terça-feira, 9 de dezembro de 2025

Rockin' at the Hops - Chuck Berry

Na manhã de 17 de outubro de 1961, um estudante de economia de 18 anos estava na plataforma da estação ferroviária de Dartford, esperando o trem para Londres.

Mick Jagger estava indo para a London School of Economics para mais um dia de aulas. Debaixo do braço, ele carregava dois discos que havia recebido recentemente pelo correio de Chicago: "Rockin' at the Hops", de Chuck Berry, e uma coletânea de Muddy Waters intitulada "The Best of Muddy Waters".

No início da década de 1960, na Inglaterra, esses discos não eram apenas raros — eram quase impossíveis de encontrar. As lojas de discos britânicas não estocavam blues e R&B americanos autênticos. Se você quisesse o original, precisava saber onde procurar e estar disposto a esperar semanas pela entrega internacional da Chess Records, em Chicago.

Jagger sabia onde procurar.

Enquanto ele estava na plataforma, com os álbuns visíveis debaixo do braço, outro adolescente os notou.

Keith Richards, de 17 anos e estudante da Sidcup Art College, também esperava o trem naquela manhã. Ele tocava guitarra e era obcecado por blues, rock and roll e R&B americanos — a música que a maioria dos jovens britânicos da sua idade nunca tinha ouvido. Quando viu o que Jagger carregava, não resistiu.

Aproximou-se e puxou conversa.

O mais notável é que Jagger e Richards já se conheciam — ou pelo menos, tinham se conhecido anos antes.

Ambos cresceram em Dartford, uma cidade em Kent, a cerca de 29 quilômetros a sudeste de Londres. Quando crianças, moravam a poucas ruas de distância. Suas mães se conheciam. Frequentaram a mesma escola primária — Wentworth Primary — e até brincaram juntos quando meninos.

Mas, como acontece com amizades de infância, seus caminhos se separaram.

Escolas secundárias diferentes, interesses diferentes, círculos sociais diferentes. Na adolescência, perderam completamente o contato. Podiam se cruzar na rua sem se reconhecerem.  Até aquela manhã de outubro na estação de trem, quando Keith Richards viu os discos debaixo do braço de Mick Jagger e percebeu que estava diante de alguém que compartilhava sua paixão pela música que a maior parte da Inglaterra ignorava.

"Você tem Muddy Waters!" disse Richards, aproximando-se. "Onde você conseguiu isso?"

Jagger explicou que os havia encomendado diretamente da Chess Records, nos Estados Unidos. Não era possível comprá-los na Inglaterra, mas se você soubesse o endereço da gravadora e tivesse paciência, poderia encomendá-los pelo correio de Chicago.

Richards ficou impressionado. Ali estava alguém não apenas interessado em blues e rock and roll americanos, mas dedicado o suficiente para rastrear as gravações originais, para buscar o som autêntico em vez de se contentar com covers britânicos ou versões diluídas.

Eles embarcaram juntos no trem e conversaram durante toda a viagem até Londres.

A conversa abrangeu seus músicos favoritos, as músicas que amavam, o som que ambos buscavam. Chuck Berry. Muddy Waters. Little Richard. Bo Diddley. Jimmy Reed.  Os nomes começaram a surgir — artistas que a maioria dos adolescentes britânicos nunca tinha ouvido falar, mas que representavam tudo o que havia de vital, emocionante e autêntico na música americana.

Quando o trem chegou a Londres, Richards convidou Jagger para sua casa naquela noite para ouvir os discos com calma.

Naquela noite, eles se sentaram no quarto de Richards e tocaram aqueles álbuns repetidamente, analisando o trabalho de guitarra, a interpretação vocal, a energia bruta que tornava essa música tão diferente do pop polido que dominava as rádios britânicas.

Jagger mencionou que cantava em uma banda — Little Boy Blue and the Blue Boys — que tocava principalmente covers de blues e R&B.

Eles ensaiavam, mas raramente se apresentavam, tendo dificuldade em encontrar locais interessados ​​em blues americano.

Richards pegou seu violão e tocou. Jagger ficou impressionado. O convite foi natural: Richards estaria interessado em se juntar a eles?

Richards disse que sim.

Nos meses seguintes, eles tocaram juntos, refinaram seu som e aprofundaram sua amizade.  Mas Little Boy Blue and the Blue Boys continuaram sendo uma operação de pequena escala, um grupo de entusiastas que tocavam mais uns para os outros do que para o público.

A grande virada aconteceu em 1962, quando Jagger e Richards conheceram outro jovem músico igualmente obcecado pelo blues americano: Brian Jones.

Jones era um guitarrista e multi-instrumentista de Cheltenham que se mudou para Londres especificamente para seguir carreira na música. Ele era mais velho, mais experiente e extremamente determinado. Ele havia colocado um anúncio procurando músicos para formar uma banda de rhythm and blues — uma banda séria, que pudesse realmente fazer da música sua carreira, em vez de apenas um hobby.

Quando Jagger e Richards conheceram Jones, a química foi imediata. Ali estava alguém com a mesma paixão, a mesma dedicação ao blues e R&B autênticos, mas com a ambição e as habilidades organizacionais para realmente fazer algo acontecer.

Jones já estava montando uma banda. Ele havia recrutado o pianista Ian Stewart. Estava fazendo audições com outros músicos.

Quando Jagger e Richards se juntaram, o núcleo estava completo.

Mas eles precisavam de um nome.

Segundo a lenda, Jones estava ao telefone com um jornalista que perguntou qual era o nome da banda. Jones olhou para um disco no chão perto do telefone — um álbum de Muddy Waters. Seus olhos pousaram no título de uma música: "Rollin' Stone". 

"Nós nos chamamos The Rolling Stones", disse Jones.

O nome pegou.

Os Rolling Stones fizeram seu primeiro show como banda em 12 de julho de 1962, no Marquee Club, em Londres. A formação naquela noite incluía Jagger nos vocais, Richards na guitarra, Jones na guitarra, Stewart no piano, Dick Taylor no baixo e Tony Chapman na bateria. A seção rítmica mudaria várias vezes antes de se estabilizar com Bill Wyman e Charlie Watts, mas o núcleo — Jagger, Richards e Jones — estava definido.

Desde os primeiros tempos tocando em pequenos clubes, os Rolling Stones se tornariam uma das bandas mais bem-sucedidas e influentes da história do rock. Eles gravariam dezenas de álbuns, venderiam centenas de milhões de discos, fariam turnês ininterruptas por mais de seis décadas e definiriam o que significava ser uma banda de rock and roll.

Mas tudo começou com aquele encontro casual na estação ferroviária de Dartford.

Pense em como as coisas poderiam ter sido diferentes.

Se Jagger tivesse pegado um trem diferente naquela manhã, eles não teriam se conhecido. Se Richards não tivesse notado os discos debaixo do braço de Jagger, ele não teria se aproximado. Se Jagger tivesse sido menos receptivo ou Richards menos ousado, a conversa poderia ter terminado após algumas gentilezas.

Se algum deles fosse menos apaixonado por blues americano — se gostassem de jazz, folk ou pop tradicional — eles não teriam tido aquela conexão instantânea. Se Jagger não tivesse encomendado aqueles discos específicos da Chess Records, se os tivesse deixado em casa naquele dia, Richards talvez nunca o tivesse notado.

 Remova qualquer elemento daquela manhã e os Rolling Stones talvez nunca tivessem existido.

Em vez disso, dois adolescentes que se conheciam desde crianças se reconectaram por meio de seu amor compartilhado pela música que a maior parte da Inglaterra ignorava. Essa reconexão levou a uma parceria musical que definiria o rock and roll por gerações.

A história daquela manhã de outubro se tornou um dos contos de origem mais famosos da música rock, contada e recontada em entrevistas, biografias e documentários. Jagger e Richards a recontaram dezenas de vezes, com os detalhes sempre os mesmos: a estação de trem, os discos, a conversa no trem, o reconhecimento de uma alma gêmea.

"Não me lembro de uma época em que não o conhecia", disse Jagger em uma entrevista à Rolling Stone em 1995, refletindo sobre seu relacionamento com Richards. "Nossas mães se conheciam. Não éramos melhores amigos, mas éramos amigos."

Eles eram amigos na infância. Tornaram-se parceiros na adolescência. E criaram uma obra que transformou a música popular.

 Os Rolling Stones acabariam por ir além de suas raízes no blues, incorporando elementos de rock, pop, country e experimentais em seu som. Mas essa base — o amor pelo blues e R&B americanos que uniu Jagger e Richards em uma plataforma de trem em 1961 — permaneceu no centro de tudo o que eles fizeram.

Os riffs de guitarra de Chuck Berry. O poder vocal bruto de Muddy Waters. O ritmo pulsante e a honestidade emocional do blues de Chicago. Tudo isso filtrado através de dois adolescentes britânicos que amavam tanto essa música que rastrearam gravações originais e as estudaram como textos sagrados.

Hoje, aqueles discos que Jagger carregava naquela manhã — "Rockin' at the Hops"  de Chuck Berry e "The Best of Muddy Waters" — são artefatos da história do rock. Objetos físicos que por acaso estavam no lugar certo na hora certa, catalisadores para uma conversa que mudou a música para sempre.

 E o nome da banda — The Rolling Stones, tirado daquela música de Muddy Waters — serve como uma lembrança permanente de suas origens, da música que os inspirou, do momento em que dois adolescentes reconheceram um no outro uma paixão compartilhada que valia a pena perseguir.

Uma plataforma de trem. Dois adolescentes. Alguns discos de vinil.

E daquele encontro casual: décadas de música que influenciariam inúmeros artistas, definiriam várias gerações e provariam que, às vezes, os momentos mais importantes da história acontecem quando alguém repara no que você está carregando debaixo do braço e decide puxar conversa.

Os Rolling Stones não apenas criaram a história do rock and roll.

Eles provaram que a história pode mudar nos menores momentos — se você estiver prestando atenção.

Marcos Schmidt

E mais...

Rockin' at the Hops 

Track listing

Side A

1. "Bye Bye Johnny"

2. "Worried Life Blues"

3. "Down the Road a Piece"

4. "Confessin' The Blues"

5. "Too Pooped To Pop"

6. "Mad Lad"

Side B

1. "I Got to Find My Baby"

2. "Betty Jean"

3. "Childhood Sweetheart"  

4. "Broken Arrow"

5. "Driftin' Blues"

6. "Let It Rock"  


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