Já conversamos sobre Ferrogrão aqui mas o governo Lula III continua seu projeto "desenvolvimentista" para a Amazônia. Belo Monte ontem, Ferrogrão hoje.
"A exploração predatória da Amazônia não é ruptura, é continuidade." Dom Erwin Kräutler
Novo trem na Amazônia ignora 4 ferrovias e pode devastar um estado do Rio
Wanderley Preite Sobrinho, Do UOL, em São
Paulo, 03/07/2023
Depois de Lula não descartar a exploração
de petróleo na Amazônia pela Petrobras, o governo federal quer tirar do papel a
Ferrogrão, uma ferrovia no coração da floresta que pode devastar 49 mil km²,
área 11% superior a todo estado do Rio.
O que é a Ferrogrão?
Ferrovia com 933 quilômetros. Ao custo de
até R$ 34 bilhões, a Ferrogrão promete reduzir o preço do transporte ao
produtor agrícola ao substituir os caminhões que trafegam pela BR-163 (que fica
ao lado) pelo vagões da ferrovia. Com 933 km, a malha ligaria Sinop, em Mato
Grosso, a um porto em Miritituba (PA). Da cidade paraense, a carga seguiria de
navio para portos da Ásia, África e Europa.
Agronegócio criou o projeto. A Ferrogrão
foi formulada em 2014 pelas empresas ADM, Bunge, Dreyfus e Amaggi, quatro das
maiores tradings (comercializadoras agrícolas) no Brasil. Encampado pela ex-presidente
Dilma Rousseff (PT), o projeto ganhou fôlego com Michel Temer (MDB), foi
defendido por Jair Bolsonaro (PL) e agora pelo Ministério dos Transportes do
governo Lula.
Trens transportarão equivale a 400
caminhões. Cada viagem substituirá o equivalente a 400 caminhões de carga,
segundo entidades do setor, o equivalente a 104 toneladas de CO². Inicialmente,
a ferrovia conseguiria transportar 19,2 milhões de toneladas, mas a capacidade
pode aumentar para 50 milhões após 30 anos.
Frete mais rápido. A troca do Porto de
Santos pela região Norte encurta o tempo de viagem dos produtos até os Estados
Unidos e União Europeia. Para a Ásia, esse tempo reduziu-se em cerca de 11
dias, diz o setor. A distância percorrida dentro do Brasil por rodovia também
caiu: passou de 2.210 km de Sorriso (MT) a Santos, para 1.017 km, entre Sorriso
e Miritibura.
Por que a Ferrogrão pode ser um problema?
Ferrovia pode desmatar 49 mil km² em 48
cidades, segundo a Universidade Federal de Minas Gerais. A área é 64% superior
à devastação recorde da Amazônia em 2022 (17,7 mil km²) e maior que o estado do
Rio e países como Eslováquia, Dinamarca e Holanda. Só em Mato Grosso, o
desmatamento pode chegar a 2.000 km², área superior à cidade de São Paulo,
estimam a PUC-Rio e a Climate Policy Initiative.
Essa devastação deve emitir 75 milhões de
toneladas de gás carbono, o equivalente a R$ 9,2 bilhões, considerando o preço
de US$ 25 (R$ 119,95) a tonelada de carbono.
"A Ferrogrão vai criar pressão para
desmatamento e ocupação de produtores de soja perto da ferrovia porque essa
proximidade cortará custos de frete. O objetivo não declarado da ferrovia é a
expansão da área plantada no seu entorno." Sérgio Guimarães, engenheiro e
executivo do setor de Infraestrutura do Observartório do Clima
Ferrovia estimula grilagem e conflitos
por terra. O Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental da Ferrogrão
— realizado pela EDLP (Estação da Luz Participações) a pedido das tradings —,
reconhece que o projeto fica no Arco de Desmatamento da Amazônia, uma região de
expansão da fronteira agrícola marcada por conflitos fundiários.
A região conta com 102 assentamentos de
reforma agrária e 16 terras indígenas que não foram consultadas sobre a obra
durante a fase de planejamento, como manda a Organização Internacional do
Trabalho.
Custo da ferrovia subestimado. O projeto
prevê R$ 8,4 bilhões para colocar a Ferrogrão em operação, menos de um quarto
do que calcula Cláudio Frischtak, ex-economista do Banco Mundial e especialista
em infraestrutura. Como base na construção em andamento de outras duas
ferrovias no Brasil, ele estima despesas de R$ 34,3 bilhões e 21 anos para
conclusão da Ferrogrão, mais do que os nove anos estimados pelos defensores do
projeto.
Outro lado. Procurada, a EDLP afirma que
o projeto "atendeu todas as exigências estabelecidas" pelo Ministério
dos Transportes, incluindo os "requisitos ambientais e às comunidades
indígenas". Afirmou que os custos e tempo de obra ficarão abaixo das
estimativas de Frischtak porque "será implantada em outro contexto local e
por meio de capital privado", com "maior velocidade e
eficiência".
Ferrogrão ignora ferrovias alternativas.
Os especialistas afirmam que ferrovias em atividade e outras em fase de
construção terão capacidade para transportar a produção agrícola do
Centro-Oeste sem a necessidade da Ferrogrão. São elas:
Ferrovia Norte-Sul: Em funcionamento, interliga as principais malhas ferroviárias das cinco regiões
do Brasil, possibilitando a conexão entre as linhas que dão acesso aos
principais portos e regiões produtoras do país.
Fiol (Ferrovia de Integração Oeste-Leste no
Estado da Bahia): Prevista para entrar em operação em 2026, ligará Ilhéus, na Bahia, a
Figueirópolis, no Tocantins, onde fará conexão com a Ferrovia Norte-Sul, dando
acesso ao Centro-Oeste pela Fico (Ferrovia De Integração Centro-Oeste).
Fico: Vai levar a produção agrícola do Centro-Oeste à Ferrovia Norte-Sul, permitindo
o escoamento até o Maranhão -- pela conexão com a Estrada de Ferro Carajás -- e
Santos, por meio da Rumo Malha Paulista. Também poderá escoar sua produção por
Ilhéus, na Bahia, pela conexão com a Fiol também a partir da Ferrovia
Norte-Sul, na altura de Goiás. O primeiro trecho será inaugurado em 2024, com
outras duas extensões sem previsão de entrega.
Ferronorte (Rumo): Ela já liga o Centro-Oeste ao Porto de Santos pela Rumo Malha Paulista, que
também conecta ao Norte e Nordeste pela Ferrovia Norte-Sul. Com trechos
inaugurados em 1998 e 2012, tem extensões adicionais em fase de estudo.
"O sudeste do Pará é top 3 em
desmatamento, queimada, conflito, grilagem, garimpo e roubo de madeira,
consequência da pavimentação da BR-163. Essa dinâmica socioeconômica é típica
desses empreendimentos na Amazônia, que incentiva migrações. Agora imagina isso
acontecer no entorno da Ferrogrão por até 20 anos?" Mariel Nakane,
economista e assessora do ISA (Instituto Sócio Ambiental)
Governo quer a ferrovia
Temer editou MP polêmica. Defendido pelo
governo Dilma, o projeto deslanchou no governo Temer, que editou uma Medida
Provisória que tirou 862 hectares do Parque Nacional do Jamanxin (PA) para a
passagem da Ferrogrão.
STF derrubou MP.
O ministro Alexandre de Moraes, porém,
concedeu uma liminar em 2021 que considerou inconstitucional a alteração de
áreas protegidas por MP, já que o assunto deveria ter sido tratado no
Congresso. "Por um caminho ou por outro, vamos fazer", chegou a dizer
o então ministro de Infraestrutura de Jair Bolsonaro (PL), Tarcísio de Freitas.
Em 31 de maio último, Moraes autorizou a
retomada dos estudos para a construção da ferrovia, mas enviou a
"controvérsia" sobre a validade da MP ao Centro de Soluções
Alternativas de Litígios do STF, que terá 60 dias para apresentar solução.
Ministro defende Ferrogrão.
No anúncio do plano para os 100 primeiros
dias de trabalho do Ministério dos Transportes, o ministro Renan Filho disse
que "a obra é viável", com até 100% de investimento privado. Disse
ainda que a Ferrogrão "não é contra o meio ambiente".
Para analistas, governo quer atrair
bancada ruralista. Para Nakame, "a Ferrogrão vai ajudar na relação do Lula
com o agronegócio". "São os lobbies funcionando", concorda
Guimarães. "Mas projetos como a Ferrogrão vão na direção contrária ao
discurso de Lula na Europa sobre o meio ambiente", diz.
O Ministério dos Transportes disse em
nota que "atua para que todos os seus empreendimentos tenham
sustentabilidade, respeitem a legislação e atendam as demandas das comunidades
locais".
Não é diferente com a EF-170 [Ferrogrão].
A pasta vai discutir as questões ambientais necessárias, que precisam ser
enfrentadas por todas as áreas interessadas do governo, como os ministérios do
Meio Ambiente e dos Povos Indígenas, Ibama, Funai, AGU e sociedade.
Ministério dos Transportes
O Ministério do Meio Ambiente disse em
nota que os estudos de impacto ambiental apresentados pelo empreendedor
"foram devolvidos pelo Ibama em março de 2021 e as adequações solicitadas
pela equipe de licenciamento não foram apresentadas até o momento".
Por Mayara Subtil, Rede Amazônica, 11/07/2021
Projeto da Ferrovia Ferrogrão vídeo
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