sexta-feira, 7 de abril de 2023

Frank Sinatra por Gay Talese

Frank Sinatra está resfriado

Gay Talese

Frank Sinatra, segurando um copo de bourbon numa mão e um cigarro na outra, estava num canto escuro do balcão entre duas loiras atraentes, mas já um tanto passadas, que esperavam ouvir alguma palavra dele. Mas ele não dizia nada; passara boa parte da noite calado; só que agora, naquele clube particular em Beverly Hills, parecia ainda mais distante, fitando, através da fumaça e da meia-luz, um largo salão depois do balcão, onde dezenas de jovens casais se espremiam em volta de pequenas mesas ou dançavam no meio da pista ao som trepidante do folk rock que vinha do estéreo. As duas loiras sabiam, como também sabiam os quatro amigos de Sinatra que estavam por perto, que não era uma boa ideia forçar uma conversa com ele quando ele mergulhava num silêncio soturno, uma disposição nada rara em Sinatra naquela primeira semana de novembro, um mês antes de seu quinquagésimo aniversário.

Sinatra estava fazendo um filme que agora o aborrecia e não via a hora de terminá-lo; estava cansado de toda a falação da imprensa sobre seu namoro com Mia Farrow, então com vinte anos, que aliás não deu as caras naquela noite; estava furioso com um documentário da rede de televisão CBS sobre a vida dele, que iria ao ar dentro de duas semanas e que, segundo se dizia, invadia a sua privacidade e chegava a especular sobre suas ligações com os chefes da máfia; estava preocupado com sua atuação num especial da NBC intitulado Sinatra - Um Homem e a Sua Música, no qual ele ter ia de cantar dezoito canções com uma voz que, naquela ocasião, poucas noites antes do início das gravações, estava debilitada, dolorida e insegura. Sinatra estava doente. Padecia de uma doença tão comum que a maioria das pessoas a considera banal. Mas quando acontece com Sinatra, ela o mergulha num estado de angústia, de profunda depressão, pânico e até fúria. Frank Sinatra está resfriado.

Sinatra resfriado é Picasso sem tinta, Ferrari sem combustível - só que pior. Porque um resfriado com um despoja Sinatra de uma jóia que não dá para pôr no seguro - a voz dele - , mina as bases de sua confiança, e afeta não apenas seu estado psicológico, mas parece provocar também uma espécie de contaminação psicossomática que alcança dezenas de pessoas que trabalham para ele, bebem com ele, gostam dele, pessoas cujo bem-estar e estabilidade dependem dele. Um Sinatra resfriado pode, em pequena escala, emitir vibrações que interferem na indústria do entretenimento e mais além, da mesma forma que a súbita doença de um presidente dos Estados Unidos pode abalar a economia do país.

Porque Frank Sinatra agora estava comprometido com tantas coisas que tinham a ver com tantas pessoas - sua companhia cinematográfica, sua gravadora, sua companhia aérea, sua indústria de componentes de mísseis, seus títulos imobiliários em todo o país, seu staff pessoal de 75 pessoas - que são apenas uma parte do poder que ele representa.

Agora ele parecia ser a personificação do macho plenamente emancipado, talvez o único da América, o homem que pode fazer tudo o que desejar, tudo mesmo, porque tem dinheiro, energia e nenhum sinal de culpa. Numa época em que os muito jovens parecem estar assumindo o controle da situação, protestando e manifestando-se e exigindo mudanças, Frank Sinatra se mantém como um fenômeno nacional, um dos poucos produtos do pré-guerra que resistiu à prova do tempo. Ele é o campeão que fez a volta triunfal, o homem que tinha tudo, perdeu tudo e depois recuperou tudo, fazendo o que poucos homens são capazes de fazer: destruiu sua vida, deixou sua família, rompeu com tudo que lhe era familiar, aprendendo nesse processo que a única maneira de conservar uma mulher é não tentar segurá-la. Agora ele goza da afeição de Nancy, de Ava e de Mia, a fina flor de três gerações de mulheres, e ainda é adorado pelos filhos, tem a liberdade de um homem solteiro, não se sente velho, faz com que homens velhos se sintam jovens, faz com que eles pensem que, se Sinatra é capaz de fazer alguma coisa, ela pode ser feita; não que eles mesmos sejam capazes de fazê-la, mas agrada-lhes saber que, aos cinquenta anos, essa coisa ainda é possível.

 

Mas agora, naquele bar em Beverly Hills, Sinatra estava resfriado, e continuava bebendo em silêncio, parecendo estar a quilômetros de distância, num mundo só dele, sem demonstrar reação nenhuma, nem mesmo quando, de repente, o estéreo do outro salão passou a tocar uma canção de Sinatra, “In the wee small hours of the morning". É uma balada encantadora que ele gravou pela primeira vez dez anos atrás, e agora estimulava muitos jovens casais que estavam sentados, cansados de rodopiar, a se levantar e a se movimentar devagar, bem agarradinhos, pela pista de dança.

A modulação de voz de Sinatra, precisa e ao mesmo tempo plena e melodiosa, dava maior profundidade à letra simples - "In the wee small hours of the morning/ while the whole wide world is fast asleep/ you lie awake, and think about the girl...” (Tradução literal: “Nas primeiras horas da madrugada/ quando todo mundo está dormindo! Você fica acordado pensando na garota...” (N. E.)

Como tantos de seus clássicos, uma canção que evocava solidão e sensualidade, e, somada à meia-luz, ao álcool, à nicotina e às carências das horas tardias da noite, se tornava uma espécie de afrodisíaco etéreo. Com certeza a letra dessa música e de outras semelhantes contribuíram para criar um clima entre milhões de casais.

Era uma canção para se ouvir na hora do amor, e com certeza embalou casais em toda a América, à noite, nos carros, enquanto as baterias descarregavam, em cabanas à beira de lagos, em praias em fragrantes noites de verão, no recesso dos parques, em luxuosos apartamentos de cobertura e em quartinhos alugados; em camarotes de cruzeiros, táxis e cabanas - em todos os lugares onde se ouviam as canções de Sinatra estavam aquelas palavras que excitavam as mulheres, as cortejavam e as venciam, cortando os últimos fios da inibição, e satisfaziam o ego masculino de amantes ingratos; duas gerações de homens se beneficiaram dessas baladas, o que os faz eternos devedores de Sinatra, e talvez os faça também odiá-lo. Mas lá estava ele, o homem em pessoa, nas primeiras horas da madrugada, em Beverly Hills, inacessível.

As duas loiras, que pareciam estar na casa dos trinta anos, eram elegantes e refinadas, os corpos maduros ligeiramente moldados por tailleurs pretos justos. De pernas cruzadas, empoleiravam-se nos altos bancos do balcão e escutavam a música. Então uma delas pegou um Kent e logo Sinatra pôs seu isqueiro de ouro debaixo dele. Ela segurou a mão dele, observou os dedos dele: eram nodosos e ásperos, e os dedos mínimos, esticados, pois a artrite os tornara tão duros que ele mal podia flexioná-los. Como sempre, estava vestido de forma impecável. Colete, terno, oxford cinza de corte tradicional, mas forrado com uma seda vistosa; os sapatos, britânicos, pareciam estar engraxados até o solado. Usava também, como todos pareciam saber, uma peruca preta bastante convincente, uma das sessenta que ele possui, a maioria aos cuidados de uma discreta senhora de cabelos grisalhos que, carregando os cabelos dele numa pequena sacola, o acompanha aonde quer que ele vá cantar. Ela ganha quatrocentos dólares por semana.

O que mais chama a atenção no rosto de Sinatra são os olhos, azul-claros e atentos, olhos que em segundos podem ficar gélidos de raiva, mostrar um brilho de ternura ou, como agora, uma expressão de indiferença que mantém os amigos calados e à distância. Leo Durocher, um dos amigos mais próximos de Sinatra, jogava sinuca numa salinha no fundo do bar. De pé, junto à porta, estava Jim Mahoney, o assessor de imprensa de Sinatra, um jovem um tanto atarracado, de queixo quadrado e olhos apertados, que parecer ia um duro policial irlandês à paisana, não fossem os caros ternos europeus e os finos sapatos, muitas vezes adornados com lustrosas fivelas. Ali perto também se encontrava um ator alto, ombros largos, de noventa quilos, chamado Brad Dexter, que parecia enfunar o peito o tempo todo para disfarçar a barriga.

 

Brad Dexter apareceu em muitos filmes e programas de televisão, exibindo um grande talento como ator, mas em Beverly Hills ele é conhecido também pelo papel que representou dois anos atrás, no Havaí, quando nadou algumas centenas de metros, arriscando a própria vida, para evitar que Sinatra se afogasse no mar em ressaca. Desde então Dexter se tornou um dos fiéis companheiros de Sinatra e também um dos produtores de sua companhia cinematográfica. Ele trabalha num luxuoso escritório próximo à suíte executiva de Sinatra. Dexter vive à procura de textos que Sinatra possa estrelar. Ele sempre se preocupa quando está entre estranhos na companhia de Sinatra, porque sabe que ele faz aflorar nas pessoas o que elas têm de melhor e de pior – alguns homens se mostram agressivos, algumas mulheres se põem a fazer charme, outros ficam na órbita do ídolo, avaliando-o com ceticismo. A mera presença de Sinatra intoxica o ambiente de algum modo, e às vezes ele próprio, quando não está muito bem, como naquela noite, se torna intolerante e tenso, e então é fatal: manchetes nos jornais. Por isso Brad Dexter tenta prever o perigo e adverte Sinatra. Ele diz sentir necessidade de protegê-lo, chegando recentemente a confessar, em um momento de auto revelação: “Por ele, eu seria capaz de matar”.

Embora essa afirmação possa parecer exagerada, principalmente se considerada fora do contexto, ela revela uma lealdade feroz, muito comum no círculo de amizades de Sinatra. É uma característica que Sinatra prefere, mesmo que não admita:

"All the way; All or nothing at all” – Tradução literal: “Até o fim; tudo ou nada mesmo” (Versos de “All or nothing at all”, de Lawrence/Altman, grande sucesso na voz de Sinatra). (N. E.).

É o lado siciliano de Sinatra; ele não permite aos seus amigos, se é que eles desejam continuar a sê-lo, nenhum daqueles arrufos tão comuns entre os anglo-saxões. Se permanecem leais, porém, então não há nada que Sinatra não faça por eles - presentes fabulosos, gentilezas, estímulo quando estão deprimidos, lisonjas quando estão animados.

É bom que eles se lembrem, porém, de uma coisa. Ele é Sinatra. O chefe. Il Padrone. Testemunhei algo desse lado siciliano de Sinatra no verão passado no Jilly's, em Nova York, aliás a única vez em que vi Sinatra de perto antes daquela noite no clube da Califórnia. No Jilly's, que fica na West Fifty-Second Street , em Manhattan, e é onde Sinatra bebe quando está em Nova York, e há uma cadeira reservada especialmente para ele no salão dos fundos, junto à parede, que mais ninguém pode usar. Quando ele a ocupa, sentado atrás de uma vasta mesa rodeada de seus amigos mais próximos em Nova York – entre os quais o dono do bar, Jilly Rizzo, e sua mulher, Honey, de cabelos tingidos de azul, conhecida como “Judia Azul” –, assiste-se a um estranho ritual.

Naquela noite, dezenas desses admiradores, alguns dos quais amigos distantes de Sinatra, outros meros conhecidos, outros nem uma coisa nem outra, surgiram na frente do Jilly's. Eles se aproximaram do bar como se fosse um santuário. Tinham vindo prestar seus respeitos. Eram de Nova York, Brooklyn, Atlantic City, Hoboken. Entre eles havia velhos atores, ex-lutadores de boxe, trompetistas fatigados, políticos, um menino com uma bengala.

Havia uma senhora gorda que afirmava lembrar-se de Sinatra quando ele jogava o Jersey Observer em sua varanda em 1933. Havia casais de meia-idade dizendo ter ouvido Sinatra cantar no Rustic Cabin em 1938 – e “percebemos então que ele realmente tinha talento!” Ou então o ouviram cantar com a banda de Harry James, em 1939, ou com Tommy Dorsey, em 1941 (“Ah, isso mesmo, a música era “I’ll never smile again” – uma noite ele a cantou num lugar perto de Newark e nós dançamos...”); ou lembravam-se da época da Paramount, ele provocando desmaios, com aquelas gravatas-borboleta, The Voice; e uma mulher se lembrou de um sujeito nefasto que conheceu naquela época – Alexander Dorogokupetz, um baderneiro de dezoito anos que jogara um tomate em Sinatra e quase foi linchado por suas fãs adolescentes. O que foi feito de Alexander Dorogokupetz? A tal senhora não soube responder.

 

Eles se lembravam de quando Sinatra estava em decadência e cantava porcarias como “Mairzy Doats”, se lembraram também de sua volta por cima, e naquela noite estavam lá na porta do Jilly’s, à dezenas, mas não podiam se aproximar. Alguns foram embora. Mas a maioria ficou, na esperança de logo poder abrir caminho até o fundo do Jilly’s por entre cotovelos e traseiros de três fileiras de homens bebendo no balcão, dar uma espiada e vê-lo sentado lá no fundo. Era só o que eles queriam: vê-lo. E por alguns instantes ficaram olhando através da fumaça. Depois deram meia-volta, abriram caminho para fora do bar e foram para casa.

Alguns dos amigos mais próximos de Sinatra, todos conhecidos dos homens que guardam a porta do Jilly’s, conseguem ser levados até o salão dos fundos. Uma vez lá, no entanto, eles têm de se virar sozinhos. Naquela noite, o ex-jogador de futebol americano Frank Gifford conseguiu avançar apenas sete jardas, em três tentativas. Outros que, de um modo ou de outro, conseguiam chegar perto o bastante para apertar a mão de Sinatra, não o faziam; apenas tocavam-lhe o ombro, ou a manga da camisa, ou simplesmente ficavam perto o bastante para que ele os visse e, depois de receberem de Sinatra uma piscadela de reconhecimento, um aceno, um movimento de cabeça, ou depois de serem chamados pelo nome (ele tem uma memória fantástica para nomes), davam meia-volta e iam embora.

Tinham conseguido o que queriam. Tinham prestado seus respeitos. Enquanto eu olhava todo aquele ritual, tinha a impressão de que Frank Sinatra habitava simultaneamente dois mundos que não pertencem ao mesmo tempo.

Por um lado ele é gaiato – por exemplo, quando fala e brinca com Sammy Davis, Jr., Richard Conte, Liza Minelli, Bernice Massi, ou qualquer outra pessoa do show business que senta à mesa; por outro - quando balança a cabeça ou acena para os chapas mais próximos (Al Silvani, empresário de boxe que trabalha na companhia cinematográfica de Sinatra; Dominic Di Bona, o homem que cuida de seu guarda-roupa; Ed Pucci, ex-jogador de futebol que pesa mais de 130 quilos e é seu ajudante de ordens) – ele é Il Padrone. Ou, melhor ainda, ele é um dos que na velha Sicília seriam chamados de uomini rispettati – homens de respeito: homens que são ao mesmo tempo grandiosos e humildes, homens amados por todos e generosos por natureza, homens cujas mãos são beijadas quando vão de aldeia em aldeia, homens que sairiam pessoalmente de seu caminho para consertar alguma coisa errada.

Frank Sinatra faz as coisas pessoalmente. No Natal, ele vai pessoalmente comprar dezenas de presentes par a os amigos mais chegados e para a família, e nunca esquece do tipo de joia que eles apreciam, de suas cores preferidas, do tamanho de suas camisas e vestidos. Quando, há pouco mais de um ano, a casa de um músico amigo seu foi destruída e a mulher dele morreu num deslizamento de terra em Los Angeles, Sinatra foi ajudá-lo pessoalmente.

Procurou uma casa para ele, pagou todas as despesas do hospital não cobertas pelo seguro, cuidou pessoalmente da compra da mobília para a casa, inclusive novos talheres, roupas, toalhas e lençóis.

O mesmo Sinatra que fez tudo isso pode, de uma hora para outra, explodir numa terrível fúria de intolerância se algum de seus chapas cometer algum pequeno deslize no cumprimento de alguma tarefa. Por exemplo, quando um de seus homens lhe trouxe um cachorro-quente com ketchup, que, como se sabe, Sinatra abomina, ele jogou o frasco no homem, cobrindo-o de ketchup. Muitos dos que trabalham com Sinatra são grandalhões, mas isso não parece intimidar Sinatra nem refrear suas reações impetuosas quando está furioso. Eles nunca iriam responder. Ele é Il Padrone.

 

Em outras ocasiões, querendo agradar, seus homens exageram em atender aos desejos dele: uma vez, quando ele comentou distraído que seu grande jipe laranja de Palm Springs talvez precisasse de uma pintura nova, esse desejo foi sendo rapidamente transmitido pelas várias instâncias até finalmente se transformar numa ordem de que o veículo fosse pintado agora, imediatamente, ontem. Para realizar esse desejo, seria preciso contratar uma equipe especial de pintores para trabalhar durante toda a noite, recebendo horas extras; isso exigia que a ordem fizesse o caminho inverso, subindo pelas diversas instâncias, para ser aprovada. Quando ela chegou à mesa de trabalho de Sinatra, ele não sabia do que estavam falando; quando entendeu do que se tratava, confessou, com um olhar cansado, que não estava nem aí para quando o jipe ia ser pintado.

Mas seria insensato tentar prever a sua reação, porque ele é um homem totalmente imprevisível, capaz de grandes variações de humor, um homem que reage por instinto, de forma instantânea – reage de forma desmedida e selvagem, e ninguém consegue prever o que virá em seguida. Uma jovem chamada Jane Hoag, repórter da redação da Life em Los Angeles, que fora colega de escola da filha de Sinatra, Nancy, certa vez foi convidada a uma festa na casa da sra. Sinatra, na Califórnia. O anfitrião era Frank Sinatra, que tem relações muito cordiais com sua ex-mulher. Logo no começo da festa, a Srta. Hoag encostou-se na mesa e, sem querer, bateu o cotovelo em uma das duas peças de um casal de alabastro, que caiu no chão e se espatifou. De repente, lembra a Srta. Hoag, a filha de Sinatra exclamou: “Oh, era uma das peças favoritas de mamãe...” – mas antes que ela pudesse terminar a frase, Sinatra lançou-lhe um olhar duro, interrompendo-a. E, enquanto quarenta convidados olhavam em silêncio, Sinatra se aproximou rapidamente da Srta. Hoag, deu um peteleco no outro pássaro, que também escorregou da mesa e se espatifou no chão; então ele passou o braço nos ombros de Jane Hoag e disse, num tom de voz que a deixou completamente à vontade: “Está tudo bem, garota”.

A certa altura Sinatra disse algumas palavras às duas loiras. Em seguida, saiu do salão, dirigindo-se à sala de sinuca. Um dos amigos de Sinatra se aproximou delas para lhes fazer companhia. Brad Dexter, que até então ficara no canto conversando com outras pessoas, foi atrás de Sinatra.

A sala vibrava com o entrechocar das bolas de bilhar. Na sala, uma dúzia de pessoas assistiam ao jogo. Quase todos eram jovens que viam Leo Durocher jogar contra dois jogadores não muito bons. Aquele clube particular tem entre seus sócios muitos atores, diretores, escritores, modelos, praticamente todos muito mais jovens que Sinatra e Durocher, e vestidos para a noite de um jeito bem mais informal que os dois. Muitas das jovens, cabelos longos e soltos, usavam calças Jax apertadas que lhes ressaltavam a bunda, e suéteres caros; alguns dos jovens usavam camisas de veludo azuis ou verdes de colarinho alto, calças justas e mocassins italianos.

Era evidente, pela maneira como Sinatra olhava aquelas pessoas na sala de sinuca, que elas não faziam seu gênero, mas ele se recostou num banco alto junto à parede, segurando o copo na mão direita, sem dizer nada, apenas olhando Durocher atirar as bolas para um lado e para outro. Os rapazes mais novos da sala, acostumados a ver Sinatra no clube, tratavam-no sem nenhuma deferência, embora não dissessem nada ofensivo. Eles eram um grupo de jovens cool, de uma informalidade bem californiana, e um dos que encarnavam melhor esse tipo era um cara baixinho, de movimentos bastante rápidos, traços bem marcados, olhos azul-claros, cabelos castanho-claros e óculos quadrados. Usava calças de veludo cotelê marrom, um felpudo suéter verde de lã de Shetland, casaco marrom-claro de camurça, botas Game Warden, que comprara havia pouco tempo por sessenta dólares.

Frank Sinatra, recostado em seu banco, fungando um pouco por causa do resfriado, não conseguia tirar os olhos das botas Game Warden. Por um instante, depois de mirá-las durante algum tempo, desviou o olhar, mas agora as fitava de novo. O dono das botas, que simplesmente estava calçado nelas olhando o jogo, era Harlan Ellison, um escritor que acabara de escrever um roteiro, The Oscar.

 

A certa altura, Sinatra não se conteve.

“Ei”, gritou ele com sua voz levemente áspera, mas ainda assim suave e límpida. “Essas botas são italianas?”

“Não”, disse Ellison.

“Espanholas?”

“Não.”

“São inglesas?”

“Escute, não sei, cara”, retrucou Ellison, franzindo as sobrancelhas para Sinatra, e voltou a prestar atenção no jogo.

A sala de bilhar mergulhou em súbito silêncio. Leo Durocher, inclinado sobre a mesa de bilhar, segurando o taco, ficou parado naquela posição por um segundo. Ninguém se mexia.

Então Sinatra se afastou do banco em que estava e foi andando em direção a Ellison com aquele seu gingado arrogante. O ruído dos seus passos eram o único som que se ouvia na sala. Então, olhando para Ellison com uma sobrancelha ligeiramente erguida e um sorriso malicioso, Sinatra perguntou: “Você está esperando uma tempestade?”.

Harlan Ellison deslocou-se um pouco para o lado. “Por que você está falando comigo?”

“Não gosto da maneira como você está vestido”, disse Sinatra.

“Sinto muito incomodá-lo”, disse Allison, “mas eu me visto do jeito que gosto.”

Houve certo alvoroço na sala, e alguém disse: “Vamos, Harlan, vamos embora daqui”. Leo Durocher deu sua tacada e disse: “Sim, vamos embora”.

Mas Ellison não saiu de onde estava.

Sinatra disse: “O que você faz da vida?”

“Sou encanador”, disse Ellison.

“Não, ele não é”, apressou-se em gritar outro jovem do outro lado da mesa. “Ele escreveu The Oscar.”

“Ah, sim”, disse Sinatra. “Eu assisti, e é uma merda.”

“Que estranho”, disse Ellison, “porque o filme ainda não foi rodado.”

“Bom, eu assisti”, repetiu Sinatra. “E é uma bela merda.”

Então Brad Dexter, bastante tenso, a figura corpulenta em flagrante contraste com o pequeno Ellison, disse: “Vamos, rapaz, não quero você nesta sala”.

“Ei”, Sinatra interrompeu Dexter. “Você não está vendo que estou conversando com esse cara?”

Dexter ficou desconcertado. Sua atitude mudou completamente, a voz abrandou e ele disse a Ellison, em tom quase de súplica: “Por que você insiste em me atormentar?”

A cena estava ficando ridícula, e Sinatra parecia não levar aquilo muito a sério. Quem sabe estivesse movido por um tédio profundo, ou um profundo desespero; depois que os dois trocaram mais algumas farpas, Harlan Ellison saiu da sala. Àquela altura, já se comentava na pista de dança o desentendimento entre Sinatra e Ellison, e alguém foi procurar o gerente do clube. Mas outra pessoa disse que o gerente já soubera do caso – e saiu mais que depressa do bar, entrou no carro e foi para casa. Por isso o subgerente foi até à sala de bilhar.

“Não quero ninguém aqui sem paletó e gravata”, disse Sinatra em tom ríspido.

O subgerente concordou com um gesto de cabeça e voltou para seu escritório.

 

Na manhã seguinte, começava mais um dia tenso para o assessor de imprensa de Sinatra, Jim Mahoney. Mahoney estava com dor de cabeça, preocupado, mas não com o incidente Sinatra -Ellison da noite anterior. Na hora em que aconteceu, Mahoney estava com sua mulher na outra sala, e com certeza nem se deu conta do pequeno drama. A coisa toda não durou mais de três minutos. E três minutos depois que acabou, Frank Sinatra com certeza a tinha esquecido, para o resto de sua vida – ao passo que Ellison certamente nunca haverá de esquecer, assim como centenas de outros antes dele: numa hora qualquer entre o anoitecer e o nascer do dia, ele tivera uma altercação com Sinatra.

E ainda bem que Mahoney não estava na sala de bilhar; ele já tinha coisas demais com que se preocupar naquele dia. Estava preocupado com o resfriado de Sinatra, com o polêmico documentário da CBS que, apesar de Sinatra ter protestado e retirado sua autorização, seria apresenta do na televisão em menos de duas semanas. Os jornais do dia insinuavam que Sinatra ia processar a rede de televisão, os telefones de Mahoney tocavam sem parar, e agora ele estava sondando Nova York, dizendo a Kay Gardella: “...certo, Kay... eles selaram um acordo de cavalheiros para evitar certas perguntas sobre a vida particular Frank, e aí Cronkite saiu-se com esta: ‘Frank, fale-me daquelas conexões’. Essa pergunta, Kay - não! Essa pergunta nunca deveria ter sido feita...”

Enquanto Mahoney falava, recostado em sua cadeira de couro preto, balançava a cabeça devagar. Ele é um homem de constituição vigorosa, de 37 anos; tem o rosto redondo e corado, maxilar rijo, olhos claros, miúdos, e poderia parecer agressivo e brigão se não falasse com tanta clareza e sinceridade, e se não fosse tão cuidadoso no vestir. Seus ternos e sapatos eram de talhe perfeito, uma das primeiras coisas que Sinatra notou nele; em seu espaçoso escritório, em frente ao bar, há um polidor de sapatos elétrico com escovas vermelhas e um mancebo de madeira, onde Mahoney pendura seus paletós. Próximo ao bar há uma fotografia autografada do presidente Kennedy e algumas fotos de Frank Sinatra, mas não há mais nada de Sinatra em qualquer das outras salas da agência de relações públicas de Mahoney; já houve uma grande fotografia dele na sala de recepção, mas aquilo incomodava o ego de outros astros de cinema clientes de Mahoney. Como Sinatra nunca dá as caras na agência, a fotografia foi retirada.

Ainda assim, Sinatra parece sempre estar presente, e se Mahoney não tivesse, em relação a Sinatra, preocupações plenamente justificadas como naquele dia, podia muito bem inventá-las - para ajudá-lo nisso, ele se cerca de pequenas lembranças de momentos angustiantes do passado. Em seu estojo de barbear, há uma caixa de comprimidos para dormir, prescritos há dois anos por um farmacêutico de Reno, Nevada – a data do frasco indica o dia do sequestro de Frank Sinatra, Jr. Numa mesa do escritório de Mahoney há a reprodução emoldurada do bilhete em que os sequestradores pediam o resgate a Sinatra.

Uma das manias de Mahoney, quando está em sua mesa esquentando a cabeça, é brincar com um trenzinho de lata que fica em sua frente – o trem é um souvenir do filme de Sinatra O expresso Von Ryan; ele é para os homens que trabalham para Sinatra o que os prendedores de gravata PT-109 são para os homens que trabalharam com John Kennedy. Mahoney fica empurrando o trenzinho para a frente e para trás, para a frente e para trás, nos quinze centímetros de trilhos; para a frente e para trás, para a frente e para trás, clicclac clic-clac. É o seu brinquedinho.

Agora Mahoney apressa-se em deixar o trenzinho de lado. Sua secretária lhe diz que há um telefonema muito importante para ele. Mahoney pega o fone, e sua voz fica ainda mais branda e mais franca do que antes. “Sim, Frank”, disse ele. “Certo... certo... sim, Frank...”

Quando Mahoney pôs o fone no gancho, devagar, informou que Frank Sinatra viajara em seu jato particular para passar o fim de semana em sua casa de Palm Springs, um vôo de dezesseis minutos, partindo de sua casa de Los Angeles. Mahoney agora estava preocupado de novo. O Learjet em que Sinatra iria voar era idêntico, segundo Mahoney, ao que havia acabado de cair em outra região da Califórnia.

 

Na segunda-feira seguinte, um dia nublado e excepcionalmente frio na Califórnia, mais de cem pessoas estavam reunidas num estúdio de televisão todo branco, um salão enorme dominado por um palco branco, paredes brancas, com dezenas de luminárias e lâmpadas penduradas no teta: o estúdio mais parecia uma gigantesca sala de operações. Naquela sala, dentro de mais ou menos uma hora, a NBC estaria gravando um especial de uma hora, a ser transmitido, em cores, na noite de 24 de novembro. Tanto quanto possível naquele curto espaço de tempo, o programa deveria abrilhantar os 25 anos de carreira de Frank Sinatra como homem do show business. O programa não se propunha a explorar, como o documentário da CBS, os aspectos da vida do cantor que ele considera privados.

O especial da NBC seria, basicamente, Sinatra cantando, durante um a hora, alguns dos sucessos que o levaram de Hoboken a Hollywood, e seria interrompido apenas uma vez ou outra por trechos de filmes e comerciais da cerveja Budweiser. Antes de pegar o resfriado, Sinatra ficou muito animado com o especial; via nele não apenas uma oportunidade de agradar os saudosistas, mas também de dar a conhecer seu talento a alguns apreciadores de rock’n’roll – de certo modo, ele estava querendo competir com os Beatles. Os press-releases que estavam sendo preparados pela agência de Mahoney ressaltavam isso: “Se você está cansado de jovens cantores com tufos de cabelo grandes o bastante para esconder um engradado de melões... pode ser uma agradável surpresa um especial de televisão intitulado Sinatra - Um Homem e Sua Música...”.

Mas agora, naquele estúdio da NBC em Los Angeles, havia muita expectativa e tensão devido à incerteza quanto à voz de Sinatra. Os 43 músicos da orquestra de Nelson Riddle já tinham chegado, e alguns deles estavam na plataforma fazendo o aquecimento. Dwight Hernion, um jovem diretor de cabelos ruivos que fora muito elogiado por seu especial para a televisão com Barbra Streisand, estava sentado na cabine de controle envidraçada com vista para a orquestra e para o palco. Os câmeras, os técnicos, o pessoal da segurança, os publicitários da Budweiser também estavam de pé, esperando entre as luminárias e as câmeras, assim como uma boa dúzia de mulheres que trabalhavam como secretárias em outras partes do edifício, mas tinham escapado para ver aquilo.

Poucos minutos antes das onze horas, correu pelos corredores a notícia de que Sinatra fora visto andando no estacionamento e que já estava a caminho, aparentemente em plena forma. Houve um grande alívio entre as pessoas que estavam no estúdio; mas à medida que a figura esguia e elegante, foi se aproximando, elas viram, decepcionadas, que não era Frank

Sinatra. Era Johnny Delgado, o dublê de Sinatra.

Delgado anda como Sinatra, é da altura de Sinatra e seu rosto, visto de determinados ângulos, lembra o de Sinatra. Mas ele parece ser um sujeito muito tímido. Quinze anos atrás, no início de sua carreira, Delgado candidatou-se para um papel em A um passo da eternidade. Foi contratado, e depois descobriu que deveria atuar como dublê de Sinatra.

No último filme de Sinatra, Assalto a um transatlântico, uma história na qual Sinatra e alguns conspiradores tentam sequestrar o Queen Mary, Johnny Delgado atuou como dublê dele em algumas cenas na água; agora, naquele estúdio da NBC, sua tarefa era ficar sob os refletores da televisão, fazendo a marcação dos lugares de Sinatra ao palco, para a equipe de filmagem.

 

Cinco minutos depois, o verdadeiro Sinatra chega. Seu rosto estava pálido, seus olhos azuis pareciam um tanto aguados. Ele não conseguira se livrar do resfriado, mas de todo modo ia tentar cantar, pois o cronograma estava apertado e àquela altura já haviam milhares de dólares sido gastos com orquestra, equipes de filmagem e aluguel do estúdio.

Mas quando Sinatra, a caminho da salinha de ensaio onde ia aquecer a voz, olhou para estúdio e viu que a plataforma da orquestra e palco ficavam próximos um do outro, como ele pedira expressamente, seus lábios se crisparam e ele ficou muito perturbado. Alguns instantes depois, na sala de ensaio, ouviu-se o ruído dos sons que ele desferia contra o piano, e a voz do pianista, Bill Millo, dizendo em voz baixa: “Procure não se exaltar, Frank”.

Mais tarde Jim Mahoney e outro homem entraram na salinha, e então falou-se da morte de Dorothy Kilgall em Nova York, na manhã daquele dia. Durante anos ela foi inimiga figadal de Sinatra, e ele também passou a destratá-la no show que fazia em seu nightclub.

Agora, mesmo com ela morta, ele não transigiu em seus sentimentos. “Dorothy Kilgall morreu”, repetiu ele, saindo da salinha em direção ao estúdio. “Bem, acho que vou ter que reformular todo o meu show.”

Quando ele entrou no estúdio, os músicos pegaram os instrumentos e endireitaram o corpo nas cadeiras. Sinatra limpou a garganta algumas vezes e então, depois de ensaiar umas poucas baladas com a orquestra, cantou “Don't worry about me” de um jeito que lhe pareceu satisfatório e, como não sabia quanto tempo sua voz iria aguentar, ficou impaciente de repente.

“Por que a gente não grava essa merda?”, exclamou ele, olhando para a cabine de vidro onde estavam o diretor, Dwight Hernion, e sua equipe. Eles pareciam estar de cabeça baixa, concentrados na mesa de controle.

“Por que a gente não grava essa merda?”, repetiu Sinatra.

O assistente de palco, que fica perto da câmera usando fones de ouvido, repetiu a frase de Sinatra em sua linha de comunicação com a sala de controle: “Por que a gente não grava essa merda?” Hemion não respondeu. Provavelmente seu switch estava desligado. Era difícil saber, por causa dos reflexos nos vidros da cabine.

“Por que não colocamos paletó e gravata”, disse Sinatra, que estava vestido de pulôver amarelo de gola alta, “e gravamos...” De repente ouviu -se a voz de Hemion no amplificador de som, dizendo calmamente: “O.k., Frank, você não se importaria em repetir...”

“Sim, eu me importaria sim”, retrucou Sinatra.

O silêncio que se fez do outro lado, que durou um ou dois segundos, foi interrompido por

Sinatra: “Quando a gente parar de fazer as coisas aqui da forma como fazíamos em 1950, talvez a gente...” E Sinatra continuou a atacar Hemion, criticando também a falta de técnicas modernas para a montagem desses especiais; então, possivelmente para poupar a voz, ele parou. E Dwight Hemion, bastante paciente, tão calmo e paciente que se poderia pensar que não ouvira nada do que Sinatra acabara de dizer, fez uma descrição rápida de como seria a abertura do programa.

Alguns minutos depois, Sinatra estava lendo suas falas iniciais, palavras às quais se seguiria “Without a song”, em grandes cartazes junto à câmera. Feito isso, ele se preparou para repetir a fala com as câmeras ligadas.

“Especial Frank Sinatra, Parte I, página 10, tomada I”, anunciou em voz alta um homem com uma claquete, saltando rápido em frente da câmera - clap - e afastando-se imediatamente.

“Vocês já pensaram em como seria o mundo sem uma canção? O mundo seria um lugar nada interessante... Isso dá o que pensar, não?...”

 

Sinatra parou.

“Desculpe-me”, acrescentou ele. “Rapaz, preciso de um drink”.

Eles tentaram novamente.

“Especial Frank Sinatra, Parte I , página 10, tomada 2”, gritou saltando o homem da claquete.

“Vocês já pensaram em como seria o mundo sem uma canção?....

Dessa vez Frank Sinatra leu todo o texto sem parar. Em seguida ensaiou mais algumas canções, interrompendo a orquestra uma ou duas vezes quando o som de algum instrumento não estava como ele queria. Era difícil saber por quanto tempo sua voz iria agüentar, pois aquilo era só o começo do programa; até aquela altura, porém, todos na sala pareciam satisfeitos, principalmente quando ele cantou uma canção romântica, bastante popular, escrita mais de vinte anos atrás por Jimmy Van Heusen e Phil Silvers – “Nancy”, inspirada pela primogênita de

Sinatra – que é pai de três filhos – quando ela era bem pequena.

If I don't see her each day

I miss her...

Gee what a thrill

Each time I kiss her...*

* Tradução literal: “Se não a vejo todo dia! Sinto sua falta...! Que grande emoção/ Cada

vez que a beijo..." (N. E.)

Quando Sinatra cantou essa canção, ainda que a tenha cantado centenas e centenas de vezes, de repente todos no estúdio perceberam que alguma coisa especial se passava no coração do homem, algo especial estava aflorando. Agora, resfriado ou não, ele cantava com força e ardor, soltava-se, a arrogância pública desaparecera, seu mundo particular emergia naquela canção sobre a menina que, como diz a letra, o entende melhor que ninguém e é a única pessoa com quem ele pode ser ele mesmo, sem o menor constrangimento.

Nancy tem 25 anos. Ela mora sozinha: seu casamento com o cantor Tommy Sands terminou em divórcio, a casa dela fica num subúrbio de Los Angeles. Agora está fazendo seu terceiro filme e gravando para a gravadora do pai. Eles se encontram todo dia; quando não, ele liga para ela, mesmo que esteja na Europa ou na Ásia. Quando as interpretações de Sinatra se tornaram populares no rádio e ele causava desmaios nas fãs, Nancy ouvia suas canções em casa e chorava. Quando o primeiro casamento de Sinatra se desfez, em 1951, e ele foi embora de casa, Nancy era a única, entre os filhos do casal, com idade para lembrar dele como pai. Ela o vira com Ava Gardner, Juliet Prowse, Mia Farrow, muitas outras, e participou, com o pai, de encontros com casais de amigos...

She takes the winter

And makes it summer...

Summer could take

Some lessons from her...*

Tradução literal: “Ela transforma o inverno! Em verão...! O verão tem muito! O que aprender com ela.: (N. E.)

 

Nancy também se encontra com Sinatra quando ele vai visitar sua primeira mulher, Nancy Barbato, filha de um estucador de Jersey City, com a qual ele se casou em 1939, quando ganhava 25 dólares por semana cantando na Rustic Cabin, próximo a Hoboken.

A primeira Sra. Sinatra, uma mulher notável que nunca voltou a casar (“Quando a gente já foi casada com Frank Sinatra...”, explicou certa vez a uma amiga), mora numa casa magnífica em Los Angeles, com sua filha mais nova, Tina, de dezessete anos. Entre Sinatra e sua primeira mulher não existe nenhum ressentimento, apenas um grande respeito e afeto; faz tempo que ele é bem-vindo na casa dela. Sabe-se também que ele aparece lá fora de hora, acende a lareira, deita-se no sofá e cai no sono. Frank Sinatra consegue dormir em qualquer lugar, coisa que aprendeu na época em que costumava viajar em ônibus com sua banda, por estradas esburacadas; nessa época aprendeu também, quando estava de smoking, a ajeitar as calças e o paletó de forma que não amarrotassem enquanto ele dormia.

Mas agora ele não anda mais de ônibus, e sua filha Nancy, que na infância se sentia rejeitada quando ele adormecia no sofá em vez de lhe dar atenção, mais tarde entendeu que o sofá era um dos poucos lugares no mundo em que Frank conseguia ter alguma privacidade, onde seu rosto famoso não seria o centro das atenções nem provocaria uma reação anormal nas pessoas. Ela entendeu também que as coisas normais sempre foram negadas a seu pai: a infância dele foi marcada pela solidão e pela busca de atenção, e desde que a conquistou, nunca mais conseguiu ficar a sós consigo mesmo. Vez por outra, quando olhava pela janela de uma casa que tinha em Hasbrouck Heights, Nova Jersey, via o rosto de adolescentes que o espiavam; em 1944, quando se mudou para a Califórnia e comprou uma casa protegida por uma sebe de três metros de altura em Lake Toluca, descobriu que a única maneira de fugir do telefone e de outras formas de invasão era sair em seu barco a remo acompanhado de alguns amigos, uma mesa de carteado e uma caixa de cerveja, e passar a tarde inteira a bordo. Mas segundo Nancy ele procurou, na medida do possível, ser como todo mundo. Chorou no dia do casamento dela, pois é muito sentimental e sensível... 

* * *

“Que diabo você está fazendo aí em cima, Dwight?”

Silêncio na cabine de controle.

“Vocês estão fazendo uma festa ou alguma coisa do tipo aí em cima, Dwight?”

De pé no palco, braços cruzados, Sinatra lançava olhares ferozes, por sobre as câmeras, para Hemion. Ele cantou “Nancy” com o que lhe restava de voz naquele dia. Nos poucos números que se seguiram houve notas dissonantes, e por duas vezes a voz dele falhou completamente. Hemion estava na cabine de controle, fora de comunicação; depois ele desceu ao estúdio, dirigindo-se ao lugar onde Sinatra se encontrava. Poucos minutos depois, os dois saíram do estúdio e se dirigiram à cabine de controle. Rodaram o VT para Sinatra. Ele só o viu por uns cinco minutos, depois começou a balançar a cabeça e disse para Hernion: “Esqueça, esqueça. Você está perdendo tempo. O que temos aqui”, disse Sinatra fazendo um sinal com a cabeça em direção a sua imagem no vídeo, “é um homem resfriado”. Então saiu da cabine de controle, ordenando que todo o trabalho do dia fosse anulado e a gravação fosse adiada até que ele se recuperasse.

 

Tal como uma epidemia, logo a notícia chegou ao staff, espalhou-se por Hollywood, atravessou o país e foi parar no Jilly's, e também do outro lado do rio Hudson, na casa dos pais de Sinatra e de outros parentes e amigos em Nova Jersey.

Quando Frank Sinatra falou com o pai pelo telefone e disse que estava se sentindo péssimo, o velho Sinatra contou que ele também estava péssimo: seu braço e seu pulso esquerdo estavam tão duros, por causa de um problema circulatório, que mal conseguia movimentá-los. Acrescentou que aquilo devia ser resultado dos muitos ganchos que dera com a esquerda, na época em que lutava boxe na categoria peso-galo, quase cinquenta anos atrás.

Martin Sinatra, um siciliano baixinho, tatuado, de olhinhos azuis, nascido em Catânia, lutava boxe usando o nome “Marty O’Brien”. Naquela época e naqueles lugares, com os irlandeses dominando as esferas inferiores da vida da cidade, não era incomum aparecerem italianos com nomes assim. A maioria dos italianos e sicilianos que emigraram para a América pouco antes de 1900 era gente pobre e sem instrução, excluída dos sindicatos dos trabalhadores da construção civil, que eram dominados pelos irlandeses, e em certa medida se sentia intimidada pela polícia irlandesa, pelos pastores irlandeses, pelos políticos irlandeses.

Exceção notável era a mãe de Sinatra, Dolly, uma mulher corpulenta e muito ambiciosa que viera para os Estados Unidos com os pais aos dois meses de idade. Seu pai era um litógrafo de Gênova. No final da vida, Dolly Sinatra, que tem o rosto redondo e olhos azuis, muitas vezes passava por irlandesa e surpreendia muita gente pela rapidez com que brandia sua pesada bolsinha contra qualquer um que dissesse a palavra “carcamano”.

Quando estava na flor da idade, Dolly Sinatra, desenvolveu uma hábil política com a máquina do Partido Democrático, em Nova Jersey, e se tornou uma espécie de Catarina de Médicis do terceiro distrito de Hoboken. Ela controlava seiscentos votos em seu bairro italiano, e isso era a base de seu poder político. Quando disse a um político que nomeasse o marido dela para o Corpo de Bombeiros de Hoboken, e ele lhe respondeu: “Mas Dolly, não há vagas no momento”, ela rebateu: “Abram uma vaga”. E abriram. Anos depois ela pediu que o marido fosse promovido a capitão, e um dia recebeu um telefonema de um dos chefes políticos:

“Parabéns, Dolly!”.

“Por quê?”

“Capitão Sinatra.”

“Ah, finalmente vocês o promoveram. Muito obrigada.”

Então ela ligou para o Corpo de Bombeiros de Hoboken.

“Gostaria de falar com o capitão Sinatra”, disse ela. O bombeiro chamou Martin Sinatra dizendo: “Marty, acho que sua mulher enlouqueceu”. Quando ele atendeu, Dolly o saudou:

“Parabéns, capitão Sinatra.”

O filho único de Dolly, Francis Albert Sinatra, nasceu, e por pouco não morreu, em 12 de dezembro de 1915. Foi um parto difícil, e em seus primeiros instantes de vida ele sofreu marcas que o acompanharão até a morte – as cicatrizes do lado esquerdo do pescoço foram consequência de imperícia médica no uso do fórceps, e Sinatra preferiu não fazer uma cirurgia para removê-las.

A partir dos seis meses de idade, sua educação ficou aos cuidados da avó. A mãe dele trabalhava em período integral numa fábrica de chocolates. Era tão eficiente que certa vez a empresa propôs mandá-la para Paris para treinar outros funcionários. Embora algumas pessoas de Hoboken se lembrem de Sinatra como um menino solitário, que passava muitas horas na varanda fitando o vazio, ele nunca foi um garoto típico de bairro pobre, nunca foi preso, estava sempre bem vestido. Ele tinha tantas calças que muita gente em Hoboken o chamava de “Pantalonas O’ Brien”.

 

Dolly Sinatra não era uma típica mãezona italiana, que se contentava apenas com a obediência e o bom apetite do filho. Ela exigia muito dele e era sempre muito rigorosa. Queria que ele fosse engenheiro da aeronáutica. Certa noite, quando ela viu fotografias de Bing Crosby penduradas nas paredes do quarto de Frank e descobriu que ele queria ser cantor, ficou furiosa e jogou um sapato nele. Depois, percebendo que não conseguiria demovê-lo da ideia – “ele me puxou” –, passou a incentivá-lo.

Muitos meninos ítalo-americanos de sua geração perseguiam o mesmo objetivo – eram fortes nas canções e fracos ao lidar com as palavras: não havia um grande romancista entre eles, nenhum O’Hara, nenhum Bellow, nenhum Cheever, nenhum Shaw; contudo, podiam se comunicar através do bel canto. Tinha mais a ver com suas tradições e não havia necessidade de diploma; eles poderiam, com uma canção, algum dia ver seus nomes em letreiros luminosos... Perry Como... Frankie Laine... Tony Bennett... Vic Damone... mas nenhum deles veria o próprio nome brilhar como Frank Sinatra.

Embora ele cantasse durante boa parte da noite no Rustic Cabin, levantava-se no dia seguinte e ia cantar de graça em emissoras de rádio de Nova York para divulgar seu trabalho. Mais tarde começou a trabalhar para a banda de Harry James, e foi nesse emprego que ele gravou o seu primeiro sucesso – “All or nothing at all”. Ele ficou muito amigo de Harry James e dos músicos da orquestra, mas quando Tommy Dorsey, que à época tinha a melhor orquestra do país, lhe fez uma proposta, Sinatra aceitou; passou a ganhar 125 dólares por semana, e Dorsey sabia dar destaque a um vocalista. Mesmo assim, Sinatra ficou muito deprimido ao sair da orquestra de James, e a última noite que passou com eles foi tão memorável que, vinte anos depois, foi capaz de contá-la em detalhes a um amigo: “[...] o ônibus partiu com os outros rapazes pouco depois da meia-noite e meia. Eu tinha me despedido deles, e lembro que estava nevando. Não havia ninguém por perto e fiquei sozinho com minha mala, sob a neve, olhando os faróis traseiros desapareceram na noite. Então comecei a chorar e tentei correr atrás do ônibus. A animação e o entusiasmo na orquestra eram tamanhos que lamentei muito deixá-la [...]”.

Mas ele a deixou – assim como deixar ia outros ambientes acolhedores, em busca de algo mais, sem jamais perder tempo, tentando fazer de tudo no intervalo de apenas uma geração, lutando em seu próprio nome, defendendo os injustiçados, aterrorizando os cachorros grandes. Ele deu um soco num músico que fez um comentário anti-semita, defendeu a causa dos negros duas décadas antes que isso virasse moda. Além disso, jogou uma bandeja de copos em Buddy Rich, porque estava tocando a bateria muito alto.

Antes de completar trinta anos, Sinatra já presenteara 50 mil dólares em isqueiros de ouro, e vivia o mais louco sonho da América que um imigrante poderia ter. Ele entrou em cena de repente, quando Di Maggio silenciara, quando os compatriotas andavam pesarosos e na defensiva porque Hitler se encontrava em sua pátria. Sinatra se tornou, na época, uma espécie de Liga – composta por um homem só – Contra a Difamação dos Italianos na América. O tipo de organização que eles não poderiam criar porque, segundo dizem, quase nunca chegam a um acordo sobre o que quer que seja, pois são extremamente individualistas: excelentes como solistas, mas não tão bons num coro; ótimos heróis, mas não muito bons num desfile.

Quando apareceram muitos gângsteres, com nomes italianos no programa de televisão Os Intocáveis, Sinatra deixou bem claro o seu repúdio. Sinatra e muitos milhares de ítalo americanos ficaram indignados quando Joseph Valachi, um arruaceiro barato, foi apresentado por Bobby Kennedy como especialista em máfia, já que, na verdade, a julgar pelo depoimento de Valachi na televisão, ele sabia menos que muitos garçons da Mulberry Street. Muitos italianos do círculo de amizades de Sinatra também consideravam Bobby Kennedy uma espécie de policial irlandês, com mais dignidade que nos tempos de Dolly, mas não menos intimidador. Dizem que Bobby Kennedy e Peter Lawford começaram a esnobar Sinatra depois da eleição de John Kennedy, esquecendo-se de sua contribuição tanto no levantamento de contribuições como no convencimento de que tendiam a votar contra os irlandeses. Desconfia-se que Lawford e Bobby Kennedy tenham influenciado John Kennedy a se hospedar na casa de Bing Crosby, e não na casa de Sinatra, como fora planejado, um fiasco social que Sinatra nunca haverá de esquecer. Depois disso, Peter Lawford foi expulso do grupo de Sinatra em Lãs Vegas.

 

“Sim, meu filho é como eu”, diz Dolly, com orgulho. “Se você o contraria, ele nunca esquece.” E embora reconheça a força do filho, apressa-se em dizer: “Ele não consegue obrigar a própria mãe a fazer nada que ela não queira”. E acrescenta: “Ainda hoje, ele usa a mesma marca de cueca que eu comprava para ele”.

Hoje Dolly Sinatra está com 71 anos de idade, um ou dois menos que Martin, e durante o dia todo as pessoas batem na porta dos fundos de sua ampla casa, para pedir conselhos e que ela interceda por elas. Quando não está atendendo as pessoas ou trabalhando na cozinha, cuida do marido, um homem calado mas teimoso, dizendo-lhe que mantenha o braço esquerdo na espuma sintética que ela colocou no braço de uma cadeira macia. “Oh, ele combateu terríveis incêndios”, disse Dolly a um visitante, fazendo um sinal com a cabeça em direção ao marido, sentado na cadeira.

Embora Dolly Sinatra tenha 87 afilhados em Hoboken e ainda visite a cidade durante as campanhas eleitorais, agora vive com o marido numa bela casa de dezesseis cômodos em Fort Lee, Nova Jersey. A casa foi um presente do filho pelas bodas de ouro, três anos atrás.

É mobiliada com bom gosto e decorada com uma notável justaposição do sagrado e do profano – fotografias do papa João e de Ava Gardner, do papa Paulo e de Dean Martin; várias imagens de santos e água benta, uma cadeira autografada por Sammy Davis, Jr, e garrafas de bourbon. Na caixa de jóias da sra. Sinatra há um colar de pérolas magnífico que ela ganhou há pouco tempo de Ava Gardner, de quem ela gostava muitíssimo como nora.

Dolly ainda mantém contato com Ava, e fala muito nela; pendurada na parede há uma carta endereçada a Dolly e a Martin: “A areia do tempo transformou-se em ouro, mas o amor continua a desabrochar como as pétalas de uma rosa no jardim da vida de Deus... que Deus os ame eternamente. Agradeço a Ele, agradeço a vocês pela minha existência. Seu filho amoroso, Francis...”.

A Sra. Sinatra fala com o filho por telefone uma vez por semana, e há pouco tempo ele lhe propôs que, quando fosse a Manhattan, ficasse em seu apartamento da East Seventy- Second Street, às margens do rio East. Trata-se de uma região cara de Nova York, ainda que haja uma pequena fábrica no quarteirão, mas Dolly Sinatra usou esse detalhe para vingar-se do filho por algumas descrições nada lisonjeiras que ele andou fazendo de sua infância em Hoboken.

“O quê? – você quer que eu fique no seu apartamento, aquela espelunca!”, ela perguntou.

“Você acha que vou passar a noite naquele bairro horrível?”

Frank Sinatra entendeu e disse: “Desculpe-me, senhora Fort Lee”.

Depois de passar a semana em Palm Springs, bem melhor do resfriado, Frank Sinatra voltou a Los Angeles, uma cidade encantadora, repleta de sol e sexo, uma descoberta espanhola da miséria mexicana, uma terra estrelada de homens baixinhos e mulheres esguias entrando e saindo de conversíveis com calças apertadíssimas.

 

Sinatra voltou a tempo de ver o tão esperado documentário da CBS com sua família. Lá pelas nove da noite ele foi à casa de sua ex-mulher, Nancy, jantou com ela e com suas duas filhas. O filho, que agora eles raramente encontram, não estava na cidade.

Frank, Jr., que tem 22 anos, estava viajando com uma banda para Nova York, onde se encontraria, na Basin Street East, com o grupo vocal The Pied Pipers, com o qual Frank Sinatra cantou quando estava na orquestra de Dorsey, na década de 40. Hoje Frank Sinatra, Jr., que seu pai diz ter batizado em homenagem a Franklin D. Roosevelt, passa a maior parte do tempo em hotéis, janta toda noite no camarim de seu nightclub e canta até duas da manhã, ouvindo com indulgência, porque não tem outra escolha, as inevitáveis comparações. Sua voz é suave e agradável, e está melhorando com a prática. Embora ele seja muito respeitoso em relação ao pai, fala dele de forma objetiva, e às vezes não consegue esconder uma nota de arrogância no tom de voz.

Uma das coisas que contribuíram para a fama precoce de seu pai, diz Frank, Jr., foi a criação de um “Sinatra de press-release”, concebido para “distingui-lo do comum dos mortais, separado da realidade: de repente ele se tornou Sinatra, o magnata eletrizante, Sinatra que é supranormal, não sobre-humano, mas supranormal. E aí é que está”, continua Frank, Jr., “a grande falácia, a grande mentira, porque Frank Sinatra é normal, é um sujeito com quem você pode topar numa esquina. Mas esse outro ser, essa figura supranormal, afetou Frank Sinatra da mesma forma que afeta qualquer um que assista a um de seus especiais na televisão ou que leia um artigo de revista sobre ele...”.

“No início”, continua ele, “a vida de Frank Sinatra era tão normal que ninguém imaginaria, em 1934, que aquele garotinho italiano de cabelos ondulados haveria de se tornar o gigante, o monstro sagrado, a grande lenda viva... Ele conheceu minha mãe num verão, na praia. Ela era Nancy Barbato, filha de Mike Barbato, um estucador de Jersey City.

E ela conhece o filho do bombeiro, Frank, num dia de verão, na praia de Long Branch, Nova Jersey, Os dois são italianos, católicos, pertencentes à baixa classe média e vivem um romance de verão – como em um milhão de filmes ruins estrelados por Frankie Avalon...”

“Eles têm três filhos”, diz Frank, Jr. “De todos os filhos, Nancy, a mais velha, foi a mais normal. Nancy era animadora de torcida, ia para acampamentos de verão, dirigia um Chevrolet, teve um desenvolvimento normal, centrado no lar e na família. Eu sou o segundo. Minha vida na família foi bastante normal até setembro de 1958, quando, em total contraste com a educação de minhas duas irmãs, fui mandado par a uma escola preparatória para a universidade. Fiquei afastado do círculo familiar, e até hoje não consegui me reintegrar... Tina é a terceira. Para ser muito franco, eu não saberia dizer como é a vida dela...”

O programa da CBS, narrado por Walter Cronkite, começou às dez da noite. Um minuto antes, tendo acabado de jantar, a família Sinatra se reuniu em volta da televisão, unida para o que desse e viesse. Os homens de Sinatra, em outros pontos da cidade, em outros pontos do país, faziam a mesma coisa. O advogado de Sinatra, Milton A. Rudin, fumando um charuto, assistia a tudo com olhos atentos, a mente alerta para as implicações jurídicas.

Brad Dexter, Jim Mahoney, Ed Pucci também estavam diante de seus aparelhos de televisão; o maquiador de Sinatra, Britton “Espingarda”; seu representante em Nova York, Henri Giné; seu fornecedor de roupas, Richard Carroll; seu corretor de seguros, John Lillie; seu criado, George Jacobs, um negro bonito que ouve discos de Ray Charles quando recebe garotas no apartamento dele.

E como tantos outros temores de Hollywood, a apreensão com o programa da CBS revelou não ter nenhum fundamento. Foi uma hora de grandes lisonjas que, ao contrário do que diziam os boatos, não se deteve em examinar a vida amorosa de Sinatra, nem a máfia, nem outros aspectos de sua vida privada. Embora o documentário não tivesse sido autorizado por Sinatra, “bem que poderia ter sido”, escreveu Jack Gould no dia seguinte no New York Times.

 

Imediatamente depois do programa, os telefones começaram a tocar em todas as organizações ligadas a Sinatra, com manifestações de alegria e alívio. De Nova York, veio o telegrama de Jilly: “NÓS DOMINAMOS O MUNDO!”.

* * *

No dia seguinte, no corredor do edifício da NBC, onde ia recomeçar a gravação de seu especial, Sinatra conversava com alguns amigos sobre o programa da CBS. A certa altura ele disse: “Oh, foi muito divertido”.

“Sim, Frank, um puta dum programa.”

“Mas acho que Jack Gould tem razão em seu artigo do Times de hoje”, disse Sinatra.

“Deviam ter tratado mais do homem, e não tanto da música...”

Os outros aquiesceram, e ninguém mencionou a histeria que houve no mundo de Sinatra quando se pensava que a CBS iria se concentrar no homem; eles apenas balançaram a cabeça e dois deles riram pelo fato de Sinatra ter conseguido enfiar a palavra “passarinho” no programa –palavra que ele adora usar. Ele sempre pergunta aos seus companheiros

“Como vai seu passarinho?”; e quando quase se afogou no Havaí, ele explicou depois: “Só molhei um pouco meu passarinho”; e numa parede da casa do ator Dick Bakalyan, amigo seu, há uma fotografia em que Sinatra aparece com uma garrafa na mão, e sob a qual se lê:

“Beba, Dickie! É bom pro seu passarinho”. Na música “Come fly with me”, às vezes Sinatra muda a letra “basta querer/ levamos nossos passarinhos para Acapulco...”.

Dali a dez minutos Sinatra entrou no estúdio da NBC, logo depois da orquestra, e o que se passou então nem de longe lembrava o que acontecera oito dias antes. Agora a voz de Sinatra estava ótima, ele fazia piadas entre uma música e outra, e nada o abalava. A certa altura, quando ele estava no palco, junto de uma árvore, cantando “How can I ignore the girl next door”, uma câmera de televisão que estava em cima de um carrinho se aproximou demais e bateu contra a árvore.

“Meu Deus!”, disse um dos técnicos.

Mas Sinatra dava a impressão de mal ter notado.

“Tivemos um pequeno acidente”, disse ele, calmamente. E recomeçou a cantar a música desde o princípio. Quando o programa acabou, Sinatra assistiu ao VT no monitor da sala de controle. Ficou muito satisfeito e trocou apertos de mão com Dwight Hemion e seus assistentes. Em seguida abriram garrafas de uísque no camarim. Pat Lawford estava lá, assim como Andy Williams e muitos outros. Chegavam telegramas e telefonemas de todo o país, elogiando o especial da CBS, Mahoney disse ter recebido um telefonema de um produtor da CBS, Don Hewitt, com quem Sinatra se enfurecera poucos dias antes.

E embora Sinatra não tivesse restrições contra o programa, ainda estava furioso, achando que a CBS o tinha traído. “Devo escrever para Hewitt?”, perguntou Mahoney.

“Você consegue mandar um soco pelo correio?”, perguntou Sinatra.

 

Ele tem tudo, não consegue dormir, dá belos presentes, não é feliz mas não trocaria o que ele é nem mesmo pela felicidade...

Ele faz parte de nosso passado – mas nós envelhecemos, ele não... nós nos preocupamos com as coisas domésticas, ele não... nós temos remorsos, ele não... a culpa é nossa, não dele...

Ele controla o menu de todos os restaurantes italianos de Los Angeles; se você quer comida do Norte da Itália, tem que pegar um avião para Milão...

Os homens o seguem, imitam-no, brigam para ficar perto dele... há nele alguma coisa de vestiário, de caserna... passarinho... passarinho...

Ele acha que a gente deve pensar grande, jogar aberto – quanto mais abertos nós somos, mais recebemos, mais aprofundamos nossa dimensão interior, mais crescemos, mais nos tornamos o que somos – maiores, mais ricos...

“Ele é melhor que qualquer outra pessoa, ou pelo menos é assim que as pessoas pensam, e ele tem de viver de modo a atender a essa expectativa.” – Nancy Sinatra, filha.

“Por fora, ele é calmo – por dentro, milhões de coisas acontecem.” – Dick Bakalyan

“Ele tem um desejo insaciável de viver cada momento plenamente, porque, segundo meparece, sente que o fim pode estar logo ali, virando a esquina” – Brad Dexter

“Em todos os meus casamentos, a única coisa que ganhei foram os dois anos de análise que Artie Shaw me pagou.” – Ava Gardner

“Não éramos mãe e filho – éramos amigos.” – Dolly Sinatra

“Sou a favor de qualquer coisa que ajude a segurar a onda durante a noite, seja uma oração, tranquilizantes ou uma garrafa de Jack Daniel’s” – Frank Sinatra


Frank Sinatra estava cansado de tantos comentários, de tanta fofoca, de tanta teoria – cansado de ler referências a si próprio, de ouvir o que as pessoas diziam sobre ele pela cidade. Aquelas três semanas tinham sido muito chatas, ele comentou, e a única coisa que queria agora era sumir, ir para Las Vegas, relaxar um pouco. Por isso ele pegou seu jato, sobrevoou as colinas da Califórnia, as planícies de Nevada, quilômetros e quilômetros de deserto, com destino ao hotel The Sands e à luta Clay-Patterson.

Na véspera da luta, ficou acordado a noite inteira e no dia seguinte dormiu até o final da tarde, mas sua voz gravada podia ser ouvida no saguão do The Sands, no salão de jogos, e até nos banheiros, embora sempre fosse interrompida, depois de alguns compassos, por chamadas como estas: “Telefone para o senhor Ron Fish. Senhor Ron Fish... with a ribbon of gold in her hair... Telefone para o senhor Herbert Rothstein, senhor Herbert Rothstein... memories of a time so bright, keep mesleepless through dark endless nights...’” * Tradução literal: “com uma fita dourada no cabelo dela/lembranças de tempos tão deleitosos me deixam acordado por negras noites sem fim”. (N. E.)

Naquela tarde, aglomerados no saguão do The Sands e de outros hotéis na mesma rua, estavam os indefectíveis profetas de antes das lutas: apostadores, ex-campeões, a arraiamiúda da Eighth Avenue, os cronistas esportivos que criticam as grandes lutas o ano inteiro mas nunca perdem uma, os romancistas que sempre parecem identificar-se com este ou aquele boxeador, as prostitutas locais acompanhadas de gente de Los Angeles, e também uma jovem morena, num vestido preto de noite pregueado, postada diante da mesa do

chefe dos mensageiros do hotel, gritando: “Mas eu quero falar com o senhor Sinatra”.

“Ele não está aqui”, disse o chefe dos mensageiros.

“Você não pode ligar para o quarto dele?”

“Não estamos em contato com ele, senhorita”, disse ele.

 

Então ela se voltou, vacilante, parecendo à beira das lágrimas, e atravessou o saguão em direção ao grande e barulhento cassino, cheio de homens interessados apenas em dinheiro.

Pouco antes das sete da noite, Jack Entratter, um homem alto, de cabelos grisalhos, que dirige The Sands, entrou no salão de jogos para anunciar a alguns homens numa roda de vinte-e-um que Sinatra estava se vestindo. Disse também que não conseguiu cadeiras na primeira fileira par a todos, por isso alguns deles – inclusive Leo Durocher, que estava com uma garota, e Joey Bishop, acompanhado de sua mulher – iriam ficar na terceira fileira, e não na frente, junto com Frank Sinatra.

Quando Entratter entrou na sala para dizer isso a Joey Bishop, este ficou passado. Não parecia estar com raiva; apenas olhou para Entratter num silêncio vazio, parecendo um tanto aturdido.

“Joey, sinto muito”, disse Entratter quando viu que o outro se mantinha em silêncio, “mas não há lugar para mais de seis pessoas na primeira fila.” Bishop continuou calado. Mas quando todos foram assistir à luta, Joey Bishop estava na primeira fila, e sua mulher, na terceira.

A luta, chamada de guerra santa entre mouros e cristãos, foi precedida de um a apresentação de três ex-campeões já meio calvos, Rocky Marciano, Joe Louis, Sonny Liston – seguida do hino nacional, cantado por outro homem dos velhos tempos, Eddie Fisher. Já fazia mais de catorze anos, mas Sinatra ainda se lembrava de cada detalhe: naquela época, Eddie Fisher era o novo rei dos barítonos, junto com Billy Eckstine e Guy Mitchell, e Sinatra estava fora do páreo há tempos. Sinatra se lembrou de um dia em que ia entrando no estúdio de uma emissora, por entre dezenas de fãs de Eddie Fisher que esperavam no hall.

Quando elas o viram começaram a zombar dele: “Frankie, Frankie, me segura que vou desmaiar”. Era na época em que ele vendia só uns 30 mil discos por ano, quando, por algum engano terrível, queriam vendê-lo como um sujeito engraçado em seu programa de TV e em que gravou fracassos como “Mama will bark”, (*Em português, “Mamãe vai latir” – N. E.) com Dagmar.

“Eu rosnava e latia na gravação”, disse Sinatra, horrorizado só de lembrar. “Se consegui fazer média com alguém, foi com os cachorros.”

A voz e o gosto artístico dele eram incrivelmente ruins em 1952, mas um fator que contribuiu de forma decisiva para o seu declínio, na opinião de alguns amigos, foi a corte que fez a Ava Gardner. Na época, ela era a grande rainha do cinema, uma das mais belas mulheres do mundo. A filha de Sinatra, Nancy, lembra-se de um dia ter visto Ava nadando na piscina de seu pai, depois saindo da piscina com aquele corpo fabuloso, andando devagar em direção à lareira, inclinando-se sobre ela por um instante... e de repente parecia que, miraculosamente, seus longos cabelos negros estavam enxutos, de volta ao lugar, sem que ela tivesse feito nada para isso.

Em relação à maioria de suas namoradas – dizem seus amigos –, Sinatra nunca sabe se elas o querem pelo que ele pode fazer por elas agora ou pelo que poderá fazer mais tarde.

Com Ava Gardner foi diferente. Ele não tinha poder para fazer nada por ela mais tarde. Ela estava no auge de sua carreira. Se é que Sinatra aprendeu alguma coisa em sua experiência com ela, é que quando um homem orgulhoso está vencido, uma mulher não pode ajudar. Principalmente uma mulher que está no auge.

Mesmo assim, com a voz cansada, ele conseguia expressar uma emoção profunda no que cantava durante aquele período de sua vida. Uma canção da época, ainda hoje bem lembrada, é “I’m a fool to want you”, e um amigo de Sinatra, que se encontrava no estúdio quando ele a gravou, relembra: “Frankie estava realmente muito agitado naquela noite. Ele cantou a canção de uma vez, depois deu meia-volta, saiu do estúdio e pronto...”.

 

O empresário de Sinatra à época, um ex-locutor de rádio chamado Hank Sanicola, disse: “Ava amava Frank, mas não do modo como ele a amava. Ele precisa de muito amor. Ele quer amor vinte e quatro horas por dia, ele precisa de gente à sua volta – Frank é assim. Ava Gardner”, continuou Sanicola, “era muito insegura. Ela temia não poder conservar um homem... Ele foi à África duas vezes atrás dela, prejudicando a própria carreira...”. “Ava não queria viver rodeada pelos homens de Frank o tempo todo”, disse outro amigo de Sinatra. “Isso o deixava louco. Quando estava com Nancy, ele costumava levar toda a orquestra para casa, e Nancy, como boa esposa italiana, nunca reclamava – e providenciava um prato de espaguete para cada um.”

Em 1953, depois de quase dois anos de casamento, Sinatra e Ava Gardner se divorciaram. A mãe de Sinatra tentou promover a reconciliação dos dois. Ava queria, mas Frank Sinatra, não. Ele era visto com outras mulheres. Os ventos tinham mudado. Naquele período, Sinatra parece ter sofrido uma mudança: de menino cantor, de jovem ator vestido de marinheiro, tornara-se um homem. Mesmo antes de ganhar o Oscar em 1953 por sua atuação em A um passo da eternidade, alguns laivos de seu antigo talento começavam a aflorar – em sua gravação de “The birth of the blues”, em sua apresentação no nightclub Riviera, elogiada entusiasticamente pelos críticos de jazz; e agora que a tendência se orientava para o LP, em detrimento das curtas gravações de três minutos, o estilo de Sinatra, mais próximo do concerto, fatalmente capitalizaria essa orientação, com ou sem Oscar.

Em 1954, mais uma vez voltado inteiramente para seu trabalho, Frank Sinatra foi considerado pela revista Metronome “o cantor do ano”, tendo recebido também o prêmio da UPI, desbancando Eddie Fisher – que agora, em Las Vegas, depois de cantar o hino nacional, desceu do ringue, e a luta começou.

Floyd Patterson perseguiu Clay por todo o ringue no primeiro round, mas não conseguiu atingi-lo. A partir daí ele se tornou um brinquedo nas mãos de Clay. A luta terminou em nocaute técnico no 12º round. Meia hora depois, a luta estava praticamente esquecida, e todos estavam de volta às mesas de jogo ou faziam fila para comprar ingressos para o show habitual de Dean Martin-Sinatra-Bishop, no palco do The Sands. Esse show, que conta também com Sammy Davis, Jr., quando ele está em Las Vegas, consiste em umas poucas músicas e muitas interrupções, tudo muito informal, muito especial, com gracejos e trocadilhos sobre a questão racial – Martin, com um drink na mão, pergunta a Bishop:

“Você já viu um Jew jítsu?”; e Bishop, imitando um garçom judeu, diz aos dois italianos que tenham cuidado “porque eu tenho a minha turma – a Matzia”. (Jew: em inglês, judeu. Matzia: trocadilho de mafia com matzalt, pão ázimo judaico N. T.)

Depois do último show no The Sands, o grupo de Sinatra, que agora se compunha de umas vinte pessoas – inclusive Jilly, que viera de Nova York; Jimmy Cannon, o colunista esportivo preferido de Sinatra; Harold Gibbons, o segundo homem do poderoso sindicato dos motoristas, que poderia assumir sua direção se Hoffa fosse para a cadeia –, formou uma fila de carros e se dirigiu a outro clube. Eram três da manhã. A noite era uma criança.

Eles pararam no Sahara, ocuparam uma comprida mesa no fundo e ficaram assistindo racial – Martin, com um drink na mão, pergunta a Bishop:

“Você já viu um Jew jítsu?”; e Bishop, imitando um garçom judeu, diz aos dois italianos que tenham cuidado “porque eu tenho a minha turma – a Matzia”. (Jew: em inglês, judeu. Matzia: trocadilho de mafia com matzalt, pão ázimo judaico N. T.)

Depois do último show no The Sands, o grupo de Sinatra, que agora se compunha de umas vinte pessoas – inclusive Jilly, que viera de Nova York; Jimmy Cannon, o colunista esportivo preferido de Sinatra; Harold Gibbons, o segundo homem do poderoso sindicato dos motoristas, que poderia assumir sua direção se Hoffa fosse para a cadeia –, formou uma fila de carros e se dirigiu a outro clube. Eram três da manhã. A noite era uma criança.

Eles pararam no Sahara, ocuparam uma comprida mesa no fundo e ficaram assistindo racial – Martin, com um drink na mão, pergunta a Bishop:

“Você já viu um Jew jítsu?”; e Bishop, imitando um garçom judeu, diz aos dois italianos que tenham cuidado “porque eu tenho a minha turma – a Matzia”. (Jew: em inglês, judeu. Matzia: trocadilho de mafia com matzalt, pão ázimo judaico N. T.)

Depois do último show no The Sands, o grupo de Sinatra, que agora se compunha de umas vinte pessoas – inclusive Jilly, que viera de Nova York; Jimmy Cannon, o colunista esportivo preferido de Sinatra; Harold Gibbons, o segundo homem do poderoso sindicato dos motoristas, que poderia assumir sua direção se Hoffa fosse para a cadeia –, formou uma fila de carros e se dirigiu a outro clube. Eram três da manhã. A noite era uma criança.

Eles pararam no Sahara, ocuparam uma comprida mesa no fundo e ficaram assistindo racial – Martin, com um drink na mão, pergunta a Bishop:

“Você já viu um Jew jítsu?”; e Bishop, imitando um garçom judeu, diz aos dois italianos que tenham cuidado “porque eu tenho a minha turma – a Matzia”. (Jew: em inglês, judeu. Matzia: trocadilho de mafia com matzalt, pão ázimo judaico N. T.)

Depois do último show no The Sands, o grupo de Sinatra, que agora se compunha de umas vinte pessoas – inclusive Jilly, que viera de Nova York; Jimmy Cannon, o colunista esportivo preferido de Sinatra; Harold Gibbons, o segundo homem do poderoso sindicato dos motoristas, que poderia assumir sua direção se Hoffa fosse para a cadeia –, formou uma fila de carros e se dirigiu a outro clube. Eram três da manhã. A noite era uma criança.

Eles pararam no Sahara, ocuparam uma comprida mesa no fundo e ficaram assistindo racial – Martin, com um drink na mão, pergunta a Bishop:

“Você já viu um Jew jítsu?”; e Bishop, imitando um garçom judeu, diz aos dois italianos que tenham cuidado “porque eu tenho a minha turma – a Matzia”. (Jew: em inglês, judeu. Matzia: trocadilho de mafia com matzalt, pão ázimo judaico N. T.)

Depois do último show no The Sands, o grupo de Sinatra, que agora se compunha de umas vinte pessoas – inclusive Jilly, que viera de Nova York; Jimmy Cannon, o colunista esportivo preferido de Sinatra; Harold Gibbons, o segundo homem do poderoso sindicato dos motoristas, que poderia assumir sua direção se Hoffa fosse para a cadeia –, formou uma fila de carros e se dirigiu a outro clube. Eram três da manhã. A noite era uma criança.

Eles pararam no Sahara, ocuparam uma comprida mesa no fundo e ficaram assistindo ao show de um humorista careca e baixinho chamado Don Rickles, provavelmente o mais cáustico do país. Seu humor é tão grosseiro, de um mau gosto tão absoluto, que não ofende ninguém – é insultuoso demais para melindrar alguém. Tendo notado a presença de Eddie Fisher no show, Rickles tratou de ridicularizá-lo como amante, dizendo que não era de estranhar que ele tenha perdido Elizabeth Taylor; quando dois empresários da plateia confessaram ser egípcios, Rickles começou a atacá-los por causa da política do país deles em relação a Israel; e ele ainda fez insinuações nada sutis de que uma mulher que se encontrava a uma das mesas com seu marido era prostituta.

 

Quando o grupo de Sinatra entrou, Don Rickles não cabia em si de satisfação. Apontando para Jilly, Rickles gritou: “Como é que você se sente servindo de tratar par a Frankie? É isso mesmo, Jilly vai andando na frente de Frank, abrindo caminho”. Depois, fazendo um sinal com a cabeça em direção a Durocher, Rickles disse: “Levante-se, Leo, mostre a Frank como você sai de fininho”. Depois assestou as baterias contra Sinatra, não deixando de mencionar Mia Farrow, nem que ele usava peruca, nem que Sinatra estava acabado como cantor, e quando Sinatra riu, todo mundo riu, e Rickles apontou para Bishop: “Joey Bishop fica olhando o tempo todo para Frank para saber o que é engraçado e o que não é”.

Então, depois que Rickles contou algumas piadas de judeu, Dean Martin se levantou e gritou: “Ei, você vive falando em judeus, nunca sobre italianos”, e Rickles o interrompeu: “Para que precisamos de italianos? Eles só servem para espantar as moscas de nosso peixe”. Sinatra riu, todos riram, e Rickles seguiu nessa toada por quase uma hora até que Sinatra se levantou e disse: “Está bem, vamos, acabe com isso. Eu tenho que ir”.

“Cale a boca e senta aí!”, retrucou Rickles. “Tive que ouvir você cantar...”

“Com quem você pensa que está falando?”, perguntou Sinatra.

“Dick Haymes”, respondeu Rickles, e Sinatra riu de novo.

Então Dean Martin derramou um a garrafa de uísque na própria cabeça, encharcando totalmente seu smoking, e esmurrou a mesa.

“Quem vai acreditar que aquele sujeito que mal se equilibra nas pernas é um astro?”,disse

Rickles, mas Martin gritou: “Ei, eu quero fazer um discurso”.

“Cala a boca.”

“Não, Don, eu quero dizer”, insistiu Martin, “que acho você um grande artista.”

“Bem, obrigado, Dean”, disse Rickles parecendo contente.

“Mas não vá por mim”, disse Martin, caindo na cadeira. “Eu estou bêbado.”

“Vou fingir que acredito”, disse Rickles.

Lá pelas quatro da manhã, Frank Sinatra saiu com seu grupo do The Sahara, alguns com os copos de uísque na mão, bebericando enquanto andavam na calçada em direção aos carros; então, de volta ao The Sands, entraram no cassino. Ainda estava cheio de gente, as roletas a mil, os jogadores de dados gritando num canto.

Frank Sinatra, com um copo de bourbon na mão esquerda, andou em meio à multidão. Ao contrário de alguns amigos seus, estava com a roupa impecável, a gravata-borboleta no lugar certo, os sapatos imaculados. Ele parece nunca perder a dignidade, nunca baixa a guarda completamente, por mais bêbado que esteja, por pouco que tenha dormido. Ele nunca vacila ao andar, como Dean Martin, e nunca dança por entre as mesas nem sobe nelas, como Sammy Davis.

Uma parte de Sinatra, esteja onde ele estiver, nunca está lá.

Há sempre uma parte dele, às vezes uma pequena parte, que continua sendo Il Padrone. Mesmo agora, apoiando o copo na mesa de vinte-e-um, de frente para o crupiê, Sinatra está um pouco afastado da mesa, e não debruçado sobre ela. Ele enfiou a mão sob o paletó, pegou a carteira do bolso da calça e tirou um volumoso maço de notas, mas limpo e bem arrumado.

Tirou devagar uma nota de cem dólares e pôs na mesa de feltro verde. O crupiê lhe deu duas cartas. Sinatra pediu um a terceira, passou dos vinte e um, perdeu os cem dólares.

Impassível, Sinatra pôs uma segunda nota de cem dólares.

Ele a perdeu. Pôs então uma terceira, e perdeu. Colocou então duas notas de cem dólares na mesa e as perdeu. Finalmente, depois de deixar a sexta nota de cem dólares na mesa e perdê-la, Sinatra afastou-se da mesa, fazendo um sinal com a cabeça para o homem, dizendo: “Ótimo crupiê”.

 

A multidão que se juntara à sua volta abriu espaço para ele passar. Mas uma mulher parou à sua frente e lhe estendeu um pedaço de papel para que ele autografasse. Depois de assinar o nome, ele lhe disse: “Muito obrigado”.

No fundo do grande salão de jantar do The Sands havia uma mesa comprida reservada para ele. Àquela hora, o salão estava quase vazio, com pouco mais de vinte pessoas, entre elas uma mesa com quatro jovens desacompanhadas, sentadas perto de Sinatra. No outro lado, em outra mesa comprida, sete homens estavam sentados juntos, contra a parede, dois deles de óculos escuros, todos comendo calmamente, quase sem dizer palavra, apenas comendo, muito atentos ao que se passava em volta.

 

O grupo de Sinatra, depois de se acomodar e de tomar mais alguns drinks, pediu alguma coisa par a comer. A mesa era mais ou menos do mesmo tamanho da que é reservada para Sinatra no Jilly’s, quando ele está em Nova York; e as pessoas dispostas em volta da mesa com Sinatra eram praticamente as mesmas que são vistas com Sinatra no Jilly’s, num restaurante da Califórnia, na Itália, em Nova Jersey ou onde quer que Sinatra esteja.

Quando Sinatra senta-se para jantar, seus amigos de confiança estão sempre perto; e onde quer que ele esteja, e por mais elegante que seja o lugar, dá para sentir um clima de subúrbio, porque Sinatra, por mais alto que tenha chegado, continua sendo um pouco o garoto suburbano – só que ele pode levar o bairro consigo.

De certa forma, essa reunião quase familiar numa mesa reservada num espaço público é a coisa mais próxima de uma vida de família que Sinatra tem agora. Talvez, tendo tido um lar e abandonando-o depois, esse tipo de proximidade seja o máximo que ele procure ter; pode não parecer exatamente assim, porque ele fala com muito carinho de sua família, mantém estreito contato com a primeira mulher e vive insistindo para que ela não tome nenhuma decisão sem consultá-lo. Ele está sempre querendo colocar seus móveis e outras lembranças suas na casa dela ou na de sua filha Nancy, e tem relações amistosas com Ava Gardner.

Quando ele estava na Itália fazendo O expresso Von Ryan, os dois passaram algum tempo juntos, sendo perseguidos, aonde quer que fossem, pelos paparazzi. Correu o boato de que os paparazzi fizeram uma vaquinha e ofereceram 16 mil dólares para que ele posasse com Ava Gardner; dizem que Sinatra fez uma contraproposta de pagar 32 mil dólares para poder quebrar a perna e o braço de um paparazzo.

Embora Sinatra goste de ficar em casa sozinho, podendo pensar e ler sem interrupções, há ocasiões em que ele se vê sozinho à noite, e não porque o queira. Ele pode ter ligado para meia dúzia de mulheres e, por um motivo ou por outro, nenhuma estava livre. Então ele chama seu criado, George Jacobs.

“Vou jantar em casa hoje, George.”

“Quantas pessoas virão?”

“Só eu”, diz Sinatra. “Quero uma coisa leve. Não estou com muita fome.”

George Jacobs divorciou-se duas vezes, tem 36 anos e se parece com Billy Eckstine. Ele viajou o mundo inteiro com Sinatra e é muito dedicado a ele. Jacobs mora num confortável apartamento de solteiro no Sunset Boulevard, perto da Whiskey à Go Go, e é famoso na cidade por seu alegre grupo de garotas californianas, suas amigas – algumas das quais, ele admite, inicialmente o procuraram devido à sua proximidade com Frank Sinatra.

Quando Sinatra chega, Jacobs lhe serve na sala de jantar. Então Sinatra diz a Jacobs que ele pode ir par a casa. Se numa dessas noites Sinatra o convidasse para ficar mais um pouco ou para jogar algumas partidas de pôquer, ele aceitaria com prazer. Mas Sinatra nunca faz isso.

 

Era sua segunda noite em Las Vegas, e Frank Sinatra ficou com os amigos na salão de jantar do The Sands até umas oito horas da manhã. Ele dormiu a maior parte do dia, depois voltou de avião para Los Angeles, e na manhã seguinte estava dirigindo seu carrinho de golfe no terreno da Paramount Pictures. Ele devia terminar as duas cenas finais do filme Assalto a um transatlântico com a ardente loira Virna Lisi. Quando manobrava o carrinho entre os prédios do grande estúdio, avistou Steve Rossi, que, com seu parceiro de comédia Marty Allen, estava fazendo um filme com Nancy Sinatra em um estúdio ao lado.

“Ei, seu latino”, gritou ele para Rossi. “Pare de beijar Nancy.”

“Faz parte do filme, Frank”, disse Rossi, voltando-se para ele sem parar de caminhar.

“Na garagem?”

“É meu sangue latino, Frank.”

“Trate de esfriá-lo”, disse Sinatra com uma piscadela, depois dobrou a esquina e parou o carrinho diante de uma grande construção parda, dentro da qual seriam filmadas as cenas de Assalto.

“Onde está o diretor, aquele gordo?”, gritou Sinatra, entrando a passos largos no estúdio cheio de assistentes técnicos e atores, agrupados em torno de câmeras. O diretor, Jack Donohue, um homem corpulento que trabalhou com Sinatra durante 22 anos, tivera muita dor de cabeça com aquele filme. O roteiro foi cortado, os atores pareciam inquietos e Sinatra ficou entediado. Mas agora faltavam apenas duas cenas – uma curta, numa piscina, e uma mais longa e ardente, em que Sinatra e Virna Lisi seriam filmados numa praia artificial.

A cena da piscina, em que Sinatra e seus comparsas seqüestradores não conseguem pilhar o Queen Mary, foi fácil e rápida. Depois de ficar com água pelos ombros por alguns minutos, Sinatra disse: “Vamos rodar a cena, pessoal - a água está fria e acabo de sair de um resfriado”.

Então as câmeras se aproximaram, Virna Lisi caiu na água perto de Sinatra, Jack

Donohue gritou para os assistentes que controlavam os ventiladores: “Vamos com essas ondas”, um outro homem deu a ordem “Agitem a água!”, e Sinatra começou a cantar: “Agitem no ritmo”, calando-se em seguida, momentos antes de ligarem as câmeras.

Frank Sinatra estava na praia, para a cena seguinte, fingindo contemplar as estrelas, e Virna Lisi devia se aproximar, jogar um de seus sapatos perto dele para anunciar sua presença, depois sentar-se ao seu lado, preparando-se par a uma cena tórrida. Pouco antes de começar, a Srta. Lisi, par a ensaiar, jogou o sapato em direção a Sinatra, deitado preguiçosamente na praia. Quando ela jogou o sapato, Sinatra exclamou: “Se você acertar meu passarinho, eu vou embora”.

Virna Lisi, que não entende inglês muito bem, e com certeza nada do vocabulário particular de Sinatra, pareceu confusa, mas todos atrás da câmera riram. Ela jogou o sapato na direção dele. Ele deu um giro no ar e caiu na barriga dele.

“Bem, foi só uns oito centímetros acima”, ele disse. Mais uma vez, ela se perturbou com os risos que vinham de trás da câmera.

 Então Jack Donohue fez com que eles ensaiassem as respectivas falas, e Sinatra, ainda cansado da viagem a Las Vegas, e ansioso para ver as câmeras funcionando, disse: “Vamos tentar gravar uma cena”. Donohue, embora não muito convencido de que Sinatra e Lisi soubessem direito as suas falas, disse que sim, e um assistente com a claquete falou “419, tomada 1”. Virna aproximou-se com o sapato, jogou-o em Frank, deitado na praia. O sapato caiu perto de sua coxa, a sobrancelha direita de Sinatra ergueu-se quase imperceptivelmente, mas a equipe entendeu a intenção e sorriu.

 

“O que as estrelas lhe dizem esta noite?”, disse a srta. Lisi, sentando-se ao lado de Sinatra na praia, como estava previsto no roteiro.

“As estrelas me dizem que sou um idiota, um idiota completo para me meter numa coisa dessas...”

“Corta”, disse Donohue. Havia sombras de microfone na areia, e Virna Lisi não estava sentada no lugar certo, junto de Sinatra. “419, tomada 2”, disse o homem da claquete.

A Srta. Lisi aproximou-se novamente, jogou o sapato na direção dele. Desta vez ele caiu mais perto de Sinatra – ele apenas expirou levemente – e ela disse: “O que as estrelas lhe dizem esta noite?”.

“As estrelas dizem que sou um idiota, um idiota completo para me meter numa coisa dessas...” Nessa altura, segundo o roteiro, Sinatra deveria continuar: “Você sabe em que estamos nos metendo? No instante exato em que pusermos o pé no convés do Queen Mary, estaremos marcados”, mas Sinatra, que muitas vezes improvisa as suas falas, disse: “Você sabe em que estamos nos metendo? No instante exato em que pusermos os pés no convés dessa porra de navio...”.

“Não, não”, interrompeu Donohue balançando a cabeça. “Não acho que isso está certo.”

As câmeras pararam, algumas pessoas riram, e Sinatra ficou olhando como se tivesse sido interrompido sem razão.

“Não vejo por que não pode ser assim...”, principiou ele, mas Richard Conte gritou de trás da câmera: “O filme não vai poder ser exibido em Londres”.

Donohu e enfiou a mão em seus finos cabelos grisalhos e, embora não estivesse de fato com raiva, falou: “Tudo ia muito bem até que alguém esqueceu a fala...”.

“Sim”, disse o câmera, Billy Daniels, apontando a cabeça por trás da câmera: “A cena estava muito boa...”.

“Cuidado com o que fala”, interrompeu Sinatra. Então Sinatra, que tem enorme capacidade de inventar motivos para não regravar cenas, deu a idéia de aproveitar o filme e depois regravar a fala que fugiu ao script. A ideia foi aceita. Então as câmeras foram ligadas.

Virna Lisi estava se inclinando em direção a Sinatra na areia, e ele a apertou contra si. A câmera aproximou-se para um close de seus rostos, por alguns longos segundos, mas Sinatra e Lisi não paravam de se beijar, simplesmente continuaram deitados na areia, nos braços um do outro, e então a perna de Virna Lisi levantou um pouquinho, e todos no estúdio ficaram observando em silêncio, até que Donohu e disse: “Se em algum momento vocês decidirem terminar isso, me avisem. Estamos ficando sem filme.”

Então a Srta. Lisi levantou-se, ajeitou o vestido branco, penteou os cabelos loiros para trás e retocou o batom, que estava borrado. Sinatra levantou-se com um pequeno sorriso nos lábios e se dirigiu ao camarim.

Ao passar por um homem mais velho perto de uma câmera, Sinatra perguntou: “Como vai a sua Bell&Howell?”.

O outro sorriu.

“Está ótima, Frank.”

“Que bom.”

 

No camarim, Sinatra encontrou um designer de automóveis que lhe mostrou o projeto de um novo modelo, personalizado, para substituir o Ghia de 25 mil dólares que ele vinha usando nos últimos anos. Seu secretário, Tom Conroy, também o esperava com uma sacola cheia de cartas de fãs, inclusive uma de John Lindsay, prefeito de Nova York; esperava-o também Bill Miller, seu pianista, que queria ensaiar algumas das músicas que eles iriam gravar no final da tarde para o mais novo álbum de Sinatra, Moonlight Sinatra.

Embora de não se importe em cometer certos exageros de interpretação no set de filmagem, é extremamente sério quando se trata de sessões de gravação; como explicou a um escritor inglês, Robin Douglas-Home: “Quando você está gravando uma música, é você e ninguém mais. Se ficar ruim e houver críticas, o responsável é você – e mais ninguém. Se ficar bom, também é você. Com um filme nunca é assim; há produtores, roteiristas e centenas de homens em escritórios, e a coisa escapa de suas mãos. Na gravação de uma música, é só você...”.

But now the days are short

I'm in the autumn of the year

And now I think of my life

As vintage wine

From fine old kegs...*

Tradução literal: “Mas agora os dias são curtos/ O outono chegou para mim/E então vejo minha vida/

Como um vinho envelhecido/ em bons e velhos barris...” - (N. E.)

A esta altura já não importa que música ele está cantando, ou quem escreveu a letra – todas são letras dele, sentimentos dele, são capítulos do romance da vida dele.

Life is a beautiful thing

As long as I hold the string*

Tradução literal: “A vida é uma coisa bela/ Desde que eu esteja no leme” (N. E.)

Quando Frank Sinatra se dirige para o estúdio, é como se dançasse pela calçada, no trajeto entre o carro e a porta de entrada; então, estalando os dedos, ei-lo diante da orquestra numa sala acolhedora, isolada, e logo ele está dominando cada homem, cada instrumento, cada onda sonora. Alguns dos músicos já o acompanham há 25 anos, envelheceram ouvindo-o cantar “You make me feel so young”.

Quando sua voz está em forma, como naquela noite, Sinatra fica arrebatado, a sala vibra, há uma excitação que se irradia através da orquestra e se faz sentir na cabine de controle, onde uma dúzia de homens, amigos de Sinatra, acenam para ele de trás do vidro. Um desses homens é o lançador dos Los Angeles Dodgers, Don Drysdale (“Ei, D!”, grita Sinatra, “ei, baby”); outro é o jogador de golfe profissional Bo Wininger; há também grande número de mulheres bonitas na cabine de controle, atrás dos engenheiros de som, mulheres que sorriem para Sinatra e meneiam o corpo suavemente, no ritmo melífluo de sua música:

Will this be moon love

Nothing but moon love

Will you be gone when the dawn

Comes stealing through...

Tradução literal: “Será esta uma noite de amor! Somente de amor! E você já terá ido embora/ Quando, devagar, chegar a aurora...” (N. E.)

 

Quando ele termina, eles ouvem a gravação, e Nancy Sinatra, que acaba de entrar, vai ao encontro do pai em frente à orquestra, para ouvir a gravação. Eles ouvem em silêncio, o rei e a princesa, sob os olhares de todos; quando a música termina, ouvem-se aplausos na cabine de controle, Nancy sorri, seu pai estala os dedos e diz, dando um chute no ar:

“Obadabadooo”.

Então Sinatra chama um de seus homens. “Ei, Sarge, será que posso tomar meia xícara de café?”

Sarge Weiss, que estava ouvindo a música, se levanta devagar.

“Não tinha a intenção de acordar você, Sarge”, diz Sinatra sorrindo.

Então Weiss traz a xícara, Sinatra dá uma olhada no café, cheira-o, e diz: “Eu pensei que ele ia ser legal comigo, mas é café mesmo...”.

Há mais sorrisos, e então a orquestra se prepara para o número seguinte. Uma hora depois, encerra-se a gravação.

Os músicos guardam os instrumentos, pegam os paletós e começam a sair, dando boa-noite a Sinatra. Ele sabe o nome de cada um deles, sabe tanto sobre a vida pessoal deles, sobre a época em que eram solteiros, sobre seus divórcios, seus altos e baixos, quanto eles sabem da sua. Quando Vincent DeRosa – um italiano baixinho que toca trompa e que trabalha com Sinatra desde a época de The Lucky Strike “Hit Parade” no rádio – passou perto dele, Sinatra se adiantou e o reteve por um instante.

“Vincenzo”, disse Sinatra. “Como vai sua filhinha?”

“Está bem, Frank.”

“Oh, ela já não é mais uma menininha”, corrigiu-se Sinatra.

“Agora já é uma moça.”

“Sim, ela está na universidade. Na USC.”

“Ótimo.”

“Acho que ela até tem talento, Frank, para cantar.”

Sinatra ficou calado por um instante, depois disse: “É, mas é bom que ela cuide primeiro dos estudos, Vincenzo”.

Vincent De Rosa concordou com a cabeça.

“Sim, Frank”, disse ele. “Bem, boa noite, Frank.”

“Boa noite, Vincenzo.”

Quando todos os músicos se foram, Sinatra saiu da sala de gravação e foi encontrar seus amigos no corredor. Ele ia sair para beber um pouco com Drysdale, Wininger e mais alguns amigos, mas antes atravessou todo o corredor para dizer boa-noite a Nancy, que pegava o casaco, e se preparava para ir para casa dirigindo o próprio carro.

Depois de beijar-lhe o rosto, Sinatra apressou-se em ir ao encontro dos amigos, na porta. Mas antes que Nancy tivesse tempo de sair do estúdio, um dos homens de Sinatra, Al Silvani, ex-empresário de boxe, a alcançou.

“Já está pronta para sair, Nancy?”

“Oh, muito obrigada, AJ”, disse ela. “Mas está tudo bem.”

“Ordens do Papa”, disse Silvani, levantando as mãos, as palmas bem à mostra.

 

Nancy apontou para dois amigos dela que iam acompanhá-la até em casa, Silvani os reconheceu, e só então se decidiu a ir embora.

O resto do mês foi ensolarado e refrescante. A gravação ficou ótima, as filmagens tinham terminado, os programas de TV tinham ficado para trás, e agora Sinatra estava em seu Ghia, a caminho do escritório, para coordenar os próximos projetos. Tinha um encontro no The Sands, um novo filme de espionagem chamado O serviço secreto em ação, que seria rodado na Inglaterra, e mais dois álbuns a serem gravados nos meses seguintes. E dentro de uma semana ele completaria cinquenta anos...

Life is a beautiful thing

As long as I hold the string

I 'd be a silly so-and-so

If I should ever let go...

Tradução literal: “A vida é uma coisa bela/ Desde que eu esteja no leme! E eu seria um pobre tonto! Se a deixasse passar em branco” (N. E.)

Frank Sinatra parou o carro. O sinal estava vermelho. Os pedestres foram passando rapidamente na frente de seu pára-brisa, mas como sempre acontece, um dos passantes não foi embora.

Era uma moça de uns vinte anos. Ela ficou parada no meio-fio, olhando para ele. Sinatra a via pelo canto do olho esquerdo, e sabia, pois isso acontece quase todo dia, que ela estava pensando “É parecido com ele, mas será que é ele?”

Pouco antes de o sinal abrir, Sinatra voltou-se para ela, olhou-a diretamente nos olhos, esperando pela reação que fatalmente viria. Veio, e ele sorriu. Ela sorriu, e ele se foi.

Fim

Publicado originalmente na revista Esquire, em abril de 1965, e republicado no livro Fama e Anonimato, de Gay Talese. Companhia das Letras. Tradução de Luciano Vieira Machado.

Oficina de Reportagem | Escola Livre de Jornalismo Frank

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Vitor Pereira não está resfriado

Milly Lacombe, UOL, 02/04/2023

Antes de começar a falar de Vitor Pereira e do Flamengo talvez fosse necessário explicar o título acima.

Em novembro de 1965, o jovem repórter estadunidense Gay Talese, então com 34 anos, foi incumbido pela revista Esquire de ir a Las Vegas entrevistar Frank Sinatra.

Talese - hoje, aos 91 anos, um dos mais renomados jornalistas literários - não conseguiu fazer com que Sinatra desse a ele uma entrevista. Pressionado para entregar um texto sobre o cantor, decidiu ir ao bar frequentado por Sinatra, sentou em uma mesa e observou de longe.

Viu Sinatra jogar sinuca, beber e, entre um gole e outro, assoar o nariz.

Sabendo que não alcançaria seu objeto diretamente, falou com dezenas de pessoas que faziam parte do dia a dia de Sinatra para traçar um perfil do artista e compor uma matéria.

Talese então escreveu aquele que viria a se tornar um dos textos mais clássicos e brilhantes do jornalismo literário: "Frank Sinatra está resfriado".

Essa é a história do título emprestado. Digo essas coisas para avisar que vou falar sobre VP no Flamengo a partir de observações e intuições.

E, claro, sem ter nenhuma pretensão de me comparar a um dos maiores craques do jornalismo literário, ou sequer tentar fazer coisa parecida aqui (aliás, em seu livro "Vida de Escritor" encontrei uma das mais belas narrativas de um nocaute durante luta de boxe).

Seria bom reforçar que, ao contrário do que fez Talese com Sinatra, se querem informações, não é nesse texto que as terão. (...)

 

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