The Square: A
Arte da Discórdia, The Square, 2017, Ruben Östlund
Réquiem para um
Sonho, Requiem for a Dream, 2000, Darren Aronofsky
Tudo O que
Respira, All That Breathes, 2022, Shaunak Sem
Le pupille,
2022, Alice Rohrwacher
Crimes do
Futuro, Crimes of the Futuro, 2022, David Cronenberg
A Mulher de
Preto, The Woman in Black, 1989, Herbert Wise
Pearl, 2022,
Ti West
O Charlatão,
Sarlatán, 2020, Agnieszka Holland
Retratos de
uma Mulher, The Portrait of a Lady, 1996, Jane Campion
Anjos da
Broadway, Angels Over Broadway, 1940, Ben Hecht e Lee Garmes
A
Página Denunciadora, The Secret of the Whistler, 1946, George Sherman
Crime nas Brumas,
Escape in the Fog, 1945, Budd Boetticher
Kong: A Ilha da
Caveira, Kong: Skull Island, 2017, Jordan Vogt-Roberts
Taxi Driver:
Motorista de Táxi, Taxi Driver, 1976, Martin Scorsese
Waterworld:
O Segredo das Águas, Waterworld, 1995, Kevin Reynolds
Os
Intocáveis, The Untouchables, 1987, Brian De Palma
Escravos do
Desejo, Of Human Bondage, 1934, John Cromwell
O Amante da
Rainha, En kongelig affære, 2012, Nikolaj Arcel
The Good
Bad-Man, 1916, Allan Dwan
Este Mundo é
um Teatro, Stage Struck, 1925, Allan Dwan
Manhandled,
1924, Allan Dwan
O Espelho,
Zerkalo, 1975, Andrei Tarkovsky
05/03/23
The Square: A Arte da Discórdia, The Square, 2017, Ruben Östlund
Crítica
Marcelo Müller
Embora The Square: A Arte da Discórdia tenha como protagonista o curador-chefe de um museu e que transcorra prioritariamente nesse meio fechado e erudito, ele não se dispõe apenas a tecer diversos comentários ferinos sobre tais fauna e meio ambiente. Há a flagrante vontade de perscrutar a hipocrisia da sociedade sueca, mais especificamente a ambiguidade um tanto patética dos discursos. Christian (Claes Bang) é um homem bem-sucedido, inclusive profissionalmente, já que à frente de um espaço famoso de Estocolmo. A inclinação do cineasta Ruben Östlund pela deflagração de um desconforto derivado das eventuais quebras de expectativas e da superficialidade das imagens projetadas aparece na cena desse administrador dando uma entrevista acerca da natureza da arte. Quando questionado sobre um enunciado qualquer, um conjunto de palavras que parece enrolação com verniz de saber, ele se atrapalha, o que expõe a sua casca. Entretanto, isso não o ridiculariza, pois parte de um todo peculiarmente ácido, mas bem-humorado.
A estrutura do roteiro é fragmentada. Mesmo que a sucessão de episódios forme um painel ora mais, ora menos contundente a respeito dos alvos mirados por Östlund, é nas frações que residem os ativos do filme. Cada pedaço parece disposto a afrontar uma questão social bastante específica, haja vista os vieses temáticos bem claros. Por exemplo, as indagações especificamente no museu, obviamente, dão conta de uma visão, no mínimo desconfiada, sobre os círculos artísticos, excludentes em virtude de um processo comercial prévio, ou seja, parte de uma dinâmica capitalista. Nas reuniões com os jovens responsáveis pela comunicação, há uma brincadeira com a necessidade das novas gerações de, primeiro, manter-se em aceleração permanente e, segundo, ir ao encontro da notoriedade, não importa a que custo. Em The Square: A Arte da Discórdia o ruído é uma constante, seja o choro do bebê que entrecorta uma conversa ou aquilo que escapa à imagem e à ação centralizadas.
Um dos eventos mais relevantes é o assalto a Christian, em que ele acaba perdendo a carteira, o celular e as abotoaduras herdadas do avô. No registro do golpe, sobressai o caráter absurdo, aliás, traço, também, da resposta do protagonista. Ele resolve, com a ajuda de seu funcionário, colocar cartas ameaçadoras em todos os apartamentos do prédio ao qual aponta o rastreador de um dos objetos roubados. Disso deriva um dos instantes mais tragicômicos e potentes do longa-metragem, quando surge o garotinho – obviamente um imigrante – indignado, aos berros, pelo castigo imposto por seus pais que, após a missiva de Christian, acham-no ladrão. Contudo, The Square: A Arte da Discórdia nem sempre consegue promover uma interlocução realmente incisiva entre seus núcleos, inclusive chegando a enfraquecer componentes antes relevantes, como o tal menino que, lá pelas tantas, segue novamente ao confronto, sendo extirpado num processo de fim indeterminado, que soa demasiadamente gratuito e até vago.
Vencedor da Palma de Ouro do Festival de Cannes, The Square: A Arte da Discórdia é guiado pelo signo da ironia, disposto a revelar a fragilidade de certas afirmações recorrentes. Prova dessa contradição mirada é a hesitação infantil ao deixar o celular no chão da primeira sala de uma exposição, isso logo depois da opção pelo caminho dos que acreditam piamente nas pessoas. Ruben Östlund cria um filme raras vezes desinteressante, pelo contrário, porém, ainda assim, cuja trama carece de uma urdidura mais sólida. Trocando em miúdos, os segmentos isolados funcionam melhor que o todo. Debilidades à parte, o cineasta logra êxito em, organicamente, afrontar um mundo repleto de falácias. Já a famosa sequência do homem-macaco, na verdade um artista passando-se por símio, teria, talvez, mais pungência não fosse a inocente metáfora final, se excetuada essa necessidade de explicitar a mensagem concernente ao lado animalesco do homem que ocasionalmente rompe a fina camada de nossa civilidade.
06/03/23
Réquiem para um Sonho, Requiem for a Dream, 2000, Darren Aronofsky
À margem de si mesmo: “Réquiem para um sonho”, de Darren Aronofsky um filme visceral sobre as possibilidades do sofrimento humano
Leandro Costa, Dec 15, 2019
Réquiem para um sonho é uma ilustração vertiginosa do desespero humano. Uma imersão visceral nas possibilidades do sofrimento. Baseado no livro homônimo de Hubert Selby Jr., o filme de Aronofsky conseguiu reproduzir fielmente a claustrofobia espiritual presente na obra do escritor.
Nenhum dos trabalhos posteriores do diretor equipara-se em qualidade a esse filme do início da sua carreira. Seus projetos seguintes (com a exceção de O Lutador) são tão pretensiosos que chegam a ser infantis. Porém, em Réquiem para um sonho houve uma feliz conjunção de fatores que o transformaram em um dos filmes mais impactantes do cinema recente. Um tanto quanto retórico, talvez, mas sincero e, como requereria a literatura de Selby Jr., com um olhar genuíno para as personagens.
Aqui não há, como nos filmes posteriores, as tentativas gnósticas de generalização do cosmos [1], mas a observação atenta de um drama bastante humano. A trama apresenta três jovens que, seduzidos pelas promessas vazias do dinheiro fácil e do vício nas drogas, mergulham em um abismo de sofrimento que os faz abandonar seus ideias e lhes imprime marcas permanentes em seus espíritos. Paralelamente, é a história de uma senhora que troca sua sanidade mental por um fetiche, motivo pelo qual também fica viciada em drogas.
As estações da angústia
Em Réquiem para um sonho, a estrutura clássica da divisão do roteiro em três atos segue a sucessão das estações climáticas do ano. Sem a primavera. Assim, o ciclo de nascimento, formação, maturidade e declínio não se completa, pois o objetivo não é o de mostrar uma experiência redentora, mas uma experiência na qual os níveis de angústia dos indivíduos vão se aprofundando de maneira gradativa. A trama inicia no verão e termina no inverno, seguindo o movimento das motivações das personagens: esperança, decadência e desespero. A primavera traria a possibilidade do renascimento e aí o efeito do filme seria outro.
Ao contrário disso, desde o início é feita a opção pelo grotesco. E é aí que reside a sua retórica. Retórica a que servem todos os recursos da linguagem cinematográfica de Aronofsky: a montagem que, em conjunto com a trilha sonora de Clint Mansell, confere um estilo de videoclipe a vários momentos da narrativa; a fotografia em tons crus e evanescentes, que dá a ideia de que os lugares em que as personagens vivem são predominantemente feios; as distorções de lente empregadas para aprofundar o ponto de vista subjetivo das personagens; e a ênfase na humilhação e na deterioração física das mesmas, na criação proposital de imagens desagradáveis.
No entanto, se o seu excesso de retórica pode ser considerado um ponto negativo, pode-se alegar em favor do filme a coerência do seu conjunto de intenções:
Em nenhum momento Aronofsky e Selby Jr. pretenderam pintar a experiência do vício nas drogas como algo bom e louvável. O que eles pretenderam foi mostrar as consequências terríveis dessa experiência. O fato de Réquiem ter sido escrito pelo próprio Selby Jr. demonstra que ele está alinhado com o projeto artístico do escritor (um dos mais importantes da literatura americana moderna).
Nesse caso específico, o objetivo é o de expressar a dialética entre o eu ideal e o eu concreto. Portanto, a grande qualidade do filme é a comparação entre as possibilidades ideias da existência e as escolhas concretas que os indivíduos fazem durante a vida. E é por isso que o seu conteúdo humano transcende a sua linguagem explicitamente retórica. [2]
Réquiem para o “eu” perdido
A narrativa completa do filme funciona como o retrato de Dorian Gray: é a expressão material da degradação moral dos indivíduos. E aí, mais do que um filme anti-drogas, Réquiem para um sonho é uma expressão do abandono dos ideais. [3]
Há aqui a descrição de um vazio existencial sentido pelos jovens. Vazio que, em vez de ser preenchido por alguma fonte de responsabilidade, é preenchido pelas drogas. Selby Jr. estava preocupado com a alienação total da personalidade; com uma mentalidade que faz com que pessoas transformem-se em coisas sem muito valor; com vidas vividas completamente à margem dos ideais e dos valores que poderiam orientá-las.
São poucos os momentos do filme em que vislumbramos o horizonte perdido de Marion Silver e Harry Goldfarb (personagens de Jennifer Connelly e Jared Leto, respectivamente). E são escassos justamente pelo fato de esses momentos estarem se apagando de suas consciências. Selby Jr. quis retratar uma circunstância na qual os homens vão perdendo, gradativamente, a sua capacidade de amar. Na qual o espaço da alma reservado ao amor ao próximo é preenchido pela satisfação gratuita de desejos puramente materialistas.
Ele queria dizer que, intuitivamente, todos nós sabemos qual é a nossa missão dentro da vida. Mas há uma força demoníaca que nos faz abandonar nossos propósitos e esquecer quem realmente somos:
“Acho que todos nós temos um sonho individual — nossa visão pessoal e particular, nosso modo próprio de doar-se; porém, por muitos motivos temos medo de persegui-la, ou até mesmo de reconhecer e de aceitar a sua existência. Contudo, negar nossa visão é vender a nossa alma. A vida sem caridade é uma mentira, é virar as costas para a verdade. E as Visões que temos são lampejos da verdade: é óbvio que nenhuma coisa externa pode alimentar verdadeiramente a minha vida interior, a minha Visão.”
A recusa dessa Visão, desse sonho individual, imiscui as personagens em uma realidade feita exclusivamente de “coisas externas”. Como não há transcendência, não é mais possível enxergar o eu ideal do futuro, nem enxergar as outras pessoas como indivíduos que também possuem suas próprias visões. Então vive-se uma vida de mentira (a vida sem caridade), à margem de si mesmos, distantes da vocação propriamente humana que é a vocação do amor ao próximo.
Porém, à maneira de um narrador de Dostoiévski, o final do filme lança um olhar compassivo sobre essas personagens: todas elas assumem, novamente, a posição fetal, a condição primeira de quando vieram ao mundo; todas elas convergem para a essência de cristal que constitui a sua humanidade. É uma justificativa: Depois de sequências bastante desconfortáveis para o espectador, é como se os autores estivessem nos dizendo: “gostaríamos de ter contado outra história, mas a realidade nos obrigou a contar esta. Essa dor é real e inesquecível”. Assim como o são os violinos do Kronos Quartet tocando a Lux Aeterna de Clint Mansell.
Notas:
[1] Para entender as pretensões de Aronofsky de criar um cânone gnóstico, cf. o ensaio de Fabrício de Moraes publicado na revista Amálgama.
[2] Em ensaio recente para o Persona, o nosso colaborador Victor Bruno explicita a diferença entre o cinema retórico e o cinema genuíno, baseado em um conteúdo humano arquetípico. Nessa classificação, Réquiem para um sonho seria essencialmente retórico. Porém, meu argumento aqui é o de que, ao seguir a premissa fundamental da obra de Selby Jr., a adaptação cinematográfica de Aronofsky conseguira expressar com felicidade as preocupações estéticas do escritor, as quais estão muito acima de uma expressão puramente retórica.
[3] Muitos criticam o filme pelo fato de o diretor ter mobilizado, paralela à produção do filme, uma pesada campanha contra as drogas. Mas essa foi apenas uma consequência do processo artístico, e não a intenção principal do projeto.
7/3/23
Tudo O que Respira, All That Breathes, 2022, Shaunak Sen
'Tudo o que Respira', no Oscar, vê laços entre homens e aves no caos de Nova Déli
Documentário filosófico parte do trabalho de irmãos que cuidam de centenas de aves de rapina em clínica improvisada
Fernanda Ezabella, FSP, 06/03/2023
Nova Déli é como uma grande ferida aberta, descreve um dos protagonistas do documentário "Tudo o Que Respira". "E nós somos apenas um minúsculo curativo", continua Nadeem Shehzad, que cuida de centenas de aves de rapina numa clínica improvisada na capital indiana, a Wildlife Rescue Center.
O diretor Shaunak Sen, indicado ao Oscar, filmou por mais de dois anos Nadeem e seu irmão Saud no hospital que a dupla montou nos porões de suas casas 13 anos atrás. O longa captura as dificuldades do dia a dia, o caos de uma das cidades mais poluídas do mundo e a relação de seus habitantes com os animais em geral.
Cena do documentário 'Tudo o que Respira', de Shaunak Sen - Divulgação
O filme está disponível na HBO Max e ganhou prêmios em Cannes e Sundance. Se vitorioso no Oscar, será o primeiro documentário sobre pássaros desde "A Marcha dos Pinguins", de 2005.
A ideia do documentário não veio diretamente do encontro com os irmãos, mas de uma vontade de olhar para os céus de Nova Déli, sempre pontuados por milhafres-pretos, uma ave diurna da mesma família que os gaviões e abutres, habitué dos grandes lixões da região. "Quando você mora em Déli, o ar tem uma espécie de presença assustadora, de preponderância pesada. Todo mundo está sempre um pouco preocupado com isso", diz Sen. "Estava interessado em fazer algo sobre o ar e também me interessava filosoficamente pelas relações humanas não humanas, na vida aviária."
"Uma vez que vi o trabalho singular dos irmãos, e uma vez que fui parar naquele porão… É inerentemente cinematográfico e fascinante. Foi assim que começou", afirma.
No filme, Nadeem e Saud contam que alimentar os milhafres-pretos é uma tradição muçulmana que rende créditos religiosos. Quando pequenos, a família costumava levá-los para alimentar os pássaros. Quando um aparece machucado e é levado a um veterinário, os irmãos ficam chateados que o médico não o aceita por se tratar de um animal não vegetariano. A dupla resolve então aprender sozinha a tratar dos animais descriminados. Nadeem e Saud também lidam com sua própria dose de preconceito. Em meio à situação precária da moradia e falta de dinheiro para manter a clínica, as famílias precisam navegar protestos violentos entre hindus e muçulmanos que estouraram na cidade em 2020 por conta de uma polêmica lei de cidadania.
Para o diretor, não se trata de um filme de natureza, gênero do qual ninguém tinha experiência na equipe. "As ambições do filme eram muito mais filosóficas", afirma o diretor indiano. "A ideia principal era mostrar uma espécie de simultaneidade, mostrar o emaranhado entre a vida humana e a não humana na cidade."
Ratos, insetos, gado, porcos aparecem em esgotos, lixões e ruas alagadas da cidade em longas tomadas sem corte. "Decidimos que a linguagem do filme seriam essas longas e lânguidas panorâmicas. Para conseguir captar essas afinidades, uma única tomada diz muito mais do que qualquer palavra dita ou escrita."
Para ganhar a confiança dos irmãos, filmando dentro de suas casas, o diretor conta que a passagem do tempo, aliada à monotonia, ajudou no processo. "Nos primeiros meses, a presença das câmeras é muito intrusiva. Mas, quando você consegue o primeiro bocejo, é o tipo de comportamento inconsciente que está buscando", diz o diretor. O filme tem sido celebrado nas comunidades de observadores de pássaros, apesar de uma crítica frequente. Com tanto papo sobre os céus grotescos de Déli, o filme dá a entender que os milhafres estão literalmente caindo dos céus por conta da poluição, o que não é verdade.
O documentário omite a principal razão, mesmo tendo cientistas citados nos créditos. Como os próprios irmãos falam em outras entrevistas, 90% da causa são as pipas que colorem os céus amarronzados de Déli, principalmente as que usam linhas revestidas de vidro moído, consideradas ilegais.
"É um cenário complicado, uma variedade de fatores ecológicos", afirma o diretor ao ser perguntado sobre o motivo das aves machucadas. "Não sabemos exatamente o que são as toxinas no ar e como isso as afeta. A opacidade do ar é um fator."
Ao ser questionado sobre as pipas, ele aponta que este é um dos fatores, mas sem esclarecer porque deixou a informação de fora do filme. "As pipas são uma prática cultural, um fênomeno enorme no país. Nem todas são ilegais."
Polêmicas à parte, o diretor conta que Nadeem e Saud estão animados com a temporada de prêmios. Nadeem, o mais mal-humorado dos irmãos, viajou para a mesma quantidade de festivais que o diretor no último ano, de Cannes a Polônia, Austrália e Nova York. A dupla, assim como o assistente da clínica Salik, deve vir para a cerimônia do Oscar.
A produção do filme também doou um ano de orçamento para a clínica, um valor que o diretor preferiu não revelar. Também há doações vindo de outros lugares, mas poucas. "Espero que as doações aumentem à medida que o filme vai chegando ao público", disse Sen. "Os produtores estão ajudando, mas não podemos simplificar e dizer que um documentário está transformando suas vidas. Acho que aliviará algumas das dificuldades persistentes."
Le pupille, 2022, Alice Rohrwacher
Crítica
Marcelo Müller
Um dos aspectos mais interessantes do cinema da italiana Alice Rohrwacher é a atenção dispensada à infância/juventude precocemente pressionada por amarras sociais. Nos excelentes Corpo Celeste (2011) e As Maravilhas (2014), é a religiosidade que exerce essa força. E ela atinge protagonistas que não dispõem de ferramentas para lidar com repressões, transferências de culpa e outras estratégias utilizadas pelo cristianismo a fim de manter as suas ovelhas obedientes e circulando nos cercadinhos delimitados por pastores de batina. Em Lazzaro Felice (2018), talvez o seu filme mais conhecido, ela extrapola o realismo e desenvolve uma parábola abertamente religiosa sobre um garoto que compensa a pouca inteligência com uma bondade incomum (digna dos santos). No curta-metragem Le Pupille, essa grande realizadora continua explorando a intersecção entre uma infância desprotegida e as estruturas superiores que tentam corromper qualquer naturalidade em função de dogmas e outras algemas. Mas, dessa vez ela elabora, com ternura, uma crítica de contornos lúdicos. Na verdade, estamos diante de um conto natalino, mas sem excessos de idealização ou mesmo os finais conciliatórios/alegres.
Pode-se dizer que o encerramento de Le Pupille é feliz? Claro, afinal de contas, nele as órfãs de um internato aprendem uma lição emancipatória: a solidariedade é muito mais valiosa do que as recompensas abstratas oferecidas por um conjunto de regras elaboradas em torno da simbologia de um corpo pendurado na cruz. O filme é ambientado na Segunda Guerra Mundial, momento em que homens são raridade nas ruas da Itália, algo enfatizado na ótima cena do presépio vivo recebendo pedidos de oração por sujeitos transformados em soldados pela ocasião. As protagonistas são as internas do orfanato de paredes carcomidas comandado com mão de ferro pela Madre Superiora interpretada por Alba Rohrwacher (irmã da cineasta). Construindo uma atmosfera claramente sensível ao olhar das crianças, Alice demonstra empatia pela inocência prestes a ser corrompida, senão pelo conflito global, por protocolos que fazem as pequenas se sentirem pecadoras sem mesmo qualquer falha à vista. Estamos diante de um filme de aprendizado, daqueles geralmente arrematados com uma “moral da história”. Mas, a cineasta brinca até mesmo com esse modelo ao fazer as suas crianças questionarem essa moral.
Entre as meninas do elenco mirim, quem se destaca é a ótima Melissa Falasconi, a intérprete da perseguida Serafina. Aliás, ela é a única criança de Le Pupille que impõe a sua subjetividade – as demais se manifestam por características específicas, assim sendo mais tipos do que necessariamente personagens. Jogando com as noções de pecado e dádiva, Alice Rohrwacher mostra a criança causando alvoroço ao tentar reparar o engano da sua fantasia natalina: ao pegar o coração bordado do chão, bem quando todas estavam ouvindo o rádio sobre as notícias de guerra, ela involuntariamente faz com que a ladainha do repórter dê lugar a uma música popular de amor. É o suficiente para ser taxada de má pela Madre Superiora e ocasionar uma lavagem geral das línguas que pronunciaram coisas supostamente imorais como “beijo na boca”. Quem determina o que ofende a Deus? Os moralistas, claro. Aos olhos das crianças, há religiosas boazinhas (vide a que pinta um bigode) e algumas absolutamente maldosas. O filme assume esse simplismo da perspectiva inocente, mas injeta nuances nesse pequeno retrato da realidade em crise. Por exemplo, pode a mulher pedir oração para alguém simplesmente deixar de amar?
Le Pupille é um filme particularmente sarcástico, sobretudo por colocar um filtro de pureza entre o espectador e as suas nada inocentes críticas sociais. Serafina é a peça-chave dessa discussão envolvente e cândida sobre bondades/maldades, pois impõe em determinando momento à Madre Superiora a escolha entre o exercício da política religiosa e a manutenção da palavra. Alice Rohrwacher faz o movimento eloquente parecer uma traquinagem natural, apresentando o revide quase automático de uma criança rompendo algo maior do que ela, basicamente, ao utilizar a opressão contra ela própria. Valeria Bruni Tedeschi surge lá pelas tantas com seu pedido inusitado e, também, com o bolo causador da discórdia (feito com 70 ovos, um exagero em tempos de guerra). Há muito nesses pouco mais de 35 minutos do filme indicado ao Oscar de Melhor Curta-metragem (live-action) em 2023: do elogio da simplicidade das crianças à necessidade de deslocar a solidariedade ao topo das prioridades humanas (ainda mais em tempos de guerra). Dentro da já muito consistente obra de sua realizadora, ele ocupa um espaço palatável pelo tom pueril, porém não menos consciente do que nos perverte desde bem cedo.
12/3/23
Crimes do Futuro, Crimes of the Futuro, 2022, David Cronenberg
'Crimes do Futuro' é belo espécime da vasta obra mutante de Cronenberg
Autor de 'Filhos do Medo' e 'Marcas da Violênca', canadense pensa o cinema como um jogo de bizarrices e transformações
Sérgio Alpendre
"Pacientes que sofriam de condições de pele severamente patológicas induzidas por cosméticos contemporâneos" eram tratados na House of Skin, ou casa da pele, que depois passou a fazer experimentos dermatológicos. É isso que nos informa a primeira narração de "Crimes do Futuro" —não este que está prestes a chegar aos cinemas na quinta-feira, mas o homônimo segundo longa do cineasta canadense David Cronenberg, realizado em 1970.
Isso pode nos lembrar a trama do novo filme, com o qual o cineasta volta à boa forma que não demonstrava desde "Marcas da Violência", de 2005. Mas, entre um filme e outro, existem tantas diferenças, além dos 52 anos que os separam, que a maior ligação entre eles é mesmo a assinatura. A começar pela óbvia constatação que o cinema de 1970 era muito diferente do cinema de 2022, tanto no imaginário dos cineastas quanto nas possibilidades de diálogo com o público. Mas também pela observação do que cada filme representa em sua carreira.
Num caso, o uso de atores amadores e narração como substituição dos diálogos, ausentes por falta de orçamento para o som direto. Um típico filme independente de um cineasta talentoso, mas sem os meios para provar isso, limitação que ocorre em seus quatro longas iniciais, de "Stereo", de 1969, a "Enraivecida - Na Fúria do Sexo", de 1977, por melhor que sejam. No outro, o acerto de contas com uma antiga obsessão — as deformações do corpo — presente em muitos de seus filmes.
Mas qual seria a principal marca desse diretor? Quais as recorrências estéticas ou temáticas que fariam de Cronenberg um verdadeiro autor, nos moldes do que pregava a "política dos autores", difundida nos anos 1950 pelos jovens turcos da Cahiers du Cinéma?
Dizer que é simplesmente o tema ou subtema das deformações do corpo é pouco. Talvez a obsessão com o progresso científico da medicina e as perversões da mente humana sejam temas amplos o suficiente para dar conta das variações que encontramos em obras magistrais e distintas como "Filhos do Medo", de 1979, "Scanners - Sua Mente Pode Destruir", de 1981, "Gêmeos - Mórbida Semelhança", de 1988, "Crash - Estranhos Prazeres", de 1996, "eXistenZ", de 1999, ou "Marcas da Violência", de 2005. São esses, aliás, seus maiores filmes.
Do ponto de vista estético, não há muitas recorrências de estilo em seu cinema, como podemos apontar, por exemplo, nos travellings de Stanley Kubrick ou Kenji Mizoguchi, na montagem que segue fluxos de memória em Alain Resnais, na influência da fotografia e do documentário em Agnès Varda ou mesmo no modo de filmar as paisagens e as relações humanas de um John Ford ou de um Michael Cimino.
O estilo de Cronenberg é normalmente discreto e funcional, quase como o do cinema clássico americano, de montagem e câmera invisíveis —sendo que há um trabalho magnífico, por vezes quase imperceptível para alcançar essa invisibilidade. Muitos podem até considerar o cineasta um acadêmico, já que não há um estilo pessoal para além do campo-contracampo e uma maestria incrível no tempo de cada corte e nas escolhas de ângulos e movimentos de câmera.
É "Filhos do Medo", seu sexto longa, que promove o salto de uma direção de câmera talentosa, embora tateante, para um classicismo que permite melhor a exploração de excrescências, deformações, mutações e banhos de sangue. Como brinde, o filme tem em seu desfecho um dos melhores usos da montagem paralela no cinema de horror. Não é pouco.
Em "Marcas da Violência" nasce a parceria com Viggo Mortensen, continuada com os irregulares "Senhores do Crime", de 2006, e "Um Método Perigoso", de 2011, chegando ao novo "Crimes do Futuro", que repõe a parceria nos eixos de um bom cinema. No século 21, filmes menores completam sua filmografia –"Spider", de 2002, "Cosmopolis", de 2012, e "Mapa para as Estrelas", de 2014 —seu trabalho mais fraco, sendo até constrangedor em alguns momentos.
O recente "Crimes do Futuro" tem o inegável mérito de aparentar dois filmes semelhantes, pelo tom e pela criação de um mundo particular de bizarrices, uma espécie de trilogia informal da nova carne –"Videodrome", de 1983, e o paradigmático "eXistenZ". O primeiro brinca com a era do videocassete e a transformação cultural que acarretou, incluindo o crescimento da pornografia e dos filmes snuff —que mostram assassinatos reais. Mais –ele já antecipa a simbiose entre a carne humana e o material sintético, também passível de transformações. É a encarnação do vídeo.
Já "eXistenZ" era o último roteiro original de Cronenberg antes de "Crimes do Futuro", o que talvez facilite a comparação entre eles, muito mais justificada que entre os dois filmes que dividem o mesmo nome. Nele também temos o clamor pela morte de uma velha ordem e um dos mais inteligentes embaralhamentos narrativos dos últimos 30 anos.
Vale mencionar ainda três filmes notáveis –"A Mosca", de 1986, seu primeiro e único blockbuster; "A Hora da Zona Morta", de 1983, uma das melhores adaptações de Stephen King; e "M. Butterfly", de 1993, que promove uma ousada e premonitória transformação sexual travestida de inocência. Cronenberg pensa o cinema como um jogo de bizarrices e transformações.
13/03/23
A Mulher de Preto, The Woman in Black, 1989, Herbert Wise
No iutubi aqui
Um jovem advogado chega em uma pequena cidade para lidar com o funeral e os bens de uma viúva. Instalado na casa dela, ele passa a ser atormentado por barulhos e visitas assustadoras. Gradualmente, junta as peças do quebra-cabeça que envolve um terrível segredo de família.
13/03/23
Pearl, 2022, Ti West
Pearl: Filme de Ti West coloca o terror psicológico como protagonista
Duda Vieira
Postado há 10 de fevereiro de 2023
Após o sucesso de X – A Marca da Morte (2022), que está no Prime Video, chega aos cinemas brasileiros a continuação, que na verdade conta a história da jovem Pearl décadas antes. O ano é 1918, e Pearl (Mia Goth) está obcecada em se tornar famosa.
Presa na fazenda isolada de sua família, Pearl se vê obrigada a cuidar de seu pai doente, e viver sob a vigilância constante de sua amarga e autoritária mãe devota. Desejando uma vida glamourosa como ela viu nos filmes, Pearl encontra suas ambições, tentações e repressões entrando em conflito. Nesta história da origem da icônica vilã de X, quando o sonho de ser finalmente uma estrela é negado, ela começa a assassinar, até alcançar o que deseja. Filmado secretamente e simultaneamente com X: A Marca da Morte (2022). Pearl serve como prequel do filme, mostrando o início da vida da personagem-título décadas antes dos eventos de X.
Com uma proposta de filme trash, mas com um roteiro que trabalha muito sobre o emocional do personagem principal, o espectador se coloca ao lado da protagonista e vê de perto sua mudança. Pearl é um filme sobre saúde mental, e nós vemos o quão problemática uma pessoa pode se tornar ao ser enclausurada em uma casa e sendo reprimida por uma criação maternal opressora, claro, dentro de um contexto social da época.
Ainda recheado de sangue e cenas possivelmente impróprias (aliás, tirem as crianças da sala), Pearl muda sua narrativa ao acompanharmos os sonhos transformados em delírios de nossa protagonista, filha de fazendeiros alemães que moram nos Estados Unidos em plena 1ª Guerra Mundial. Com uma mistura de vaidade e ego reprimido, acompanhamos a vida da protagonista se deteriorando aos poucos.
O filme faz parte de uma trilogia que começou com o excelente X – A Marca da Morte (2022), Pearl (2022) e terá sua conclusão com MaXXXine (2023), todos dirigidos por Ti West, de certa forma um novato para o grande público.
Pearl carrega uma mistura de cinema trash com slasher (Slasher é um subgênero de filmes de terror quase sempre envolvendo assassinos psicopatas que matam aleatoriamente). Mas em conjunto com tudo isso, com uma narrativa que para um grande público talvez pareça um pouco cansativo ou “parado” demais, mas a real é que isso faz parte da experiência.
O filme ganhou grandes holofotes em 2022 que chegou ao ponto do próprio Martin Scorsese fazer uma declaração que definiu o filme como um terror “profundamente perturbador” que é “hipnotizante” e “selvagem”. As informações são da Variety. “Os filmes de Ti West têm uma energia tão rara hoje em dia, alimentada por um amor puro e não diluído pelo cinema. Você sente isso em cada quadro”, escreveu Scorsese.
‘Pearl’ cria 102 minutos selvagens, hipnotizantes, profundamente – e quero dizer profundamente – perturbadores. Aliás, temos um especial sobre Scorsese aqui na coluna.
Sem spoilers, mas o filme então termina de uma maneira perturbadora, com um sorriso amedrontador e feliz. Esse final causa um incômodo proposital absurdo, afinal essa situação é de fato a conclusão de nós como expectador estarmos dentro da cabeça da personagem e ali, a gente consegue finalmente entender o que se passa na cabeça da protagonista e isso é algo insano.
E um ponto que vale ressaltar é a atuação da atriz Mia Goth, nome artístico da britânica Mia Gypsy Mello da Silva Goth, sim, S.I.L.V.A. A atriz ficou famosa por seus papéis em “Ninfomaníaca” (2013) e “Emma” (2020). A atriz é neta da brasileira Maria Gladys, de 83 anos, grande nome do Cinema Marginal.
A24
Pearl faz parte de uma leva de excelentes filmes de terror da Produtora A24, que pode parecer novo para alguns espectadores, mas a A24 é uma das produtoras mais ativas do mercado cinematográfico, com diversas premiações e festivais desde seu início, lá em 2012. Criada por Daniel Katz, David Fenkel e John Hodges, a empresa começou tímida, mas promissora. Sozinha, já conquistou 25 indicações ao Oscar, sendo vencedora, por enquanto, de um prêmio na categoria principal, para “Moonlight: Sob a Luz do Luar”.
E mesmo assim, muita gente não faz ideia que já foram impactados pelos seus filmes, segue uma lista de filmes que valem a pena você conferir:
Um Cadáver para Sobreviver (2016) – HBO Max.
O Farol (2019) – Apenas para alugar.
Midsommar – O Mal Não Espera a Noite (2019) – Globoplay.
Jóias Brutas (2019) – Netflix.
Hereditário (2018) – Netflix e HBO Max.
Tudo em Todo o Lugar ao Mesmo Tempo (2022).
Considerações
No fim, Pearl é um ótimo complemento para a trilogia, e no aguardo ansioso pela conclusão. E mesmo com os pontos fracos em sua edição e a lentidão, que eu achei proposital de desenvolvimento até mais da metade de sua duração, características de Ti West, afinal estamos falando do emocional de uma personagem que está quebrada emocionalmente. Consagra um lugar nos filmes de terror com melhor atuação e construção de personagem dos últimos tempos, trazendo ainda uma fotografia de deleitar os olhos e cenas inesperadamente belas para um longa de terror.
Prometendo também lançar Mia Goth para novas alturas com sua atuação bem acima da média e talvez trazendo uma nova atriz queridinha para as telas do horror ou até mesmo da Hollywood tradicional. Tanto que muitos especularam Mia Goth no Oscar em 2023, mas não aconteceu. Vale a pena, porém, se você é um desavisado, cuidado, pois essa série de filmes pode lhe causar algum desconforto.
15/3/23
O Charlatão, Sarlatán, 2020, Agnieszka Holland
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Crítica
O Charlatão conta a história do curandeiro e fitoterapeuta checo Jan Mikolášek (1887-1973). O filme foi o representante da República Checa para concorrer ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro deste ano.
A sua realizadora é a polonesa Agnieszka Holland, que dirige filmes desde 1970. Ela já recebeu uma indicação ao Oscar de Melhor Roteiro por seu filme Filhos da Guerra (1990). Recentemente, Holland alterna trabalhos em séries e cinema, em produções americanas. Seu último filme, A Sombra de Stalin (2019), conta com elenco internacional – James Norton, Vanessa Kirby e Peter Sarsgaard – e é seu trabalho mais conhecido globalmente.
A história
Em O Charlatão, Agnieszka Holland leva para as telas uma figura polêmica. O roteiro de Marek Epstein opta por nunca duvidar dos dons de Jan Mikolášek. Conforme os flashbacks demonstram, Jan estava no final da adolescência quando descobre o dom de curar as pessoas utilizando ervas medicinais. Então, pede que a curandeira da região o treine, e aprende a diagnosticar através da observação da urina do paciente.
Quando adulto, ele se torna famoso e atende dezenas de pessoas todos os dias. Ele cobra pelas consultas, portanto acumula um considerável patrimônio. Com isso, abre seu próprio hospital. Porém, se, por um lado, o filme não questiona sua capacidade de curar as pessoas, por outro, apresenta Jan como uma pessoa complicada. Novamente com o recurso dos flashbacks, o vemos em explosões de violência desde jovem. Por exemplo, no episódio em que ele mata a pancadas a ninhada de gatos a ser sacrificada. Ou quando ele ameaça o pai com um machado. Para piorar, precisou fuzilar pessoas quando estava no exército. Então, a prática da cura se transforma em uma obsessão. Quando não pode curar pessoas, ele age irracionalmente de forma violenta.
Ao mesmo tempo, Jan tende a tratar as pessoas com frieza. Em vários momentos, o filme o coloca em situações em que ele demonstra total falta de empatia. É como se ele curasse apenas pela cura em si, não pelas pessoas. Mas, o personagem é complexo, pois nem sempre ele age assim. Contrariando essa percepção, em algumas ocasiões ele é extremamente gentil. Por exemplo, quando até dá o dinheiro para uma mãe viajar para o litoral para curar seu filho.
Perseguição
Por outro lado, ele ainda precisa esconder o relacionamento que mantém com seu assistente Frantisek Palko. Na época, o homossexualismo na República Checa era um crime. De qualquer forma, ele enfrenta o risco de ser preso, mas por outros motivos. Durante a ocupação nazista, ele cura também alemães. Então, quando o Partido Comunista chega ao poder, ele é perseguido, com a alegação de erradicarem a medicina alternativa.
Na última parte de O Charlatão, Jan e Frantisek vão a julgamento. O filme indica que a acusação é falsa. Segundo o Partido Comunista, dois de seus membros morreram após ingerirem estricnina que estava no composto que Jan havia enviado. Ao invés de construir uma sequência final de tribunal típica no cinema, Agnieszka Holland suprime todas as etapas, e mantém na tela apenas a defesa de Jan. Este, com sua frieza emocional, alega que quem enviava os compostos era seu assistente. Então, como resposta a isso, Frantisek admite que pode ter errado.
Dessa forma, a conclusão coloca o filme em outro tema, o da lealdade de Frantisek com Jan. Aliás, ele cumpre o que havia prometido anteriormente na entrevista para o cargo. O que O Charlatão deixa em aberto é se o assistente assume a culpa porque ele deseja que Jan continue salvando vidas ou porque o ama. Como não há esse esclarecimento, nem a revelação da a sentença final, cabe ao espectador decidir.
O Charlatão é uma versão da história de Jan Mikolášek desenvolvida com liberdades criativas. Não o retrata nem como herói nem como vilão. Na verdade, alcança o equilíbrio em relação a esse personagem. Assim, glorifica suas atividades, que salvaram a vida de milhões de pacientes, e condena seu relacionamento frio com as pessoas próximas.
Ficha técnica:
O Charlatão (Charlatan) 2020, Países: República Checa, Irlanda, Eslováquia, Polônia. 92 min. Direção: Agnieszka Holland. Roteiro: Marek Epstein. Elenco: Ivan Trojan, Juraj Loj, Jan Vlasák, Joachim Paul Assböck, Martin Mysicka, Jana Kvantiková, Claudia Vaseková, Josef Trojan.
17/03/23
Retratos de uma Mulher, The Portrait of a Lady, 1996, Jane Campion
Crítica de Clenio
Por mais fãs que tenha, entre o público e a crítica, é impossível negar que a filmografia de Jane Campion tem uma séria tendência à chatice. Até mesmo "O piano", seu filme mais famoso - e tido como sua obra-prima - não consegue escapar de um ritmo claudicante que convencionou-se chamar de sensibilidade feminina. Sua obra seguinte à louvada história da pianista muda interpretada brilhantemente por Holly Hunter sofre do mesmo problema. Adaptado do clássico romance de Henry James, "Retrato de uma mulher" é um filme sofisticado, delicado e denso, mas, apesar de melhorar consideravelmente em seu terço final, castiga o espectador com uma história excessivamente lenta, que demora a engrenar - e é plenamente compreensível que esse mesmo espectador desista da trama depois de não ver nada de excitante acontecendo em mais de uma hora de projeção.
Nicole Kidman, já em seu caminho para tornar-se uma das atrizes mais respeitadas de Hollywood - com um Golden Globe de atriz por "Um sonho sem limites" debaixo do braço - empresta sua beleza frágil e etérea para viver Isabel Archer, uma americana de 23 anos de idade que, no final do século XIX, empreende uma viagem à Europa com a intenção de se autodescobrir. Moderna diante das rígidas normas que regiam a sociedade da época - não vê no casamento, por exemplo, um objetivo de vida - ela não percebe o amor que desperta em seu primo, Ralph Touchett (Martin Donovan, queridinho do diretor independente Hal Hartley) e refusa veementemente as investidas de uma antiga paixão, o também americano Caspar Goodwood (Viggo Mortensen). Depois de herdar uma fortuna de um tio, ela acaba tornando-se alvo do interesse do misterioso Gilbert Osmond (John Malkovich), um colecionador de arte que ela conhece através da aparentemente amável Madame Merle (Barbara Hershey, que ficou com o papel que seria de Susan Sarandon e foi indicada ao Oscar por seu desempenho). Sua relação com ele acaba forçando-a a entrar em um jogo de interesses com o qual ela não está preparada para lidar.
A delicadeza de Kidman como Archer é, paradoxalmente, uma das forças-motrizes do filme de Campion. Especialmente na reta final, quando a protagonista começa a perceber as entranhas maldosas da armação de Merle e Osmond, a então esposa de Tom Cruise está sensacional, contrastando com a quase frieza com que lida com a primeira metade do filme, quando sua personagem se divide entre as normas sociais de seu período e o desejo sexual que a impele a sonhar acordada com seus pretendentes - em sequências não particularmente interessantes, mas dirigidas com criatividade, assim como a bela cena em que Osmond se declara apaixonado por Isabel. Aliás, pode-se reclamar da falta de agilidade de Campion como diretora, mas jamais de sua capacidade em criar cenas esteticamente impactantes, para o que colabora a impecável e detalhista reconstituição de época e a fotografia bem cuidada de Stuart Dryburgh.
E o elenco coadjuvante de "Retrato de uma mulher" também merece elogios rasgados. Se Kidman e Hershey chamam a atenção sempre que estão em cena, com interpretações distintas mas igualmente impressionantes, o equilíbrio entre veteranos e jovens talentos atingido por Campion é notável. John Gielgud e Shelley Winters representam o primeiro grupo - como os tios de Isabel Archer - o segundo time conta com Martin Donovan em uma atuação sensível e arrebatadora e o ótimo Christian Bale como o pretendente da filha de Osmond, outra vítima inocente da ambição de Madame Merle. Cada um à sua maneira, os atores são a principal razão para se assistir ao filme, uma adaptação fiel e sofisticada de uma obra das mais importantes da literatura inglesa.
26/03/23
Anjos da Broadway, Angels Over Broadway, 1940, Ben Hecht e Lee Garmes
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Ben Hecht (1894-1964)
Fairbanks Jr. é Bill O´Brien, um futuro gângster que se associa a Nina Barona (Hayworth), uma dançarina azarada, num esquema de fraude que os leva a ganhar mais do que planejaram. Ben Hecht escreveu, produziu e dirigiu este fascinante estudo de caráter, do mundo desolador dos perdedores e mais especificamente, de dois trapaceiros vivendo no perigoso submundo da cidade de Nova Iorque. Fazendo o papel de uma dançarina sem sucesso, Hayworth se mostra absolutamente magnífica nesta solene mistura de fantasia e realidade. Ambos Hecht e Fairbanks não conheciam muito bem Hayworth, quando da escolha do elenco, e jamais imaginariam que ela logo se tornaria uma super estrela. Eles se impressionaram com o resultado, tanto quanto os críticos. Rita Hayworth se encaixou com perfeição no papel de Nina, relata "The Hollywood Reporter". Obra prima absoluta.
Título no Brasil Anjos da Brodway, Título Original Angels Over Broadway, Ano de Lançamento 1940
Direção Lee Garmes, Ben Hecht
Elenco: Douglas Fairbanks Jr, Rita Hayworth, Thomas Mitchell, John Qualen, George Watts, Ralph Theodore, Eddie Foster, Jack Roper, Constance Worth, Walter Baldwin, Stanley Brown
28/03/23
A Página Denunciadora, The Secret of the Whistler, 1946, George Sherman
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Um artista casado com uma mulher rica e doente começa um caso com um de seus modelos, que o procura apenas por seu dinheiro. Sua esposa descobre o caso e ameaça cortá-lo de sua vontade.
29/03/23
Crime nas Brumas, Escape in the Fog, 1945, Budd Boetticher
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Uma enfermeira militar se recuperando em uma pousada de um colapso nervoso continua tendo sonhos onde ela vê dois homens tentando matar um terceiro. Quando ela conhece um homem que é um agente federal na pousada, ela fica surpresa ao descobrir que ele é o homem em seu sonho que é a vítima do assassinato pretendido.
03/04/23
Kong: A Ilha da Caveira, Kong: Skull Island, 2017, Jordan Vogt-Roberts
1944, durante a Segunda Guerra Mundial. Dois aviões, um americano e outro japonês, são abatidos em pleno combate aéreo. Os pilotos sobrevivem, chegando a uma ilha desconhecida no Pacífico Sul. Lá eles dão continuidade à batalha, sendo surpreendidos pela aparição de um macaco gigante: Kong. Em 1973, Bill Randa (John Goodman) tenta obter junto a um político norte-americano a verba necessária para bancar uma expedição à tal ilha perdida. Ele acredita que lá existam monstros, mas precisa de provas concretas. Após obter a quantia, ele coordena uma expedição que reúne militares, liderados pelo coronel Preston Packard (Samuel L. Jackson), o rastreador James Conrad (Tom Hiddleston) e a fotógrafa Mason Weaver (Brie Larson). Adorocinema
04/04/23
Taxi Driver: Motorista de Táxi, Taxi Driver, 1976, Martin Scorsese
Crítica:'Taxi Driver' é do tempo que se aceitava do cinema mais do que respostas prontas
SÉRGIO ALPENDRE
Após a Palma de Ouro no Festival de Cannes de 1976, "Taxi Driver" fortaleceu a reputação de Martin Scorsese como diretor de primeira grandeza (apesar do Oscar perdido para "Rocky: Um Lutador").
"Taxi Driver" é seu quarto longa e o segundo filme da parceria com Robert De Niro (mas o primeiro em que o ator brilha como protagonista). Com cenas de tensão e violência, o longa capta o mal-estar da sociedade americana daquele período, após o fracasso da Guerra do Vietnã, a crise econômica e o escândalo político conhecido como Watergate.
De Niro é Travis Bickle, veterano do Vietnã que, por sofrer de uma incurável insônia, resolve ser motorista de táxi nas madrugadas de Nova York. Nas ruas, ele observa a decadência urbana daqueles dias em que a cidade mais parecia um gigantesco depósito de lixo, ao menos aos seus olhos.
Travis conhece Betsy (Cybill Shepherd), que trabalha no gabinete de um político promissor, e por ela se apaixona. Conhece também Iris (Jodie Foster, então com 13 anos), uma prostituta pré-adolescente protegida pelo cafetão Sport (Harvey Keitel). Salvá-la das ruas, e de Sport, será para ele uma obsessão.
De insone a psicopata com ares de justiceiro social: este é o percurso de Travis Bickle num relato que mistura delírio e realidade com tintas de uma violência inicialmente represada, mas que encontrará sua inevitável explosão.
Scorsese contorna habilmente as possibilidades fascistas do roteiro de Paul Schrader e entrega um filme cheio de ambiguidades, em que a empatia pelo personagem principal nunca é incentivada. Pelo contrário, a partir de certo momento, ela é mesmo impossível. Não sabemos ao certo o que dispara a loucura de Travis. Podemos até dizer que não é possível afirmar que o que testemunhamos aconteceu dentro da narrativa ou apenas na cabeça do protagonista.
Taxi Driver é de um tempo em que ainda se aceitava do cinema muito mais do que respostas prontas e historinhas mastigadas para o espectador.
05/04/23
Waterworld: O Segredo das Águas, Waterworld, 1995, Kevin Reynolds
Sinopse
Em meados do terceiro milênio, em razão do derretimento das calotas polares, a Terra se tornou um lugar sem terra sólida e a população vive em barcos ou em ilhas artificiais. Neste contexto, um ser anfíbio (Kevin Costner) vive comercializando tudo que é possível, inclusive terra pura e, após ser preso injustamente, é libertado por uma comerciante (Jeanne Tripplehorn) que exige que ele a leve embora e junto com eles uma garota (Tina Majorino), que tem nas costas o mapa para se chegar a Terraseca, o único local com terra firme. Mas o chefe (Dennis Hopper) de uma gangue resolve persegui-los, pois também deseja encontrar este local. https://www.adorocinema.com/filmes/filme-13247/
12/04/23
Os Intocáveis, The Untouchables, 1987, Brian De Palma
Os Intocáveis / The Untouchables, De: Brian De Palma, EUA, 1987
Por Sérgio Vaz
Texto para a revista Afinal de 20 de outubro de 1987: Quando Indiana Jones se encontra com Sergei Mikhailovitch Eisenstein, em uma das seqüências mais brilhantes, mais bem realizadas deste quase um século de cinema, a platéia aplaude, grita, assobia – como nos velhos seriados, nos velhos filmes de bangue-bangue. Claro, não importa que muita gente não saiba quem foi esse russo, mas Indiana Jones todos conhecem, Indiana Jones é demais – e ali está Indiana Jones, em mias uma de suas memoráveis aventuras, agindo desta vez sob o nome de Eliot Ness, agente do Tesouro americano, combatendo o crime, a corrupção, o fedor, o Mal, em Chicago, a capital do crime, da corrupção, do fedor, do Mal, nos Estados Unidos da Lei Seca e da Grande Depressão. São seis ou oito bandidos, na escadaria de uma estação de trem, contra apenas ele e um de seus Intocáveis – mas, como Indiana Jones, Eliot Ness é capaz de tudo.
De tudo – inclusive de montar a cavalo, ele, um urbaníssimo agente da lei em uma época em que já haviam desaparecido o Velho Oeste e todos os seus bandidos e seus agentes da lei. A seqüência de Eliot Ness e seus três companheiros intocáveis montados a cavalo começa com uma panorâmica de um despenhadeiro, os vultos dos cavaleiros recortados contra o céu, numa cena que evoca de imediato outro grande mestre do cinema, John Ford, e seus clássicos westerns.
O bem triunfa
Essas duas seqüências – a do tiroteio na escadaria e a do despenhadeiro – dão bem o tom de Os Intocáveis/The Untouchables, (1987, estréia nacional nesta quinta, 22). É a transposição para o cinema moderno, em tela gigantesca e som Dolby stereo – com tremendo requinte, maravilhoso apuro técnico, uma produção impecável, com um artesanato nunca menos que brilhante – de um dos mais persistentes mitos do cinema americano e, mais ainda, uma das mais recorrentes certezas do pensamento americano: a de que, no fim, a honestidade triunfa, a verdade aparece, o Bem se impõe. Mesmo quando todo o sistema parece apodrecido, quando toda a máquina está infectada. Mesmo quando – e nisso o cinema americano é absolutamente pródigo de exemplos – quem luta contra a máquina é um herói solitário, com poucos recursos e quase nenhum amigo.
Os exemplos são incontáveis. O xerife absolutamente solitário de Matar ou Morrer/High Noon, enfrentando o desdém e o medo da cidade inteira, o abandono da noiva no dia do casamento e mais os quatro temíveis pistoleiros. O xerife, o bêbado e o aventureiro contra um enorme bando de pistoleiros em Onde Começa o Inferno/Rio Bravo. O xerife Wyatt Earp e seu aliado, o bêbado e tísico Doc Holliday, contra o bando dos Clanton primeiro em Paixão dos Fortes/My Darling Clementine e depois em Sem Lei e Sem Alma/Gunfight at the O.K. Corral.
Os exemplos do homem solitário vencendo a poderosa máquina da estupidez, da covardia ou da corrupção são uma das essências dos westerns ( e Os Intocáveis lembra muito esses westerns), mas não são, é claro, exclusividade deles. Basta lembrar o homem honrado interpretado por Henry Fonda em Doze Homens e uma Sentença/Twelve Angry Men, solitária voz em um júri sonolento e preguiçoso a levantar o benefício da dúvida em favor do acusado – e que faz reverter um a um os 11 votos de culpado. Ou então pensar em qualquer dos filmes do grande Frank Capra, com seu idealismo romântico e ingênuo e sua inquebrantável fé em que, através da democracia, da livre manifestação de idéias, os pobres e enjeitados podem quebrar o coração de mármore dos ricos e poderosos, e cooptá-los para a luta solidária por uma sociedade melhor.
Às vezes até a vida real fornece para o cinema esses heróis que conseguem derrubar a máquina, como Carl Bernstein e Bob Woodward, os personagens da História e de Todos os Homens do Presidente. Esse filme, ao menos, mostra que não foi nada fácil para os dois repórteres ir escavando a verdade em direção aos crimes cometidos com o consentimento do inquilino da Casa Branca. Já para o Eliot Ness do filme de Brian De Palma, tudo foi muito, mas muito fácil.
O doce da criança
Eliot Ness, como se sabe, existiu mesmo – e foi ele, de fato, quem conseguiu levar a julgamento, em 1931, o mais poderoso de todos os chefes do crime organizado dos Estados Unidos da época, Alphonse Capone, um filho de imigrantes napolitanos que prosperou vertiginosamente nos anos 20 à custa, em especial, do tráfico e da venda de bebidas alcoólicas. (O consumo de álcool foi ilegal – era a Prohibition, ou Lei Seca – de 1920 a 1933, em todos os Estados Unidos. Foi a própria Lei Seca que fez crescer o crime organizado e a ampla corrupção da polícia e da Justiça; essa não é a principal preocupação de Brian De Palma, mas há pinceladas mostrando isso, no filme.)
Em meados de 1930, época em que começa a ação do filme, Al Capone controlava destilarias e frotas de caminhões e de barcos que faziam o contrabando de bebida, além de outros negócios avulsos que incluíam o lenocínio; mais que isso, controlava, através da corrupção, os policiais, os juízes e até o prefeito de Chicago.
A luta contra Al Capone empreendida pelo agente do Departamento do Tesouro Eliot Ness – mandado para Chicago pelo governo federal com plenos poderes – já havia servido de base para um telefilme produzido em 1959 pela cadeia americana CBS e para um famosíssimo seriado da ABC, com Robert Stack como Eliot Ness, exibido no Brasil, com muito sucesso, no começo dos anos 60. (Brian De Palma diz que não se inspirou no seriado para fazer seu filme, e conta que só assistiu ao piloto da série.)
Para sua nova versão, o roteirista David Mamet (autor do excelente roteiro de O Veredito) aparentemente não teve preocupações com fidelidade história – Eliot Ness chefiava, por exemplo, dez agentes especiais, que, no filme, foram reduzidos para apenas três. E, sobretudo, simplificou ao extremo a trajetória dos Intocáveis na luta contra o gângster. No filme, há, na verdade, apenas três enfrentamentos entre os Intocáveis e o bando de Al Capone: a captura de uma enorme quantidade de bebida, mantida pelo bando bem no prédio dos Correios, a poucos metros da central de polícia de Chicago; a captura de um grande carregamento de bebida que vinha do Canadá, na tal seqüência em que os quatro Intocáveis aparecem como cavaleiros do Velho Oeste; e a captura do guarda-livros e guarda-todos-os-segredos de Al Capone, em uma estação de trem – a seqüência brilhantíssima da escadaria. Três golpes, e pá – o mais poderoso gângster do mundo se vê diante dos braços não tão firmes da lei. Fácil como roubar o doce de uma criança.
Dólares e talento
Para mostrar que destruir uma gigantesca, poderosíssima, bem montada e bem azeitada máquina criminosa é tão fácil como roubar o doce de uma criança, Brian De Palma contou com um belíssimo orçamento de US$ 20 milhões – o mesmo total gasto por Steven Spielberg para fazer a primeira aventura de seu herói Indiana Jones, Os Caçadores da Arca Perdida. O orçamento generoso, mais o inegável talento de Brian De Palma em captar belíssimas imagens com sua câmara sempre móvel, resultaram em um espetáculo admirável.
(Resultaram também em um excelente negócio. Em três meses de exibição nos Estados Unidos, o filme havia faturado US$ 73 milhões, quase quatro vezes o seu custo.)
Tecnicamente, o filme é um delicioso banquete. A consultora visual é Patrizia Von Brandestein, uma feiticeira na reconstituição de épocas – ela foi a responsável por esse trabalho em dois dos grandes filmes feitos nos Estados Unidos nos últimos anos, Nos Tempos do Ragtime/Ragtime e Amadeus, ambos do checo Milos Forman. A reconstituição dos interiores é fascinante, em todos os detalhes – da casa classe média de Eliot Ness ao apartamento simples de tira solteiro de seu braço direito, Jimmy Malone, com uma felicidade especial no luxuoso Lexington Hotel, onde Al Capone vivia. Contratou-se um especialista em armas para cuidar dos revóleres e trabucos de todos os tipos utilizados pelo Bem e pelo Mal; Branco Wohlfahrt, o especialista, providenciou armas de verdade usadas na época. As roupas são da grife de Giorgio Armani, um dos mais respeitados nomes da moda européia.
Para a trilha sonora foi escolhido o nome mais certo que poderia haver – o experientíssimo, eclético, genial Ennio Morricone, autor da trilha sonora de Era uma Vez no Oeste e de dezenas de western-spaghetti, de Sacco e Vanzetti e quase todos os filmes políticos do cinema italiano nos anos 60/70, e, nos anos 80, autor de duas das mais impressionantes trilhas sonoras de todo o cinema, para Era uma Vez na América e A Missão. Seu trabalho cria o clima de cada cena de Os Intocáveis.
Banquete completo
Kevin Costner, um nome quase desconhecido até agora, deverá estar em breve no mesmo patamar de um Mickey Rourke. Depois de ter tido sua participação em O Reencontro/The Big Chill eliminada (ele fazia o rapaz que se matava, motivo pelo qual os companheiros se reúnem, mas o diretor Lawrence Kasdan entendeu que o filme ficava melhor sem os flashbacks em que ele apareceria), subiu imediatamente para o estrelato por sua interpretação como Eliot Ness – e já é tremendo sucesso nos Estados Unidos com o filme, ainda inédito aqui, Sem Saída/No Way Out. Seu trabalho lembra um pouco Harrison Ford – sutil, sem trejeitos ou maneirismos. Esses, Kevin Costner deixa para os dois veteranos do elenco, os excepcionais Sean Connery e Robert De Niro.
Sean Connery faz Malone, o policial que se ferra na vida por ser honesto, e é escolhido por Eliot Ness como seu braço direito. O velho 007 está ótimo como o policial velho, careca, gordo, que cria vida nova com a possibilidade de brigar pelos princípios em que acredita. Quanto a Robert De Niro – que engordou mais de dez quilos, recebeu uma enorme cicatriz na face esquerda e cortou rente os cabelos para fazer Al Capone -, dizer que é um dos melhores atores da sua geração é pouco. “Ele não é Bob De Niro fazendo o papel de Al Capone, ele é Capone”, disse Brian De Palma, que trabalhou com o ator no início da carreira dos dois (Greetings, de 1968, e Hi, Mom, de 1970, ambos inéditos no Brasil) e que pagou a ele, pelos 18 dias de excepcional trabalho, a soma de US$ 1,5 milhão.
Essas contribuições todas já assegurariam um bom filme. Com a câmara de Brian De Palma, o banquete fica completo. “Na virtuose técnica reside o gênio do autor”, definiu o crítico francês Jean Tulard – e ele ainda não havia visto Os Intocáveis, sem dúvida o melhor trabalho do autor. Seguindo as lições de Alfred Hitchcock, seu mestre confesso, Brian De Palma abusa dos travelings, das panorâmicas, dos plongés – a tomada de Al Capone fazendo um discurso aos jornalistas, do alto de uma escada, a câmara pegando o ator e o teto trabalhadíssimo, cheio de detalhes, é excelente. Em todo o filme, a câmara está quase invariavelmente em uma grua, subindo ou descendo, ou em um carrinho, sempre se movimentando, nunca parada. Neste filme sem qualquer cena de sexo, o voyeurismo que é marca registrada do diretor fica por conta da seqüência brilhante em que a câmara faz as vezes dos olhos do gângster que observa a casa de Malone, seguindo seus movimentos de janela a janela, até pular para dentro de um dos cômodos.
Citando mestres
O brilhantismo formal mais exagerado, é claro, está na seqüência da escadaria. Brian De Palma gosta de fazer citações de grandes filmes; já homenageou Hitchcock diversas vezes – como na cena inicial de Angie Dickinson no chuveiro em Vestida para Matar/Dressed to Kill, uma citação de Psicose. Aqui, ele rende tributo ao mestre dos mestres, Sergei Mikhailovitch Eisenstein. A cena da multidão sendo massacrada pelos soldados do czar, em uma escadaria da cidade de Odessa, em O Encouraçado Potemkim, de 1925, faz parte de qualquer manual de cinema. Eisenstein vai alternando as tomadas que mostram as botas dos soldados descendo as escadarias com pequenos detalhes da multidão – o carrinho de bebê que desce desgovernado, a mãe carregando o cadáver do filho no colo, o olho que sangra atrás dos óculos de aro de ferro.
Como Eisenstein, na seqüência da escadaria Brian De Palma expandiu o tempo. Em Festim Diabólico/Rope, Hitchcock mostra, durante 80 minutos, uma ação que levava exatos 80 minutos para acontecer. O tempo do cinema coincidia exatamente com o tempo real. Na seqüência da escadaria, De Palma abre o tempo – é quase uma câmara lenta, com 30 segundos de ação valendo por 1 minuto mostrado na tela.
Mas certamente não é a qualidade técnica que faz a platéia aplaudir, gritar, assobiar. É que, nessa seqüência, os personagens de Eliot Ness e seu Intocável George Stone (Andy Garcia) não subvertem apenas o tempo, mas também a lógica, com suas qualidades sobre-humanas à la Indiana Jones.
Mas o bem triunfa?
Em Os Caçadores da Arca Perdida, Indiana Jones vence tudo e todos; é um super-homem, um semideus, não é um simples mortal, como eu ou você. E é para ser assim mesmo, essa é a brincadeira, essa é a lógica interna do filme – a ausência da lógica comum. Os Intocáveis de Brian De Palma, no entanto, são perfeitos demais, mas demais da conta – em especial na cena da escadaria -, em um filme que pretende falar de acontecimentos reais.
Mas nem é bem esse o problema. O problema é que até Indiana Jones, o super-homem, o semideus, que vence tudo e todos, em suas aventuras nas selvas ou no deserto, não consegue derrotar a Grande Máquina. A arca que ele consegue trazer depois de mil e uma peripécias é depositada em um porão da Grande Máquina – o governo americano e seu trambolho burocrático -, e lá certamente ficará entregue às traças por mais 2 mil anos, no mínimo.
O que aproxima o filme de Brian De Palma de clássicos do cinema e do pensamento americanos – a capacidade do herói solitário de vencer o mal, o happy end, o happíssimo end – é o que o distância das maiores obras do cinema nos últimos anos, como, por exemplo, os dois O Poderoso Chefão/The Godfather e Era uma Vez na América. O que Francis Ford Coppola e, sobretudo, Sergio Leone têm a dizer é que, por mais que se lute contra o mal, o mal vence, o fedor continua a feder, as máquinas e o sistema são poderosos demais, e indestrutíveis. É bem menos happy – na verdade, é tremendamente mais triste. Mas é, talvez, bem mais próximo da verdade. Este país que o diga.
14/04/23
Escravos do Desejo, Of Human Bondage, 1934, John Cromwell
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Bette Davis: "Escravos do Desejo" (1934), quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013
O título original do filme não esconde o assunto sobre o qual a obra falará: da servidão humana. Traduzido com alguma eficiência, ainda que o título nacional não represente muito bem a situação dos personagens, “Escravos do Desejo” (1934) tem dois personagens muito interessantes que representam a discussão a que o filme se propõe. De um lado, temos Philip (Leslie Howard), um estudante de medicina com deficiência nos pés que é sempre alvo de deboche, mesmo que indiretamente. Do outro lado, temos Mildred (Bette Davis), uma garçonete sem nenhum requinte, que tem consciência do fascínio que causa nos homens, inclusive em Philip, cujo desdém é apenas uma tentativa inicial de fingir distanciamento.
Bette Davis era uma artista contratada da Warner Bros, mas estava, naquele momento, emprestada ao estúdio Radio-Keith-Orpheum (RKO). Foi sob a tutela desse estúdio, por esse filme, que Davis se tornou uma grande estrela. Segundo a própria atriz, aquela personagem havia sido feita para ela e ninguém havia de discordar daquilo – menos a Academia, que não a indicou formalmente, deixando-a de fora da lista de nominadas que incluíam Grace Moore, Norma Shearer e Claudette Colbert, que nem sequer acreditava ser possível vencer, justamente por causa do grande sucesso que Bette Davis havia conquistado naquele ano.
Mildred Rogers, personagem de Davis, parece realmente ter sido feita pra ela. Difícil é saber se a personagem moldou bem a personalidade debochada de atriz ou se a atriz moldou a personagem – Rogers e Davis, afinal, têm muito em comum. A garçonete olha de cima, seu olhar esquadrinhando o ambiente, procurando oportunidades, sendo verdadeira em cada palavra. O personagem Philip inclusive chega a lhe pedir que não diga “eu não me importo” com aquela frequência nem com aquele tom que ele sabe ser verdadeiro – nada é mais genuíno do que aquilo: Mildred não se importa, apenas. Precisa de alguém que lhe sustente, alguém que lhe dê aquilo que ela quer. Para Mildred, esse alguém era qualquer alguém, mas em especial Philip, um homem que ela sabia que estaria sempre ali para lhe servir, eis a servidão humana. Para Dette Davis, esse alguém de quem ela precisava era a mídia, a crítica, o público, o reconhecimento de seu talento natural para desprezar, coisa que Davis fez bem não apenas nesse filme como também em outros e, ainda, na vida.
Oficialmente, a primeira nominação de Bette Davis se trata de uma indicação write-in, algo surpreendente – a Academia, temendo a pressão dos atores que não viram o nome de Davis entre as finalistas e não ficaram contentes com o desprezo, decidiu “abrir” as indicações: todos podiam votar naqueles que eles quisessem, bastava escrever o nome na cédula. E assim, a personagem Mildred Rogers, maravilhosamente interpretada por Bette Davis, rendeu à atriz a sua primeira indicação, ainda que a Academia começasse a contar oficialmente as nominações da atriz a partir do ano seguinte, quando competiria – e venceria – por “Perigosa” (1935).
por Luís Adriano de Lima
Bette Davis - Documentário
Vincent Price roasts Bette Davis (LEGENDADO)
Neste lendário "The Dean Martin Roasts" de 1973, Bette Davis é fritada por seu amigo Vincent Price. Haviam trabalhado juntos em "Meu Reino por um Amor", de 1939, quando Bette já era uma estrela e Vincent ainda galgava os degraus da fama, e voltariam a se encontrar somente em 1987, no último filme de Bette, "As Baleias de Agosto".
BETTE DAVIS "Bela, Recatada e do Lar"
16/04/23
O Amante da Rainha, En kongelig affære, 2012, Nikolaj Arcel
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Carolina Matilde da Grã-Bretanha
O Amante da Rainha (2012): o adultério que ajudou a salvar um país
Longa dinamarquês indicado ao Oscar retrata história real da monarquia no século 18.
Léo Freitas
Filmes de época sempre escondem escândalos que rodeavam os nobres de seu tempo. Por trás de toda a pompa social e do luxo exorbitante, a ganância, falsidade e traições se tornaram assuntos que atraíram os espectadores “plebeus” às salas de cinema. Um dos últimos exemplos a entrar para a galeria é “O Amante da Rainha”, longa dinamarquês dirigido pelo cineasta Nikolaj Arcel, mais conhecido como o roteirista de “Os Homens Que Não Amavam As Mulheres”. Grande sucesso de público e crítica, esse longa ainda deu origem a uma refilmagem norte-americana estrelada por Daniel Craig e Rooney Mara.
No filme, acompanhamos a história real da rainha Caroline Mathilde (Alicia ikander). Em 1766, ela conta por cartas aos filhos (que não a conhecem) a história de sua vida. Por meio de flashbacks, somos levados a 1759 quando, aos 15 anos, sai de Londres e é enviada à Dinamarca para se casar com o primo, o rei da Dinamarca, Christian VII (Mikkel Boe Følsgaard). O país, afundado em dívidas e com uma população na miséria, será um dos menores problemas da mais nova rainha.
Precisando abraçar uma nação que não era sua e diante de um casamento arranjado sem nenhum sinal de sentimento (Maria Antonieta que o diga), Caroline ainda precisa suportar a insanidade do marido, um rei perdido em seu próprio universo, que faz com que aja de maneira infantil e embaraçosa, beirando o escatológico. Porém, Caroline logo conquista a corte, especialmente sua dama de companhia Louise (Laura Bro) por conta de sua beleza, carisma e talento.
Após dar à luz a Frederik VI, a rainha sente seu tédio amenizado diante dos eventos tradicionais da monarquia, como inúmeras festas e jantares. A corte, porém, preocupada com o agravamento do estado de saúde do rei, convoca o médio provinciano alemão Johann Struensee (Mads Mikkelsen), um ateu de ideias liberais que logo ganha a total confiança do monarca. Auxiliando Christian a governar o país, Johann se torna uma peça-chave na condução dos assuntos políticos, o que não é visto com bons olhos pelos membros do Conselho Real.
De ideias iluministas (algo que não agradava em nada os nobres), Johann acaba se envolvendo com a rainha Caroline Mathilde, tornando o secreto caso amoroso uma grande pedra no sapato, tanto pela sua grande relação de amizade com o rei como por conta das consequências políticas que isso acarretaria no trono da Dinamarca.
Em um ambiente de humilhações e aprisionamento, Caroline encontra em Johann um conforto que lhe falta no marido, que expunha sem pudores sua rotina de humilhações e noites regadas a álcool e prostitutas (apesar de registros históricos apontarem Christian como um provável homossexual). Johann, enquanto isso, vai botando panos quentes no comportamento megalomaníaco e fazendo o que pode para favorecer respaldo sociopolítico ao povo por meio do poder monárquico, como cortes de gastos desnecessários (em uma época que se gastava em quatro meses o montante destinado a um ano) e, assim, direcioná-los aos súditos.
Diante de toda essa estratégia para colocar em prática a liberdade popular que defendem, Johann e Caroline ainda mantêm um fervoroso caso de amor dentro dos aposentos do palácio. Em doses homeopáticas, a dupla traição vai sendo mascarada pela corte, ávida pelo poder de dominar um rei incapaz de pensar por si só. E a Dinamarca, permeada por uma epidemia de varíola, o pavor de uma monarquia tirana que quer cortar pela raiz o ascendente Iluminismo (e a capacidade do homem de pensar por si só) e o influente poder da Igreja.
É curioso observar um filme como “O Amante da Rainha” sendo o longa indicado pela Dinamarca para representar o país no Oscar. Entre os cinco finalistas à estatueta, observar o lado negro da monarquia de uma nação ainda com a tradição real em sua atualidade é, ao mesmo tempo, uma forma de revisitar um passado cruel e celebra a liberdade diante das amarras que lhe fizeram ser hoje um dos países mais desenvolvidos da Europa.
Com todo o cuidado com detalhes necessários a um filme de época de qualidade, como trilha sonora marcante, além de direção de arte, figurino e fotografia bem cuidados, “O Amante da Rainha” traz, ainda, um roteiro bem amarrado e inteligente (vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim), adaptado a quatro mãos pelo diretor e Rasmus Heisterberg, baseado no romance “Princesa de Sangue”, de Bodil Steensen-Leth.
Diante de interpretações corretas de boa parte do elenco, o longa ganha na beleza e carisma de Alicia Vikander como a rainha infiel e perde no apático Mads Mikkelsen, como o amante Johann. Porém, o grande trunfo de “O Amante da Rainha” recai sobre Mikkel Boe Følsgaard como Christian VII. Laureado com o Urso de Prata por sua atuação, o ator oferece toda a força necessária de um personagem atormentado e de atitudes nada convencionais que tem nas mãos a responsabilidade de conduzir uma nação. E tudo isso sem cair no risível, lembrando em alguns momentos – e guardada as devidas proporções – o espevitado Mozart de Milos Forman em “Amadeus”, magistralmente interpretado por Tom Hulce.
O filme, infelizmente, não inova no formato, abusando de planos abertos e mostrando o lado obscuro da monarquia, mas aproxima o espectador da nobreza ao inserir diálogos de linguajar chulo, bem diferente das regras de etiqueta que predominam nos filmes do gênero. E ainda nos dá uma aula de História que, mesmo que não aprofundada em suas pouco mais de duas horas de projeção e com um epílogo previsível, oferece uma visão panorâmica de um país que saiu da miséria e abriu as portas ao desenvolvimento. Desenvolvimento este, ironicamente, favorecido por um caso de amor proibido.
17/04/23
Sessão Allan Dwan (1885-1981) (408 Créditos)
The Good Bad-Man, 1916, Allan Dwan
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Bessie Love (1898-1986)
Bessie Love | Silent Films | Good Afternoon | 1970's
É um filme silencioso de faroeste contando as aventuras do Cowboy Passin' Through e seu romance com a bela jovem. Nenhuma impressão da versão original de 1916 existe, mas uma cópia do relançamento 1923 é preservado na Biblioteca do Congresso.
Em 31 de maio de 2014, uma cópia restaurada da versão de 1923 foi exibida no Festival de Cinema de San Francisco , no Teatro Castro . Esta cópia tem um título original no início: "Supervisionado por DW Griffith ".
18/04/23
Este Mundo é um Teatro, Stage Struck, 1925, Allan Dwan
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GLORIA SWANSON, maio 27, 2010
Em 1922, a jovem e formosa Gloria Swanson declarou: “Passei por um longo aprendizado. Já fui uma ninguém o tempo suficiente. Decidí que, quando eu for uma estrela, serei totalmente e a todo momento a estrela! Todos, do porteiro do estúdio ao mais alto executivo, vão ficar sabendo disso”. Por ocasião do falecimento de Gloria em 1983 o The New York Times publicou um editorial especial, intitulado “A Maior de Todas as Estrelas”, que confirmou a realização do seu sonho e a fama duradoura da atriz.
Gloria Josephine May Svensson nasceu em Chicago no dia 27 de março de 1897 -embora ela dissesse sempre que foi em 1899 – filha de Adelaide (nome de solteira Klanowski) e Joseph Theodore Svensson. Como seu pai era militar, Gloria viveu a maior parte de sua infância em vários lugares, até a família retornar à sua cidade natal. Em 1913, uma visita casual ao estúdio da Essanay de Chicago resultou na sua contratação como figurante e no seu encontro com o ator Wallace Beery, com quem se casou. Gloria contou na sua autobiografia (Swanson on Swanson, 1981) que Beery se embebedou na noite de núpcias e a estuprou. Noutra ocasião, provocou um aborto na esposa.
Ambos foram para Hollywood, onde Beery aceitou uma oferta da companhia Keystone de Mack Sennett, na condição de sua esposa também ser contratada. Ao contrário do que informam algumas fontes, Gloria nunca foi uma “Bathing Beauty” de Sennett; em vez disso, foi aproveitada ao lado de Bobby Vernon numa série de comédias românticas. Gloria chegou a fazer um teste para o papel principal em Seu Novo Emprego / His New Job / 1915, dirigido e estrelado por Charles Chaplin, porém Chaplin deu-lhe apenas a chance de uma pequena participação no filme.
Divorciada de Beery, Gloria deixou a Keystone e aceitou a oferta de interpretar alguns papéis dramáticos para a Triangle Pictures. Depois, foi trabalhar para Cecil B. DeMille, que a escalou como heroínas glamourosas e vestidas provocantemente em produções luxuosas como Não Troqueis Vossos Maridos / Don’t Change Your Husband / 1919, A Renúncia / For Better, For Worse / 1919, Macho e Fêmea ou De Fidalga a Escrava / Male and Female / 1919, Por que Trocar de Esposa? Why Change your Wife? / 1920, Alguma Coisa em que Pensar / Something to Think About / 1920, Aventuras de Anatólio / The Affairs of Anatol / 1921, espetáculos classificados pelos críticos como “farsas de alcova sofisticadas”.
O mais famoso dos seis filmes dirigidos por DeMille foi Macho e Fêmea, versão livre de The Admirable Crichton de J.M. Barrie. William Crichton (Thomas Meighan) é mordomo de Lord Loam (Theodore Roberts) e sua família indolente. Ele está apaixonado em segredo por Lady Mary (Gloria Swanson), filha do patrão e, por sua vez, é amado por “Tweeny” (Lila Lee), criada da mansão do lorde. Num cruzeiro de férias, a família e a criadagem naufragam em uma ilha deserta. Eles descobrem que a posição social nada significa na selva. Pela sua liderança e habilidade de sobreviver naquele ambiente primitivo Crichton torna-se um “rei” na ilha. Quando ele está prestes a receber Lady Mary em casamento, surge uma navio e resgata os náufragos. De volta à Inglaterra, todos reassumem suas antigas posições na sociedade. DeMille e sua roteirista Jeanie Macpherson inventaram um final que não existia na peça de Barrie (Crichton casa-se com “Tweeny” e os dois vão morar numa fazenda na América) e uma seqüência de sonho típica do diretor.
Nesta seqüência onírica, apresentada por um flashback para o passado, Gloria é uma prisioneira que resiste à luxúria do rei Babilônio (Thomas Meighan), mordendo sua mão. Em consequência, ela é jogada numa cela à mercê dos “leões sagrados de Ishtar”. Gloria está deitada no chão, um leão de verdade se aproxima e põe as patas nas suas costas. Quando a filmagem terminou, a atriz dirigiu-se ao escritório de DeMille e lhe informou que estava tremendo de medo e provavelmente não poderia vir trabalhar no dia seguinte. Segundo consta, DeMille então mostrou-lhe uma caixa cheia de jóias para que ela escolhesse algo que lhe acalmasse os nervos.”Eu peguei uma bolsa de malha dourada com um fecho de esmeralda e imediatamente me senti bem melhor”, disse ela ao se lembrar deste fato.
No espaço de dois anos, Gloria alcançou o estrelato e se tornou uma das atrizes mais requisitadas de Hollywood. Após ter adquirido boa experiência com DeMille, Gloria fez dez filmes sob a direção de Sam Wood, entre eles Esposa Mártir / Beyond the Rocks / 1922 ao lado de Rudolph Valentino. Este era um filme considerado perdido, mas foi redescoberto em 2004 na Holanda e hoje se encontra disponível em dvd.
Durante o apogeu de Gloria, o público ia assistir a seus filmes não somente para apreciar suas performances, mas também para ver o seu guarda roupa. Freqüentemente vestida de acordo com a alta costura extravagante da época, ninguém podia suspeitar de que ela tinha apenas um metro e cinquenta e dois centímetros de altura. Sua moda exagerada, tipos de penteados e jóias eram copiados pelas fãs, que também adoravam a decoração de interiores de seus filmes, principalmente os banheiros enormes e suntuosos – as cenas de banho tornaram-se uma marca registrada Swanson / DeMille.
Prosseguindo seu percurso artístico, Gloria fez sete filmes com Allan Dwan entre os quais se destacam Escravizada / Manhandled / 1924 e Stage Struck / Este Mundo é um Teatro / 1925. Em ambos a atriz mostrou suas qualidades de comediante.
Escravizada, mostra Gloria como Tessie McGuire, vendedora em uma loja de departamentos. Logo no início do filme ocorre uma seqüência engraçadíssima, quando Tessie após um dia de trabalho cansativo, volta para casa num trem do metrô superlotado. Suas atribulações dentro do vagão – os empurrões que leva dos outros passageiros; a bolsa que cai, espalhando seu conteúdo pelo chão; dois cavaleiros que se inclinam para a ajudá-la a apanhar seus pertences e acabam entrelaçando seus braços com os dela; suas inúmeras tentativas frustradas de sair do trem, quando este chega no seu destino, etc. – são mostradas em puro estilo de comédia pastelão e Gloria arranca risos do público a cada minuto.
Este Mundo é um Teatro, nos oferece Gloria como Jennie Hagen, garçonete de uma lanchonete que vende panquecas e sonha em subir num palco. O filme começa com uma magnífica seqüência em Technicolor, na qual ela aparece vestindo roupas fabulosas, supostamente retratando uma atriz famosa, que está recriando os grandes personagens do Teatro e da História, tais como Salomé por exemplo. É uma seqüência de sonho, ao fim da qual surge a jovem garçonete trajando roupas simples e praticando de forma hilariante suas lições de arte dramática, diante de um espelho que distorce as imagens.
Em 1924, Gloria foi à França para filmar Madame Sans-Gêne / Madame Sans-Gêne / 1925, dirigido por Léonce Perret. No decorrer da produção ela se casou com o Marquês Henri de la Falaise de la Coudraye, que havia sido originalmente contratado como seu intérprete. Após quatro anos de residência na França, Gloria retornou aos Estados Unidos como membro da nobreza européia. Nas suas memórias a atriz fala do seu retorno triunfante à América depois de um aborto quase fatal num hospital em Paris. Ela e o marido foram recebidos por uma banda de música e desfilaram de carro aberto pelas ruas de Los Angeles, aclamados por uma multidão. Este casamento terminou em divórcio em 1930, após o qual o Marquês iria contrair matrimônio com outra estrela de cinema, Constance Bennett.
Depois de ter se divorciado de Wallace Beery, Gloria havia se casado com Herbert K. Somborn, então presidente da Equity Pictures Corporation e posteriormente dono do famoso restaurante Brown Derby em Hollywood. O divórcio de Somborn e Gloria foi sensacional: Somborn acusou-a de adultério com treze homens, incluindo Cecil B.DeMille, Rudolph Valentino e Marshall Neilan.
Gloria ainda se casaria mais três vezes – com o esportista irlandês Michael Farmer, o corretor financeiro William Davey, o escritor William Duffy – e foi companheira de Joseph P. Kennedy, pai do Presidente John F. Kennedy. J. P. Kennedy deu apoio financeiro para Gloria fundar sua própria produtora, cujos filmes seriam distribuídos pela United Artists.
O primeiro filme produzido pela Gloria Swanson Corporation, O Amor de Sunia / The Loves of Sunya / 1927, foi um fracasso de bilheteria, mas depois vieram os grandes filmes da estrela, dois clássicos da História do Cinema: Sedução do Pecado / Sadie Thompson / 1928 e Minha Rainha / Queen Kelly / 1929 que hoje, infelizmente, só podem ser vistos de forma incompleta.
A nosso ver, a Sadie Thompson de Gloria Swanson é a melhor versão da história de Somerset Maugham e neste filme, dirigida por Raoul Walsh, ela tem um desempenho notável, reconhecido com uma indicação ao Oscar. A trama é bastante conhecida. Em síntese: uma prostituta chega em Pago Pago e sofre as ameaças de um pregador hipócrita (Lionel Barrymore) enquanto um sargento fuzileiro (Raoul Walsh) se apaixona por ela. “Quando Sadie se arrepende” – escreveu Jeanine Basinger – “Swanson interpreta-a de uma maneira muito original – ela simplesmente deixa toda a vida sair da personagem. Ela esvazia Sadie, tornando-a quase que um trapo”.
Na sua autobiografia, Each Man in his Time, publicada em 1974, Walsh lembrou quando Gloria, após ter comprado os direitos de filmagem da história de Maugham, lhe implorou: “Por favor, faça de mim uma boa prostituta. Vamos escrever mais algumas cenas de amor, cenas quentes, que façam os espectadores se levantarem de suas poltronas”. Ao ver uma das primeiras cenas de Gloria, Walsh percebeu que a Marquesa de la Falaise havia desaparecido. “No seu lugar estava Sadie Thompson, a jovem meretriz típica de qualquer cais do porto de San Francisco a Yokohama”, disse Walsh. Na única cópia original existente estão faltando os últimos minutos; mas em 1987 Dennis Doros recriou para Kino Video os momentos finais com fotografias fixas.
Em Minha Rainha, Gloria vive a personagem Patrícia Kelly, pensionista de um orfanato religioso, que é seduzida pelo Príncipe Wolfram (Walter Byron) e, depois de uma tentativa de suicídio frustrada, herda um bordel de sua tia na África. Insatisfeitos com os “excessos” do diretor, Kennedy e Swanson mandaram encerrar a produção, depois que um terço do roteiro já havia sido filmado por Stroheim. Gloria depois decidiu lançar, somente no exterior, uma remontagem com um desenlace diferente, daí a razão pela qual temos o título em português. Em 1985, Dennis Doros pôde restaurar Minha Rainha para a Kino, usando fotografias fixas e algumas cenas remanescentes passadas no lupanar africano, resultando uma versão de 97 minutos com o desfecho original.
Gloria adaptou-se facilmente ao cinema sonoro, pois tinha uma linda voz e cantava razoavelmente bem. No seu primeiro filme falado Tudo por Amor / The Trespasser / 1929 ela interpretou a canção “Love, Your Spell is Everywhere” e recebeu sua segunda indicação para o Oscar. Entretanto, nenhum de seus filmes subseqüentes – Que Viúva / What a Widow! / 1930, Indiscreta / Indiscreet /1931, Esta Noite ou Nunca / Tonight or Never / 1931, Casamento Liberal / A Perfect Understanding / 1933, Música no Ar / Music in the Air / 1934 – foram particularmente exitosos e nenhum deles contribuiu para revitalizar sua carreira. Ela ficou afastada das câmeras até 1941, quando retornou desastrosamente na comédia Papai vai Casar / Father Takes a Wife
Finalmente, em 1951, Billy Wilder, depois de pensar em Pola Negri, Mary Pickford, Mae Murray e várias outras atrizes da fase silenciosa do cinema, contratou Gloria para Crepúsculo dos Deuses / Sunset Boulevard, no qual ela personifica Norma Desmond, uma estrela do cinema mudo no ostracismo, que se apaixona por um jovem roteirista, Joe Gillis, (William Holden). Norma vive no passado, assistida por seu mordomo Max (Erich Von Stroheim), ex-marido e diretor de seus filmes. Ela sonha com um retorno triunfante às telas e neste processo, enlouquece. Norma fica com ciúmes da namorada de Gillis e eventualmente o mata.
Gloria foi tão convincente neste papel, que muita gente ainda hoje pensa que ela era de fato Norma Desmond. Tudo nela parece autêntico: seu vestido de oncinha, sua piteira, suas pulseiras, sua cama em forma de um cisne dourado, seu conversível. E quando Norma entra no palco de filmagem do seu antigo estúdio Paramount e se encontra com seu velho diretor Cecil B.DeMille, parece que estamos vendo a realidade.
Por seu magnífico desempenho, Gloria ganhou sua terceira indicação para o Oscar, que deveria ter sido seu e não de Judy Holiday. Ninguém jamais se esquecerá daquele instante antológico do cinema, quando Norma se levanta na cabine de projeção e, atravessada pelo facho de luz vindo do refletor, exclama com paixão: “Nós não precisávamos de diálogo! Nós tínhamos rostos!”
As tentativas de Gloria para prolongar este seu êxito (Três é Demais / Three for Bedroom C / 1952 e Mio Figlio Nerone / Meu Filho Nero / 1956), não foram bem sucedidas, obrigando-a se dedicar a outras atividades como televisão, teatro, lançamento de uma linha de cosméticos orgânicos e adesão ao movimento de comida saudável dos anos 60. Nos anos 70, Gloria fez sua última aparição na tela, como ela própria, em Aeroporto 1975 / Airport 1975 / 1974. Sempre pronta para o seu close-up.
Gloria Swanson(1899-1983)
18/04/23
Manhandled, 1924, Allan Dwan
Escravizada (1924) no iutubi aqui
Tessie McGuire é atendente em uma loja. Quando seu namorado, Johnny Hogan, vai a Detroit a trabalho, ela vai a uma festa com sua amiga, Pinkie. Lá, uma imitação de Charles Chaplin faz com que receba o convite para se tornar uma modelo, o que resulta em uma série de problemas para ela.
19/04/23
O Espelho, Zerkalo, 1975, Andrei Tarkovsky
Crítica | O Espelho (1975) por Luiz Santiago, 7 de março de 2020
"Eu havia decidido que neste filme, pela primeira vez, iria usar os recursos do cinema para falar de todas as coisas que me eram mais caras, e que iria fazê-lo diretamente, sem usar quaisquer truques". Tarkovski
Andrei Tarkovski começou a trabalhar no roteiro de O Espelho enquanto estava filmando Andrei Rublev (1966) — filme do qual vemos um cartaz em uma das cenas deste longa de 1975. Sua proposta era utilizar o cinema para mergulhar de vez na psique, memórias, emoções e visões artísticas que construiu ao longo da vida. Em sua cinematografia madura até aquele momento, composta por A Infância de Ivan, Andrei Rublev e Solaris, esses ingredientes já estavam presentes, mas entrelaçados a questões ou temáticas maiores. Em O Espelho (que consta ter tido 32 versões até o diretor ficar satisfeito com o 33ª corte e dar o filme por encerrado), não existe nada mais além da narração alinear de cenas da vida de Aleksei (Innokentiy Smoktunovskiy, o narrador), representada em diferentes tempos, espaços e através de distintos recursos de imagem.
Existem duas maneiras de enxergar a narrativa dessa crônica de uma vida: contemplando a jornada de Aleksei como espelho da jornada de qualquer ser humano ou como espelho da jornada do próprio diretor, que muitas vezes deixou claro o quanto essa obra era importante para ele, por retratar ou aludir a acontecimentos de sua infância, no campo particular (as coisas que acontecem na casa ou ao redor dela, marcando diretamente o indivíduo) e no campo externo.
Nesse caminho, atravessamos três períodos históricos, o pré (1935), durante (anos 1940) e pós-guerra (anos 1960 ou 70), e neles passam pela tela os mais variados acontecimentos, num fluxo de tempo, símbolos e signos que deixam muita gente se apegando individualmente às dezenas de significados que uma cena específica pode ter (a mãe dormindo e flutuando é a que mais suscita isso) em vez de digerir a película como uma narração poética e cheia de mistérios, confusões e interação de personagens e lugares feita por alguém em tom de confissão para o público.
Para dar conta da variação de atmosfera em cada momento da vida de Aleksei e de outros personagens centrais, como mulher Natalya/a Mãe (Margarita Terekhova), o filho Ignat/Aleksei com 12 anos (Ignat Daniltsev) e do pai (Oleg Yankovskiy), o diretor manipulou pela direção, fotografia e montagem a representação e o sentido de coisa, gerando no espectador sensações que podem ser as de paz e pertencimento (enquanto são exibidos na tela os mais diversos elementos da natureza e da vida cotidiana) ou de pura agonia ou tensão, quando cenas documentais são mostradas ou quando há uma maior lentidão ou aceleração em uma sequência, alertando-nos para um ponto de tensão, atenção e mudança. O espelho, como tema, pode ser visto tanto fisicamente quanto tematicamente, começando no fato de alguns atores interpretarem mais de um personagem, em tempos diferentes, e terminando em ações que se repetem, indicando o complemento de um ciclo da vida ou a afirmação de um ciclo vicioso, no caso de pais abandonando a família.
Todas essas informações, no entanto, estão espalhadas ao longo do filme, algumas delas com um quê de mistério em torno (o garoto num tratamento de gagueira, por exemplo) e outras propositalmente contadas fora de ordem, para que o impacto não esteja ligado apenas àquela situação em si, mas à semelhança que guarda com outros momentos… como uma imagem refletida num espelho. Através dos poemas de Arseni Tarkovski (pai do diretor, que lê seus próprio escritos em off) e da variação de cenas em cor para preto e branco e sépia, o espectador toma o fluxo de consciência do narrador como também sendo o seu, aproximando sensações e os muitos sentimentos que sabemos ou julgamos saber do protagonista, como o remorso, o arrependimento, o desejo de retorno, a nostalgia, a reconstrução de valores e de uma vida após grandes separações. A obra, assim, espelha no público aquilo que ela tão intimamente confidencia.
Nesse sentido, O Espelho representa a essência daquilo que fica para sempre em nós. O legado da maternidade e da paternidade, o desperdício inocente da infância, a amargura — às vezes paradoxalmente feliz — da vida adulta, especialmente quando olha para trás e sente muito mais quando pensa nesse passado do que ao viver no momento presente. Um filme sublime sobre as belas e as traumáticas cicatrizes deixadas em nós pela vida.
O Espelho (Zerkalo) — União Soviética, 1975
Direção: Andrei Tarkovski
Roteiro: Andrei Tarkovski, Aleksandr Misharin
Elenco: Margarita Terekhova, Oleg Yankovskiy, Filipp Yankovskiy, Ignat Daniltsev, Nikolay Grinko, Alla Demidova, Yuriy Nazarov, Anatoliy Solonitsyn, Larisa Tarkovskaya, Tamara Ogorodnikova, Yuri Sventisov, Tamara Reshetnikova, Innokentiy Smoktunovskiy, Arseniy Tarkovskiy, E. Del Bosque, Ángel Gutiérrez, Tatiana Del Bosque, Teresa Del Bosque, L. Correcer, Diego García, Teresa Rames, Olga Kizilova, Aleksandr Misharin
Duração: 107 min.
Aleksandr MisharinAlla DemidovaAnatoliy SolonitsynAndrei TarkovskiÁngel GutiérrezArseniy TarkovskiyDiego GarcíaE. Del BosqueFilipp YankovskiyIgnat DaniltsevInnokentiy SmoktunovskiyL. CorrecerLarisa TarkovskayaMargarita TerekhovaNikolay GrinkoOleg YankovskiyOlga KizilovaTamara OgorodnikovaTamara ReshetnikovaTatiana Del BosqueTeresa Del BosqueTeresa RamesYuri SventisovYuriy Nazarov
Luiz Santiago