A morte segundo Nelson
Nelson Rodrigues tinha um caso de amor com a morte, óbvio nas suas muitas frases sobre ela
Ruy Castro, FSP, 25/01/2024
Sobre o furto, há dias, do busto de Nelson Rodrigues no Cemitério São João Batista, arrisquei aqui que ele veria nisto uma consagração. Houve quem duvidasse. Mas Nelson tinha uma relação especial com a morte. Eis algumas de suas grandes frases sobre ela.
"A morte é anterior a si mesma. Começa antes, muito antes. É todo um lento, suave, maravilhoso processo. O sujeito já começou a morrer e não sabe." "Morrer significa, em última análise, um pouco de vocação. Há vivos tão pouco militantes que temos vontade de lhes enviar coroas." "Na hora de morrer, e quando sabe que está morrendo, todo homem tem um olhar de contínuo." "O sujeito procura esquecer que o homem é também o seu próprio cadáver." "Há na morte por intoxicação alimentar um inevitável toque humorístico, que humilha o cadáver e compromete o velório."
"Há em qualquer infância uma antologia de mortos." "A morte natural é própria dos medíocres. O medíocre morre de gripe, de pneumonia ou da empada que matou o guarda. Já o grande homem morre tragicamente. Veja Lincoln, Gandhi, Kennedy." "Há uma inteligência da morte, assim como há uma bondade da morte. O que vai morrer já olha as coisas, as pessoas, com a doçura do último olhar. Eu diria que é a saudade antes do adeus." "Nada mais falso do que o medo de morrer, e eu diria que fazemos tudo para morrer o mais depressa possível. Os nossos hábitos, os nossos usos, os nossos vícios, as nossas irritações mal disfarçam a vontade, a urgência, a fome da morte."
"A solidão do morto não começa no túmulo. Para qualquer morto, a pior forma de solidão é a capela. As pessoas abandonam o velório e vão tomar cafezinho, refrigerantes, comer sanduíches. A morte tem por fundo um alarido de xícaras e pires." "Não há morto canastrão. Vestido de noivo, com sapatos engraxados, todo morto tem a face, o ríctus, o perfil do grande ator."
Não são lindas de morrer?
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Um busto de bronze do escritor Nelson Rodrigues foi furtado neste final de semana no cemitério São João Batista, no bairro de Botafogo, na zona sul do Rio de Janeiro, onde ele foi enterrado em 1980.
A estátua fazia homenagem ao dramaturgo. Na imagem, ele aparece apoiando o rosto em uma das mãos diante de uma máquina de escrever. O peso é estimado da peça é 25 quilos.
A Rio Pax, que administra o São João Batista, diz que "cerca seus cemitérios de concertinas para dificultar o acesso de delinquentes" e que ainda vai apurar o caso. A Polícia Militar do Rio de Janeiro afirmou, em nota, não ter sido acionada.
O teatro de Nelson Rodrigues, que morreu devido a insuficiência cerebral, pôs em cena no Brasil a tragédia do cotidiano. Sua peça "Vestido de Noiva", de 1943, modernizou o teatro do país. Nos textos, temas banais, como ciúme e adultério, ganham o peso de uma tragédia grega com feições cariocas e suburbanas.
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