.
Referência bibliográfica
Dallari, Dalmo. 2011, Congresso Direito e Saúde, MPE/OAB, Ceará.
Superintendência do Seguro Privado, Decreto-lei n° 73, de 1966.
Grupo Executivo de Assistência Patronal – GEAP Autogestão em Saúde. https://www.geap.org.br/institucional/
Grupo de estudos e pesquisas coordenado pela professora Doutora Ligia Bahia. Faculdade de Medicina da UFRJ.
Consultar vários desses empreendimentos, como: https://saudevianet.com.br/blog/clinicas-populares-sucesso-em-saude/#Clinicas_populares_por_que_estudar_este_mercado
OMS: o engodo da Cobertura Universal de Saúde https://outraspalavras.net/outrasaude/oms-o-engodo-da-cobertura-universal-de-saude/
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[1] 2011, Congresso Direito e Saúde, MPE/OAB, Ceará.
[2] ADI n° 5.239, de 2015. Em julgamento no STF.
[3] Superintendência do Seguro Privado, Decreto-lei n° 73, de 1966.
[4] Grupo Executivo de Assistência Patronal –GEAP Autogestão em Saúde.
[5] “Um dos principais problemas associados à implementação da UHC está relacionado ao financiamento. Idealmente, o caminho para alcançar o acesso universal deveria exigir serviços públicos robustos capazes de fornecer o cuidado, financiados por recursos públicos. Infelizmente, a UHC tem prestado pouca atenção a esse aspecto crítico. Ao contrário, tende a favorecer a introdução de modelos de seguro de saúde, que até podem receber financiamento dos orçamentos públicos, mas acabam beneficiando principalmente empresas e provedores de cuidado privados”. Acessar aqui
[6]
Para conhecer mais pode-se consultar vários desses empreendimentos, como
[7] Para saber mais, consultar aqui
[8] A organização social federal foi criada em 1988, pela Lei Federal n° 9.637.
[9] https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=TP&docID=10006961
[10]https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2023/12/einstein-e-sirio-libanes-ja-administram-mais-leitos-publico-do-que-privados.shtml
[11] Grupo de estudos e pesquisas coordenado pela professora doutora Ligia Bahia, Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Lenir Santos é advogada, especialista em Direito Sanitário pela Universidade de São Paulo (USP), doutora em Saúde Pública pela Universidade de Campinas (Unicamp) e professora colaboradora do Departamento de Saúde Coletiva da Unicamp.
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Índia promete atacar Paquistão com água
Índia promete atacar Paquistão com água, o que é tão ruim quanto bombas
Leonardo Sakamoto, UOL, 07/05/2025
Enquanto o Brasil foca a atenção no conclave que vai escolher o sucessor do papa Francisco, a violência volta a escalar na Caxemira, uma das regiões mais tensas do planeta, opondo Índia e Paquistão. Estima-se que ambos os países tenham mais de 170 ogivas nucleares cada. Ironicamente, contudo, o maior risco neste momento não é uma escaramuça com bombas, mas com água — o que levaria à inviabilidade do vizinho e uma catástrofe humanitária.
Em 22 de abril, um ataque na Caxemira indiana deixou 26 turistas mortos. Nova Delhi acusou o vizinho de apoiar grupos terroristas, enquanto Islamabad disse que não tinha nada a ver com isso. Nesta terça (6), a Índia atacou o Paquistão, que prometeu retaliar, deixando 26 mortos até agora.
Se você faltou às aulas de História porque achava que isso era coisa de comunista, um resumo: a região, que contava com relativa autonomia em relação ao Império Britânico, é disputada pelos dois países desde a independência de ambos na década de 1940. Hoje, ela é precariamente dividida entre eles e a China (outra potência nuclear), e não há consenso sobre a fronteira.
Tiros nunca deixaram de ser ouvidos entre os exércitos envolvidos, que foram à guerra várias vezes. Muito menos ataques terroristas sob justificativa étnica ou religiosa, opondo hindus e muçulmanos.
A chance de o conflito ganhar proporções muito maiores que os anteriores, por mais que a turma do deixa-disso internacional já tenha entrado em campo, é a ameaça de Nova Delhi de que, desta vez, vai bloquear o fluxo de água do rio Indo para o Paquistão. Nesta terça (6), os indianos anunciaram que vão cortar a água dos rios que nascem em seu território e seguem para o vizinho em retaliação ao atentado na Caxemira indiana em abril.
"A água que pertence à Índia e que até agora fluía para fora será retida para servir aos interesses da Índia e será utilizada dentro do país", declarou o primeiro-ministro Narendra Modi.
Isso significa tornar insustentável a vida desse país com área menor que a soma da Bahia e do Maranhão, mas 247 milhões de habitantes, ou seja, 40 milhões a mais que o Brasil, muitos desertos e população principalmente rural.
Conheci os milenares canais de irrigação do Indo ao viajar de norte a sul do país quando fui cobrir conflitos no Paquistão. É uma maravilha da engenharia, com um dos maiores sistemas de irrigação por gravidade do mundo. O curso de água corre muitos metros acima da nível do rio, sem uso de bombas, pois são captadas centenas de quilômetros acima e seguem em desnível menos acentuado.
O sistema começou a ganhar modernização no século 19 e nunca parou de se expandir, garantindo a agricultura especialmente nas regiões do Punjab e de Sindh.
Ele depende da água que vem do Himalaia indiano para existir. Um tratado de 1960 estabeleceu a divisão desses recursos e vinha sendo respeitado. Em 2018, Modi já havia ameaçado suspender o acordo e "fechar a torneira do rio Indo", ou seja, condenar o vizinho a ser um deserto improdutivo. Após o ataque terrorista, disse que não irá mais cumprir o tratado.
A bacia do Indo é caudalosa, ou seja, não se bloqueia cursos d' água como aqueles que a formam sem grande prejuízo para o seu próprio lado. O que não significa que ações não podem ser tomadas, criando pânico. O que, claro, empurraria o Paquistão para escalar o conflito.
Se há algo que motiva as nações à guerra, ainda mais do que o petróleo, é o acesso à água. Islamabad indicou que o vizinho já teria reduzido a vazão do rio Chenab, um dos afluentes do Indo. Afirmou que se Modi cumprir o que anunciou será a guerra. Uma guerra pela água com potenciais desdobramentos nucleares.
Historicamente, os Estados Unidos foram grandes fornecedores de material bélico para o Paquistão desde a guerra contra o Afeganistão até o combate à Al-Qaeda, que se muquiou nas montanhas no Noroeste do país. Hoje, a China é a sua principal vendedora de armas. Enquanto isso, a Índia, que comprava principalmente da União Soviética e, depois, da Rússia, passou a adquirir bastante de aliados da Europa Ocidental, Israel e dos próprios EUA. O que aponta mudanças no alinhamento político.
O nacionalismo indiano cresceu sob o primeiro ministro Narendra Modi. Da mesma forma, o ressentimento com o Ocidente também escalou em todo o mundo islâmico nos últimos anos.
Pode ser que os ânimos se arrefeçam e a situação volte ao que era antes, em que tiros são ouvidos de um lado para outro da Caxemira, uma das regiões mais militarizadas do planeta.
Paz é algo distante, mas levando em conta a quantidade de ogivas nucleares no estoque, começar um conflito com armas não-convencionais poderia significa destruição mútua assegurada. E a contaminação da guerra para outros cantos do mundo.
Eu, que não sou um homem de fé, desconfio que esse é um tema mereça uma oração de quem não desgruda do conclave.
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Normalização da mediocridade
O Brasil se acostumou à miséria, corrupção, falta de saneamento, violência; e também ao futebol medíocre
Tostão, fsp, 06/05/2025
Na semana passada, operei de catarata e estou maravilhado com a minha nova e nítida visão. As pessoas, o ambiente e o jogo de futebol na televisão estão mais bonitos e coloridos. Nos últimos tempos, me acostumei e me adaptei a diminuição lenta e progressiva da visão até perceber o quanto ela me prejudicava. Lamentável que a maior fila de pessoas a espera de uma cirurgia eletiva no SUS é a de catarata. Milhares de idosos teriam uma vida muito melhor.
Na vida e no futebol, as pessoas se acostumam com os chavões, comportamentos, estratégias de jogo até levarem um susto e descobrirem os enganos e a nova realidade. Assim foi nos 7x1 para os alemães e nos 4x1 para a Argentina, quando ficaram escancaradas as nossas deficiências, especialmente coletivas.
Precisamos evoluir, nos desacostumar e nos libertar das repetições ultrapassadas que ocorrem no nosso futebol. Os enormes espaços deixados entre os setores e a marcação de longe é ainda muito frequente e ultrapassada, a não ser quando é necessário alternar em uma mesma partida a marcação mais avançada e a mais recuada. Guardiola gosta de dizer que é menos cansativo e mais eficiente correr para a frente para pressionar quem está com a bola do que correr para trás e fechar os espaços na defesa para contra atacar.
O Cruzeiro, como tinha ocorrido contra o bom time do Bahia, marcou o Flamengo por pressão em bloco e anulou a saída de bola e a troca de passe desde a defesa. Quando não dava para pressionar, o Cruzeiro recuava a marcação e formava duas linhas de quatro sem espaços entre elas para evitar que os excelentes meias Arrascaeta e Gerson recebessem a bola.
A maioria dos treinadores, analistas e torcedores se acostumaram com os posicionamentos fixos, as camisas 9, 10, 8 e 5 como se fossem avatares de uma disputa eletrônica. Falta à seleção brasileira, além de ótimos laterais, um verdadeiro centroavante que faz gols, se movimenta por todo o campo e participa da armação coletiva das jogadas, como o inglês Kane. No Brasil, ele seria chamado de falso 9. Falta também um craque meio-campista, como Pedri, do Barcelona, que atua de uma intermediaria à outra, mistura de camisa 8 e 10. Falta ainda mais um craque no meio-campo, volante que marca e inicia as jogadas ofensivas com excelentes passes, como o espanhol Rodri, o holandês De Yong e o alemão Kimmich. Estes craques não existem no Brasil porque não são formados. É a normalização da mediocridade.
Muitas pessoas, no cotidiano, de todas as
áreas, se acostumam com as repetições, opiniões, comportamentos até perceberem
uma nova realidade. "fiz de mim o que não soube e o que podia fazer de mim
não o fiz... Quando quis tirar a máscara, estava apegada à cara. Quando a tirei
e me vi no espelho, já tinha envelhecido" (Fernando Pessoa).
O Brasil, há tempos, se acostumou e normalizou a miséria, a corrupção, a falta de saneamento básico e a violência urbana, cada dia mais assustadora. Sonho morar com as pessoas queridas na minha Pasárgada, cidade idealizada e imaginaria de um poema de Manuel Bandeira, onde poderia caminhar distraído por todas as ruas e bairros, sem preocupações em ser roubado, assaltado.
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Brasil sobe cinco posições em ranking de IDH e supera patamar pré-Covid pela primeira vez
Renda e expectativa de vida puxam alta; país segue abaixo de Peru, Colômbia, Uruguai, Argentina e Chile
Pedro S. Teixeira, fsp, 06/05/2025
O Brasil subiu cinco posições no ranking de desenvolvimento humano da ONU (Organização das Nações Unidas) entre 2022 e 2023, da 89ª para a 84ª posição (o índice passou de 0,760 para 0,786, considerado alto). O país voltou à posição registrada em 2020 e superou pela primeira vez o patamar pré-pandemia de 0,764, alcançado em 2019.
Ainda assim, o Brasil continua abaixo de vizinhos como Peru, Colômbia, Uruguai, Argentina e Chile. Também foi ultrapassado pelo Azerbaijão, com quem havia empatado no levantamento anterior na 89ª posição.
A alta brasileira foi puxada pelo avanço de 73,4 anos na expectativa de vida registrada em 2022 para 75,8, em 2023. Também houve crescimento do PIB per capita considerando paridade de poder de compra para US$ 18.011, contra US$ 14.616 no ano anterior.
Os indicadores educacionais, no entanto, ficaram estagnados. O período que uma pessoa deveria passar na escola em 2023 era de 15,8 anos (eram 15,6 anos em 2022), mas a população teve, em média, só 8,4 anos de ensino formal (8,3 anos no ano anterior).
Considerando o período desde 1990, a alta foi grande: o índice era de 0,62 naquele ano, uma alta de 26,7%.
"Entre 1990 e 2023, a expectativa de vida ao nascer no Brasil aumentou em 9,99 anos, os anos esperados de escolaridade aumentaram em 1,70 ano e a média de anos de escolaridade aumentou em 4,74 anos. A renda nacional bruta per capita do Brasil aumentou cerca de 47,9% nesse período", afirma o relatório.
Veja índices de países latino-americanos
O país mais desenvolvido em 2023 foi a Islândia, que subiu duas posições após registrar avanços na educação, pontuando 0,972 no IDH.
Com um índice de 0,388, o Sudão do Sul acabou na última posição. A nação, independente desde 2011, registra o menor PIB per capita do mundo (US$ 688) e está sob guerra civil desde 2023.
Já em 2024, o crescimento do índice de desenvolvimento humano (IDH) global registrou o nível mais baixo desde 1990, quando a ONU começou a fazer a estimativa.
Caso o baixo avanço registrado em 2022 e 2023 se repita nos próximos anos, o marco de um desenvolvimento "muito elevado", quando o IDH ultrapassa 0,800, pode acabar atrasado "por décadas", diz a organização.
"Durante décadas, estivemos no caminho para alcançar um mundo de desenvolvimento humano muito elevado até 2030, mas essa desaceleração representa uma ameaça real ao progresso global," afirma Achim Steiner, chefe global do PNUD (Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento).
Ainda segundo as Nações Unidas, a desigualdade entre os países de IDH baixo (menor do que 0,55) e IDH muito alto (maior do que 0,8) registrou, em 2023, alta pelo quarto ano consecutivo —até 2021, havia uma tendência histórica de redução das disparidades.
Os países menos desenvolvidos sofrem mais do que os desenvolvidos com guerra comercial, piora no nível de endividamento e avanço da industrialização sem geração de emprego.
O relatório deste ano teve foco em tecnologia, citando as oportunidades de desenvolvimentos geradas pelos avanços na inteligência artificial e o risco das disparidades no acesso.
De acordo com as Nações Unidas, a inteligência artificial pode ser a nova mudança estrutural com potencial de retomar o ritmo do avanço da humanidade em termos de saúde, educação e renda, desde que haja políticas públicas adequadas e cooperação internacional.
O Brasil aparece como exemplo na digitalização da frota de caminhoneiros autônomos por meio de aplicativos desenvolvidos por empresas nacionais. "A emergência recente de plataformas digitais desenvolvidas no país levou a ganhos de produtividade nesse setor crucial ao encaixar a demanda de fretes com os trabalhadores disponíveis melhorando a logística."
Veja resultados de países com melhores IDH
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Claudia Andujar
Inhotim mira arte indígena em mostra que celebra o pavilhão de Claudia Andujar
Galeria da fotógrafa dos yanomami no museu faz dez anos com exposição de obras de nomes de várias etnias da América do Sul
João Perassolo, fsp, 03/05/2035
Era noite na floresta quando um grupo de indígenas de vários povos se reuniu em meio às folhagens exuberantes de Inhotim. Munidos de uma tinta que brilha no escuro, eles pintaram seus corpos com grafismos típicos de suas etnias.
Fluorescentes e coloridos, viraram modelos e foram fotografados por Paulo Desana. O resultado é uma série de retratos, a um só tempo vivos e ameaçadores, expostos agora na galeria da fotógrafa Claudia Andujar em Inhotim.
O trabalho do artista, ele próprio um indígena, do povo Desana, é um dos mais impactantes da exposição que marca os dez anos do pavilhão de Andujar no museu próximo a Belo Horizonte.
Para a mostra, que inaugurou em 26 de abril e fica em cartaz por tempo indeterminado, os organizadores convidaram outros 21 artistas de povos originários do Brasil e da América do Sul para exporem suas obras ao lado das de Andujar, criando assim um diálogo entre gerações e estéticas distintas.
A suíça, hoje com 94 anos, dedicou sua vida àcausa yanomami,
primeiro com retratos da vida nas aldeias e dos rituais deste povo, e depois
com ativismo. Andujar foi uma das principais responsáveis pelo processo que
levou à demarcação da terra deste povo, em 1992. Ela é tão importante para a
etnia que é chamada de "mãe" por eles, de acordo com Davi Kopenawa,xamã e líder político do povo yanomami.
Os artistas convidados mostram "obras que não surgiram como objetos artísticos —surgiram como ferramenta de luta", diz Júlia Rebouças, a diretora artística de Inhotim, em referência ao teor político, de denúncia e protesto, do que está exposto, em sua maioria fotografias e vídeos.
Veja obras da mostra de artistas indígenas emInhotim
Por exemplo, Edgar Xakriabá registra a luta indígena em protestos, como a marcha do Acampamento Terra Livre em Brasília. Ele conta que começou a fotografar, já com as câmeras digitais nos anos 2000, quando a associação de sua aldeia, no norte de Minas Gerais, adquiriu equipamentos para registrar os projetos que desenvolvia —ele retratou casamentos e rituais.
Com o tempo, Xakriabá desenvolveu um entendimento artístico da imagem, o que se nota pelas suas fotos, com uma carga de dramaticidade acentuada pelo preto e branco que escolhe. No museu, suas fotos estão dispostas junto a uma série de Andujar na qual ela experimenta com a luz, em retratos de um garoto brincando no interior de uma oca iluminada por frestas de sol que entram pela cobertura.
A opção dos organizadores de disporem trabalhos de indígenas contemporâneos ao lado de fotos de uma artista que dedicou sua existência à luta dos povos originários faz todo o sentido, porque isso "amplia, contextualiza e complexifica a leitura da obra" de Andujar, segundo Beatriz Lemos, uma das curadoras da mostra.
Esta opção também evidencia a qualidade monstruosa do trabalho de Andujar —uma das principais fotógrafas do Brasil, com amplo reconhecimento internacional—, o que todos já sabem, mas que ganha nova dimensão diante de obras de artistas com menos experiência de vida e menor vocabulário artístico.
A exposição traz artistas menos conhecidos do circuito, como o peruano David Díaz Gonzales, com uma série de belos retratos de mulheres. Também estão presentes nomes cuja abordagem desafia as expectativas tradicionais de um museu, como Graciela Guarani, que apresenta registros do cotidiano na aldeia Guarani Kaiowá, no Mato Grosso do Sul, e Tayná Uráz, com retratos documentais da vida na aldeia Maracanã, no Rio de Janeiro.
A exposição não se furta a deixar para segundo plano os aspectos estéticos quando acha necessário, se este for o preço a pagar para incluir mais indígenas no circuito das artes visuais. Mas parece haver um bom motivo para tanto. Segundo Rebouças, a diretora artística, "não é possível separar a arte da vida, do modo de existir [indígena]", e "não há arte indígena sem ativismo".
Galeria Claudia Andujar I Maxita Yano. De qua. a sex., das 9h30 às 16h30; sáb., dom. e feri., das 9h30 às 17h30
Quando Tempo indeterminado de duração
Onde Inhotim - Povoado Inhotim - R. B, 20, Brumadinho
Preço De R$ 30 a R$ 60; grátis às quartas e no último domingo do mês
Link aqui
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O crime no fundo das redes
Hoje, a internet é uma espécie de terceira natureza, que conduz mentes vulneráveis por veredas sinistras
Muniz Sodré, fsp, 03/05/2025
Em intervenção exemplar, a polícia carioca antecipou-se a um crime, prendendo três jovens maiores de idade que planejavam matar um morador de rua no domingo de Páscoa. A execução seria transmitida online a um público pagante, expectadores habituais de suas exibições de maus tratos a animais e pregações contra mulheres, negros e homossexuais. Apurou-se que é largo o espectro de adolescentes atraídos por essa iniciação à barbárie.
É coisa antiga a atração pública pelo crime. Richard Speck, conhecido como "o monstro de Chicago" por ter assassinado em uma noite de verão (1966) oito enfermeiras, recebia, na prisão, cartas de amor anônimas, algumas com dinheiro, outras com sua foto marcada de batom. As paixões inflamadas por anomalias alimentam o espetáculo do crime. Isso que Jean-Paul Sartre atribuía, na França, à "imprensa de direita da bunda e do sangue" e o levou a participar da fundação do Libération como um diário que contribuísse para o desenvolvimento real da democracia política por meio de uma "escrita-falada", próxima ao mundo do trabalho.
O alvo crítico de Sartre era o "fait-divers" (item de notícias), isto é, os relatos jornalísticos sobre a irrupção do insólito, identificado sempre com alguma violação das normais culturais ou naturais, como o acidente, o crime, a catástrofe. Só que isso não estava necessariamente ligado à direita política, e sim à imprensa sensacionalista, que explorava o fascínio sadomasoquista dos leitores pelo mórbido ou pelo horror. O que aí conta de fato são os sentimentos mais arcaicos do indivíduo, em geral apreendidos pelas lentes da psicanálise e da psiquiatria.
Mas a recente notícia, pela imprensa francesa, da morte de uma jovem estudante em Nantes, assassinada com 57 facadas, oferece outra perspectiva. Segundo o relato, o assassino, também adolescente, num manifesto delirante, "sintetiza todas as loucuras ideológicas que gangrenam hoje as nossas sociedades". Em 13 páginas, fascinado por Hitler, ele denuncia o "neurocapitalismo", supostamente responsável pela transformação dos cérebros em instrumentos de dominação econômica e tecnológica, que promoveriam um "ecocídio globalizado". É a sua justificativa para "vingar a humanidade", assassinando uma desconhecida.
A cobertura jornalística não configura um "fait-divers". Embora confinado a um hospital psiquiátrico, esse jovem não é mero doente, protagonista isolado de um fato. Ao olhar crítico, ele seria "talvez uma prévia da assustadora racionalidade dos loucos de amanhã". Mais do que uma prévia, porém, um padrão ideológico já em curso na realidade paralela e transnacional das redes sociais, onde se multiplicam grupos organizados com motivações fascistas.
Os três jovens apreendidos pela polícia carioca (o mais velho, de 24 anos, é militar) demonstravam racionalidade operativa, comprovada no planejamento de suas lives de horror. As redes constituem uma espécie de terceira natureza (a segunda é o hábito), que conduz consciências vulneráveis por veredas sinistras. Não se trata de moldar cabeças, velha hipótese sobre a influência da mídia, mas de caminhar na escuridão moral aberta pelo espaço virtual. Se o motor do percurso é o prazer transgressivo inerente à adolescência, o ponto de chegada é o crime real no fundo das redes.
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AMAZONAS, O MAIOR RIO DO MUNDO (1918-1920). Documentário de Silvino
Filme apresentado no canal Gabriel Yudenich Collection. AMAZONAS, O MAIOR RIO DO MUNDO (1918-1920). Também conhecido como AS MARAVILHAS DO RIO AMAZONAS. Direção, fotografia e montagem de Silvino Santos. Companhia produtora: Amazônia Cine-Film. Produção: Avelino Cardoso; Manoel Gonçalves. Lançado em 1920, foi considerado um dos mais antigos registros cinematográficos da Amazônia. Foi dado como perdido nos anos 1930 e apenas redescoberto em 2023 na Cinemateca de Praga, República Tcheca. Silvino Santos produziu a obra durante três anos, utilizando alguns recursos cinematográficos sofisticados, o que levou a obra a ser considerada como de "imenso valor artístico" pelo jornal Le Monde, e a ser considerado o "santo graal do cinema mudo brasileiro”, pelo jornal The Guardian. No dia 22 de novembro de 2023, a Cinemateca Brasileira exibiu pela primeira vez no Brasil este recém-descoberto documentário.
Sinopse. Este documentário mostra a riqueza da flora e fauna, e o cotidiano e ritos das populações indígenas nas regiões percorridas pela navegação do Rio Amazonas, o maior do mundo. O potencial econômico das práticas exploratórias pelas elites locais, como a extração do látex; a pesca do peixe-boi e outros peixes; a coleta e o processamento da castanha-do-pará, cana-de-açúcar, cacau e algodão; a pecuária e a indústria madeireira. Os animais exóticos encontrados na região, como jacaré, onça pintada, caranguejo, tartaruga, pássaros e borboletas. Povos indígenas, como os Parintintins, nos registros antepassados, costumes e ritos: inscrições e desenhos em rochas fluviais, o uso da mandioca como importante alimento, o artesanato com cabaças e a confecção de redes, e a celebração das mulheres nessas comunidades.
1918, AMAZÔNIA - Filme RARÍSSIMO perdido hámais de 100 anos
SESSÃO ESPECIAL – AMAZONAS, O MAIOR RIO DO MUNDO
Cinemateca Brasileira disponibiliza online e gratuitamente ‘Amazonas,o Maior Rio do Mundo’
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PLANO DE SAÚDE "POPULAR": MAIS UM
GOLPE CONTRA O SUS
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Bruna
Pela memória de Bruna: quando deixaremos de ter medo nas ruas?
A história de Bruna revela como o medo molda a rotina das mulheres na cidade
Jéssica Moreira, fsp, 30/04/2025
Sou uma mulher que vive a cidade a pé e por meio do transporte público. Para chegar ao trabalho, uso diferentes modais: carro de aplicativo, trem, metrô, ônibus e um trecho caminhando. Minha experiência não é incomum nem é motivo de pena ou confete. Milhões de mulheres em São Paulo percorrem trajetos ainda mais longos todos os dias.
O cansaço, definitivamente, não é o maior dos nossos problemas. Somos obrigadas a lidar com algo ainda mais exaustivo para uma mulher que circula pela cidade: medo dos homens. Tenho medo de andar na rua sozinha. Tenho medo de pedir um carro de aplicativo de madrugada. Tenho medo quando um desconhecido senta ao meu lado no transporte público. Eu tenho medo.
Na adolescência, minha mãe acordava às 5h para me acompanhar até o ponto de ônibus. Depois, voltava sozinha. Anos depois, quando cursava a faculdade, ela levantava à 1h da manhã para me buscar. Sozinha novamente. Para me proteger, colocava-se em perigo, enquanto meu pai continuava dormindo. Ele considerava os cuidados um excesso e acreditava que agindo assim impulsionava minha autonomia.
Minha mãe sempre esteve certa: nenhum dia é dia para nós, mulheres. Não há um minuto ou lugar de paz. Eu mesma achava meu medo um excesso, mas há razões para senti-lo.
Na última semana, esse cotidiano foi atravessado por uma história que me dilacerou: a de Bruna Oliveira da Silva, jovem de 28 anos, estudante de mestrado na USP, assassinada na zona leste de São Paulo. Bruna voltava de metrô da casa do namorado e parou no Terminal de Itaquera. Chegou a pedir um PIX aos familiares para pegar um carro de aplicativo. Depois, desapareceu.
O corpo de Bruna foi encontrado no dia 17 de abril, em um estacionamento no entorno da estação Itaquera, na Vila Carmosina, zona leste de São Paulo (SP). Um laudo preliminar aponta morte por asfixia em decorrência de estrangulamento, mas o laudo conclusivo ainda não foi divulgado.
As imagens captadas pelas câmeras de segurança mostram que um homem a segue. Logo depois, ele a arrasta e já não vemos mais os dois na imagem. O suspeito de ser o assassino de Bruna era Esteliano José Madureira, 43 anos - encontrado morto na Zona Sul de São Paulo no dia 23/4 com sinais de tortura. A morte ainda está sendo investigada.
Assisti com desespero e coração na mão a pisada rápida de Bruna tentando se esquivar do homem que a perseguia. Quantas vezes já andei rápido assim, com as chaves fazendo barulho para fingir que estou perto do portão. Sempre pronta para pular o muro. Sempre pronta para correr. Sempre rezando a todos os santos para não cruzar com nenhum homem pelo caminho e dando graças a Deus ao avistar outra mulher.
Minha amiga e jornalista Tamiris Gomes, também usuária do transporte público, resumiu bem a estratégia que utilizamos: "Criamos uma rede invisível de cuidado. Sem palavras, apenas com um olhar ou gesto sutil, nos reconhecemos. Sentar próximo de uma mulher no ônibus, ou no metrô, ou então respirar aliviada ao ver outra de nós na rua, é um pacto silencioso de sobrevivência em tempos tão violentos".
"Amiga, pensei tanto em você ao ver a história da Bruna", disse uma colega do trabalho que sempre me dá carona até a estação na volta para casa. Parei, olhei a foto da Bruna. Uma mulher de cabelos cacheados e periférica que, como eu, foi incentivada pela mãe a atravessar a ponte. Essa ponte física e simbólica que atravessamos para realizar algum sonho, como ingressar no Ensino Superior, e dar orgulho às pessoas que amamos e que sempre cuidaram da gente. Eu me vi nessa história.
Conversei por 40 minutos, por telefone, com a mãe de Bruna, a recepcionista Simone Francelina da Silva. Ela me falou do luto, do medo, da luta por justiça e da filha que criou para não abaixar a cabeça diante de nenhum homem. No dia anterior à nossa conversa, Simone participou de uma manifestação nos arredores da estação de metrô Itaquera que pedia justiça por Bruna e mais segurança no local. "Muitas mulheres, mães e alunas me abraçaram. Era como se elas estivessem pegando a minha dor".
Simone acredita que são essas manifestações que a têm mantido de pé. "Não consigo ver minha vida sem meus filhos. O maldito veio, ele me amputou de alguma forma. Tirou pedaço do meu coração. Estou pegando forças. Não sei como - acho que pelo carinho e amor das pessoas", diz.
Para ela, as passeatas e homenagens ajudam a lembrar como Bruna era iluminada, mas não acredita em superação para a perda de um filho. "Quando lembro que não vou sentir o cheiro, isso me deixa dilacerada. Nunca tem superação para isso, perder a filha do jeito que perdi".
Antes do desaparecimento, Simone e Bruna haviam combinado de almoçar juntas na Páscoa. Simone comprou o peixe que a filha gostava e ovo de páscoa para o neto. O almoço não aconteceu. "Hoje, eu sofro o luto dela. Eu vou aprender a sobreviver com essa dor. Sempre que estiver triste de alguma forma, ela vai me abraçar e dizer ‘enxuga a lágrima, você é forte e guerreira’."
As palavras que supostamente a filha diria são reflexo da forma como Simone a criou, com firmeza: "Sempre disse a ela: lute pelos seus direitos. Nunca abaixe a cabeça para homem nenhum". Segundo a mãe, Bruna era dona de si e a ensinou a ser uma mulher empoderada tanto quanto ela. "Ela achava que eu era forte, mas era ela quem me dava força - uma menina tão jovem lutando e buscando o que queria".
Viver com medo, seguir apesar dele
Simone engravidou de Bruna quando tinha 21 anos. Para quem havia crescido sem mãe, poder ser a figura que não teve na infância se tornou seu maior sonho. "Foi o melhor presente que tive de Deus. Não tive amor materno. Eu sempre sonhei em ser mãe e a Bruna realizou meu sonho".
Doce e calma são alguns dos adjetivos que Simone mais repete ao longo da ligação. "Ela era minha paz, sempre foi minha paz", diz. Desde a infância, a filha era estudiosa e adorava ler, passando horas dentro de casa com os gibis da Turma da Mônica. Na adolescência, foi fisgada pela saga Crepúsculo e era apaixonada por rock. "Amava Nirvana, Ramones, Black Sabbath. Sempre ligada em música e leitura".
Bruna frequentou escolas públicas na zona leste paulistana durante toda a vida. Quando concluiu o Ensino Médio, ingressou em um curso técnico de Hotelaria, emendou um cursinho pré-vestibular e passou na graduação de Turismo da USP logo na primeira tentativa. "Foi a felicidade maior, Ela tinha 18 anos quando passou", lembra Simone, orgulhosa.
Aos 21, Bruna se tornou mãe do filho que, hoje, tem 7 anos (não vamos citar o nome da criança para não expô-lo). "Engravidou na mesma idade que eu. Ela estava no último ano da graduação na USP. Falei para ela continuar, para não trancar. Apresentou o trabalho de conclusão de curso (TCC) com um barrigão lindo, toda cheia de orgulho. Na formatura, o filho já tinha nascido".
Ao se separar do pai da criança, Bruna voltou a morar com Simone, que se tornou sua rede de apoio. "Ajudei muito ela e faria tudo de novo. Ela estudava, trabalhava. Ela nunca parou de estudar. Nessa época, ficava o dia inteiro fora, eu pegava o neném na creche".
Nos últimos anos, o pai de Bruna a chamou para morar com ele em uma casa maior, também na zona leste paulistana. "A gente se via bastante. Sentia muita saudade, via uma vez por semana".
A história de Bruna se assemelha a de outras meninas nas periferias. Dividindo-se entre trabalho, estudo e maternidade. Diante da distribuição desigual de trabalho e educação na cidade, mulheres das periferias não têm escolha, senão a de sair cedo e voltar tarde, mesmo com medo.
"Eu esperava ela voltar do trabalho. Sempre andou à noite, sempre teve medo. Sabendo sobre o país e lugar que a gente vive, sem policiamento, escuro, óbvio que ela tinha medo", pontua Simone.
Bruna era mestranda em mudança social e participação política na USP. Lutava por segurança para as mulheres. "Tinha pavor de feminicídio, de abuso. O pavor dela era alguém tocar seu corpo. E foi embora desse jeito. Tenho certeza de que ela resistiu. Se houve abuso, foi depois da morte. Ela deu a vida por isso."
"Na hora que vi [o homem] abordando minha filha, bem na entrada do terreno. É importante colocar um policiamento para que as mulheres tenham segurança de ir e vir, para chegar em segurança em suas casas. Ela só queria encontrar o filho e não chegou em casa. Até quando nossos filhos e netos vão crescer órfãos de mãe?".
Jéssica Moreira é escritora e jornalista. Coautora do Blog Morte Sem Tabu e Cofundadora do Nós, mulheres da periferia
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Em defesa de uma camisa vermelha para a seleção
Milly Lacombe, UOL, 29/04/2025
Especula-se que a camisa azul vai sair de cena. Que ironia. A amarela, hoje um símbolo do fascismo, seguirá em uso. Eu digo: deixem a amarela ir. Não precisamos disputar com fascistas o símbolo capturado. Já era. Perdemos. Era importante, verdade, mas eles levaram. E, a bem da verdade, bonita-bonita nunca foi.
Outra: a camisa amarela não existe desde sempre. Nossa camisa era branca, mas 1950 mandou a branca às favas. Agora vamos mandar a amarela ao inferno, onde aliás ela já está.
Ver a camisa amarela me causa calafrios. Camisa e bandeira, mas da bandeira falaremos oportunamente. Agora falemos da camisa amarela, da azul e da suposta vermelha.
Uma camisa vermelha - que eu apostaria que não vai existir dada a histeria coletiva que a cor provoca em fascistas - me cairia muito bem. Acho que é a atitude de ruptura que esse símbolo precisa. Por que a camisa deve obrigatoriamente seguir as cores da bandeira? Quem disse isso?
Precisamos dessa ruptura. O vermelho é forte, indica revolução, mudança, transformação, sangue, luta, vida, morte, renascimento.
Me deem uma camisa vermelha, por favor.
Me entreguem a real polarização, não essa falsa polarização que só tem extrema-direita, direita e um tico de centro ainda que eu nano saiba que centro pode haver se não há uma concreta polarização. Onde estaria, me digam, a esquerda no poder hoje? Não tem, Brasil. Não tem esquerda nenhuma no poder. Não tem polarização alguma. E seria preciso que houvesse.
Me entreguem essa camisa vermelha que eu uso com orgulho.
Uma nova camisa, uma nova seleção, uma real polarização. Se não for pelo futebol, que seja apenas para enfurecer fascistas. Tá valendo.
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1976-1982 Partido Alto - Leon Hirszman filme
Concebido em estreita colaboração com Pulinho da Viola, Partido Alto é um documento histórico e sincera homenagem à ''expressão mais autêntica do samba'' como Candeia https://pt.wikipedia.org/wiki/Candeiadefine esse gênero musical, marcado por improvisações. Esse filme precioso de 1976, além de fixar a manifestação de certa pureza musical, a simplicidade e a comunhão da gente do samba com depoimentos marcantes da velha guarda, firma a posição contra a crescente padronização do samba, imposta pelo mercado.
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Guerra do Vietnã: 50 anos - análise de Breno Altman
Vietnã celebra 50 anos de vitória na guerracom desfile
Cerimônia relembra queda de Saigon e reunificação do país; evento conta com presença de representantes dos EUA
Cidade de Ho Chi Minh | Reuters e AFP
Milhares de vietnamitas celebraram, nesta quarta-feira (30), o 50º aniversário do fim da Guerra do Vietnã, que o líder comunista do país chamou de "vitória da fé" durante discurso solene.
As celebrações culminaram em um grande desfile na Cidade de Ho Chi Minh, com tropas marchando e uma exibição aérea de caças e helicópteros de fabricação russa. Enquanto isso, vietnamitas agitavam bandeiras vermelhas e entoavam canções patrióticas.
Um carro em forma de flor de lótus, considerada um símbolo do país, encabeçou o desfile com um retrato do líder revolucionário Ho Chi Minh.
O aniversário histórico marca o início da reunificação do Vietnã e o fim da guerra, em 30 de abril de 1975, quando o Vietnã do Norte, sob governo comunista, tomou Saigon —então capital do Vietnã do Sul, aliado dos Estados Unidos. Com a vitória, o conflito chegou ao fim e a cidade foi rebatizada em homenagem ao líder revolucionário do Norte.
"Foi uma vitória da fé e também da justiça sobre a tirania", disse To Lam, chefe do Partido Comunista do Vietnã e principal líder do país, citando durante seu discurso um dos lemas de Ho Chi Minh: "O Vietnã é um só, o povo vietnamita é um só. Rios podem secar, montanhas podem erodir, mas essa verdade nunca mudará".
Meio século antes, os tanques da Frente de Libertação Nacional do Vietnã, o Vietcongue, cruzaram as mesmas ruas do desfile e entraram no palácio presidencial, derrotando definitivamente o governo do Vietnã do Sul e desferindo um severo golpe moral e militar nos EUA.
A queda de Saigon, cerca de dois anos após Washington retirar suas últimas tropas de combate do país, marcou o fim de um conflito de 20 anos que matou cerca de 3 milhões de vietnamitas e quase 60 mil americanos, muitos deles jovens soldados recrutados para o serviço militar.
"Tropas comunistas entraram na capital do Vietnã do Sul praticamente sem oposição, para grande alívio da população", dizia um telegrama da agência de notícias Reuters no dia da queda de Saigon. O Exército era descrito como formado por soldados "formidavelmente armados" e adolescentes descalços.
O veterano Tran Van Truong, 75, que vestia uniforme militar e viajou de Hanói para participar do evento desta quarta, afirmou estar orgulhoso por ter contribuído para a libertação do Sul. "Não guardo nenhum ódio daqueles que estavam do outro lado da batalha", disse à AFP. "Deveríamos unir as mãos para celebrar o fim da guerra."
Vietnã lembra 50 anos do fim da guerra com EUA fotos
Esses eventos foram gravados em muitas memórias pelas imagens de helicópteros americanos retirando cerca de 7.000 pessoas, muitas delas vietnamitas, enquanto os tanques norte-vietnamitas se aproximavam. O voo final decolou do telhado da embaixada dos EUA às 7h53 de 30 de abril, levando os últimos fuzileiros navais americanos para fora de Saigon.
A reunificação formal do Vietnã foi concluída um ano depois, encerrando um período de divisão iniciado após o fim do domínio colonial francês, 22 anos antes.
Entre os 13 mil participantes do desfile desta quarta até o Palácio da Independência, estavam também mais de 300 soldados de China, Laos e Camboja. Até este ano, nenhum soldado da China havia participado das celebrações de anos anteriores
Mais de 300 mil soldados chineses lutaram no conflito, com apoio crucial em defesa aérea, logística e suprimentos. Apesar disso, só mais recentemente as relações entre Hanói e Pequim, que sempre foram tensas, começaram a crescer.
"Acho que Hanói mostra à China que reconhece sua contribuição histórica", disse Zach Abuza, professor do National War College, em Washington. "Também é outra maneira de dizer: 'Não pense que nossa política externa é tendenciosa em relação aos americanos'."
O Vietnã e os EUA normalizaram as relações diplomáticas em 1995 e aprofundaram os laços em 2023, durante uma visita a Hanói do ex-presidente Joe Biden. Segundo afirmou o porta-voz da Missão dos EUA nesta quarta, os dois países "têm uma relação bilateral robusta", e a intenção é aprofundá-la.
O Vietnã mantém também laços estratégicos com a Rússia, principal fornecedora de armas.
Os EUA enviaram sua cônsul-geral, Susan Burns, ao desfile deste ano —o país não havia comparecido ao 40º aniversário. Já a França participou das comemorações anteriores, com um ministro presente no 70º aniversário da derrota em Dien Bien Phu.
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