terça-feira, 2 de dezembro de 2025

Filmes parte 58

 


1. Resgate suicida, The Thicket, Elliott Lester, 2024 [Apple]

2. A Bailarina, Ballerina, Chung-Hyun Lee, 2023 [Netflix]

3. Frankenstein, Guillermo del Toro, 2025

4. A melhor mãe do mundo, Anna Muylaert, 2025

5. Manas, Marianna Brennand, 2024

6. O agente secreto, Kleber Mendonça Filho, 2025

7. Um sábado violento, Violent Saturday, Richard Fleischer, 1955

8. 55 dias em Pequim, 55 Days at Peking, Nicholas Ray, 1963

9. A rainha do Nilo, Sudan, John Rawlins, 1945

10.Sol vermelho, Soleil rouge, Terence Young, 1971

11. Pluribus, Série de TV, Vince Gilligan, 2025

12. Inferno na fronteira, Hell on the Border, Wes Miller, 2019

13. Sahara, Breck Eisner, 2005

14. Gaviões e passarinhos, Uccellacci e uccellini, Pier Paolo Pasolini, 1966

15. Killer Joe - matador de aluguel, Killer Joe, William Friedkin, 2011

16. Araguaia, Hermes Leal, 2018

17. Matando sem compaixão, Billy Two Hats, Ted Kotcheff, 1974

18. O filho de mil homens, Daniel Rezende, 2025

19. Tenente Kelly, Alvarez Kelly, Edward Dmytryk, 1966

20.Até o último samurai, Ikusagami, Série de TV, direção: Michihito Fujii, 2025

21. O barco: inferno no mar, Das Boot, Wolfgang Petersen, 1981

22. Raízes do céu, The Roots of Heaven, John Huston, 1958

23. Assassinato em Yellowstone, Murder at Yellowstone City, Richard Gray, 2022

24. Refém assassino, The Killing Jar, Mark Young, 2010

25. 44 Minutes: The North Hollywood Shoot-Out, Filme TV,Yves Simoneau, 2003

26. Federal, Erik de Castro, 2010

27. The Stray, Kevin Mock, 2000

28. A experiência, Species, Roger Donaldson, 1995

29. Passagem para a vida, Man on the Train, Mary McGuckian, 2011

30. O tirano da fronteira, The Last Frontier, Anthony Mann, 1955

 

06.11.25

1Resgate suicida, The Thicket, Elliott Lester, 2024 [Apple]

Crítica: “Resgate Suicida” (The Thicket) 

Texto: Ygor Monroe 11 de julho de 2025 em Cinema/Filmes

“Resgate Suicida” surge com ares de coisa pequena, quase escondido entre tantas produções mais ambiciosas no gênero faroeste, mas entrega uma obra que, mesmo sem reinventar nada, tem personalidade suficiente para merecer atenção. O que parece à primeira vista ser apenas mais uma missão violenta entre desajustados em busca de redenção, se revela um filme que aposta em microexpressões, silêncios e um senso de caos muito mais psicológico do que propriamente físico. 

O filme se ancora na figura de Peter Dinklage, que assume o protagonismo com uma força silenciosa, seca, mas sempre ameaçadora. É uma atuação contida, que não precisa de gritos para intimidar. A forma como ele se impõe mesmo nos momentos mais calmos é parte do que sustenta o tom do longa. A presença dele carrega não apenas o personagem, mas todo o filme, que gira ao redor de sua energia contida e, ao mesmo tempo, prestes a explodir.

Mas o que realmente movimenta “Resgate Suicida” é o confronto com a figura da vilã Cutthroat Bill, interpretada com absoluta loucura e intensidade por Juliette Lewis. Ela rouba tudo quando está em cena, com um olhar demente e imprevisível que arrepia. O faroeste sempre teve seus vilões sádicos, mas aqui o que assusta é o descontrole. E o filme usa isso muito bem, colocando os personagens numa caçada onde qualquer chance de salvação parece sempre estar por um fio.

Há, sim, elementos batidos. O grupo de desajustados, a missão desesperada, os confrontos explosivos. Mas “Resgate Suicida” se diferencia pela forma como assume seu universo: tudo é podre, poeirento e brutal, mas nunca só por ser. A violência tem função narrativa, não é estética pura. E mesmo quando o roteiro escorrega na simplicidade, o elenco segura tudo com dignidade. Esmé Creed-Miles se destaca com seu olhar feroz e vulnerável, enquanto Levon Hawke começa a mostrar que não está só carregando o sobrenome famoso.

Há também um certo charme em ver James Hetfield, do Metallica, surgir como um irmão violento num papel pequeno, mas marcante. A dupla formada por ele e Macon Blair poderia facilmente ter tido mais tempo de tela. Gbenga Akinnagbe funciona bem ao lado de Dinklage, os dois criando uma química seca, de homens calejados e silenciosos, sobreviventes de um mundo onde pouca coisa ainda presta.

O maior pecado do filme é prometer mais do que entrega. O tal “thicket”, o emaranhado do título, quase não se concretiza enquanto metáfora ou ambientação. A floresta que deveria ser parte essencial da narrativa vira apenas um cenário simbólico mal aproveitado. Faltou ousadia aqui. O roteiro também poderia mergulhar mais nas camadas desses personagens. Algumas histórias pedem profundidade e são deixadas de lado em favor da próxima cena de tiroteio.

Mas no fim das contas, o que “Resgate Suicida” oferece é um faroeste direto, sujo e com alma. Uma daquelas histórias que funcionam mais pela entrega de quem está na tela do que pelo que está escrito no papel.

07.11.25

2A Bailarina, Ballerina, Chung-Hyun Lee, 2023 [Netflix]

Crítica | A Bailarina (2023), Uma balé de violência estilizada.

Por Ritter Fan 13 de outubro de 2023  

Filmes de sobrevivência e filmes de vingança têm a vantagem de poder ter elencos e durações enxutas e, mais importante do que isso, orçamentos diminutos. Não é uma regra absoluta, mas é nessa linha. E A Bailarina é mais um exemplar do segundo subgênero, desta vez vindo da Coréia do Sul, país que já há muitos anos vem oferecendo obras que retrabalham com muita originalidade e energia padrões hollywoodianos, algo que se tornou mais frequente com o surgimento dos serviços de streaming.

O grande problema da proliferação desses tipos de filme é que, como a premissa normalmente é básica e, via de regra, ganha pouco ou nenhum verdadeiro desenvolvimento dramático pelo roteiro, que prefere focar na pancadaria e na contagem de corpos, quase todo o atrativo da obra repousa sobre seus artifícios visuais, levando as categorias a serem eminentemente estilo sobre substância. E, vejam bem, não há nada de intrinsecamente errado nessa composição, pois volta e meio estilo é tudo o que é necessário para trazer frescor narrativo, vide a franquia John Wick. Mas, claro, há uma tendência a se criar belíssimos vazios que resultam naquele bom e velho entretenimento descartável.

A Bailarina é um desses casos de estilo sobre substância que bebe de diversas fontes visuais, talvez especialmente o estilo economicamente selvagem de Oldboy (o original, obviamente) e a pegada neon-noir do cinema sensorial de Nicolas Winding Refn. No longa, uma ex-guarda-costas recebe uma ligação de sua melhor amiga, uma bailarina, e, ao chegar para visitá-la, encontra-a morta em uma banheira, com um críptico recado manuscrito pedindo que ela seja vingada. Começa, então, a investigação de uma silenciosa e raivosa Jang Ok-ju (Jeon Jong-seo ou Rachel Sun na ocidentalização do nome que faz bem o papel mesmo que ele não exija quase nada dela) que não demora a localizar uma rede de escravização sexual de mulheres.

Não existe nada de particularmente sofisticado na forma como a protagonista vai do ponto A ao ponto B e assim por diante. Aliás, muito ao contrário, tudo é um pouco simples e direto demais, com Jang basicamente acertando logo de primeira, sem que o roteiro invista em rodeios para chegar logo ao ponto. Mesmo assim, curiosamente, entre uma cena de ação e outra, cenas essas que, mesmo em um filme curto como esse, são bem poucas para a média do que vemos por aí, o tal do “vazio” que mencionei mais acima se manifesta como barrigas narrativas que freiam o ritmo narrativo por vezes demais sem haver boas justificativas para isso. Claro que a relativa lentidão desses momentos mais, digamos, contemplativos, contribui para o fortalecimento da atmosfera da fita, algo que é amplificado e contrastado pelos flashbacks claros e alegres de Jang com sua amiga em um artifício para lá de clichê, mas que não deixa de ser simpático, só que há um descompasso sensível demais que atravanca a fluidez e, por vezes até, tenta complicar o que deveria ser simples, inclusive com a adição de uma segunda personagem na missão de vingança que quase nada acrescenta ao todo.

Por outro lado, as cenas de ação, apesar de curtas, são muito boas e diferentonas, além de variada. Logo no começo, na loja de conveniência em que somos apresentados à letalidade da protagonista e, depois, em toda a sequência do motel que, diria, é o money shot da fita, o trabalho de câmera da direção, que acompanha os movimentos de Jang em uma escolha que inicialmente desnorteia, mas depois diverte muito, é excelente, com a fotografia e a trilha sonora envolvendo as cenas em uma tecitura audiovisual que mais parece uma daquelas embalagens extravagantes de lojas caras.

E, quando digo que as escolhas são variadas, quero dizer que o diretor e roteirista Lee Chung-hyun faz esforço para não simplesmente repetir suas fórmulas. Sim, ele obviamente mantém uma assinatura estilística firme, característica e una, não poderia esperar diferente, mas ele procura mudar, escalando a pancadaria como é o “padrão da indústria”, mas sem fazer só o mais do mesmo. Isso fica evidente na grande sequência final no haras que faz vezes de fábrica de drogas (ou seria o contrário?), em que o visual muda completamente com um cenário mais amplo, com iluminação azulada e até mesmo o frenesi da câmera acompanhando os movimentos da protagonista ganha mais suavidade, mas sem perder o vigor.

Um passatempo ligeiro e descompromissado que consegue oferecer belos visuais e sequências de ação de qualidade, A Bailarina é mais um bom exemplar da ultra explorada subcategoria de filmes de vingança. Lee Chung-hyun floreia competentemente o básico e navega a premissa batida diligentemente, mesmo que peque aqui e ali com uma claudicância narrativa que cria vazios narrativos entre as sequências de ação repletas de energia.

08.11.25

3Frankenstein, Guillermo del Toro, 2025


A criatura (Jacob Elordi): Você pode ir, criador. Você pode desaparecer. Deve ter sido apenas um breve momento. Meu nascimento. Meu luto. Sua perda. Não serei punido nem absolvido. A esperança que eu tinha, raiva... Não é nada. A corrente que me trouxe até aqui agora o levará embora. Deixando-me à deriva. Perdoe-me.

Victor Frankenstein (Oscar Isaac): E, se você tiver coragem de fazer isso, absolva-se e permita-se existir. Se a morte é impossível, considere isso, meu filho. Enquanto você estiver vivo, você não tem escolha a não ser viver.

Entrevistas imdb vídeo

'Frankenstein': como é a versão de Guillermo del Toro do clássico, aplaudida por 13 minutos no Festival de Cinema de Veneza

Steven McIntosh, Repórter BBC, de Veneza (Itália), 31 agosto 2025

Del Toro disse dar preferência a cenários reais e procurar reduzir a computação gráfica ao mínimo possível

Alguns anos atrás, o chefe da Netflix, Ted Sarandos, estava em uma reunião com Guillermo del Toro quando perguntou ao célebre diretor quais filmes estavam em sua lista de desejos ainda não realizados.

Del Toro respondeu com dois nomes: "Pinóquio e Frankenstein".

"Então faça", respondeu Sarandos, sinalizando que a gigante do streaming iria financiar ambos os projetos. O primeiro filme, a aclamada versão dark fantasy de Pinóquio, de Del Toro, seria lançado em 2022.

Quando chegou a hora de começar a trabalhar em Frankenstein, del Toro avisou: "É grande".

Ele não estava brincando. A ambiciosa versão do cineasta mexicano do clássico que retrata um cientista louco e sua monstruosa criação é um dos grandes destaques do Festival de Cinema de Veneza deste ano.

É um projeto em que ele trabalha há décadas.

"É uma espécie de sonho, ou mais do que isso, uma religião para mim desde criança", disse del Toro aos jornalistas no festival.

Ele destaca a atuação de Boris Karloff na adaptação de 1931 como particularmente influente na fascinação que tem pela história e explica por que sua própria versão demorou tanto tempo para sair do papel.

"Sempre esperei que o filme fosse feito nas condições certas, criativamente, em termos de atingir o escopo necessário, para torná-lo diferente, para fazê-lo em uma escala que permitisse reconstruir o mundo inteiro", explica.

Agora que o processo chegou ao fim e o filme está prestes a ser lançado, o diretor brinca que está "em depressão pós-parto".

O público que compareceu à primeira exibição do filme na 82ª edição do festival o aplaudiu de pé por 13 minutos, conforme a agência de notícias AP.

Ele está previsto para estrear nos cinemas brasileiros em outubro e entra no catálogo da Netflix em novembro.

Desde que Mary Shelley escreveu o romance Frankenstein em 1818, centenas de filmes, séries de TV e histórias em quadrinhos apresentaram versões do famoso personagem. A adaptação mais recente traz Oscar Isaac no papel de Victor Frankenstein, com Jacob Elordi irreconhecível como a criatura monstruosa à qual ele dá vida.

Isaac relembra: "Guillermo disse: 'Estou criando este banquete para você, você só precisa aparecer e comer'. E essa era a verdade, houve uma fusão, eu simplesmente me conectei com Guillermo e mergulhamos de cabeça.

"Não acredito que estou aqui agora", acrescenta ele, "que chegamos a este ponto em dois anos. A sensação é de que aquilo era um auge".

Andrew Garfield havia sido originalmente escalado para interpretar a criatura, mas teve que deixar o projeto devido a conflitos de agenda decorrentes da greve dos atores de Hollywood.

Elordi assumiu o projeto em cima da hora. "Guillermo me procurou com o processo bem adiantado", lembra o ator, "eu tinha cerca de três semanas antes de começar a filmar".

"Parecia uma tarefa monumental, mas, como Oscar disse, o banquete estava lá e todos já estavam comendo quando cheguei, então tive só que puxar uma cadeira. Foi um sonho que se tornou realidade."

O filme também é estrelado por Cristoph Waltz e Mia Goth como Elizabeth, personagem que se casa com Frankenstein, mas se distancia dele à medida que demonstra mais gentileza com a criatura do que com o marido.

O filme é dividido em três partes — um prelúdio seguido por duas versões dos eventos contadas do ponto de vista de Frankenstein e de sua criação.

Mostra a infância de Frankenstein e os fatores que o levaram a começar a trabalhar no projeto. Mas também incentiva o público a ver as coisas do ponto de vista da criatura — destacando o quão maltratado ele foi por seu criador.

Em quase duas horas e meia (149 minutos), há espaço para que os personagens e suas histórias se desenvolvam. As primeiras críticas destacaram que o filme quase merece a duração que tem.

"Talvez pudesse ter sido encurtado, mas o universo criado por del Toro é tão irresistível, o retorno à grande produção cinematográfica de Hollywood tão pronunciado, que deve ser difícil de contê-lo", opinou Pete Hammond, do Deadline.

"Quando você solta um cineasta do porte de del Toro no laboratório, por que encurtar o filme?"

Avaliações menos generosas, contudo, pontuaram que o trabalho estava longe de ser o melhor do diretor.

Geoffrey McNab, do The Independent, disse que o filme era "só espetáculo e pouca substância", acrescentando: "Apesar de toda a maestria formal de Del Toro, este Frankenstein carece, em última análise, da energia necessária para realmente lhe dar vida".

David Rooney, do Hollywood Reporter, demonstrou muito mais entusiasmo, escrevendo: "Um dos melhores trabalhos de Del Toro, esta é uma narrativa em escala épica, de beleza, sentimento e arte incomuns".

Jane Crowther, da Total Film, que deu quatro estrelas ao filme, escreveu: "Magistralmente elaborado e com temática pertinente, Frankenstein, de Guillermo del Toro, é uma adaptação elegante, embora não tão ousada, com potencial para premiações."

Jacob Elordi tem sido elogiado por sua interpretação como a criação monstruosa de Frankenstein

Del Toro é um dos diretores mais queridos de sua geração, estimado na indústria cinematográfica por seu amor pelo cinema e sua ambição em torno do que o cinema pode atingir.

Aos 60 anos, o cineasta também é o preferido de Hollywood para histórias que envolvam monstros ou outras criaturas fantásticas. Seus trabalhos incluem O Labirinto do Fauno, Círculo de Fogo e A Forma da Água. Este último lhe rendeu o Oscar de melhor filme e melhor diretor em 2018.

Del Toro tem grande afeição por monstros e é conhecido por humanizá-los em seus filmes, despertando a simpatia do público por personagens antes vistos como vilões.

No caso de Frankenstein, ele diz: "Eu queria que a criatura nascesse de novo. Muitas das interpretações são como vítimas de acidentes, e eu queria beleza."

Mia Goth interpreta Elizabeth, que desenvolve uma conexão com a criatura

Sua visão e atenção aos detalhes em Frankenstein se estenderam a todos os aspectos da produção, com grande cuidado com figurinos e cenários — que são cenários físicos e realistas, em vez de gerados por computação gráfica (CGI, na sigla em inglês para "computer generated imagery").

"CGI é para perdedores", comenta Waltz, provocando muitas risadas. Del Toro acrescenta que filmar com cenários reais acaba resultando em uma interpretação melhor dos atores do que quando se usam telas verdes. Ele compara a distinção entre CGI e o trabalho manual artesanal à diferença entre "colírio para os olhos e proteína para os olhos" — uma comparação que o cineasta usa com frequência para argumentar que seus filmes não são apenas espetáculos visuais, mas também obras com substância.

Ele acrescenta, contudo, que usa efeitos digitais quando absolutamente necessário.

A ideia de criar um ser inteligente que acaba agindo sob seus próprios termos pode soar familiar hoje em dia, mas Del Toro diz que o filme "não pretende ser uma metáfora" para a inteligência artificial, como alguns críticos sugeriram.

Em vez disso, ele reflete: "Vivemos em uma época de terror e intimidação, e a resposta, da qual a arte faz parte, é o amor. E a questão central do romance, desde o início, é: o que é ser humano?

"E não há tarefa mais urgente do que permanecer humano em uma época em que tudo caminha para uma compreensão bipolar da nossa humanidade. E isso não é verdade, é inteiramente artificial."

Ele continua: "A característica multicromática de um ser humano é poder ser preto, branco, cinza e todos os tons intermediários. O filme tenta mostrar personagens imperfeitos e o direito que temos de permanecer imperfeitos".


‘Frankenstein’, de Guillermo del Toro, é carta de amor do criador à criatura

Cineasta revisita o clássico com olhar romântico e gótico, transformando o monstro em símbolo de humanidade e devoção

Ângelo Cordeiro. Publicado em 17 de outubro de 2025

Guillermo del Toro (O Labirinto do Fauno) sempre foi atraído pelos monstros — não apenas pelas criaturas fantásticas que habitam seus filmes, mas também pelos monstros que carregamos dentro de nós. Em obras como A Espinha do Diabo (2001) e O Beco do Pesadelo (2021), ele enxerga o horror nos homens e adota um tom amargo, quase desencantado, diante da crueldade humana. Já quando volta o olhar para o outro lado — para os seres rejeitados, deformados, incompreendidos — como em A Forma da Água (2017), Pinóquio (2022) e agora neste novo Frankenstein, o cineasta se deixa guiar pela ternura. É quando seus filmes se tornam cartas de amor às criaturas, lembrando que, no fundo, os verdadeiros monstros raramente são aqueles que parecem ser. (...)

09.11.25

4A melhor mãe do mundo, Anna Muylaert, 2025

A Melhor Mãe do Mundo’ combina melodrama e realismo cru

Em 'A Melhor Mãe do Mundo', Anna Muylaert mergulha na metrópole com uma lente que combina melodrama e neorrealismo, acompanhando a jornada física e emocional de uma mãe que carrega filhos, vida e dignidade na carroça.

Por Paulo Camargo, 4 de setembro de 2025

A Melhor Mãe do Mundo abre e encerra com o rosto de Shirley Cruz ocupando a tela. Gal, sua personagem, encara uma agente social para relatar uma agressão sofrida pelo namorado, Leandro (Seu Jorge). A fala é hesitante, os olhos evitam o contato, mas há firmeza na recusa ao silêncio. É esse tipo de presença, contida e resoluta, que define a atuação de Cruz e ancora o novo filme de Anna Muylaert.

A diretora, que já colocou a maternidade sob tensão em Que Horas Ela Volta? e Mãe Só Há Uma, retoma o tema deslocando-o para uma chave que mescla o melodrama à observação neorrealista. Gal não é um arquétipo nem um caso isolado: é uma mulher negra, trabalhadora precarizada e mãe solo, cuja história é contada pela lente de quem se recusa a estetizar a violência ou transformar a pobreza em ornamento narrativo.

O neorrealismo aparece menos como citação estilística e mais como postura ética. Muylaert privilegia a locação real, a luz natural e a interação viva entre atores e espaço urbano, com a câmera colada à ação para capturar a fisicalidade da jornada. Com a fotografia de Lílis Soares (Ó, Paí, Ó 2), a São Paulo filmada é a dos acostamentos perigosos, do asfalto em brasa, dos galpões isolados e das praças que se tornam abrigo comunitário à noite. É a cidade que está diante dos olhos, mas que tantas vezes treinamos para não ver.

O centro dramático se desloca no miolo para um road movie urbano: Gal, ao fugir, transforma a travessia com os filhos pela cidade numa “aventura” narrada para proteger o olhar infantil. O dispositivo remete a A Vida É Bela, do italiano Roberto Benigni, mas aqui a dimensão realista pesa mais do que o artifício. Ainda assim, há um hiato dramático nesse trecho: o rigor da observação social não se traduz integralmente em tensão narrativa, deixando a jornada momentaneamente à deriva.

O filme reencontra força no terceiro ato, quando volta à intimidade das relações. Muylaert constrói, com economia de recursos, a tensão entre Gal e Leandro — e entre o casal e a família — revelando as dinâmicas abusivas sem recorrer à sobrecarga melodramática. É nesse ponto que a fusão entre neorrealismo e melodrama encontra equilíbrio: a mise-en-scène se mantém crua, mas abre espaço para a densidade emocional que dá sentido à trajetória da protagonista.

Muylaert constrói, com economia de recursos, a tensão entre Gal e Leandro — e entre o casal e a família — revelando as dinâmicas abusivas sem recorrer à sobrecarga melodramática.

O título carrega ironia e precisão. “A melhor mãe do mundo” não é a idealizada pelo sacrifício, mas a que sobrevive e mantém sua humanidade. Não há final feliz no molde clássico; o que resta é um gesto de liberdade possível, precário e digno. É um desfecho coerente com a lógica neorrealista: não há resolução plena, mas um fragmento de vida que segue em aberto.

Nos primeiros e nos últimos minutos, A Melhor Mãe do Mundo atinge seu ponto mais alto: o rosto de Gal, a respiração pesada, o corpo como arquivo de uma luta silenciosa. Entre esses extremos, há um filme de camadas desiguais, mas sustentado por uma convicção autoral: a de que é preciso olhar de frente para vidas invisibilizadas e devolvê-las ao centro do quadro.

Gal segue caminhando, e a câmera de Anna Muylaert — como o neorrealismo sempre defendeu — caminha com ela, não para oferecer redenção, mas para registrar a resistência.

10.11.25

5. Manas, Marianna Brennand, 2024

'Manas’ é um filme necessário sobre abuso, silêncio e resistência feminina

Giselle Costa Rosa, 15/05/2025 

Há filmes que emocionam, outros que provocam. “Manas”, longa de estreia na ficção da documentarista Marianna Brennand, vai além: ele paralisa. Ambientado na Ilha do Marajó, no Pará, o filme mergulha nas entranhas de uma realidade negligenciada — a da violência sexual contra meninas em regiões ribeirinhas, onde o Estado é ausente e o silêncio, regra.

Vencedor de mais de 20 prêmios internacionais e ovacionado no Festival de Veneza, “Manas” não apenas denuncia, mas transforma seu público em testemunha de um ciclo opressor que atravessa gerações.

Sinopse do filme Manas

Marcielle — também chamada de Tielle e “Mana” — é uma menina de 13 anos que vive com a família em uma casa de palafita em Marajó. Dividindo o espaço apertado com pais e irmãos, ela tenta viver sua infância desenhando, tomando banho de rio e indo à escola. Mas a puberdade marca o início de uma mudança brutal. Incentivada a vender açaí nas balsas, ela se vê exposta a abusos. Em casa, a situação não é diferente: o pai se revela abusivo e a mãe, grávida e resignada, fecha os olhos diante do que acontece.

Entre a memória da irmã mais velha que “sumiu com um homem bom” e o desejo de escapar, Marcielle vai desvendando os horrores que cercam sua vida. À medida que as violências se acumulam, ela se vê forçada a crescer antes do tempo e, silenciosamente, procura uma saída — nem sempre possível, mas necessária.

Crítica de Manas (2025)

A força de “Manas” está no que ele se recusa a exibir. Marianna Brennand, vinda do documentário, compreende a responsabilidade de tratar de temas como abuso infantil com ética. Por isso, opta por uma mise-en-scène que protege tanto suas jovens atrizes quanto o público. Não há cenas gráficas, mas há tensão sufocante. O horror se insinua por gestos, olhares e silêncios — e o impacto é multiplicado.

A escolha de filmar com câmera na mão, em planos fechados e íntimos, nos coloca como testemunhas impotentes. Somos levados a observar tudo como se fôssemos parte da mata: presentes, mas incapazes de intervir. Essa estética se alia à montagem sensível de Isabela Monteiro de Castro e à fotografia precisa de Pierre de Kerchove, que constrói um contraste doloroso entre a beleza da natureza amazônica e a crueldade dos aconte

Uma protagonista inesquecível

Jamilli Correa entrega uma das atuações mais marcantes do cinema nacional recente. Aos 13 anos, em sua estreia, ela habita a personagem com um olhar denso, capaz de condensar medo, revolta, coragem e fragilidade em um único plano. É impressionante como sua presença domina a tela mesmo no silêncio. A cena em que encara a mãe — sem pronunciar uma só palavra — resume uma história inteira de abandono e 

Rômulo Braga, como o pai abusivo, está igualmente perturbador. Sua atuação foge do maniqueísmo: ele é odioso, mas também humano — o que o torna ainda mais assustador. Já Fátima Macedo constrói uma figura materna que dói: sua resignação nos fere tanto quanto a violência explícita. E Dira Paes, ainda que com pouco tempo de tela, carrega com dignidade o papel de uma delegada inspirada em pessoas reais de resistência na região.

A denúncia que não vira panfleto

Ao tratar de uma temática tão sensível, “Manas” poderia facilmente cair em armadilhas panfletárias. Mas não o faz. O roteiro — assinado por um coletivo de roteiristas — é firme na denúncia, mas nunca gratuito. A narrativa cresce aos poucos, saindo de uma calmaria aparente para um crescendo de agonia. Quando o suspense se instala, a tensão é quase insuportável, e o final, embora contenha um fio de esperança, não oferece catarse. É um final que nos deixa remoendo, ruminando, com um gosto amargo na boca.

O simbolismo também é uma ferramenta poderosa no filme. Um batom, um coral gospel, um gesto trivial — tudo ali carrega camadas. A religiosidade, a estrutura patriarcal, a opressão silenciosa que naturaliza o abuso estão presentes com sutileza, sem didatismo.

Limites e críticas possíveis

Apesar da força de sua proposta, o longa não escapa de algumas limitações. A população retratada no filme, por exemplo, poderia ser mostrada com maior pluralidade. Há uma falta de aprofundamento nas tradições culturais locais — que aparecem mais como pano de fundo do que como elementos vivos da narrativa.

Ainda assim, a obra escapa de exotismos e jamais finge dar conta de tudo. Escolhe seu foco e permanece fiel a ele: a história de uma menina que decide romper um ciclo.

'Manas' é chute no estômago com elenco brilhante e sensibilidade sobre abuso sexual 

11.11.25

6O agente secreto, Kleber Mendonça Filho, 2025

Agente Secreto' capta a atmosfera de um Brasil sem rumo 

Thriller intrigante e surreal de Kleber Mendonça Filho atravessa o país da ditadura, que buscava um futuro

Filme é obra sólida que proporcionou terremoto no público e na crítica

Marcelo Rubens Paiva, fsp, 09.11.2025

[RESUMO] Zeitgeist do Brasil de 1977 é o protagonista de "O Agente Secreto", escreve Marcelo Rubens Paiva, que elogia a profusão de atores espetaculares, cenas de suspense, a trilha sonora, o mistério da trama e o roteiro sem muitas explicações do novo filme de Kleber Mendonça Filho, que acaba de estrear no Brasil.

Em "Nunca Fomos Tão Felizes", filme de Murilo Salles de 1984, um pai busca o filho órfão em um colégio interno religioso e o leva para um apartamento sem móveis de Copacabana. Não sabemos o que o pai faz. Está envolvido na luta contra a ditadura? Está clandestino, se preparando para fugir com o filho para o exílio?

O que movimentava a narrativa era justamente o desconhecido. "O Agente Secreto" narra, também na ditadura, a história de um pai em fuga, Marcelo, que vai em busca do filho órfão na casa do avô, para fugirem do Brasil. Foge por quê? Como morreu a mãe?

Tudo na época dos telefones grampeados era dito em metáforas. Ninguém sabia quem era o quê? Era prudente agir com introversão e sutileza. A verdade era a conveniente. Me permite o testemunho de alguém que viveu naquela época claustrofóbica e ainda por cima andou (no banco de passageiro) em um camburão exatamente como o do filme.

Dois países se colidiam: aquele em que o Estado tratava seu povo como inimigo, tacando o terror sem controle, e aquele de uma parcela do povo acuada, que era solidária, amorosa, que mesmo arriscando a vida ajudava quem precisasse.

Marcelo se instala em um conjunto de casas de pessoas também escondidas, como o garoto que fugiu porque o queriam "homem do jeito que eles querem, o garoto é homem, mas não do jeito que eles querem", local tocado por dona Sebastiana, a pessoa mais amorosa da cidade.

Muitos da resistência que entrevistei pela vida me contaram do carinho e amor que uns sentiam pelos outros nos aparelhos, escondidos, ou nas prisões. É difícil descrever essa atmosfera de amor e horror. Atrás de tanta maldade, tinha muita solidariedade.

Naquele período, muita coisa era sem explicação. Assim é o filme de Kleber Mendonça Filho, com "Culto à Terra" na trilha, do disco esquecido de Zé Ramalho e Lula Cortês, "Paêbirú", de 1975, em uma cena de perseguição que parece ter sido feita para ela.

O magnum opus do rock psicodélico brasileiro, que ninguém comprou, sumiu das prateleiras, cuja primeira tiragem foi destruída em uma enchente, é o espelho da identidade sincretista brasileira, do duelo entre modernidade e passado, em que se jogava bola com uma manga: luz e obscuro, mito e razão, lamento e júbilo.

O disco fala da trilha milenar do povo guarani, que ligava o Atlântico ao Pacífico. Cinquenta anos depois, está no filme que atravessa o Brasil que buscava um futuro, de Chacrinha, Tarcísio Meira aos filmes "Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia" e "Iracema: uma Transa Amazônica", homenageados na abertura.

Mendonça é um caso sério. Seu cinema não passa em branco, porque é antropológico, é história, é raiz, é conflito social centenário, é coração. Quem gosta de cinema conhece seus longas e manifesta opiniões exaltadas. "O Agente Secreto" acelera no circuito de obras sólidas que marcam, nos fazem pensar e debatem o país das contradições e choques de placas tectônicas, proporcionando um terremoto no público e na crítica.

Juliette Binoche, presidente do júri deste ano do Festival de Cannes, que confessou que queria dar um prêmio maior para o longa, disse que o filme tem muitas camadas.

Nos tempos da ditadura e censura, a imprensa sensacionalista foi a salvação das empresas de comunicação. Jornais, programas de rádio e TV viraram um circo de aberrações. Está sempre no pano de fundo em "O Agente Secreto", amplificando o ruído da época.

Aproveitava-se do Brasil místico, supersticioso, assustado. A notícia de que uma perna decepada com unhas grandes e podres perseguia as pessoas na madrugada e as atacava dando chutes virou núcleo no filme.

Na música "Banditismo por uma Questão de Classe", Chico Science fala de um tempo em que se glorificava o progresso, bandidos e a televisão. Em um certo momento, canta: "Galeguinho do Coque não tinha medo da perna cabeluda."

Perna Cabeluda é uma lenda urbana do Recife, cuja paternidade é disputada. Gilberto Freyre, em "Assombrações do Recife Velho", relatou a relação nostálgica e afetiva com o passado pré-aldeia global, de uma sociedade que tratava as assombrações como parte da alma e da memória, cultuada e popularizada em cordéis. Outra camada: policiais do esquadrão da morte desovam cadáveres pelos rios e açudes. Um tubarão é encontrado com uma perna cabeluda no estômago. Perna de algum dos corpos desovados.

Enquanto isso, no cinema São Luis, o filme "Possessão" leva as pessoas a surtos, como "Tubarão", sim, o de Spielberg, "King Kong" e "O Magnífico" ou "Agente Secreto", uma sátira francesa do cinema de espionagem, com Jean-Paul Belmondo.

Tubarão, perna cabeluda, Marcelo (Wagner Moura) chegando no Recife em 1977 durante o Carnaval, atravessando uma estrada em um canavial, garotas pesquisando essa história no presente, compõem algumas camadas desse thriller intrigante e surreal.

Por certo, o ponto de partida foi a atmosfera de um Brasil sem rumo. Marcelo se meteu com pessoas poderosas e volta para a terra da pirraça. Ele não é um dissidente de esquerda, mas um acadêmico que entra em conflito com o departamento da universidade. É no meio do filme que sabemos o real motivo da fuga.

Identidade e memória são temas recorrentes até o final. Cheguei a ler as críticas que saíram lá fora, para conjecturar a universalidade do filme.

O jornal Le Monde fala da metáfora do período da ditadura: "Este membro inferior, meio decomposto na câmara frigorífica, funciona como uma metáfora do período da ditadura, com seus desaparecimentos e cadáveres nas esquinas".

O crítico da badalada revista Telerama escreveu: "Nove anos depois de um grande filme que já havia marcado o Festival de Cannes e, em seguida, os espectadores franceses, 'Aquarius'', o diretor Kleber Mendonça Filho reencontra a preciosa alquimia: um personagem central em dificuldades, tão cativante quanto encantador; uma história de suspense que se enraíza nos meandros da história do Brasil e se desenrola ao longo de décadas; uma qualidade de olhar excepcional, que dá vida a todos os protagonistas e locais filmados".

The Guardian: "Este filme, visual e dramaticamente soberbo em todos os aspectos, avança pela tela com uma confiança tranquila, fazendo pausas para saborear cada bizarro toque de comédia ou desvio erótico, ou nota de páthos, em seu caminho sinuoso até o violento desfecho".

O zeitgeist da época é, para mim, o protagonista do filme. A munição de Mendonça foi uma profusão de atores espetaculares, cenas de suspense, muita música, o mistério da trama e um roteiro sem muitas explicações. É daqueles filmes que o espectador pensa: "Preciso ver de novo". Se quer ver de novo, é porque é bom.

11.11.25

7Um sábado violento, Violent Saturday, Richard Fleischer, 1955

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UM SÁBADO VIOLENTO (Violent Saturday), 1955 [terça-feira, 11 de dezembro de 2018]

São tantos os ótimos trabalhos de Richard Fleischer que se torna obrigatório dar atenção quando seu nome assina algum filme. Mais ainda se for um policial dirigido por ele que nos deu o clássico ‘B’ “Rumo ao Inferno” (1952). Porém se no elenco encontramos os nomes de Lee Marvin e Ernest Borgnine, aí então é garantia de grandes atuações. Na pequena Brandenville (Arizona), um trio de ladrões decide assaltar o banco local, detalhando cada passo da ação. Imprevistos impedem o sucesso do assalto e causando essas eventualidades estão alguns problemáticos habitantes da cidadezinha, uma espécie de Peyton Place. O roteiro de Sydney Boehm é repleto de dramas pessoais e a paz de Brandenville esconde alcoolismo, voyeurismo, ninfomania e cleptomania, lembrando “Veludo Azul”. Mas “Um Sábado Violento” é um policial e o terço final é pura emoção, oportunidade para um homem que não foi à guerra (Victor Mature) comportar-se como herói, para alegria do filho, quando enfrenta o trio de assaltantes. Isto com a ajuda do ‘Amish’ Ernest Borgnine que resiste até onde pode para não usar de violência. Lee Marvin brilha intensamente e rouba não só o banco mas todas as sequências nas quais participa, até ser abatido por Ernest Borgnine igualmente esplêndido na curta participação. Richard Flescher dá uma aula de como usar o Cinemascope. 8/10

Cópia gentilmente cedida pelo cinéfilo e colecionador Beto Nista.

Postado por Darci Fonseca

Sinopse: Harper, um ladrão de bancos que tem se apresentado como vendedor de joias, hospeda-se em um hotel de Bradenville, uma pequena cidade adjacente a uma mina. Seus sócios, Chapman e Dill, pouco depois chegam a bordo de um trem e, sub-repticiamente, observam os procedimentos diários do Banco local. Na biblioteca da cidade, a bibliotecária Elsie Braden rouba um livro de bolso, depois de receber um aviso do banqueiro Harry Reeves de que os pagamentos de seu empréstimo estão atrasados. Ao mesmo tempo, o gerente da mina, Shelley Martin, resgata seu filho Steve de uma briga. Mais tarde, no trabalho, Shelley descobre que o filho do proprietário da mina, Boyd Fairchild, é fortemente obcecado com a infidelidade de sua esposa, Emily.

Naquela noite em casa, Shelley e sua esposa descobrem que Steve, por ser ciumento, tem brigado pelo fato do pai de seu melhor amigo ter lutado durante a última guerra, enquanto ele foi recrutado pelo governo apenas para aumentar sua produção de cobre naquele período. Enquanto isso, Harper descobre uma pequena fazenda fora da cidade e percebe que o agricultor hospitaleiro, Stadt, não possui telefone ou qualquer outro meio de comunicação moderno ou de transporte. Naquela noite, Boyd se embriaga e torna-se amigável para com Linda Sherman, uma nova enfermeira da cidade. Ela se mostra simpática com ele, embora resista aos seus avanços por ele ser casado. Quando Emily chega em casa, Linda a adverte para que pare de humilhar Boyd, ou ela vai terminar aceitando sua proposta para fugir com ele.

No seu próprio apartamento, Linda não imagina que Harry, escondido em uma viela, a observa, através de uma janela, quando ela se despe. Em seguida, ele pega Elsie jogando fora o livro roubado, mas ela o ameaça de o expor como um voyeur, se ele tentar implicá-la. Pouco antes do amanhecer, Emily desperta Boyd, e após uma discussão sincera, eles decidem renovar seu amor e tirar férias juntos. Pela manhã, Chapman e Dill raptam Shelley e o levam para a fazenda. Lá, eles o aprisionam, juntamente com a família de Stadt, no celeiro, e em seguida, levam o carro de Shelley para a cidade. Depois de simularem um acidente de tráfego, eles chamam a polícia, para distrair os policiais enquanto roubam o Banco. Harry tenta atirar nos ladrões, mas é ferido por Dill, que também atira em Emily. Em seguida, os ladrões fogem para a fazenda, onde Shelley e os Stadts conseguiram se libertar.

Stadt se recusa a ajudar Shelley a defendê-los porque eles são declarados pacifistas. Shelley, inicialmente, se recusa a entregar as chaves de um caminhão, mas decide ceder por respeito a Stadt. No entanto, depois que Chapman joga seu carro contra a porta do celeiro, Shelley atira e o mata. Em seguida, quando Harper incendeia o carro, Shelley e a família o empurram para fora a fim de evitar a queima do celeiro. Quando uma das crianças é ferida por tiros de Harper, Shelley o mata e é baleado na perna por Dill. Enquanto este recarrega sua arma, Stadt o mata com um forcado e, em seguida, pede perdão a Deus. Mais tarde, no hospital, Harry confessa à Linda que a observou através da janela, e ela o perdoa. Em seguida, ela consola Boyd pela morte de Emily, mas ele a manda embora, quando começa a chorar. Na casa de Shelley, seu ciumento filho Steve agora o tem como um herói.

11.11.25

855 dias em Pequim, 55 Days at Peking, Nicholas Ray, 1963

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Lady Sarah Robertson (Elizabeth Sellars): Lembra-se do que Napoleão disse sobre a China?

Sir Arthur Robertson (David Niven): Nunca o esqueço. "Deixem a China dormir, pois quando ela acordar o mundo tremerá."

Na China de 1900, submetida à voragem das potências colonialistas, o bairro onde se localizam as embaixadas estrangeiras é atacado pelos boxers - guerrilheiros nacionalistas (como forte acento xenófobo) - que lutam contra os dominadores estrangeiros, com o apoio (oficioso) da imperatriz Tzu-Hsi.

O ataque serve de pretexto para que o país seja invadido por um exército internacional composto por ingleses, estadunidenses, franceses, russos, alemães, japoneses e outras nacionalidades. Segue-se uma feroz repressão, com várias execuções públicas.

O filme de Nicholas Ray (que se reserva o papel de cônsul norte-americano) é uma ode às "razões do Colonialismo". Nele, os colonialistas são os heróicos defensores da Civilização, os chineses (construtores de uma cultura milenar) são um povo atrasado e inferior, e os boxers não passam de bandidos "terroristas".

O ultraconservador, Charlton Heston, está à vontade no papel de um militar estadunidense, que se apaixona por uma aristocrata russa (a bela Ava Gardner), mas a rejeita por ela ter cometido o "sacrilégio" de dormir com um chinês. Leo Genn, que foi Petrônio em "Quo Vadis", aparece caracterizado como chinês, enquanto David Niven encarna o polido embaixador britânico. A casa do colecionador 

12.11.25

9A rainha do Nilo, Sudan, John Rawlins, 1945

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Review by Michael Brooks [tradução livre]

Este é um exemplo clássico do fascínio de Hollywood por locais exóticos e distantes, e apresenta uma representação estereotipada e idealizada do antigo Egito. O enredo é bastante previsível, com o herói resgatando a princesa e acabando por se apaixonar por ela, mas o filme é elevado pelas excelentes atuações da bela Maria Montez como a forte rainha egípcia e Turhan Bey como o belo Spartacus egípcio.

O único “erro” é a escolha de Jon Hall e Andy Devine para interpretar dois batedores de carteira egípcios, enquanto praticamente todos os egípcios neste filme são interpretados por atores caucasianos. Hall e Devine parecem não pertencer realmente a esta época.

A cinematografia e o technicolor são de tirar o fôlego, capturando as paisagens e a arquitetura deslumbrantes do país. Sudão também apresenta cenas de ação impressionantes, como uma sequência de batalha emocionante no clímax do filme, com os escravos rebeldes repelindo as forças do usurpador maligno, interpretado pelo ator George Zucco, que não era estranho a esse cenário, pois havia interpretado um vilão em muitos dos filmes da Universal sobre a Múmia. Mas a força deste filme vem da grande química entre Maria Montez e Turhan Bey, que simplesmente arde com a tensão e a paixão.

No geral, Sudão foi um bom sucessor de As Mil e Uma Noites e tem todo o romance e ação que se poderia desejar desse tipo de aventura fantástica. Letterboxd

. https://letterboxd.com/film/sudan/


13.11.25

10Sol vermelho, Soleil rouge, Terence Young, 1971

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Sol Vermelho / Soleil Rouge, De: Terence Young, França-Itália-Espanha, 1971

Por Sérgio Vaz 

Em 1971, o diretor inglês nascido na China Terence Young tirou férias de Bond, James Bond e transformou paisagens da Espanha no Velho Oeste norte-americano.

Juntou em um bangue-bangue um ícone do cinema japonês, Toshiro Mifune, um do francês, Alain Delon, a beleza ofuscante da suíça Ursula Andress e da francesa Capucine, esta em uma rápida aparição, e a feiura de Charles Bronson – pouco antes de o sujeito ter Desejo de Matar em um quinteto de filmes com esse título e pouco depois de tocar gaita como o bandidão Harmonica no sinfônico spaghetti western do mestre Sergio Leone Era Uma Vez no Oeste (1968).

O resultado da empreitada, Sol Vermelho, uma co-produção França-Itália-Espanha, é hoje bem pouco conhecido, acho eu. Não é um grande filme – mas é uma mixórdia fascinante de se ver. Não pegou – mas poderia ter sido o início de um novo subgênero, o sushi western.

Leonard Maltin resume a trama assim:    “Oriente encontra Ocidente nesta estranha história de um guerreiro samurai perseguindo uma valiosa espada japonesa roubada de um trem que cruzava o Oeste americano.”

Maravilha de síntese da base da trama, embora haja muito mais que isso. Aí então o autor dos guias de filmes mais vendidos do mundo na época em que se vendiam guias de filme faz o seu julgamento: “Elementos intrigantes, refrescantemente irônico, mas negou fogo.” Tascou apenas 2 estrelas em 4 para o filme.

É: há indicações de que Red Sun, na verdade Soleil Rouge, é um filme que não fez sucesso, não deixou marcas. Peguei essa avaliação de Leonard Maltin no CD-ROM Cinemania, uma coisa preciosíssima, a mais abrangente enciclopédia sobre filmes antes da chegada do IMDb, que reúne as avaliações feitas por Maltin, Pauline Kael e Roger Ebert. Dame Kael e Ebert não perderam tempo com o filme. E sequer ficha técnica o Cinemania traz, algo bem raro.

O filme foi lançado em DVD no Brasil por uma empresa pequena, Microservice; comprei milênios atrás, e só agora resolvi ver. Chequei no JustWatch: ele está disponível no Oldfilx.

Leonard Maltin está certíssimo quando diz que o filme tem elementos intrigantes, e é uma brincadeira contada jeito refrescante.

Charles Bronson, creio eu, nunca fez um personagem tão bem-humorado.

É uma fantasia louca, mas parte de dados históricos

A idéia estranha, esquisita, nada usual de enfiar um samurai interpretado por Toshiro Mifune no Velho Oeste, sempre vestido num cuidadosíssimo quimono, nasceu na cabeça de Laird Koenig, (1927-2023), roteirista norte-americano que deixou seu nome em 16 títulos, entre eles A Menina do Outro Lado da Rua  (1976), um filme de terror com uma Jodie Foster de 14 anos de idade, e A Herdeira/Bloodline (1979), também de Terence Young, um policial com Audrey Hepburn. O roteirista Laird Koenig, no entanto, só bolou a história. O roteiro foi feito a seis mãos por Denne Bart Petitclerc & William Roberts & Lawrence Roman, três nomes que não me dizem nada.

Diz muito o nome do autor da trilha sonora: ela é de autoria do mestre Maurice Jarre (1924-2009), o cara que compôs as trilhas de, para citar só uns poucos grandes filmes, Lawrence da Arábia (1962), Doutor Jivago (1965), O Colecionador (1965), Os Deuses Malditos (1969), A Filha de Ryan (1970), Passagem Para a Índia (1984), A Testemunha (1985), nove indicações ao Oscar, três estatuetas levadas para casa.

Diacho: um filme que tem trilha de Maurice Jarre, a direção de Terence Young e esse elenco estreladíssimo é uma produção classe A, caprichada, cara.

O filme abre com um letreiro com informações para situar o leitor no contexto histórico – um recurso em geral usado em dramas sérios sobre fatos reais ou que usam elementos da História como base da narrativa. Tudo o que essa fantasia maluca não é, de jeito algum, é um drama sério, mas creio que faz sentido o letreiro que os realizadores botaram lá no início. É uma forma de dizer: olha aqui, ô espectador, tinha japonês, sim, andando de trem no Velho Oeste, tá? A história é doidona, mas, diacho, partimos de um dado da realidade…

Eis o texto:

“Em 1860, o Japão já havia aberto suas portas para o resto do mundo, e o primeiro embaixador em Washington tinha acabado de chegar após uma longa e perigosa viagem pelo mar. Dez anos depois, apesar da nova ferrovia de San Francisco, o embaixador Sakaguchi, Senhor de Bizen, iria descobrir que além dos perigos da viagem pelo mar, ainda havia mais perigos a serem enfrentados em terra, em seu caminho através do Oeste.”

Dados da realidade. Sim: os japoneses nomeados embaixadores nos Estados Unidos de fato tinham que atravessar o Oceano Pacífico e, depois, do porto de San Francisco até Washington, do outro lado do país de tamanho continental, tinham que atravessar o nada pacífico Oeste norte-americano, o Far West, aquele lugar que tinha mais bandidos do que o Rio de Janeiro tem hoje em dia – e mais os índios, que, nos faroestes, não faziam outra coisa na vida a não ser atacar os brancos.

Em Sol Vermelho, os peles-idem vão atacar, é claro.

Delon trai Bronson e passa a ser perseguido por ele e Mifune

O trem em que viaja da Costa Oeste até quase a Costa Leste o novo embaixador do Japão em Washington vai com um bom número de soldados para fazer a segurança. Mas nem todos os soldados da Cavalaria da União são páreo para a quadrilha de Link Stuart (o papel de um Charles Bronson com vasta cabeleira à la Buffalo Bill) e Gauche, o almofadinha jogador de cartas de Nova Orleans que usa a mão esquerda para tudo, daí o apelido (o papel de um Alain Delon de 36 anos, entre Os Sicilianos, 1969, e O Assassinato de Trótsky (1972).

Os bandidos conseguem se livrar dos soldados. E roubam tudo de valor que os passageiros carregavam, mais a fortuna imensa do cofre-forte – dinheiro pertencente a bancos –, mais a espada cravejada de pedras preciosas que o embaixador (o papel de Tetsu Nakamura) levava como presente do imperador para o presidente dos Estados Unidos. Para botar a mão na espada bilionária, Gauche mata um dos dois samurais (o papel de Hiroshi Tanaka) que acompanhavam o embaixador.

Tudo roubado, Gauche dá um jeito de explodir o vagão do trem em que estava o seu até então parceiro Link – e casca fora levando todo o butim.

O embaixador, seus auxiliares e o samurai sobrevivente, Kuroda Jubei cuidam do desmaiado bandido Link. E, quando ele acorda, o informam de que Kuroda Jubei vai acompanhá-lo até que encontrem Gauche e recuperem a espada roubada.

Link, é claro, protesta, tenta escapar como pode daquela missão. O samurai jura que vai matar o ladrão no momento em que o vir, e Link quer que o ex-parceiro conte onde escondeu todo o produto do assalto ao trem. São missões diferentes, uma exclui a outra – e Link não quer de forma alguma andar por aí junto com aquele japa que usa vestido.

Mas não tem outro jeito.

O samurai Kuroda Jubei, claro, é o papel de Toshiro Mifune, o sujeito que seguramente foi o ator japonês mais conhecido no Ocidente, a cara do cinema japonês durante décadas– da mesma maneira com que Ricardo Darín é a cara do cinema argentino ou Jorge Perugorría é a cara do cinema cubano das últimas décadas do século XX e das primeiras do XXI.

Quando foi para a Espanha filmar esse bangue-bangue exótico, Toshiro Mifune já havia brilhado em filmaços como O Anjo Embriagado (1948), Cão Danado (1949), Rashomon (1950), Os Sete Samurais (1956), Trono Manchado de Sangue (1957), Yojimbo, o Guarda-Costas (1961). E sempre me pareceu interessante que Toshiro Mifune esteve para o grande mestre Akira Kurosawa o que John Wayne foi para aquele outro grande mestre, John Ford.

Um bandidaço imoral e um guerreiro leal, honesto

Bem… O que temos, então, a partir aí de uns 15 minutos de filme, é que saem pela imensidão sem fim do Velho Oeste, à cata do sujeito que roubou uma imensa fortuna e mais uma espada preciosíssima, um bandido safado e safo, sem qualquer princípio moral, e um samurai orgulhoso de sua missão na vida de servir a seus senhores com lealdade, honestidade, retidão de caráter.

A caçada a Gauche por essas duas figuras antagônicas, antípodas, ocupa a maior parte dos 112 minutos do filme. E a relação do bandido com o samurai tem um monte de coisas absolutamente interessantes, fascinantes.

Link não quer, de jeito algum, ficar na companhia daquele japa vestido de saia e armado de uma grande espada, sem revólver ou espingarda. Tenta fugir dele – mas não consegue. Tenta brigar com ele – e leva uma surra. De alguma maneira, com o tempo os dois, é claro, acabam respeitando um ao outro.

Um norte-americano e um japonês, quase o tempo todo em guerra. Impossível não lembrar que, apenas 26 anos antes do lançamento do filme, seus dois países estavam em guerra, em batalhas cruéis no Oceano Pacífico e em diversos países banhados por ele. Uma guerra que começou com um ataque de absoluta surpresa das forças japonesas a uma base militar norte-americana, Pearl Harbor, no Havaí, em dezembro de 1941, e terminou com o lançamento de duas bombas atômicas americanas sobre as cidades de Hiroshima e Nagasaki, em agosto de 1945,

Impossível não lembrar também de Inferno no Pacífico, produção dos EUA de 1968 dirigida por outro inglês, John Boorman, em que, durante a Segunda Guerra Mundial, um piloto norte-americano e um capitão da Marinha japonesa são as únicas pessoas que acontecem de ir parar numa ilha desabitada no meio do Pacífico – e, embora figadalmente se odiando, são forçados a se unir para enfrentar os perigos da natureza selvagem. O piloto era interpretado por Lee Marvin. O capitão – é claro, é óbvio – por Toshiro Mifune.

Diálogos gostosos com as damas feitas por Ursula e Capucine

Certo, mas… e Ursula Andress? E Capucine?

De um modo geral, e de forma bem simplificada, as mulheres, nos westerns, ou são santas ou são pecadoras. De um lado, as mães de família, trabalhadoras, firmes, competentes, leais – ou, se solteiras, professorinhas do Primário, jovens religiosas, prendadas. Do outro, dançarinas de saloons, putas.

Ursula Andress interpreta Cristina, uma puta da cidade de San Lucas, apaixonada por Gauche, o bandido francês interpretado por Alain Delon. Ali pela metade do filme, o bandidão Link diz para o samurai Kuroda que eles devem ir para San Lucas, porque ou Gauche está lá, ou vai chegar, para ver Cristina.

O filme é todo cheio de diálogos espertos, irônicos, gozativos. Uma hora lá, Link diz para a linda Cristina, com aquela voz inconfundível de Charles Bronson: – “Cristina, você é uma puta. Sempre foi. Sempre será.” E a bela: – “Você sempre soube como falar com uma mulher”.

Em outra ocasião, Link pergunta a Cristina sobre Gauche:

Link: – “Muito mais jovem que eu. Mais bonito. Muitíssimo mais rico. Não consigo imaginar o que você vê nele. Quando você espera que ele venha aqui?”

Cristina: – “Quando ele vier”.

Link: – “E quando é isso?”

Cristina: – “Quando ele estiver a fim”.

Link: – “Ah, isso não deve demorar muito, não é?”

Cristina: – “Se você quiser saber, já faz dez dias. Bastante tempo para um homem”.

Assim como Cristina, a Pepita interpretada por Capucine é uma profissional. Ela e Link passam uma noite juntos. De manhã, o bandido ouve um barulho e instintivamente pega o revólver que estava ao lado da cama.

Pepita: – “Você sempre atira na sua companheira de cama de manhã?”

Link: – “Bem, depende do quanto ela foi boa.”

Pepita: – “E eu?”

Link: – “Vou deixar você viver”.

Pepita: – “Obrigada!”

O diretor realizou três dos primeiros filmes de 007

Terence Young (1915-1994) foi o diretor dos dois primeiros filmes da franquia 007 – os primeiros e, na opinião de muita gente, dos melhores de toda a série que parece infinita. E, depois de O Satânico Dr. No/Dr. No (1962), aquele em Ursula Andress sai do mar com um biquíni que ficou histórico, e Moscou Contra 007/From Russia With Love (1963), ele fez também 007 Contra a Chantagem Atômica/Thunderball (1965), o quarto da série. (O terceiro foi 007 contra Goldfinger, de 1964, dirigido por Guy Hamilton.)

Três filmes de 007 com Sean Connery – e três filmes com Charles Bronson. Antes deste Sol Vermelho, Terence Young havia dirigido o ator feioso em Visitantes na Noite (1970), e depois viria O Segredo da Cosa Nostra (1972).

Aqui vão algumas informações sobre Sol Vermelho tiradas da página de Trivia do IMDb. Aliás, há uns 30 itens na página – o que, de uma certa maneira, desmente aquelas minhas afirmações anteriores de que o filme não fez sucesso, não deixou marcas.

* Há uma coincidência interessante envolvendo os dois atores principais. Toshiro Mifune foi o principal ator de Os Sete Samurais (1954), o grande clássico de Akira Kurosawa que Hollywood iria adaptar como um western em 1960, Sete Homens e Um Destino, de John Sturges. Nesse filme, Charles Bronson foi um dos sete pistoleiros contratados por mexicanos de uma pequena cidade para enfrentar os bandidos que não se cansavam de saquear a aldeia.

* Tetsu Nakamura, o veterano ator que interpreta o embaixador que está no trem assaltado pelo bando de Link e Gauche, tinha um perfeito domínio da língua inglesa. Consta que ele ajudou Toshiro Mifune nas suas falas em inglês no filme.

O grande ator podia não dominar o Inglês, mas era um sujeito bem-humorado e um exímio cozinheiro. Ele divertiu os colegas de elenco e o pessoal das equipes técnicas com pratos de carnes, diversos vegetais, algas marinhas. E quis aprender receitas de comidas francesas e italianas.

* Famoso por seus papéis de bandidos, pistoleiros, homens violentos, Charles Bronson era tido como um homem muito ligado à família. Não se desgrudava da mulher, a bela atriz inglesa Jill Ireland, com quem foi casado de 1968 até a morte dela, em 1990, de câncer. Jill Ireland o acompanhou durante todas as filmagens na Espanha, com cinco filhos – um dos dois e os outros de casamentos anteriores.

* Um dos capangas mortos pelo samurai Kuroda foi interpretado por um jovem iniciante de 21 anos, cujo nome não chega a aparecer nos créditos. Era John Landis, que viria a ser um diretor, produtor e roteirista de grande sucesso, muito ligado à música, autor de vídeos de grandes astros do pop e realizador dos sucessos Clube dos Cafajestes (1978), Os Irmãos Cara de Pau (1980) e Um Lobisomem Americano em Londres (1981).

Pois é. Leonard Maltin decretou que o filme foi um misfire, negou fogo. Mas consta que o grande John Huston adorava Red Sun, e o colocava entre seus westerns preferidos, ao lado dos clássicos No Tempo das Diligências (1939) e Rio Vermelho (1948). A informação também está na página de Trívia sobre o filme no IMBd…

Estaria brincando, fazendo piada o mestre Huston, quando deu essa declaração? Pode ser. Sol Vermelho não é um grande filme, de jeito algum. Mas é bem divertido, gostoso de se ver. Uma peça rara.

Anotação em março de 2024

15.11.25

11Pluribus, Série de TV, Vince Gilligan, 2025

PLURIBUS - minhas primeiras impressões são… 

16.11.25

12Inferno na fronteira, Hell on the Border, Wes Miller, 2019

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Sinopse

A vida de Bass Reeves, um lendário cowboy afro-americano no Velho Oeste. Bass Reeves foi o primeiro vice-marechal negro dos EUA a oeste do rio Mississippi. Ele trabalhou principalmente no Arkansas e no Território de Oklahoma. Durante sua longa carreira, ele foi creditado com a prisão de mais de 3.000 criminosos. Ele atirou e matou 14 bandidos em legítima defesa. Baseado em uma história real. Adorocinema 

16.11.25

13Sahara, Breck Eisner, 2005

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Sahara (filme de 2005)

Sahara é um filme hispano-estadunidense de 2005 do gênero ação / aventura, com direção de Breck Eisner e roteiro baseado no bestseller de mesmo nome escrito por Clive Cussler.

Ainda que tenha estreado em primeiro entre os filmes mais assistidos, acumulando 18 milhões de dólares em seu primeiro fim de semana, Sahara é considerado um dos maiores fracassos financeiros da história de Hollywood. Da perspectiva financeira, Sahara foi incomum, porque foi relativamente bem ao gerar 122 milhões internacionalmente. Contudo a criação do filme esteve cercada por altos custos, incluindo-se 160 milhões de dólares para a produção e 81,1 milhões para distribuição. O prejuízo do filme foi de aproximadamente 105 milhões de acordo com um executivo envolvido com o filme, mas de acordo com os métodos de contagem de Hollywood essas perdas foram de 78, 3 milhões, levando-se em conta o faturamento projetado para o filme. De acordo com o método de Hollywood o faturamento foi calculado em 202,9 milhões contra custos de 281,2 milhões.

O Los Angeles Times fez uma longa matéria especial em 15 de Abril de 2007 dissecando o orçamento de Sahara como um exemplo de como os filmes de Hollywood podem custar tanto para serem produzidos e ainda assim falhar. Muitos dos documentos envolvidos tornaram-se de domínio público devido a um julgamento envolvendo o filme.

Enredo

O engenheiro naval, explorador e Navy SEALs em formação Dirk Pitt (Matthew McConaughey) viaja para o Mali em busca do que os habitantes locais chamam de "Navio da Morte", o couraçado CSS Texas com uma carga misteriosa. Pitt e seu amigo Al Giordino (Steve Zahn) tentam evitar o assassinato de doutora Eva Rojas (Penélope Cruz), uma cientista que está investigando a fonte de uma doença que está espalhando devastação na área. A causa é uma grande quantidade de poluição que ameaça causar um desastre ambiental. Cabe a Pitt e seus colegas da Agência Nacional Subaquática e Marinha (NUMA), instituição fictícia, localizar a fonte de poluição, dar um fim a ela e explorar a conexão entre as mortes e o navio couraçado desaparecido.

Promoção

Para promover o filme, Mattew McConaughey dirigiu seu próprio veículo movido a corrente de ar (pintado com um pôster do filme de cada lado) através dos Estados Unidos, parando em bases militares e eventos como o Daytona 500 (para abrir a corrida), estreando o filme entre fãs, dando autógrafos e entrevistas em cada parada. As linhas gerais da viagem foram mostradas no canal E!, em uma exibição especial marcada para coincidir com o lançamento do filme. McConaughey também manteve um weblog sobre sua viagem na página da MTV. Ambos a MTV e a distribuidora do filme, a Paramount Pictures são da Viacom.

De acordo com McConaughey pretendia-se que esse filme fosse o primeiro de uma franquia baseada nos romances de Clive Cussler que têm Dirk Pitt como personagem, mas a fraca recepção do filme desfez quaisquer planos de sequências ou de uma franquia.

Problemas legais

Em fevereiro 2005, Cussler tomou uma medida legal contra Philip Anschutz, o produtor, por não ter sido consultado quanto ao roteiro do filme.

17.11.25

14Gaviões e passarinhos, Uccellacci e uccellini, Pier Paolo Pasolini, 1966

GAVIÕES E PASSARINHOS

Pier Paolo Pasolini, Uccellacci e Uccellini, Itália, 1966

Por Rodrigo de Oliveira 

“E hoje vos direi que é preciso engajar-se não só no escrever mas no viver...” (trecho de Il Poeta delle Cenere, ou Who is me?, escrito por Pasolini em 1966).

Pasolini nunca foi uma unanimidade. Mesmo seus defensores costumam fazer, em algum momento, uma ressalva aqui e ali, atribuir a dúvida sobre algum de seus petardos à sua personalidade “contraditória” – característica que só é positiva quando utilizada para explicar alguém cujo talento foge de qualquer explicação. Os extras da edição recém lançada de Gaviões e Passarinhos, por exemplo, começam por negativas. Na apresentação do filme, Mario Sesti, responsável pela restauração, diz que o resultado da união do maior escritor e cineasta italiano do pós-guerra com o maior cômico do país traz ainda um grande interesse menos por seu êxito e mais justamente porque tenha falhado. No documentário que acompanha a edição, vemos primeiro cenas de rua em que transeuntes depreciam Pasolini em relação aos mestres canônicos do cinema italiano de então, Antonioni e Fellini. 

Mais adiante, entrevistas de Alberto Moravia e Cesare Zavattini (o primeiro, inclusive, sendo dos que poderíamos chamar de um “defensor”), se mostram bem críticos diante das relações entre o escritor e o cineasta que convivem em Pasolini, dizendo que este último ainda não é tão bom quanto o primeiro – o documentário, Pier Paolo Pasolini: A Filmmaker’s Life, é do começo dos anos 70, posterior, portanto, a Teorema, Medéia e ao primeiro filme da Trilogia da Vida. Pasolini, ainda hoje, teima em escapar por entre nossos dedos. Se compreender plenamente qualquer grande gênio é uma tarefa impossível, algo no cineasta italiano parece tornar essa impossibilidade o grande barato de qualquer uma dessas tentativas: poucos se expuseram tanto quanto ele, e pensar Pasolini é, antes de tudo, pensar nas imagens que ele construiu de sim mesmo no cinema e na literatura. Instáveis, erradas, incoerentes que sejam, chega a ser quase visível que, por trás de cada fotograma e cada palavra, esteja a própria carne do autor, e que cada marca no papel ou na tela seja uma marca a mais na pele de quem as projeta.

Daí que Gaviões e Passarinhos talvez seja mesmo uma falha. Como a fábula alegórica que aparenta ser, segue passos muito bem marcados na construção simplificada de uma teoria sobre o que resta do marxismo em tempos de crise moral de seus seguidores, e quais seriam as possíveis saídas para essa crise (religião ou deglutição?). Está tudo inclusive muito bem claro e explicado: há um corvo marxista, catedrático e falastrão, que acompanha o caminho de um pai com seu filho, eles mesmos pequenos burgueses de pouca instrução, e tudo aquilo que as imagens tentam dizer acaba, uma hora ou outra, verbalizado pelo próprio corvo. No fundo do drama está a inevitável luta de classes: entre as aves (mas também entre os homens) haverão sempre os gaviões e os passarinhos, e fatalmente estas duas classes, em algum momento, se chocarão, porque o gavião precisa se alimentar, e com a força que tem pode devorar qualquer passarinho oprimido. Traduzida nessa parábola franciscana, a idéia de classe se torna muito mais complexa quando incorporada pelos próprios protagonistas. No meio de seu caminho, Totò e Ninetto (Davoli, os personagens tem o mesmo nome dos atores), param na casa de uma família paupérrima, que mal tem o que comer. O terreno da casa é de Totò, e a visita é na verdade uma cobrança pelo pagamento do aluguel, cobrança fria e arrogante, típica de um gavião que ignora a miséria do passarinho que lhe deve dinheiro. “Business is business”, diz o cômico-predador num italiano que quase faz esquecer a fonte inglesa da expressão. Mais adiante, no entanto, o predador vira presa, e na casa de um tal engenheiro, pai e filho precisam explicar porque ainda não lhe pagaram a quantia devida. Acuados por dois cães enormes, os dois choram a tragédia de serem gaviões e passarinhos ao mesmo tempo, de trazerem dentro de si tudo aquilo que a teoria sempre coloca como forças isoladas. A resposta, parece dizer o filme, talvez seja o caminho do cristianismo, um sistema de pensamento (como outro qualquer) que prega justamente a harmonização das diferenças, em nome da paz.

Mas a idéia de uma resposta, ou mesmo de alguma pergunta clara, se perde no meio do caos que existe em Gaviões e Passarinhos. É provavelmente aí que “falhe”: como em toda alegoria, é preciso algum didatismo minimamente coerente e direcionado, que ensine sem deixar dúvidas sobre aquilo que deve-se aprender. Mas no filme de Pasolini o princípio gerador de cada imagem parece ser sempre a imprecisão. Sua estrutura é quase a de um filme de episódios, que mantém tanta independência entre si que não sofreriam nenhuma perda caso um projecionista invertesse a ordem dos rolos. “Dove va l’umanità?”, se pergunta um letreiro logo do início, numa frase atribuída à Mao. Totò e Ninetto são personagens completamente intangíveis, pouco se sabe sobre suas histórias, e seu destino nessa caminhada desconjuntada é um mistério. Andam, apenas, e vivem experiências isoladas que vão se amalgamando, não no sentido de construí-los, mas de dar algum corpo à essa terceira matéria intangível, o filme.

Gaviões e Passarinhos talvez seja o primeiro grande passo de Pasolini na consolidação daquilo que lançara no anterior O Evangelho Segundo São Mateus como o “cinema de poesia”. Episódio por episódio (ou estrofe por estrofe), vivemos a inteireza da experiência do contato com o mundo – ao menos aquele criado pelo próprio filme –, somos expostos a emoções às vezes até contraditórias entre si mas que, no momento em que surgem, são encarnadas como se fossem a última, e essa urgência exige uma entrega imediata: literalmente um filme em que se ri e se chora, divertido quando quer, melancólico quando preciso. Pai não declarado de A Via Láctea, que Luis Buñuel faria três anos depois, Gaviões e Passarinhos sabe que o máximo grau de surrealismo pode ser conseguido justamente pela potencialização daquilo que é mais banal na realidade: Ninetto, numa episódio-estrofe que existe única e simplesmente para permitir que o personagem seja o adolescente que é, flerta com algumas mocinhas (uma delas vestida de anjo para a celebração do Dia de Maria), tenta impressionar falando do carro de um amigo, que dirige com rapidez e destreza de piloto de corrida, lá no fim ainda descola um beijinho na bochecha – sua paixonite, o mais comum dos sentimentos de sua idade, provoca-lhe a alucinação daquela mesma anjinha aparecendo misteriosamente em todas as janelas de uma casa abandonada. Aproveitando a presença de Totò, Pasolini coloca os protagonistas em uma dúzia de situações de pura comédia física, cheias de caretas e trejeitos típico de um cinema de superfícies, ao mesmo tempo que na pequena parábola em que os dois viram frades franciscanos amplia as considerações que Roberto Rossellini tinha feito em seu Francisco, Arauto de Deus sobre a relação entre o exercício da religiosidade e a conduta da prudência, e como o ser realmente devoto precisa se entregar sem reservas aos perigos da vida: para Pasolini, todo fiel tem que ser, no fundo, um pouco Buster Keaton. Essa graça toda convive lado a lado com os lamentos da mãe que deve aluguel à Totò, que junto dos gritos lancinantes de sua filha faminta instalam no filme uma tristeza tão bela quanto devastadora.

Um filme todo errado, portanto. Os créditos iniciais, cantados por um trovador medieval ao mesmo tempo em que aparecem escritos na tela, anunciam que Pier Paolo Pasolini, dirigindo-o, arriscou toda sua reputação. É justamente essa atração pelo risco que torna Gaviões e Passarinhos uma experiência tão surpreendente: cinema é, também, uma questão de coragem. Coragem de se expor contraditório, confuso, desarticulado, e fazer justamente dessas falhas aparentes o próprio motivo da construção de uma história em imagens. Cinema engajado na vida, ela mesmo sempre muito errada. Totò, infelizmente, morreria um ano depois deste trabalho. Ninetto Davoli voltaria ainda muitas vezes a bater asas para Pasolini: depois de gavião e passarinho, seria o pombo-correio de Teorema, para o qual Gaviões e Passarinhos funciona quase como uma prévia. Lá também há um elemento estrangeiro cuja presença provoca as mais diversas reações no ninho burguês (Terence Stamp é o correspondente direto do nosso corvo marxista). Mas se em Teorema estamos próximos dos personagens para percebermos estas reações, Gaviões e Passarinhos nos abandona justamente quando elas estão para acontecer. Pai e filho matam e comem o corvo falastrão, e o que virá daquela refeição só podemos imaginar. Seguem eles pela estrada que vai para o ninguém-sabe-onde, o sol se pondo milimetricamente no centro dela, um avião decolando lá no fundo – o plano é um dos mais belos da história do cinema. Segue Pasolini por estrada parecida, sempre cheio de ruídos, sempre falhando, sempre errado: e são de erros como ele que sentimos cada vez mais falta.

18.11.25

15Killer Joe - matador de aluguel, Killer Joe, William Friedkin, 2011

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Killer Joe – Matador de Aluguel, William Friedkin

ÉRICO FUKS, Publicado em 14 de dezembro de 2012

Diretor enriquece trama convencional ao não se prender a estereótipos do género

Chris (Hirsch) é um traficante endividado que procura seu pai e propõe contratar um profissional para assassinar sua mãe e ficar com o dinheiro do seguro de vida em nome da irmã. Nas mãos de um diretor estreante ou engessado às fórmulas do cinema norte-americano, este roteiro poderia se transformar em um filme mais do mesmo. Não é o que acontece quando o thriller psicológico é conduzido pelo experiente William Friedkin (O Exorcista), que troca as obviedades e os maniqueísmos pela constante expectativa de que algo inesperado vai acontecer. Na primeira parte, temos um retrato triste e caricato de uma sociedade fracassada. Quando aparece o policial-matador Joe Cooper (McConaughey), o filme mergulha em situações tragicômicas, em que a apatia dos personagens serve de apoio ao sadismo manipulador tão lógico quanto ridículo. Killer Joe não é crítico nem alegórico em relação ao poder paralelo. Com a secura estética e a intensidade dramática, apenas traz uma lente de aumento às fraquezas e paranoias do ser humano.

18.11.25

16Araguaia, Hermes Leal, 2018

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Filme tocantinense em que militares confessam crimes da ditadura tem estreia nacional

“Araguaia”, documentário de Hermes Leal, revela como militares mataram guerrilheiros até hoje desaparecidos

Redação Gazeta do Cerrado 

Os tenentes do Exército Lício Augusto Maciel e José Conegundes Nascimento (3º e 4º da esq. para dir.) foram os militares que mais mataram na Guerrilha do Araguaia - Foto: HL Filmes/divulgação

“Araguaia”, do cineasta e escritor tocantinense Hermes Leal, estreia nacionalmente a partir de 26 de junho de 2025, no circuito de arte do país.

Com distribuição da Jalapão Filmes e narração do ator Paulo Betti, o documentário reconstrói a desconhecida Guerrilha do Araguaia, com relatos de militares e ex-guerrilheiros, que saíram do anonimato para relatar torturas e mortes, em um dos maiores extermínios de pessoas na história do Brasil.

O longa-metragem, construído a partir do seriado documental para TV “Guerra do Araguaia”, denuncia e reconstitui o massacre de 69 pessoas que faziam parte da Guerrilha do Araguaia, ocorrida entre 1972 e 1974, na floresta amazônica no sul do Pará. Pela primeira vez, militares assumem seus crimes e descrevem em detalhes como mataram dezenas de pessoas a sangue frio. Neste conflito, houve a maior mobilização de tropas no Brasil desde a Guerra do Paraguai e a Segunda Guerra Mundial; as forças militares utilizaram cerca de sete mil homens para combater e eliminar os guerrilheiros.

“Araguaia” revela a verdade dos fatos, de forma a jogar luz em um dos episódios mais obscuros da História do Brasil, ainda no anonimato. Por isso, relata, cronologicamente, os cinco anos de preparação e os dois anos de combates desta sangrenta guerra, com depoimentos de militares (coronéis e soldados); documentos secretos; relatos inéditos de guerrilheiros, que há mais de 40 anos vivem no anonimato; de camponeses, que foram torturados e mortos tanto quanto os guerrilheiros; e contextualizada por historiadores e jornalistas especializados no assunto.

O filme aborda todo o período dos combates, mostrando fatos inéditos dos dois lados do conflito, dos militares e dos guerrilheiros, e como dezenas de militantes do PC do B, vindos do Rio de Janeiro, São Paulo, Ceará e Bahia, enfrentaram um Exército bem armado, que precisou de três grandes campanhas para derrotar, decapitar e exterminar guerrilheiros mal armados, mas adaptados à selva. Até hoje, os militares não informaram o destino dos corpos de 49 pessoas desaparecidas no conflito.

Os depoimentos dos sobreviventes, oito guerrilheiros, que estão vivos porque foram presos no início do conflito, ou conseguiram escapar no calor dos combates, antes do massacre final, dão um teor real aos acontecimentos do dia a dia da guerrilha. Suas façanhas foram presenciadas por camponeses, que sofreram nas mãos dos militares tanto quanto os guerrilheiros, e até hoje mantêm suas cicatrizes e a presença dos amigos guerrilheiros em suas vidas.

Filmado nas locações onde os eventos ocorreram, na região entre Marabá (sul do Pará) e Xambioá (norte do Tocantins), “Araguaia” busca, em seu conjunto e seus desdobramentos, compreender o que foi este fato histórico do país. Foram necessários meses de investigação para localizar e convencer guerrilheiros e militares para quebrar seus silêncios e revelar tudo o que foi mantido em segredo até hoje. Até os dias atuais, nenhum militar havia assumido seus crimes publicamente, nem detalhado suas operações de guerra. Coronel Lício, por exemplo, um dos personagens do filme, pode ser considerado a pessoa que mais matou durante todo o regime militar. O longa revela também um dos maiores centros de tortura do país, senão o maior, por onde passaram mais pessoas torturadas, chamado Casa Azul, que até hoje se mantém de pé na periferia de Marabá como uma memória viva das atrocidades cometidas lá dentro. E encerra com um diagnóstico sobre a busca da verdade, a punição dos responsáveis pelas atrocidades – ainda há 49 corpos desaparecidos –, e a dor de quem perdeu seus amigos e parentes.

A narrativa reconstrói, cronologicamente, os sete anos de conflito, revelando os antecedentes, os treinamentos, as campanhas militares, até iniciar os combates, onde os militares e seus guias descrevem com detalhes como mataram, por exemplo, a guerrilheira Sônia, com oitenta tiros. Este evento é relatado pelos militares que a executaram, sendo que um deles carrega até hoje uma cicatriz do tiro recebido no rosto por Sônia antes de morrer. Relatam também a morte de vários outros guerrilheiros em cenas sangrentas, incluindo a decapitação dos corpos dos mortos, que lembram uma carnificina.

Araguaia

Documentário, 95 min., Brasil, 2025, Direção e Roteiro: Hermes Leal, Narração: Paulo Betti, Produção: HL Filmes, Produção Executiva: Julie Tseng, Fotografia: Caio Brettas, Montagem: Rafael Nantes

19.11.25

17Matando sem compaixão, Billy Two Hats, Ted Kotcheff, 1974

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Gregory Peck (1916-2003) imdb

Pablo Aluísio: Matando Sem Compaixão texto

Review by Demetrios [tradução livre]

O Ted é um ótimo diretor. Este é um dos primeiros filmes da carreira dele. Foi filmado em Tel Aviv ou no Arizona? Não consegui descobrir... talvez nos dois lugares. É um western um pouco rebuscado, mas sua fraqueza o salva do diálogo monótono. É um filme lindo, com tomadas incríveis, paisagens amplas e alguns tiroteios brutais.

Há uma cena no início do filme em que reparei que o nosso ator sacudia uma grande nuvem de poeira e ficava incrível com a iluminação... e então percebi... tenho a certeza de que já vi este tipo de cenas muitas vezes... sacudir a poeira do ombro... é um gesto tão simples, mas adicionar um pouco de terra ou sujidade ao ombro permite realmente adicionar um pouco de atmosfera à cena. São pequenos detalhes como esse em um filme que nos fazem perceber que estamos nas mãos de um profissional, ou que algum tipo de mestre da arte está por trás da câmera, fazendo mágica diante dos nossos olhos.

Não me interpretem mal, este não é um western incrível... é um pouco lento e os diálogos são um pouco óbvios, mas foi feito com cuidado e um conhecimento que não é muito utilizado hoje em dia.

Peço a todos que assistam a esses filmes e aprendam não apenas sobre posicionamento, edição e iluminação, mas também sobre os pequenos detalhes. O ar entre as cenas, as paisagens dos locais explorados, tudo o que é mostrado e não dito.. Letterboxd 

20.11.25

18O filho de mil homens, Daniel Rezende, 2025


O FILHO DE MIL HOMENS - faz mais disso, netflix! | Crítica vídeo

Conversa com o Diretor: Daniel Rezende (Turma da Mônica, O Filho de Mil Homens e mais) vídeo

‘O Filho de Mil Homens’ leva às telas sensibilidade de Valter Hugo Mãe: ‘Meditação sobre a solidão’

Adaptação comandada pelo diretor Daniel Rezende chega à Netflix nesta quarta-feira, 19, com Rodrigo Santoro como o protagonista Crisóstomo; ao ‘Estadão’, elenco e diretor falam sobre os desafios de adaptar texto emocional do autor português

Por Ubiratan Brasil, O Estado, 19/11/2025 

‘O Filho de Mil Homens’: Rodrigo Santoro e Daniel Rezende falam sobre ‘realismo mágico’ do filme

Vídeo

Em 32 anos de carreira, Rodrigo Santoro interpretou os mais diversos personagens, de um presidiário homossexual (em Carandiru) a um jovem forçosamente internado em um hospital psiquiátrico (Bicho de Sete Cabeças) e até Xerxes, líder de um exército persa, o vilão de 300. Convidado a viver o pescador Crisóstomo, protagonista de O Filho de Mil Homens, novo filme de Daniel Rezende, ele inicialmente enfrentou um bloqueio. “Fiquei com a sensação de não ter a menor ideia de como interpretar esse personagem”, disse ele, aos 50 anos, diante de um homem de poucas palavras e de sensibilidade aguçada.

Baseado no livro homônimo do escritor português Valter Hugo Mãe, o longa, que entra na programação da Netflix na quarta-feira, dia 19, depois de exibido em cinemas selecionados, acompanha a trajetória de Crisóstomo, homem solitário que, ao chegar aos 40 anos com imensa vontade de ser pai, conhece o menino Camilo (Miguel Martines), órfão de uma mulher com nanismo, e decide adotá-lo para mudar o próprio destino. A eles se juntam Isaura (Rebeca Jamir), socialmente enjeitada por não ser virgem, e Antonino (Johnny Massaro), rapaz incompreendido pela sua identidade sexual, que o torna alvo de preconceitos.

Rodrigo Santoro posa com o diretor Daniel Rezende nas filmagens de 'O Filho de Mil Homens', .adaptação do livro homônimo de Valter Hugo Mãe Foto: Marcos Serra Lima/Netflix/Divulgação

Juntos, formam uma rede afetiva a partir da empatia que leva ao acolhimento, construindo um núcleo de relações que não nasce de laços sanguíneos. “Um dos temas do filme é a adoção emocional, que reúne essas pessoas marginalizadas pela sociedade”, comenta Santoro.

Como o original de Hugo Mãe não detalha as características dos personagens e tampouco o local onde se passa a história, Daniel Rezende adaptou a trama com muita liberdade. A começar por Crisóstomo que, de verborrágico nas páginas do livro, tornou-se na tela um homem calado, observador. “Suas frases são uma espécie de haicai. Quando fala, ele pontua as palavras como um sábio, um homem profundamente conectado com a natureza. Crisóstomo cresceu sozinho, daí ser profundamente desconectado com as pessoas”, observa Santoro.

Para Santoro, Crisóstomo traz a pureza como uma grande sabedoria. “Ele aprende como ser o pai não pela violência, imposição ou autoritarismo, mas pelo acolhimento, pela escuta, pelo olhar de quem quer ver e que ensina e aprende. O masculino não precisa ser violento.”

Foi um exercício meditativo que, segundo o cineasta, envolveu toda a equipe técnica em uma mesma frequência de tempo, sem pressa ou sobressaltos. “Era preciso que compreendêssemos e nos sintonizássemos com o peso do vazio, com o som do mar que altera o ritmo. Crisóstomo tem um ritmo próprio, é um homem que escuta, que olha e vê o outro”, diz Santoro, cujo personagem tem passagens típicas do realismo mágico - como a luz que brota de seu ventre, nas noites em que está deitado na areia. “A conexão do Crisóstomo com a natureza não parte de uma crença inventada, mas de uma energia espiritual como a Kundalini, que sai de dentro de seu corpo. Tal experiência vai ajudá-lo a se relacionar com as pessoas no momento em que procura ter um filho”, completa o diretor.

Os desafios de levar as páginas às telas

O processo de adaptação, segundo Rezende, começou com o desapego da prosódia do texto do autor português, poética e fragmentada. “Ficamos com a essência do sentimento, dos temas e das personagens, além de apostar nos silêncios, nos olhares, nas metáforas, nos símbolos para construir situações nas quais o não dito fizesse com que o espectador entendesse ou sentisse o que aquele personagem estava dizendo”, explica. “Mesmo a crueldade de algumas cenas - e o filme tem cenas muito duras -, eu quis tratar com poesia e também no silêncio, buscando humanizar os personagens. Inclusive a mãe que, pressionada pelas condições da sociedade, pensa em matar o próprio filho.”

Jonny Massaro, Rebeca Jamir, Rodrigo Santoro e Miguel Martinês posam nos bastidores de 'O Filho de Mil Homens' com o diretor Daniel Rezende Foto: Marcos Serra Lima/Netflix/Divulgação

Gravado entre Búzios, no litoral do Rio de Janeiro, e Chapada Diamantina, na Bahia, o filme traz personagens delicados que, perseverantes, encontram seu espaço. Casado com uma mulher quando prefere o sexo oposto, Antonino sofre agressões físicas e humilhações até descobrir o conforto de uma família em que compartilha o amor de Isaura com Crisóstomo.

“O filme trata a masculinidade de uma nova forma, mas não necessariamente ‘desconstruída’. É sobre criar um novo ideal de masculino, sobretudo a partir da figura de Crisóstomo”, comenta Johnny Massaro, destacando outra característica de Antonino que marca todos os protagonistas: o silêncio.

“Em um mundo tão barulhento como o de hoje, o filme oferece um convite mais que necessário para a reflexão. É uma meditação sobre a solidão e sobre a necessidade de pertencimento”, comenta Santoro.

Foi tal sensação que Rezende buscou imprimir no longa ao mostrar como a solidão e a dor podem ser minimizadas quando a família que se escolhe torna possível superar o sofrimento provocado pela qual se nasce. “Proponho uma experiência cinematográfica para o espectador, convidado a entrar na frequência do Crisóstomo e dos outros personagens e a sair do cinema com esperança na humanidade, em si próprio, esperança de restabelecer conexões verdadeiras e presentes com os outros seres humanos.”

O filme que fez Valter Hugo Mãe chorar: Daniel Rezende encara o desafio “impossível” de adaptar 'O Filho de Mil Homens' vídeo

Valter Hugo Mãe: o pensamento indígena é um poema pronto deste blog

‘O Filho de Mil Homens’: Rodrigo Santoro e Daniel Rezende falam sobre ‘realismo mágico’ do filme  vídeo

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“Família é um sentimento”, diz diretor de ‘O Filho de Mil Homens’ vídeo

21.11.25

19Tenente Kelly, Alvarez Kelly, Edward Dmytryk, 1966

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Review by Andy Summers [tradução livre]

Dizem que um exército marcha com o estômago, e isso não poderia ser mais verdadeiro do que durante a Guerra Civil Americana, quando as rações se tornaram tão escassas quanto munições quando certas cidades foram submetidas a bloqueios. Alvarez Kelly é baseado em um famoso ataque confederado, o Beefsteak Raid, em que a cavalaria confederada foi atrás das linhas inimigas para basicamente roubar um rebanho de gado para salvar os habitantes sitiados da cidade de Richmond. Embora o filme do diretor Edward Dmytryk tenha um toque de precisão histórica, ele é principalmente dramatizado com duas atuações estelares de William Holden e Richard Widmark.

Alvarez Kelly (Holden) é um experiente criador de gado contratado pelo Exército da União para entregar gado para alimentar as tropas da União. Kelly é um personagem carismático, mas quando seu contrato é alterado no último minuto e ele tem que transportar o rebanho para uma estação ferroviária mais ao norte, ele fica menos do que satisfeito. Quando é sequestrado por um coronel confederado (Widmark), ele tem a chance de ganhar algum dinheiro entregando o gado às forças confederadas em Richmond, Virgínia, que estão ficando sem comida. Kelly não está convencido e também não quer arriscar a vida. Apesar do respeito mútuo entre eles, Kelly e o coronel Rossiter, de Widmark, terão uma grande discussão sobre os planos de Rossiter para ele. É uma batalha de vontades, que custará caro a ambos, mas há muito mais em jogo aqui do que simplesmente um roubo de gado.

Holden e Widmark têm um excelente desempenho, e Patrick O'Neal, no papel do oficial da União Major Steadman, também oferece uma interpretação interessante, com Janice Rule e Victoria Shaw proporcionando o glamour. Há também muita ação aqui, é um filme de guerra emocionante e cheio de adrenalina, com mais humor do que você esperaria, com Holden no seu melhor, lembrando sua atuação como Major Kendall em The Horse Soldiers, de John Ford, onde seu humor sarcástico e suas visões cínicas sobre a Guerra Civil estavam em desacordo com as de Wayne, assim como ele está com Widmark aqui. O filme também é bonito, mesmo para 1966, a cinematografia aqui é impressionante, e há um frescor no roteiro que não escolhe um lado nem segue o retrato estereotipado usual da União como os mocinhos e os confederados como os vilões. Todos sabemos por que a guerra foi travada, mas este filme fez o possível para deixar esse lado das coisas de lado e apresentar apenas um western em que heróis e vilões foram esquecidos em favor de um bom e velho filme de aventura com estilo. Letterboxd 

21.11.25

20Até o último samurai, Ikusagami, Série de TV, direção: Michihito Fujii, 2025

ATÉ O ÚLTIMO SAMURAI - uma das melhores do ano | Crítica - Temporada 1 - Ph 

22.11.25

21O barco: inferno no mar, Das Boot, Wolfgang Petersen, 1981


Crítica | O Barco: Inferno no Mar, por Ritter Fan 17 de setembro de 2021

Obra-prima
Atenção: A crítica abaixo é, única e exclusivamente, da versão cinematográfica original de O Barco (Das Boot).
Tenho bastante dificuldade para verbalizar o que sinto por O Barco: Inferno no Mar, um dos poucos filmes não americanos que talvez seja até mais conhecido por aqui por seu título original alemão, Das Boot. Eu poderia encher esta crítica de superlativos e de frases de efeito para representar o quanto eu pessoalmente adoro a obra-prima máxima da carreia Wolfgang Petersen baseado em romance escrito por Lothar-Günther Buchheim em 1973 com base em suas experiências como tripulante do submarino alemão U-96, durante a Segunda Guerra Mundial, mas eu tenho apenas uma coisa muito rápida a dizer: se você está lendo esta crítica e não assistiu ao filme ainda (independente da versão – chego nelas muito em breve), pare o que está fazendo e esbalde-se com a obra. Mas, tentando não soar esnobe, mas já soando, esforce-se para assistir em uma sentada só sem interrupções e com as vozes originais, pois só assim para se ter a experiência completa.


Conhecido por ter três versões principais – há outras ainda, mas elas não são tão relevantes -, a que é objeto da presente crítica sendo a mais curta e a que foi originalmente lançada nos cinemas do mundo, seguida por uma “versão minissérie” de seis episódios de 50 minutos cada lançada em 1984, na Inglaterra, e, finalmente, uma versão do diretor de 208 minutos lançada nos cinemas em 1997, Das Boot foi a produção mais cara da Alemanha até a época. Além disso, a obra foi um impressionante tour de force técnico de Petersen e equipe que não só filmaram tudo cronologicamente (algo raríssimo na Sétima Arte por fazer tudo custar incomparavelmente mais mais caro) de forma a permitir que a passagem de tempo fosse naturalmente alterando o humor e a aparência dos atores, como construíram diversos cenários de interior e exterior do submarino em que o longa se passa quase integralmente (curiosamente, uma dessas versões foi usada por Steven Spielberg em Os Caçadores da Arca Perdida, em produção na mesma época), além de uma réplica completa e em tamanho real da embarcação.

O foco da produção era o realismo técnico absoluto ou o mais próximo disso que as exigências cinematográficas permitissem, lógico, o que levou ao uso de consultores especialistas em submarinos (o autor do romance, porém, acabou não gostando do filme, por incrível que pareça). Em circunstâncias normais, isso poderia levar um longa de ficção a ficar preso por amarras invisíveis que o levasse a ser um semi-documentário, mas Petersen demonstrou-se um exímio cineasta ao conduzir a obra quase como se ela fosse do gênero horror, trabalhando apenas espaços confinados, quase não mostrando o exterior do submarino em patrulha pelo Oceano Atlântico e criando tensão muito mais pelo que não é visto e pelo que não é ouvido, do que o contrário, criando uma sensação de claustrofobia que raras vezes tive a oportunidade de testemunhar em uma obra cinematográfica, daquelas que nos faz ficar com as palmas das mão suando.

A mágica da câmera do diretor é inescrutável. Mesmo “decupando” as sequências mentalmente e tentando entender os recortes do submarino feitos no set de filmagens, a fluidez do trabalho é tão impressionante que por diversas vezes o espectador é quase que literalmente transportando lá para dentro, algo que é amplificado sobremaneira por uma arquitetura sonora invejável que vai desde o silêncio absoluto (ensurdecedor!) até o caos completo quando a concussão de minas de profundidade atingem a embarcação. Por um lado – e sei que isso parecerá incongruente com o que eu disse logo acima – parece que estamos vendo cenas reais feitas durante a guerra por um correspondente particularmente corajoso, mas, por outro, Petersen não se amolda à abordagem documental que normalmente pede câmera na mão, filmagem granular, desorganização de mise-en-scène e outros elementos familiares. Trata-se indubitavelmente de um filme de ficção, mas uma ficção que desafia a fronteira da realidade.

Outro grande acerto da produção – que, anos antes, era para ter sido americana, com atores como Robert Redford – foi a escalação de seu elenco. Apesar de a história ser contada a partir do ponto de vista do alter-ego do autor do romance, o Tenente Werner (Herbert Grönemeyer), correspondente de guerra que tem a função de registrar em forma de diário e fotograficamente a vida dos valorosos tripulantes da marinha do Terceiro Reich, o grande destaque fica por conta do estoico capitão (sem nome) vivido por Jürgen Prochnow, pois é a postura cínica do personagem em relação à guerra e ao comando de seu país, em contraste com a visão mais inocente do próprio Werner e da tripulação mais jovem do U-96, que estabelece o tom da narrativa e que conta a história principal que, como em todo grande filme de guerra, não é, claro, a guerra, mas sim a insensatez da guerra.

Aliás, esse é um dos poucos filmes em que o espectador é convidado – ou seria melhor dizer desafiado? – a simpatizar e, mais ainda, a torcer por nazistas. Claro que a clara posição filosófica do capitão, apesar de sua lealdade à hierarquia de comando, facilita essa tarefa, assim como o fato de haver relativamente pouca iconografia nazista e apenas um personagem abertamente nazista, mas Petersen propositalmente nos faz olhar os marinheiros com outros olhos. O confinamento e isolamento deles em uma lata de sardinha no fundo do Atlântico e do Mediterrâneo é a ferramenta que o diretor usa para igualar os tripulantes ao mais heroico dos soldados dos Aliados, ao mesmo tempo funcionando como uma forma de distanciar esse recorte da guerra do conflito armado que, mal ou bem, estamos acostumados a ver nas telonas e telinhas. Pelo menos para os fins de Das Boot, não há bandeiras, não há lados, não há outra posição que não seja a do ser humano lutando por algo que não entende e com que não se relaciona e fazendo sacrifícios terríveis neste processo.

Diria até mesmo que o grande trunfo do longa é justamente nos fazer olhar para os homens e não para os soldados, afastando uniformes e patentes e colocando a frente corações e mentes. O desafio que Petersen propõe é justamente o de nos fazer perceber que o conflito armado, apesar de inevitável (e, pessoalmente, acho que até faz parte da natureza humana), não deve ter o condão de nos retirar a humanidade, pois é justamente aí que realmente perdemos as batalhas e as guerras, que nos tornamos meros peões robóticos de uma estrutura erigida não para nós, mas apesar de nós. O submarino de O Barco é um microcosmo da mente humana e cada blip do sonar é um batimento cardíaco…

O Barco - Inferno no Mar: um dos maiores filmes de guerra de todos os tempos! Sextou! vídeo

Das Boot (O Barco, 1981) - Crítica do filme vídeo

Em 18 de maio de 1936 nascia a atriz e cantora francesa Rita Cadillac, em 18 de maio de 1936 nascia a atriz e cantora francesa Rita Cadillac, cujo nome inspirou o nome da famosa chacrete.

Horatio Monteyro

Assisti "Das Boot": tomadas eletrizantes, retratando o ambiente extremamente asfixiante de um submarino. Perfeito! Mas sou obrigado confessar minha ignorância: quando verifiquei nos créditos iniciais a presença no filme da Rita Cadillac, imediatamente associei à homóloga dançarina brasileira, a qual evidentemente nunca apareceu no dito filme. Restou a curiosidade, e somente hoje, lendo esse texto, entendi o porquê. Parabéns pelas sempre interessantes resenhas. Em tempo: a sequência no cabaré retrata a baixaria do regime vigente à época na Alemanha.

Rita Cadillac imdb

23.11.25

22 Raízes do céu, The Roots of Heaven, John Huston, 1958

No iutubi aqui 

Por Sérgio Vaz

No longínquo 1958, vários anos antes de surgir o movimento ambientalista, décadas antes de as instituições internacionais e os governos dos países reconhecerem que a humanidade está pondo em sério risco o planeta em que vivemos, o grande John Huston lançou um filme que fazia um alerta assertivo, forte, virulento, sobre os perigos da destruição da natureza.

O tema específico de Raizes do Céu/The Roots of Heaven – baseado no premiado romance Les Racines du Ciel, do escritor, diplomata e veterano aviador da Segunda Guerra Romain Gary, publicado dois anos antes, em 1956 – é a caça, a dizimação, o perigo de extinção dos elefantes. Mas os elefantes são, obviamente, uma metáfora para toda a natureza.

Não é considerado um grande filme, nem um dos melhores do diretor excepcional – mas um John Huston, qualquer que seja, é melhor que boa parte dos filmes. Tem uma imensa quantidade de belíssimas sequências filmadas nas selvas africanas, diálogos esplendorosos, marcantes, grandes astros em belas interpretações. É uma obra feita com paixão por um dos maiores cineastas do século XX – e é absolutamente irônico lembrar que ele próprio tinha prazer em caçar.

O protagonista, o herói da história, Morel (o papel do inglês Trevor Howard, na foto abaixo), é um daqueles homens gigantescos, que lutam por seu ideal sem vacilações, sem dúvidas, sem descanso – obstinadamente, loucamente, quixotescamente. Daqueles homens que, como diria Bertold Brecht, são os imprescindíveis.

– “Este homem, Morel, na verdade não está defendendo os elefantes”, diz, no meio do bar em que todos criticam a campanha de Morel para banir a caça aos elefantes, o ex-militar britânico Dick Forsythe, interpretado por Errol Flynn, um dos maiores astros do cinema americano de todos os tempos. – “Ele está nos defendendo. Estamos todos ameaçados de extinção.”

Gostaria de ter todos os filmes de John Huston no meu site, mas é claro que não vou conseguir. São muitos filmes – 47 ao todo; no site estão comentários sobre apenas uma dúzia deles, contando com este aqui. Não tinha visto ainda Raízes do Céu. Ainda bem que existe o YouTube.

Um idealista começa a campanha – e vai obtendo apoios

O veterano naturalista Peer Qvist (o papel de Friedrich von Ledebur) responde com uma beleza de declaração ao enviado do governo, Saint Denis (Paul Lukas), que o questiona por ter se unido à campanha de Morel contra a caça aos elefantes. Saint Denis diz a ele: – “Monsieur Qvist, quando lhe ofereceram hospitalidade na África Equatorial Francesa, imaginava-se que tivesse vindo para uma missão científica.” Ele não diz, mas fica claro que pretendia dizer: “Não era para vir interferir nas atividades econômicas do país”.

A resposta do velho naturalista é o cerne do que o livro de Romain Gary e o filme de John Huston querem dizer. É dela que se extrai o título tanto da obra literária quanto do filme – e dá para imaginar que no filme ela seja fiel à dita no romance, já que o romancista assina o roteiro deste Raízes do Céu, ao lado de Patrick Leigh-Fermor:

– “Eu protejo todas as espécies. Todas as raízes vivas que o céu plantou na Terra. Tenho lutado toda a minha vida por sua preservação. O homem está destruindo as florestas, envenenando os oceanos, envenenando o próprio ar que respira com radiação. Os oceanos, as florestas, os animais, a humanidade são as raízes do céu. Envenene as raízes do céu e as árvores morrerão. As estrelas se apagarão e o céu será destruído.”

O cerne, o significado da história. O herói, o quixotesco idealista Morel. Dick Forsythe, o ex-militar britânico que vive bêbado, mas enxerga melhor que a imensa maior parte das pessoas do lugar. O naturalista Peer Qvist, que, como Forsythe, adere ao exército Brancaleone de Morel. O lugar em que se passa ação, a África Equatorial Francesa. Já citei tudo isso. O que falta é um resumo da trama, uma sinopse.

Tomo como base uma boa sinopse escrita no IMDb por um leitor chamado Les Adams. As sinopses devem trazer o nome dos atores, então repito os que já foram citados.

Em Fort Lamy, África Equatorial Francesa (região que viria a ser a República do Congo), o idealista Morel (Trevor Howard) lança, solitariamente, uma campanha para preservar da extinção os elefantes. A princípio, ele tem o apoio apenas de Minna (o papel de Juliette Gréco), que cuida de um bar-nightclub de propriedade de um sujeito meio sem caráter, Habib (Gregoire Aslan), e um major britânico agora na reserva, Forsythe (Errol Flynn, na foto abaixo). Mais tarde, um renomado naturalista, Peer Qvist (Frederick Ledebur), também adere.

A cruzada de Morel acaba ganhando grande ímpeto quando passa pela região um jornalista da TV norte-americana, tão famoso quanto exagerado, presunçoso, teatral, Cy Sedgewick (um papel perfeito para o histrionismo de Orson Welles, em participação especial). Sedgewick fica impressionado com a luta daquele idealista, e passa a falar sempre dele em seu programa.

Morel abandona sua postura pacifista, legalista, e passa a praticar ações tipo guerrilha contra os grandes caçadores de elefantes. Nessa altura, ele tem o apoio também de Waitari (Edric Connor), um dublê de líder político revolucionário com senhor de guerra, que tem entre os seguidores um grande grupo armado.

A luta de Morel vai ganhando apoio do povo – e atraindo a oposição do governo da possessão francesa e dos grupos milionários de caçadores e contrabandistas de marfim.

Um livro profético”, definiu John Huston

Vários dos mais de 30 romances de Romain Gary (1914-1980), alguns assinados com seu pseudônimo de Émile Ajar, foram transformados em filmes – se minhas contas a partir da filmografia dele no IMDb estiverem certas, foram 18 filmes baseados em obras do romancista. Ele chegou a se aventurar na direção: em 1968, lançou Desejo Insaciável/Les Oiseaux Vont Mourir au Pérou, com roteiro dele, baseado em história original dele. E em 1971 lançou Kill, também com roteiro original dele. Esses dois filmes que dirigiu foram estrelados por Jean Seberg, com quem foi casado entre 1962 e 1970.

Les Racines du Ciel foi seu quinto livro, e venceu o Goncourt, o mais importante dos prêmios literários da França, em 1956. No ano seguinte, foi traduzido para o inglês – e apenas dois anos depois do lançamento, virou o filme de John Huston.

Todas as sequências de exteriores foram rodadas de fato na África, na região que na época era a África Equatorial Francesa. Vejo agora que foi exatamente em 1958, o ano de lançamento do filme, que parte do que era a África Equatorial Francesa passou a ser a República do Congo, que ganharia completa independência em 1960.

É fundamental lembrar que não era novidade para John Huston, o mais aventureiro de todos os cineastas, filmar em plena selva africana. Em 1951, ele já havia levado para a África Central os astros Humphrey Bogart e Katharine Hepburn e mais uma grande equipe de técnicos para filmar aquela deliciosa, maravilhosa obra-prima que é Uma Aventura na África/The African Queen.

Huston fala bastante de Raízes do Céu em sua fascinante, apaixonante autobiografia, An Open Book, de 1980, lançada no Brasil em 1987 pela LP&M, em tradução de Milton Persson. “Duas ou três pessoas me falaram de Raízes do Céu, de Romain Gary, que tinha recebido o prêmio Goncourt na França. Li o livro, gostei, me reuni com Gary – na época cônsul francês em Los Angeles – e conversamos sobre a idéia de transformá-lo em filme.”

Huston sintetiza a importância da obra de Gary em uma frase perfeita: “Raízes do Céu era um livro profético, antecipando as preocupações dos ecologistas modernos”. E ele diz isso em um livro lançado em 1980!

Zanuck que amava Juliette Gréco que falava mal dele

Aconteceu que o grande e poderoso produtor Darryl F. Zanuck havia comprado os direitos para a adaptação do livro – e procurou Huston para que fizessem o filme juntos. Seria a primeira colaboração dos dois, embora se conhecessem, fossem amigos. Huston conta que chegou a ficar ressabiado, por não querer ter nova experiência com “outro produtor impositivo”, depois de ter feito Adeus às Armas com o também todo-poderoso David O. Selznick. Mas aceitou a proposta – e, ao longo de todo o capítulo em que fala de Raízes do Céu, o de número 25 dos 37 de sua autobiografia, só tem elogios para Zanuck.

“Sua única exigência foi que Juliette Gréco desempenhasse o principal papel feminino. Gréco, ex-cantora de boates, era amiga de Simone de Beauvoir, Albert Camus e outros existencialistas franceses. Quase todas as letras de suas canções refletiam a filosofia desse movimento

filosófico. Eu já havia assistido a um de seus recitais e constatado o magnetismo que se irradiava dela no palco.”

Mais adiante, Huston narra que logo percebeu, durante as filmagens na África, que Zanuck estava apaixonado pela atriz e cantora – e não era correspondido. “Ela se mostrava francamente grosseira com ele, falando mal pelas costas – inclusive comigo, até que dei um basta.”

Faço um rápido parênteses para registrar que pouco depois Darryl F. Zanuck reincidiria na coisa de escalar para filmes produzidos por ele a mulher que amava – e, de novo, foi uma francesa, Irina Demick. Zanuck providenciou para ela o papel de uma lutadora da Resistência Francesa da supersuperprodução O Mais Longo dos Dias/The Longest Day (1962), que reconstitui o Dia D, o dia da invasão da Normandia pelas tropas aliadas.

Sempre soube da história de Zanuck e Irina Demick. Vejo agora na Wikipedia que, antes de escalar Juliette Gréco como Minna ele já havia tentado impulsionar a carreira da polonesa Bella Darvi – e, depois de Irina Demick, ainda fez o mesmo com uma quarta atriz européia, Geneviève Gilles, francesa de ascendência romena.

A luta entre Huston e Errol Flynn, uma história fantástica

John Huston e Errol Flynn haviam tido uma briga feia, horrorosa, anos antes – e não uma briga de argumentos, palavras, mas de braços, punhos, mãos. E havia sido em uma festa na casa do outro produtor todo-poderoso e mandão, David O. Selznick. (Que, aliás, com perdão pela interrupção, havia feito com Jennifer Jones exatamente o que Zanuck fez com as quatro atrizes citadas: tentando transformá-la em uma estrela gigantesca. Mas essa é outra história.)

Tinha sido de fato muito antes, ainda nos anos 40, durante a Segunda Guerra Mundial. Encontraram-se em um dos saguões da mansão de Selznick, cada um com um copo na mão. “Resolveu me provocar”, conta Huston, no capítulo 8 de sua autobiografia. “Não demorou muito para dizer qualquer coisa de infame a respeito de alguém – uma mulher em quem eu já havia andado interessadíssimo e a quem ainda dedicava profunda afeição. Fiquei indignado com o comentário e retruquei: – ‘É mentira! E mesmo que não fosse, só um filho da puta seria capaz de repetir uma coisa dessas!’ Errol perguntou se eu queria chegar às vias de fato, e eu respondi que sim. Saiu na minha frente e fomos para os fundos do jardim – sozinhos. Ninguém notou nossa ausência da festa.”

É necessário registrar: tanto John Huston quanto Errol Flynn haviam treinado boxe quando mais jovens. “Não sei quanto tempo durou aquilo”, escreveu John Huston. “Eu estava em ótima forma física e Errol era um grande atleta e bom pugilista; sabia se defender e contava com uns 12 quilos de vantagem sobre mim.”

Mais adiante: “A briga, a essa altura, já durava quase uma hora. Não houve nenhum golpe sujo. Tudo se passou rigorosamente de acordo com as normas do marquês de Queensberry – por isso tiro meu chapéu para Errol Flynn.”

Bem, para não encompridar demais, lá pelas tantas – segundo o relato de Huston – as pessoas da festa saíram até o jardim, viram a luta e apartaram os dois boxeadores. “Errol baixou ao hospital naquela noite, enquanto eu pernoitava na casa dos Selznicks e ia para outro hospital na manhã seguinte.”

Passaram quase 12 anos sem se ver.

Quando estavam se preparando para filmar Raízes do Céu, Darryl F. Zanuck perguntou a Huston se ele tinha objeção a fazer sobre a escolha de Errol Flynn para o papel de Dick Forsythe. “Claro que não, pois achei que seria perfeito para o papel. Ele apareceu logo depois da nossa chegada (à África) e nós dois nos apertamos as mãos. Era nosso primeiro encontro desde aquela noite sanguinolenta séculos atrás em casa de Selznick.”

Huston detestou o roteiro, e achou que o filme não ficou bom

Que história, meu Deus!

Acabei me alongando ao reproduzir o que John Huston conta sobre o filme, mas é que o cara escreve da mesma maneira envolvente, agradável, deliciosa com que filma. Dá vontade de transcrever outras passagens do capítulo em que ele fala sobre as difíceis condições que a grande equipe teve que enfrentar durante as filmagens, no calor insuportável que chegava a 50 graus e de noite não baixava para menos de 40, as doenças que afligiram dezenas e dezenas de pessoas…

Mas vou agora me concentrar no mais importante do que o cineasta diz sobre o filme em sua autobiografia: John Huston não gostou do roteiro, e não gostou do resultado final.

Encomendou o roteiro a um querido amigo seu, Patrick Leigh Fermor, “escritor e homem absolutamente excepcional”. Quando recebeu o roteiro, não gostou nada. “O livro de Gary apresenta uma proposição filosófica bastante incisiva, mas o argumento que eu tinha agora nas mãos destinava-se a um filme de ação – bem fraco, por sinal. Os escritores de talento pouco familiarizados com a linguagem cinematográfica tendem a popularizar o material que lhes dão para adaptar para a tela. Não querem parecer literários e por isso vão se inclinando para trás, cada vez mais, e acabam levando um tombo. Foi o que aconteceu nesse caso. O que me entregaram era uma sucessão de cenas de ação sem a mínima coerência ideológica.”

Há aí um detalhe. Os créditos dão que o roteiro é de Romain Gary e Patrick Leigh Fermor, mas Huston não cita Gary como tendo participado da redação do screenplay.

Huston argumenta que chegou a pensar em adiar o início das filmagens, para talvez conseguir um roteiro melhor – mas o produtor Zanuck já estava com tudo preparado para o início das filmagens nas selvas africanas. “Seria inconcebível optar por essa alternativa (adiar a produção), mas hoje, pensando bem, acho que era o que deveríamos ter feito. Tem horas em que o inconcebível é a única solução.”

Um grande elenco. Howard, Flynn e Juliette estão excelentes

Os críticos, de maneira geral, parecem concordar com o próprio autor: para eles, Raízes do Céu não é um bom filme.

Antes de transcrever algumas opiniões, no entanto, gostaria de registrar alguns pontos sobre os atores e o que lá eles chamam de “billing”, a ordem com que os nomes dos atores aparecem nos créditos e nos cartazes. Gosto sempre de lembrar e enfatizar que essa ordem de colocação dos nomes – que ainda tem peso hoje em dia – era importantíssima na era dos estúdios. Tinha grande valor para o ego dos artistas, que disputavam a ferro e fogo o “top billing”, o primeiro lugar, antes do título – mas também para o marketing dos filmes. Muitas vezes, a ordem dos atores nos créditos iniciais e nos cartazes não condizia, de forma alguma, com a importância de seu personagem no filme. É exatamente o caso aqui.

A ordem nos créditos é cartazes é Errol Flynn, Juliette Gréco (sem o acento, já que no Inglês isso não existe), Trevor Howard, Eddie Albert – e Orson Welles. Na realidade, o monstro Orson Welles aparece na tela durante uns 4, no máximo 5 minutos dos 126 que dura o filme. É, de fato, uma participação especial, um “cameo role”, como eles chamam.

O personagem interpretado por Eddie Albert – Abe Fields, um repórter fotográfico aplicadíssimo a seu ofício, que põe o dever de fotografar acima de tudo – só aparece aos 86 minutos dos 126 de duração. Mas Eddie Albert era um ator bastante popular na época do lançamento.

Toda a história se desenvolve em torno de Morel, o idealista, o Don Quixote que começa sozinho uma cruzada para banir a caça aos elefantes na África Equatorial Francesa – mas, para as platéias americanas, o inglês nada galã Trevor Howard – grande ator, excelente no papel central da história –  não era assim propriamente um atrativo, alguém que levasse as pessoas às bilheterias. E daí seu nome aparece em terceiro lugar.

Para o primeiro lugar, no alto, o top billing, foi Errol Flynn, o gigantesco astro, o australiano de belíssima faccia que havia conquistado o coração de milhões de americanas desde que interpretou o Capitão Blood no sucesso arrasador de 1934, passando depois por outros imensos sucessos como A Carga da Brigada Ligeira (1936), As Aventuras de Robin Hood (1938), As Aventuras de Don Juan (1948), A Glória de Amar (1949).

Por uma grande e triste ironia, em 1958, com apenas 49 anos, alcoólatra, cheio de problemas financeiros, Errol Flynn parecia muito mais velho, e sua faccia já não era tão bela. Coube a ele, astro decadente, sempre enfiado na bebida, o papel de um militar decadente, sempre enfiado na bebida – papel que, na minha opinião, executou com maestria. Como era o maior astro do elenco, então ganhou o “top billing”.

Ele morreria no ano seguinte ao lançamento de Raízes do Céu, de ataque cardíaco. Tinha apenas 50 anos de idade.

Para o segundo lugar nos créditos e nos cartazes, o todo-poderoso produtor David O. Selznick, então dono de sua própria empresa, antes de virar o chefão da 20th Century Fox, botou Juliette Gréco. Creio que porque era bom ter uma mulher, um “female interest”, para atrair público às bilheterias. E, mesmo que não fosse lá bem conhecida do público americano, era uma francesa, o que tem lá um certo apelo.

Eu conheço bem pouco destes dois grandes, importantes artistas, o astro de Capitão Blood e As Aventuras de Robin Hood e a cantatriz que passou para a História como “a musa do existencialismo” – mas ver Raízes do Céu me deu imensa curiosidade, vontade de ler sobre eles, saber, nem que seja um pouquinho, fatos sobre eles.

E é fascinante como os dois estão bem em seus papéis – o ex-militar bêbado que enfim vê uma chance de redenção na defesa dos elefantes, e portanto da vida no planeta, e a mulher experiente, amarga, vivida, que havia sido abusada pelos nazistas durante a Segunda Guerra, passara por prostíbulos na França e, desterrada no meio da África, sabia muito bem o que significa sofrer.

O filme não foi bem recebido pela crítica

Leonard Maltin deu apenas 2.5 estrelas em 4 para o filme: “Túrgido melodrama passado na África, com elenco conglomerate filosofando sobre a santidade dos elefantes; livremente baseado em romance de Romain Gary”.

Turgid! O que raios é mesmo túrgido? Ah… Dilatado, inflado, intumescido, inchado. Mas o que será que Maltin quis dizer com conglomerate cast? Cheio de atores estrangeiros, não-americanos? Deve ser. Sei lá.

Jean Tulard não gostou nada, e também fala do elenco grande e multinacional: “Apesar do elenco brilhante, o filme sofre com um roteiro de Romain Gary (é o que ele escreve em seu Guide des Films, o que eu posso fazer?), cheio de um falso humanismo e de um peso simbólico insuportáveis. Falação demais.”

Trop bavardages. Tá, concordo. De fato, o filme tem palavras demais – e também belíssimas imagens. Mas por que o mestre da crítica francesa achou que o humanismo do filme é falso, isso a gente nunca vai saber. O filme destila humanismo, sim – um maravilhoso, bem-vindo humanismo. Frank Capra, o mais humanista de todos os realizadores, aplaudiria.

Cada cabeça uma sentença. O Petit Larousse des Films diz: “Aventureiros de todos os cantos encontram-se na África para esquecer seu passado. Um deles tenta parar a hecatombe sobre os elefantes e encontra um jornalista que alerta a opinião pública. Bela adaptação rodada nos próprios locais da ação.”

Um filme “menor”, “mais fraco” de John Huston é melhor que a imensa maioria dos filmes lançados a cada ano.

Anotação em fevereiro de 2024

24.11.25

23Assassinato em Yellowstone, Murder at Yellowstone City, Richard Gray, 2022

No iutubi aqui 

Review by de Micha [tradução livre]

A pequena cidade de Yellowstone City/Montana, no Velho Oeste

É aqui que o ex-escravo Cicero chega durante sua viagem. Quando o garimpeiro Dunnigan é assassinado, o xerife Ambrose imediatamente suspeita de Cicero. O pastor Murohy e sua esposa Alice acreditam na inocência dele.

Este western americano foi lançado em 2022. O elenco inclui Thomas Jane, Gabriel Byrne e Zach McGowan, entre outros. Como fã de westerns, senti-me cativado pelo filme, pois o cenário se encaixa no gênero. Uma pequena cidade com os locais e personagens habituais. Estes são bem representados e agradaram-me, pois são bem interpretados. A trama, que foi bem executada, se estende por 126 minutos, mas parece mais curta. Quando há tiroteios, eles são dinâmicos e bem executados. No geral, é um bom exemplo de que ainda é possível fazer bons westerns em 2022. Os fãs do gênero não ficarão desapontados. Letterboxd 

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Entr'acte 

Michael Madsen neste blog

Michael Madsen (1957-03.07.2025) créditos: 332 

24.11.25

24Refém assassino, The Killing Jar, Mark Young, 2010

No iutubi aqui 

Review by Henry [tradução livre]

Depois de ver aquele pôster horrível, o filme foi muito melhor do que eu esperava. A ação se passa inteiramente em um único cômodo, o que faz com que pareça quase uma peça de teatro ou um episódio de série de TV, mas a cinematografia torna o ambiente muito dinâmico. Há uma infinidade de close-ups extremos que criam uma sensação de aperto e tensão, e gosto da forma como eles se repetem ao longo do filme. A atuação poderia ser pior, mas, na maior parte do tempo, é bastante sólida. É muito engraçado que Danny Trejo esteja no pôster, mas morra 15 minutos depois do início do filme, mas, bem, isso é marketing!

Gosto da mensagem no final, embora a execução seja um pouco descuidada, especialmente aquela fala ridícula sobre saber contar. Além disso, para um filme tão consciente das percepções de gênero, parece que ele se esforça para fingir que o racismo não existe, apenas para que o único personagem negro do filme seja o assassino vilão. Talvez seja só eu, mas isso parece um grande descuido. Se você gosta de thrillers, recomendo dar uma chance a este filme. Ele não é perfeito, mas tem muito o que gostar. Letterboxd 

25.11.25

2544 Minutes: The North Hollywood Shoot-Out, Filme TV,Yves Simoneau, 2003

No iutubi aqui 

O mais intenso tiroteio na história da Polícia de LA.

Dois assaltantes invadem um banco em North Hollywood, nos Estados Unidos, equipados com uniforme militar completo, coletes a prova de balas e portando poderosos rifles AK-47. Para aumentar o pânico e completar o clima de tensão, a dupla começa a disparar tiros contra a multidão e policiais que do lado de fora tentavam contornar o conflito, revelando a bravura de dezenas de dedicados oficiais da lei dispostos a impedir o que poderia resultar num terrível massacre de inocentes. Betaseries 

26.11.25

26Federal, Erik de Castro, 2010

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Review by Carol Fernandes

Ruim... muito ruim, ruim mesmo, ruim que chega a doer. Um filme que tem dois atores excelentes no elenco, Selton Mello e o Michael Madsen, e eu ainda to tentando entender como eles aceitaram fazer esse filme. Parece um filme amador com atuações fraquíssimas e super forçadas, umas cenas que dão vontade de você se esconder de tão ruins que são, uma história fraca enfim... perda de tempo total. Letterboxd 

27.11.25

27The Stray, Kevin Mock, 2000

No iutubi aqui 

Review by Rich Trash [tradução livre]

Este é o sexto filme assistido para o Crap Movie Collective boxd.it/3VCOg

The Stray apresenta um Michael Madsen resmungão e uma Angie Everhart atraente em tudo o que faz. The Stray também apresenta uma conversa sobre The Fountainhead, de Ayn Rand, perseguições em alta velocidade que terminam em explosões, uma perseguição de moto com música de ação legal dos anos 90, mas a cena não é tão boa e sua pior ofensa é um enredo confuso. Enquanto assistia ao filme, acho que algo aconteceu, mas perdi todo o interesse quando algo aconteceu em que Angie Everhart não estava na tela. Nem mesmo sua beleza impressionante conseguiu salvar esse desastre. Letterboxd  

28.11.25

28A experiência, Species, Roger Donaldson, 1995

Sinopse

Um ser alienígena é o resultado de um código genético desconhecido enviado do espaço e recebido por cientistas. Após o nascimento da criança e seu rápido desenvolvimento, há uma ordem para matar a "menina", que é meio humana e meio extraterrestre, mas ela foge do laboratório onde é mantida. Enquanto procuram por uma criança, ela se transforma em uma atraente mulher (Natasha Henstridge), que deseja acasalar rapidamente para proliferar a sua espécie. Umfilmede 

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27.11.25

29Passagem para a vida, Man on the Train, Mary McGuckian, 2011

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Graham Greene (1952-2025) 

Donald Sutherland (1935-2024) 

Parei de viver antes de ficar velho (Donald Sutherland, The Professor)

By mabcampos Posted on2 de fevereiro de 2021

PASSAGEM PARA A VIDA: Refilmagem de Obra Francesa Também é Muito Interessante

PASSAGEM PARA A VIDA (MAN ON THE TRAIN), que a cineasta irlandesa Mary McGuckian fez em 2011 é uma refilmagem de uma película francesa chamada L’HOMME DU TRAIN, com Jean Rochefort e Johnny Halliday fizeram em 2002. O original francês do ótimo Patrice Leconte fez grande sucesso internacional, motivando sua refilmagem.

O ator e músico Larry Mullen Jr. (do U2) vive um homem que certo dia chega de trem a uma pequena cidade no interior dos Estados Unidos chamada Orangeville, com o propósito de roubar o banco local. Ele termina cruzando com um professor de poesia aposentado e solitário que vive em uma grande casa do local. Os dois estabelecem uma amizade de silêncios e convivência que vai mudar suas vidas.

O professor é mais um ótimo trabalho do veterano Donald Sutherland, o icônico ator de M.A.S.H. e CASANOVA DE FELLINI.

O roteiro de Claude Klotz, o francês que escreveu o original e da própria cineasta Mary McGucklan, tem frases e diálogos maravilhosos, envolvendo solidão, amizade, roubos e literatura de alta qualidade.

Tanto o filme original quanto esta refilmagem conseguem explorar as diferenças entre os dois personagens centrais, um introspectivo professor de poesia e um ladrão sem medo de fazer o que deseja. A diretora McGucklan também fez o ótimo THE PRICE OF DESIRE, o filme sobre Le Corbusier, com Orla Brady, Alanis Morissete e Vincent Perez.

PASSAGEM PARA A VIDA, apesar de estar levemente atrás de seu original europeu, é um belo pequeno filme a ser visto.

01.12.25

30O tirano da fronteira, The Last Frontier, Anthony Mann, 1955

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O Tirano da Fronteira (The Last Frontier – Anthony Mann, 1955)

As décadas de 50 e 60 ainda foram bastante fortes na produção de westerns. Grandes diretores e atores criaram diversas histórias ambientadas no oeste americano e blá blá blá. Todo mundo sabe disso. Todo mundo sabe, também, que, justamente pela enorme quantidade de produções, tem western pra tudo quanto é gosto: tem Leone pra quem é de Leone e tem Giuliano Gemma pra quem é de Giuliano Gemma. Teve até filme esquisito sobre xerifes felizes que montavam cavalos mágicos que voavam. Troço genial, mesmo. The Last Frontier não é um “western Z” (vi um dia em algum livro esse termo… sei lá se ainda é usado – ou se alguém mais fora aquele autor já usou – mas acho que é bem explicativo, devido à letra “Z”), mas também não é um Leone. É acima da média pois tem um diretor muito competente e um protagonista com carisma pra caramba. Mas tem um roteiro chatinho que, sinto muito, me incomodou.

Em determinado momento de The Last Frontier, o personagem Jed Cooper (um figuraça encarnado por Victor Mature) conversa com o Capitão Glenn Riordan sobre civilidade. Sobre o que separa o pelotão, do qual eles fazem parte, dos peles-vermelhas que os impedem de contruir um novo forte. Jed nunca precisou de civilidade e viveu toda sua vida como um caçador selvagem, junto com dois amigos. Mas existe algo na inútil civilidade que o atrai. Penso que é sobre isso que The Last Frontier fala: a necessidade do homem de fazer parte de algo.

E penso também que seria melhor se não tivessem falado absolutamente nada. Não que eu ache que cinema é meramente “storytelling”, mas acredito que, quando um filme se propõe a falar algo, um mínimo de desenvoltura é necessário. Senão acontece o que aconteceu aqui: um tiro que saiu pela culatra, em questão de história.

Mas há que se eximir o diretor Anthony Mann. A maneira como ele se apropria das locações e situações para compor planos é absurda. Desde as tomadas calmas e fluídas do deserto ou do interior do forte onde se aquartela um pelotão de soldados até o frenetismo de uma cena de batalha entre os soldados e indígenas locais, Mann trabalha a câmera com desenvoltura impecável. Nada lhe escapa e o que é registrado torna o filme com história chatinha uma experiência intensa, especialmente no momento da já citada batalha. Aliás, admiro muito o ritmo empregado nessa sequência que abrange a tensão dos soldados no “pré-batalha”, o frenesi do embate e a calmaria mortal após estar tudo consumado (e a câmera passeando pelo campo onde jazem índios e soldados abatidos é impactante ao finalizar seu movimento em um sabre ensanguentado).

Por fim, Mann me deixou uma impressão esplêndida. Primeiro filme do cara que eu vejo e ele já começa salvando o dia. Não deve ter muito diretor por aí que consiga o que ele conseguiu aqui.

Murilo Lopes de Oliveira /