segunda-feira, 12 de junho de 2023

Lesly, 13, Soleiny, 9, Tien Noriel, 5 e Cristin, 1, sobreviveram

Irmã mais velha carregou mochila com água, lanterna e celulares para sobreviver na Colômbia

Crianças se alimentaram de farinha de mandioca, ração do Exército e frutas durante 40 dias perdidas na selva 

Júlia Barbon, FSP, 1206/2023

Aos 13 anos, Lesly Jacobombaire Mucutuy foi crucial para a sobrevivência dos irmãos perdidos por 40 dias na Amazônia colombiana após um acidente aéreo, relataram indígenas e militares que participaram das buscas. Eles foram resgatados na sexta (9) e seguem recebendo tratamento médico, fora de perigo.

A mais velha das quatro crianças carregou durante esse tempo uma mochila com uma espécie de toldo, uma toalha, uma lanterna — cujas pilhas já estavam ficando fracas — e dois celulares que usavam, ao que parece, para se entreter à noite. Também levava uma garrafa plástica de refrigerante que enchia de água.

Militares da Força Aérea colombiana atendem crianças que sobreviveram a acidente aéreo e ficaram 40 dias perdidas na Amazônia, durante transferência para Bogotá - 9.jun.23/Força Aérea da Colômbia via Reuters

"Ficavam sempre perto de um rio. Andavam com uma garrafinha de refrigerante e ali carregavam a água na mochila", contou à imprensa local o indígena Henry Guerrero, que fez parte do grupo, do lado de fora do hospital militar no qual os irmãos se recuperam, em Bogotá. "Lesly foi muito inteligente", afirmou.

Uma das crianças resgatadas é atendida por um membro da Força Aérea colombiana após passar 40 dias perdida na selva - Força Aérea da Colômbia - 9.jun.23/AFP

Segundo ele, as crianças armaram uma pequena barraca com o toldo, a toalha e um pedaço de madeira em que o irmão de 5 anos, Tien Noriel, foi encontrado pela equipe de resgate, muito fragilizado e sem poder caminhar com firmeza. Nicolás Ordóñez, da comunidade Murui, foi quem os viu primeiro

Vídeo mostra momento em que crianças foram resgatadas na Colômbia 

"Disse a eles: somos família, viemos pelo seu pai, sua avó e suas tias", disse o indígena ao canal público RTVC. Em resposta, recebeu um grande abraço de Lesly, que segurava Soleiny, 9, pela mão e carregava no colo a irmã Cristin, que completou um ano enquanto eles ainda estavam perdidos na selva.

Ordóñez conta que eles indicaram que estavam com fome e que perguntou rapidamente por Tien, que se levantou da tenda e disse: "Minha mãe morreu". A equipe afirmou então que a avó e o pai estavam vivos, e o menino respondeu que queria farinha com linguiça. Eles sofreram o acidente no dia 1º de maio, enquanto fugiam de dissidentes do acordo firmado em 2016 entre o governo e as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), que recrutam e aterrorizam os moradores da região. O avião foi encontrado pouco mais de duas semanas depois, preso entre árvores e com a parte frontal destruída.

Além dos menores, estavam a bordo três adultos. O corpo do piloto, Hernando Murcia Morales, foi achado na cabine da aeronave. Os militares não informaram até o momento onde estavam os corpos da mãe das crianças, Magdalena Mucutuy, e do líder indígena Herman Mendoza.

Segundo o pai das crianças, Manual Miller Ranoque, os filhos relataram que a mãe permaneceu viva por quatro dias após a queda. Eles primeiro se alimentaram de cerca de três quilos de farinha de mandioca que retiraram dos destroços, afirmou o general responsável pelo resgate, Pedro Sánchez.

"Dias após o acidente, eles comeram a farinha que haviam levado para lá. Depois, ficaram sem comida e decidiram procurar um lugar onde pudessem permanecer vivos", disse ele, segundo a CNN internacional. "Eles estavam desnutridos, mas totalmente conscientes e lúcidos quando os encontramos", acrescentou.

"As origens indígenas permitiram que adquirissem certa imunidade a doenças da selva. E o conhecimento da selva ajudou a saber o que comer e o que não comer, além de encontrar água para mantê-los vivos, o que não teria sido possível se eles não estivessem acostumados a esse tipo de ambiente hostil."

Após a farinha acabar, eles sobreviveram da ração que estava em um dos cem kits lançados por helicópteros militares na floresta, que duraram cerca de 15 dias. Depois que o pacote terminou, comeram frutas da região. Tien carregava sementes chamadas de mil pesos quando foi encontrado.

"É uma semente da qual sai um suco muito bom quando se esmaga. Eles se mantinham comendo isso, porque a ração que o Exército lançou já tinha terminado, então começaram a comer frutas silvestres, como o guanaco [fruta grande e espinhosa]", disse o indígena Henry Guerrero.

As crianças relataram ainda que encontraram o cachorro chamado Wilson das Forças Armadas. O pastor belga de 6 anos desapareceu no dia 18 de maio, enquanto os procurava. Segundo o general Pedro Sánchez, os irmãos contaram que ficaram três ou quatro dias com o animal, que estava magro.


Neste domingo (11), quando o comandante das Forças Armadas, general Helder Fernan Bonilla, foi visitar e se informar sobre a evolução da saúde dos menores, os dois mais velhos, Lesly e Soleiny, lhe entregaram dois desenhos retratando Wilson e a floresta. Os militares continuam buscando o cão, enquanto as crianças recebem tratamento com alimentos leves, atendimento psicológico e cuidados tradicionais indígenas. A equipe médica informou que elas devem ficar pelo menos duas semanas internadas.

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Criança sobrevivente na Colômbia relatou ao pai que mãe ficou 4 dias viva 

Manuel Ranoque detalhou como foram os dias seguintes ao acidente aéreo na floresta amazônica 

FSP, 11/06/2023

A mãe das quatro crianças indígenas resgatadas após uma incrível jornada de sobrevivência de 40 dias na selva colombiana teria permanecido viva por quatro dias depois do acidente de avião, ocorrido em 1º de maio, de acordo com o relato de seu marido neste domingo (11).

"A única coisa que ela [Lesly] esclareceu é que sua mãe ficou viva por quatro dias. Então, antes de morrer, talvez a mãe tenha dito a eles: 'Vão embora que vocês vão encontrar o pai de vocês' (...)", disse Manuel Miller Ranoque, no hospital militar em Bogotá, onde as crianças da comunidade huitoto se recuperam.

Lesly, 13, Soleiny, 9, Tien Noriel, 5, e Cristin, 1, foram encontrados vivos na sexta-feira no meio da floresta amazônica no sul da Colômbia, a 5 km do local do acidente, no qual três adultos morreram.

Em 16 de maio, uma equipe militar localizou no departamento de Caquetá o piloto morto na cabine da aeronave, presa entre árvores e com a parte frontal destruída. Magdalena Mucutuy, mãe das crianças, e um líder indígena também morreram, embora os militares não tenham detalhado onde estavam os corpos.

Mais de cem soldados e indígenas da região, junto a cães farejadores, seguiram o rastro das crianças, enquanto elas caminhavam ao longo de 2.656 km. A busca foi complexa devido à densa vegetação, à presença de jaguares e cobras e à chuva constante, que dificulta ouvir possíveis chamados de socorro.

Lesly, que tem uma natureza "guerreira" e é muito "inteligente", como definiram e relataram seus avós em entrevista à agência de notícias AFP, manteve seus irmãos mais novos em segurança.

Ameaças

A Amazônia colombiana é uma zona grande, de difícil acesso por rios e sem estradas, onde os habitantes costumam viajar em voos privados. Além da vegetação hostil e dos animais selvagens, há a presença de dissidentes do acordo entre as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) e o governo, em 2016.

Os menores embarcaram no avião junto com sua mãe para fugir desses rebeldes das Farc, que recrutam e aterrorizam os moradores da região. O pai já havia escapado e aguardava o reencontro com a família.

Ranoque, que participou das buscas, afirmou que teme pela vida das crianças. "É o que me assusta mais, porque sei que essas pessoas sem escrúpulos podem começar a me pressionar usando meus filhos, e isso eu nunca vou permitir enquanto estiver vivo", acrescentou.

A notícia das crianças perdidas correu o mundo todo, com vídeos e fotos do Exército mostrando o dia a dia das operações, durante as quais foram encontrados abrigos improvisados com galhos, tesouras, elásticos de cabelo, sapatos, roupas, uma mamadeira, frutas mordidas e pegadas.

Frágeis

Embora debilitados, os irmãos estão fora de perigo, de acordo com os primeiros relatórios médicos. Eles recebem tratamento com alimentos leves, atendimento psicológico e cuidados tradicionais indígenas. "Estão muito acabadinhos, têm seus machucados, seus arranhões (...) Saíram com doenças da selva (...) Mas estão bem, em boas mãos", disse o avô das crianças, Fidencio Valencia, à imprensa neste domingo.

Em fotos divulgadas na mídia, eles aparecem muito magros, e a mais velha tem um ferimento na testa.

Os indígenas realizaram rituais tradicionais e utilizaram seus conhecimentos da floresta para encontrarem as crianças. Segundo o governo, foram eles os primeiros a avistarem os sobreviventes. "Acreditamos muito na selva, que é nossa mãe. Sempre tive fé e dizia que a natureza nunca me traiu", afirmou Ranoque.

Embora a operação de resgate tenha terminado, soldados continuam procurando Wilson, um cão farejador que foi fundamental para encontrar pistas das crianças na selva, mas que está desaparecido.


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