quinta-feira, 4 de janeiro de 2024

Focá-lo-á, focá-lo-ia ou focá-lo-ão

Tu focas, eu não foco

'É o verbo mais feio da língua', diz um leitor; mas as pessoas continuam focando dia e noite

Ruy Castro, FSP, 04/01/2024

Numa coluna recente ("Simples assim", 28/12), sobre palavras e expressões que nos têm infernizado, citei o verbo focar. Sei que, neste quesito, estou em total minoria ---as pessoas gostam dele e focam com a maior naturalidade. Foi-se o tempo em que se usava enfocar, focalizar ou pôr em foco. Hoje foca-se dia e noite sobre qualquer assunto. Daí que, para minha surpresa, um leitor me escreveu para concordar e, talvez radicalizando, decretou: "É o verbo mais feio da língua". E, para provar seu ponto, mandou-me o verbo conjugado nos mais diferentes tempos e modos. Eis alguns.

No presente do indicativo: eu foco, tu focas, ele foca; nós focamos, vós focais, eles focam. No pretérito perfeito: eu foquei, tu focaste, ele focou; nós focávamos, vós focáveis, eles focaram. No pretérito imperfeito: eu focava, tu focavas, ele focava; nós focávamos, vós focáveis, eles focavam. No pretérito mais-que-perfeito: eu focara, tu focara, ele focara; nós focáramos, vós focáreis, eles focaram. No futuro do presente: eu focarei, tu focarás, ele focará; nós focaremos, vós focareis, eles focarão.

Alguns desses tempos são mesmo de amargar. Mas há piores. No presente do subjuntivo: Que eu foque, que tu foques, que ele foque; que nós foquemos, que vós foqueis, que eles foquem. No imperativo afirmativo: foca tu, foque você, foquemos nós, focai vós, foquem vocês. E, se ele for conjugado no futuro do pretérito com o pronome oblíquo o, ficará assim: eu focá-lo-ei, tu focá-lo-ás, ele focá-lo-á; nós focá-lo-emos, vós focá-lo-eis, eles focá-lo-ão.

Você dirá que nenhum brasileiro de hoje, exceto talvez o ex-presidente Michel Temer, diria focá-lo-á, focá-lo-ia ou focá-lo-ão. Será? Você próprio, no automático, conjuga outros verbos dessa maneira. Por que não focar?

Quanto a mim, decidi não focar enquanto não aprender a equilibrar uma bola no nariz.

O verbo focar, conjugado em diferentes tempos e modos - Heloisa Seixas


Simples assim

Se eu fosse mais anímico e proativo, poderia entregar uma narrativa robusta e empoderada. Mas, e se eu flopar?

Ruy Castro, FSP, 27/12/2023

Passando por aqui para lembrar algumas palavras, frases e expressões que nos infernizaram em 2023. Inclusive passando por aqui. Se você for proativo, vai achar que é o novo normal. Estarão na sua zona de conforto. Mas, se for reativo como eu, vai achar que é uma narrativa que precisa ser ressignificada.

Palavras e expressões de hoje que a boca fala por conta própria, dispensando-nos de pensar - Heloisa Seixas/Folhapress

É uma questão de empatia. É sobre entregar um discurso mais robusto e empoderado. Sei bem que não tenho lugar de fala para harmonizar certos pontos fora da curva e que preciso aplicar toda a minha resiliência para fazer um realinhamento. O nível de fitness está hoje num sarrafo muito alto.

Você dirá "olha o Ruy Castro sendo Ruy Castro". Mas o fato é que acho cringe essas falas fora da caixinha. Aliás, falar cringe já é meio cringe. Não é que eu não seja anímico. Ao contrário, boto todo o meu mental nelas. É que elas estão em outra prateleira, têm outras valências. Preciso usar a superação para me reinventar e entender que resenha não tem mais a ver com futebol, é qualquer papo, desde que latente. E que Crush não é mais aquele refrigerante de laranja, mas qualquer pessoa sobre quem você tem um crush.

Se o meu coach de wellness não me flexibilizar, vou acabar cancelado. Eu poderia trolar que sei das coisas e lacrar. Seria o maior hype. Iam achar que eu mitei e haveria gente me stalkeando. Mas, e se eu flopar? Sei lá o que é um gamer, um poser, um nervoser. Hater, sei —é um bolsominion. O jeito é ficar focado e dobrar a aposta. E acabo de descobrir que sextou não é mais sextou, mas sex to U, que é sexo para você. Xi, dei um spoiler.

Pensando bem, não é tão difícil. Frases feitas são aquelas que entram por um ouvido e saem pelo outro sem um estágio intermediário no cérebro. A boca fala por conta própria, dispensando-nos de pensar. E não tem problema nisso. Ou as ditas frases se incorporam à língua ou morrem e nascem outras. A língua é assim. Simples assim.



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