In O Navio-Fábrica Caranguejeiro, de Kobayashi Takiji: tradução e considerações, pp.14-31
Por André Felipe de Sousa Almeida
1. KOBAYASHI TAKIJI: VIDA E OBRA
Os detalhes biográficos de Kobayashi Takiji (13 de outubro de 1903 – 20 de fevereiro de 1933) podem ser considerados em si mesmos comuns e coerentes, mas, cobram significados e interesses se forem analisados sob a ótica de uma sociedade que passava por profundas mudanças, e cujo surgimento da consciência das massas compunha o cenário social do Japão de sua época. Para tanto, “um reconto de sua vida constitui, na realidade, uma história da profunda influência exercida pela Revolução Russa de 1917 na sociedade japonesa” (MOTOFUJI, 1973, p. 11) [5] . Além disso, pode-se dizer que os acontecimentos importantes que, com o tempo, conduziram à conversão de Takiji ao comunismo, e, por conseguinte, à adesão ao movimento da literatura proletária, necessariamente adquirem muita importância à compreensão de sua obra.
1.1. Infância e juventude
Kobayashi Takiji nasceu no seio de uma pobre família camponesa na prefeitura de Akita, no pequeno vilarejo agrícola de Shimokawazoi, Prefeitura de Akita, em 10 de outubro de 19036 [6] .
Quando sua família perdeu sua pequena propriedade e o pouco dinheiro que possuía, um tio, espécie de chefe nominal da família, partira para Hokkaido, a mais setentrional das quatro ilhas principais do Japão. Lá, instalou-se em Otaru, cidade portuária localizada ao noroeste de Hokkaido, onde abriu uma padaria e prosperou.
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[5] MOTOFUJI, Frank. In: TAKIJI, Kobayashi. The Factory Ship and The Absentee Landlord. Trad. Frank Motofuji. Seattle: University of Washington Press, 1973. Introduction, p.7-43, 1973.
[6] Os dados bibliográficos deste capítulo foram consultados em: KOBAYASHI, Takiji. Kobayashi Takiji Zenshū (Coletânea de Kobayashi Takiji). Vol. 15. Tóquio: Shin Nihon Shuppansha 1972, p. 175-201.
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Em 1907, a família Kobayashi emigrou para Hokkaido com ajuda deste tio, que financiou os estudos de Takiji na nova cidade. Este processo de emigração para as colônias do império era comum no início do século XX, segundo Komori (2013, p.1), e se deu em um estágio do sistema capitalista japonês, no qual trabalhadores agrícolas independentes e pequenos proprietários de terras, que entravam em falência financeira, perdendo suas terras, eram levados às colônias para se tornarem trabalhadores assalariados em regiões em vias de industrialização.
Em 1916, quando Takiji ingressou na Escola Comercial de Otaru (Otaru Shōgyō Gakkō), a Primeira Guerra Mundial se encontrava em seu terceiro ano. O Japão havia se unido aos países Aliados (União Soviética, os Estados Unidos e o Império Britânico) contra a Alemanha e Áustria, fornecendo-lhes, na sua condição de potência naval regional, navios de carga e transporte. Tal acontecimento proporcionou um “embriagante período de prosperidade” (MOTOFUJI, 1973, p. 12) ao Império Japonês.
Em 1917, ao estalar da Revolução Russa, Otaru – que de pacata aldeia de pescadores com uma população de aproximadamente 2000 ainus [7] no princípio da era Meiji (1867-1902), em um período de quarenta anos havia passado a ser um importante centro marítimo com mais de 90000 residentes – tonou-se um dos pontos de embarque para as tropas japonesas enviadas à Sibéria, ostensivamente, em ajuda às forças checas que haviam se aliado à Rússia czarista, mas que se voltaram contra os bolcheviques depois da revolução. A verdadeira razão para o envio desses militares, segundo Motofuji (1973, p. 12) era “colocar o exército japonês na posição de controlar a Sibéria oriental contra o Exército Vermelho”.
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[7] Em Yezo [Hokkaido] a mais setentrional ilha do Império japonês vive um remanescente de um povo peculiar, chamado ainu, que são comumente considerados serem os primeiros habitantes de todo arquipélago. [...] Quando as classes dominantes da atual população japonesa, que é provavelmente uma mistura de malaios e hindus, ou até mesmo siameses, conquistaram o país, os ainu foram impelidos de suas terras natais para as ilhas nortenhas, onde hojepodem ser encontrados, contabilizando uma população de não mais que 5000 indivíduos. (CARUS, Paul. The Ainus. Disponível em <http://opensiuc.lib.siu.edu/ocj/vol1905/iss3/5/>. Acessado em 02 de maio de 2016.)
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Em Hokkaido, como em outras partes do Japão, os preços dos artigos de primeira necessidade foram elevados, mas não os salários pagos aos trabalhadores, fato este que fez eclodir inúmeras greves trabalhistas em todo o país:
O número de greves em favor de salários mais altos aumentou de sessenta e quatro em 1915 a quatrocentas e dezessete em 1918. A partir de 1915 estavam sendo produzidas pequenas greves ilícitas nas minas de carvão de Hokkaidō. Em 1917, na Siderurgia Japonesa de Muroran, em Hokkaidō, teve lugar uma massiva greve de 4000 homens, que serviu de estopim de outras greves em todo o país. Posteriormente, uma revolta por causa do arroz, iniciada em 3 de agosto de 1918 pelas armas da casa de uma pequena aldeia de pescadores em Toyama, prefeitura situada na costa do mar do Japão, provocou manifestações similares, que se propagaram a duzentas e trinta e sete cidades, povos e aldeias durante os cinquenta e sete dias seguintes desde o início da mesma. Em setenta localidades se fez uso de tropas, e foram detidas e encarceradas cerca de 7000 pessoas. Em Hokkaidō, no verão e outono de 1918, se produziram quatro greves grandes, mas a repreensão policial, seguida da grande circulação de arroz para ser vendido a preços reduzidos, impediu que se intensificassem. (MOTOFUJI, 1973, p.12, 13)
A agitação operária alcançou um ponto culminante em 1919. Em 1921 constituiu-se a Federação Geral do Trabalho do Japão (Nihon Rōdō Sōdōmei), fruto da Sociedade da Amizade (Yūaikai), organização formada em 1912, que seria mais uma sociedade de ajuda mútua que de sindicato dos trabalhadores [8]. Como seu objetivo fundamental era promover e manter uma relação harmoniosa entre trabalhadores e administração, nem a Sociedade da Amizade, nem, posteriormente, a Federação se viram obstaculizadas pela interferência oficial. A Federação tinha um programa que defendia, em 1921, o direito à organização de sindicatos, salários mínimos, jornada máxima de trabalho, igual remuneração para homens e mulheres no mesmo emprego, oportunidades e tratamentos iguais para os trabalhadores nativos e não nativos (coreanos), melhorias de habitação, restrição do poder judicial e o sufrágio universal masculino.
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[8] LARGE, Stephen S. Nishio Suehiro and the Japanese Social Democratic Movement, 1920–1940. Disponível em <http://www.jstor.org/stable/pdf/2053841.pdf> . Acessado em 02 de maio de 2016.
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Em 1917 foi suprimido o Partido Socialista do Japão (Nihon Shakaitō), organizado em 1906, que somente retomou suas atividades em 1920, em que, depois de uma organização conhecida como União dos Socialistas do Japão (Nihon Shakaishūgi Dōmei), se uniram todos as nuances do espectro da ideologia progressista: socialismo, comunismo, anarquismo e sindicalismo. Porém o governo ordenou de imediato a dissolução desta união.
Tais foram os acontecimentos políticos que predominaram durante os anos da infância e juventude de Takiji em Hokkaidō.
1.2. Takiji e o movimento proletário
Durante os anos de 1921 e 1924, período no qual Takiji frequentou a Escola Comercial Superior de Otaru (Otaru Kōtō Shōgyō Gakkō), os seguintes acontecimentos tiveram lugar: em 1921 se criou a Associação dos Jovens (Shinjinkai), e com isso estabeleceu-se uma organização para dar voz a diversos estudantes combativos que, desde os anos de guerra, não possuíam uma causa pela qual lutar até então.
Em 1922 fundou-se, então, o Partido Comunista do Japão (Nihon Kyōsantō), ao qual se sucedeu ao ano da formação da Aliança Juvenil Comunista do Japão (Nihon Kyōsan Seinen Dōmei). Nesse mesmo ano ocorreu a primeira prisão em massa de esquerdistas neste país, e, durante as consequências deixadas pelo terremoto de Tóquio e o incêndio de setembro de 1923 [9], outra prisão massiva de coreanos e elementos considerados radicais. A primeira publicação que serviu de voz ao movimento da Literatura Proletária, a qual começou a ganhar impulso por volta de 1917, foi Os Semeadores (Tanemaku Hito), revista fundada em 1921 como órgão que propunha apoiar à Revolução Russa, ao internacionalismo e à posição antibelicista do movimento Clarté [10], de Henri Barbusse (1973-1935), mas que de maneira gradual havia assumindo uma tendência literária:
De fato, desde que os historiadores japoneses traçam as origens da literatura proletária no Japão ao surgimento de Tanemaku Hito (Os Semeadores) em 1921 por Komaki Ōmi, depois de seu engajamento com o movimento internacionalista e antibelicista Clarté na França, pode-se argumentar que o internacionalismo antibelicista é um dos princípios fundamentais da literatura proletária do Japão. Escritores à direita e esquerda nesse período concordavam que a expansão capitalista estava explorando as massas de trabalhadores e agricultores. A forma com que se diferem, no entanto, é na avaliação do que deveria ser feito sobre isso. Aqueles à direita abraçaram a nação como sua prerrogativa, enquanto aqueles à esquerda renunciaram ao nacionalismo como ideologia do imperialismo burguês.
A diáspora capital- imperialista dos japoneses colonos e empresários na Ásia continental fez com que escritores da direita e esquerda reavaliassem comunidades imaginárias. [...]
Por fim, o que todas essas obras [proletárias] manifestam é a ansiedade aguçada com que o capital reduz a tudo e a todos em troca de valor, e eles estão decididos a explorar a significância de comunidades imaginárias – a nação e o proletariado – como coletivos que prometem porto-seguro das reduções globalizantes do capitalismo. (BOWEN-STRUYK, 2006, p.399)
BOWEN-STRUYK, Heather. Why a Boom in Proletarian Literature in Japan? The Kobayashi Takiji Memorial and The Factory Ship. Disponível em < http://apjjf.org/-Heather-Bowen-Struyk/3180/article.html> . Acessado em 02 de maio de 2015.
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[9] O Terremoto de Kantō de 1923 (magnitude 8.1) foi um dos mais devastadores terremotos da história, matando cerca de 140.000 pessoas nos arredores de Tóquio e Yokohama. A maioria das mortes e 95% das perdas materiais são atribuídas aos incêndios subsequentes ao terremoto, apesar do extensivo tremor e o tsunami. (WALD, David J.; SOMERVILLE, Paul G. Variable-slip rupture model of the great 1923 Kanto, Japan, earthquake: Geodetic and body-waveform analysis. Disponível em <http://www.bssaonline.org/content/85/1/159.full.pdf+html>. Acessado em 02 de maio de 2016.)
[10] A ideia da fundação de um movimento internacional de mobilização dos intelectuais para uma luta política partiu da militância de Romain Rolland contra a Guerra, entre 1916 e 1917. Nos anos seguintes, Raymond Lefebvre, Paul Vaillant Couturier e Henri Barbusse lançaram um chamado pela criação de uma “Internacional do Pensamento” e de uma revista internacional cujo objetivo era, entre outros, combater “os preconceitos, os erros muito habilmente preservados e, sobretudo, a ignorância que separam e isolam os homens e permitiram até aqui lançá-los cegamente uns contra os outros.” O grupo, bastante heterogêneo, foi denominado Clarté – nome de um romance de Henri Barbusse publicado naquele ano; logo deu origem a um jornal (1919-1921) e depois a uma revista de mesmo nome que circulou entre os anos de 1921 e 1928. A carta de princípios – expressa no primeiro número de outubro de 1919 – previa que a revista colaborasse para promover uma “revolução nos espíritos”. (DE OLIVEIRA, Ângela Meireles. O longo resplendor: a revista Claridad argentina desde a internacionalização dos grupos Clarté à militância antifascista na década de 1930. Disponível em <
http://www.snh2011.anpuh.org resources anais/14/1312915383_ARQUIVO_Olongoresplendor_final.anais.pdf>. Acessado em 02 de maio de 2016.)
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Outras revistas de inclinação similar foram Bungaku Sekai (Mundo Literário) e Shinkō Bungaku (Nova Literatura), as quais tiveram surgimento em 1922. As três revistas deixaram de ser publicadas depois que tiveram seus meios e instalações destruídos pelo abalo e incêndio provocados pelo terremoto de 1923, mas alguns ativistas da Os Semeadores conseguiram editar números especiais que protestavam contra a matança de 3000 coreanos vítimas da histeria coletiva, quando em Tóquio e Yokohama correram rumores de que estes estavam a ponto de tirar proveito da confusão existente em ambas as cidades para se levantar em uma revolta armada contra os japoneses [11] . Também lançaram números de protesto contra o assassinato pelas mãos da polícia dos dirigentes da Aliança Juvenil Comunista e de sindicatos.
Não é difícil imaginar o fervor, se não revolucionário, ao menos liberal, que dominou a juventude japonesa desse tempo. Os estudantes da Escola Comercial de Otaru não eram exceção, especialmente quando o corpo docente dessa escola era extremamente progressista, ao passo em que o diretor não o era. É possível afirmar que a linha de ação assumida pelos estudantes em 1925, ano posterior à graduação de Takiji, é significativa. Nesse ano, conjuntamente com a ratificação da lei do sufrágio universal para adultos homens, a que por tanto tempo se havia tentado conquistar, aprovou-se uma lei que fazia obrigatório o treinamento militar nas escolas secundárias e universidades (HUNTER, 2014) [12].
Em todos os lugares do Japão ocorreram manifestações de protestos contra essa lei, provocadas pela objeção feitas pelos estudantes da Escola Comercial de Otaru a um problema militar maquinado pelos oficiais adjuntos desta escola. Os estudantes foram obrigados a cessar hipóteses de anarquistas e coreanos que se supunham ocorrer logo depois de um forte tremor de terra que houvera interrompido todas as funções normais da cidade. No manual falava-se destes rebeldes como “inimigos”.
Era demasiado evidente que o problema tomava como antecedentes o pânico e desordem que se sucederam ao terremoto de 1923. Os sindicatos e as organizações coreanas de Otaru se uniram aos protestos dos estudantes. Ao não responderem às autoridades escolares, os estudantes enviaram convocações a escolas de todo Japão para que lhes prestassem apoio. Este foi o sinal para que se produzissem protestos similares em outros centros docentes, assim como entre organizações operárias e cooperativas agrárias.
Em última análise, no entanto, a aplicação da Lei de Preservação da Segurança Pública (Chian Iji Hō) [13] pôs um fim às manifestações no solo de Otaru, bem como em outros lugares, e dezenas de dirigentes estudantis foram presos.
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[11] RYANG, Sonia. The great Kanto earthquake and the massacre of Koreans in 1923: Notes on Japan's modern national sovereignty. Disponível em < https://muse.jhu.edu/article/48527/pdf>. Acessado em 02 de maio de 2016.
[12] HUNTER, Janet. The emergence of modern Japan: an introductory history since 1853. Londres: Routledge, 1989. p. 272.
[13] A Lei de Preservação da Segurança Pública (Chian Iji Hō) de 1925 foi promulgada em 12 de maio daquele ano, sob a administração de Katō Takaaki, especialmente contra o socialismo, comunismo e anarquismo. Foi uma das mais significantes leis do Japão pré-guerra. A Força principal por trás da lei foi o ministro da justiça (e futuro primeiro ministro) Hiranuma Kiichirō. “Aquele que formar associação que subverta o kokutai, ou sistema privado de propriedade, e aquele que unir-se a uma associação que tenha plena consciência de seus objetivos, deverá ser encarcerado com ou sem trabalho forçado, por um período não excedente de dez anos.”
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Em 1924, ano de sua graduação, Takiji conseguiu um emprego no Banco Colonial de Hokkaido (Hokkaidō Taku Ginkō) em Sapporo. De imediato lhe transferiram à filial do banco em Otaru.
Cerca de cinco anos antes, Takiji havia cogitado a ideia de converter-se em pintor e havia se vinculado a um grupo de artistas que pintava ao estilo europeu. Quando a arte começou a afetar seus estudos, seu tio emitiu um ultimato: teria que abandonar a pintura.
No conto Ishi to suna (Pedras e Areia), Takiji descreveu a cena em que seu tio dizia:
— Irá abrandar seu cérebro se se dedicar demasiado à arte. Veja o filho de K. Se mudou para Tóquio pela carreira, com a ideia de ser pintor, e justamente quando sua família se dispunha a se desentender com ele, regressara. Então ele pediu dez mil ienes para seu pai e se foi para a Europa. Tem agora trinta ou quarenta anos e nem sequer conseguiu uma esposa. Quer ser um idiota como ele? Se quiser ganhar sua vida com seu cérebro, vai estudar! Deixe a pintura!
O menino havia se mantido em silêncio até então, mas, ante a isto, levantou o olhar, sobressaltado:
— Está me dizendo para abandonar a pintura?
— Sim. Não necessita de pinturas. Mas como terá um colapso nervoso se estudar demasiado, de vez em quando vou deixar-lhe fazer um esboço.
— Mas eu...
— O menino não encontrava palavras. Estava consternado diante da impassível obstinação de seu tio. O menino jamais poderia imaginar que teria que abandonar a pintura, sua gloriosa vocação. “Nada me deterá”, pensou, mas não era político discutir com seu tio sobre arte nesse momento, assim manteve um obstinado silêncio.
— Basta eu voltar as costas, para você se descuidar de seus estudos e se inflar todo com suas ideias fúteis!
O menino saiu sem tocar na metade de seu jantar. Levantou-se da mesa, recolheu seus livros, dirigiu-se ao aposento que lhe estava reservado e começou a trocar de roupa. Quando estava sozinho, lágrimas surgiram inesperadamente em seus olhos e correram pelas bochechas. Todas as emoções que o estavam dominando emergiram de um modo brusco, e deixou que as lágrimas fluíssem sem controle. [14]
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Usando-se o termo extremamente vago e subjetivo de kokutai, a lei tentava mesclar política e ética, mas o resultado foi que qualquer oposição política poderia ser rotulada como “subversão ao kokutai”. Dessa maneira o governo tinha carta branca para proibir qualquer forma de dissidência. (MCCLAIN, James L. Japan, a modern history. Nova Iorque: WW Norton & Company, 2002. p 390.)
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Frustrada sua ambição em se converter em pintor, Takiji encontrou na literatura saída para suas energias criadoras. Em 1924, ano em que começou a trabalhar no banco, ele e seus amigos fundaram a revista Clarté nomeada conforme a novela de Barbusse e ao movimento fundado por este. Takiji escreveu vários contos para a revista antes da desaparição da mesma em 1926, época em que o jovem dirigia seus olhares para Tóquio: sua escrita para uma pequena revista local já não lhe era suficiente. Bungei Sensen (Fronte Literária), revista que se tornaria a mais famosa do movimento da literatura proletária, havia começado a ser publicada em 1924 como sucessora de Os Semeadores e atraía os principais escritores esquerdistas de seu tempo.
Em 1925, Takiji partiu em direção a Tóquio com o propósito de submeter-se em um exame de ingresso na Universidade de Comércio de Tóquio (Tōkyō Shōka Daigaku). Não informou sua família do plano, a fim de evitar a desilusão da mesma caso viesse a fracassar no teste. Quando assim ocorreu, Takiji, ao que parece, não se decepcionou muito pelo resultado; do contrário, pode-se dizer que sentira alívio:
Como filho e sobrinho obediente, havia abandonado a pintura e se convertido em um respeitado funcionário de banco e agora representava um crédito para sua família. Mas, seus interesses na literatura se acentuavam cada vez mais e é muito provável que sua vontade em ingressar em uma universidade foi somente um gesto morno com objetivo de acalmar sua consciência e demonstrar a seu tio que ele havia tentado se preparar para maiores empenhos, pagando-lhe, deste modo sua devida gratidão. (MOTOFUJI, p. 18)
Takiji regressou a Hokkaidō e ao banco, mas manteve um pé bem plantado no mundo literário. Trocou correspondências com Shiga Naoya (1883-1971), um dos principais escritores da época, cujo estilo simples e extremamente polido Takiji admirava. O jovem havia começado a estudar o estilo de Shiga quando este último criticou com severidade alguns de seus trabalhos que o novo escritor havia enviado ao eminente autor. Durante sua estadia em Tóquio, Takiji também havia conversado com uma série de escritores proletários e manteve estreito contato com eles até sua partida definitiva para a capital em 1930.
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[14] Citado por Tezuka Hidetaka em: Kobayashi Takiji. Tóquio: Shin Nihon Shuppansha, 1963. p.38. O conto jamais foi publicado.
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Em 1926 e 1927, motivados pelo agravamento da depressão econômica, eclodiram-se disputas laborais e foram feitas grandes convocações para greves em diversos lugares do Japão. Em julho de 1927, a greve geral dos trabalhadores das docas de Otaru terminou com a satisfação de suas demandas. Takiji esteve diretamente envolvido nas greves dos arrendatários de Isono [15] , sua primeira experiência desta índole. Ofereceu, em caráter voluntário, sua habilidade artística para escrever e ilustrar cartazes de propaganda, e participou de aulas sobre classes com ativistas trabalhadores e agrários. Dado que foi somente em 1927 em que Takiji participou pela primeira vez ativamente em uma manifestação, conclui-se que, “seus ímpetos revolucionários que ardiam em seu interior, por algum tempo estiveram equilibrados pelo bom confucionista tradicional que nele existia lado a lado com o rebelde” (MOTOFUJI, p. 15)
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[15] Três mil pessoas participaram da segunda celebração do Primeiro de Maio em Otaru, a maior depois da capital. Oque ocasionou o surgimento desse movimento foi a greve de agricultores arrendatários, um sinal que mostrava as crescentes lutas na Hokkaido colonial. No ano anterior uma colheita desastrosa causada pelo clima frio levou a uma grave crise para os arrendatários de Hokkaidō. Uma depois de outra, várias greves demandando redução ou isenção dos aluguéis de arrendamento surgiram. Isono Susumo, que operava uma fazenda em Furano e foi presidente da câmara de comércio de Otaru e membro do conselho da cidade – um perfeito “arrendador ausente”, situado em um confortável refúgio das lutas de vida-ou-morte de seus arrendatários – não somente se recusou a abaixar os aluguéis, mas anunciou o aumento nos preços, e quando os arrendatários se recusaram a aceitar, ele iniciou uma ação judicial demandando a confiscação de sua propriedade e retorno de suas terras. Os arrendatários formaram um grupo de greve e se prepararam para agir. (KOMORI, Yōichi. In: KOBAYASHI, Takiji. The Crab Cannery Ship, and Other Novels of Struggle. Trad. Cipris Zeljko. Honolulu: University of Hawai’i Press, 2013, Introduction, p.4)
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Nesse mesmo ano, se uniu à Federação de Artistas Trabalhadores e Agrários (Rōnō Geijutsuka Renmei), uma das organizações – a outra era a Federação dos Artistas Proletários do Japão (Nihon Puroretaria Geijutsu Renmei) – integradas por escritores, poetas e pintores liberais. Quando o grupo se dividiu em duas facções, Takiji se uniu aos que se separaram. Este grupo assumiu o nome de Federação de Artistas de Vanguarda (Zen’ei Geijutsuka Renmei).
Em 15 de março de 1928, ocorreu uma perseguição massiva a esquerdistas [16] . Cerca de quinhentas pessoas foram presas e condenadas como infratoras da Lei de Preservação da Segurança Pública. Em Otaru, interrogaram cerca de quinhentas pessoas e detiveram treze membros do Partido Comunista Japonês, cujas primeiras células haviam começado a se organizar em Hokkaidō aos finais de 1927. Takiji, cujos vários amigos íntimos haviam sido detidos, escreveu um de seus mais conhecidos trabalhos, o conto chamado 15 de Março de 1928 (Sen Kyūhyaku Nijū Hachi Nen Sangatsu Jūgo Nichi), no qual descrevia as atividades da clandestinidade e a prisão e tortura dos líderes. A obra foi publicada nos números de novembro e dezembro da revista Senki (Bandeira deBatalha), órgão da Federação dos Artistas Proletários do Japão.
Ambos os números da revista tiveram oito mil exemplares vendidos e foram proibidos. A fama literária de Takiji cresceu graças ao sucesso dessa obra, mas também lhe causou dificuldades, já que passou a ser objeto de uma vigilância cada vez mais estreita por parte da polícia secreta.
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[16] Incidente de 15 de março (San’ichigo Jiken): Primeira prisão em massa de comunistas suspeitos sob a Lei de Preservação da Paz de 1925. Depois de uma longa investigação pelo Ministério da Justiça e um acentuado aumento das atividades do Partido Comunista do Japão no início de 1928, a decisão de repreensão foi tomada. Às 5:00 da manhã de 15 de março, milhares de agentes começaram uma incursão de 120 centros esquerdistas, incluindo sedes partidárias, escritórios de publicação e residências privadas, ao anoitecer, eles prenderam 1600 indivíduos e apreenderam milhares de documentos e listas de membros. Apesar de apenas um terço dos presos terem sido julgados, os encarceramentos resultaram em um endurecimento acentuado de controle de grupos esquerdistas. Várias organizações, incluindo o Partido dos Operários e Agrários (Rōdō Nōmintō), foram banidas; restrições educacionais foram aumentadas, promotores de pensamento (shisō kenji) foram atribuídos aos principais tribunais; uma provisão de pena de morte foi incluída à Lei de Preservação da Paz; e várias prisões em massa se sucederam, incluindo aquele em que 600 ou 700 suspeitos comunistas foram presos em abril de 1929. (HUFFMAN, James L. Modern Japan: an encyclopedia of history, culture, and nationalism. Routledge, p. 139, 2013.)
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No final de 1928, Takiji começou a escrever O Navio-Fábrica Caranguejeiro (Kanikōsen). Obra objeto de estudo do presente trabalho, que será abordada com detalhes no capítulo seguinte.
Imediatamente após a publicação de O Navio-Fábrica Caranguejeiro, Takiji firmou contrato com a renomada revista literária Chūōkōron (Opinião Central) para escrever outro romance, Fuzai Jinushi (O Arrendador Ausente), “indicando um aumento de sua figura como autor e do interesse geral do público pela literatura proletária” (KOMORI, p.5). A obra foi baseada nos incidentes das greves de Isono, ocorridos em 1926 e 1927. A obra retrata a vida miserável dos arrendatários de uma propriedade situada na zona central de Hokkaidō, e sua luta contra o proprietário, rico comerciante de grãos e produtos marinhos que vinham de Otaru.
Takiji escreveu ambos os relatos, O Navio-Fábrica Caranguejeiro e O Arrendador Ausente, enquanto trabalhava no Banco Colonial de Hokkaidō. Logo depois da publicação do O Arrendador Ausente, que aumentou ainda mais sua fama literária, o banco, cuja participação no caso aparecia descrita no romance, o despediu sumariamente no final de 1929.
Os funcionários do banco e a polícia secreta conheciam suas atividades; é incomum que não fora despedido antes. É muito provável que a polícia haveria persuadido o banco a mantê-lo em seu emprego, a fim de mantê-los vigiados, ele e seus amigos, e evitar que sumissem na clandestinidade. (MOTOFUJI, p.30)
Despedido, Takiji compreendeu que nada havia que o impedia a mudar-se para Tóquio, salvo a tristeza que seu desemprego e partida repentina causariam a seus familiares. Por muito tempo, Takiji manteve sua situação em segredo: fingia que nada havia se passado e simulava sair para o trabalho como de costume. Porém, em março de 1930 abandonou Hokkaidō rumo à capital. O bem-estar de sua família, particularmente de sua mãe, seria uma preocupação que o acompanharia até o fim de sua vida, e por isso enviava lhe uma parte do pagamento que recebia pelos contos que publicava.
1.3. Perseguição e morte
Em maio de 1930, Takiji saiu de Tóquio para realizar uma série de conferências em Osaka, e foi preso em uma incursão de esquerdistas. Cercaram-no, interrogaram-no e o torturaram pelo período de duas semanas e então o puseram em liberdade. Depois que retornou para Tóquio, foi detido novamente, acusado de lesa majestade sob a Lei de Preservação da Paz. Estava em discussão a passagem do O Navio-Fábrica Caranguejeiro em que um operário dizao outro, enquanto fecham uma caixa especial de latas de caranguejo destinadas à mesa do imperador, que não teria nada contra em mesclar uma pedrinha com o conteúdo da lata. Desta vez Takiji ficou encarcerado por seis meses.
Em 18 de setembro de 1931, ocorreu o incidente da Manchúria que sinalizou o começo da invasão japonesa ao continente asiático.
Com o pretexto de que o exército chinês havia tentado explodir parte da linha férrea da Manchúria do Sul, controlado pelos japoneses, estes últimos ocuparam toda a Manchúria em poucos meses. Censurado pela Liga das Nações, o Japão se retirou dessa organização. Havia começado neste país a década do ultranacionalismo e o militarismo.
Em outubro de 1931, fundou-se a Federação Cultural Proletária do Japão (Nihon Puroretaria Bunka Renmei) integrada por escritores, dramaturgos, cineastas, músicos e fotógrafos. A pressão contra a mesma aumentou inevitavelmente e no ano seguinte e com isso os líderes Kurahara Korehito e Nakano Shigeharu, principais figuras da organização, foram presos. Takiji, cujo nome se encontrava na lista da polícia secreta, foi forçado a viver na clandestinidade.
Durante esse período, Takiji apoiou uma campanha para revogar a demissão temporária de trabalhadores nas indústrias Fujikura em Gotanda, a qual se tornaria o pano de fundo para sua próxima obra Vida de um Partidário (Tō Seikatsusha) em 1932.
Perseguido pela polícia e obrigado a viver na clandestinidade, Takiji continuou escrevendo. As obras que produziu nos últimos três anos de sua vida estão entre as suas mais importantes; porém, a maioria delas terminou inconclusa. Depois de O Arrendador Ausente, Takiji escreveu Kōjō Saibō (A Célula da Fábrica) em 1930; Orugu (O Organizador), Yasuko e Tenkeiki no Hitobito (Homens em Transição) em 1931; Numajiri Mura (A Aldeia Numajiri) e a já mencionada TōSeikatsusha (Vida de um Partidário) em 1932 e Chiku no Hitobito (Homens do Distrito), sua última obra, em 1933. Além das obras de ficção, produziu numerosos artigos sobre literatura proletária e problemas sociais.
Para se despistar da polícia, Takiji mudava de residência de um lugar a outro. A dissolução da assembleia convocada pela Federação Cultural Proletária do Japão em junho de 1932 é a prova do rigor do controle policial. Trezentos policiais rodearam o Pequeno Teatro Tsukuji, onde se havia programado realizar a assembleia, e submeteram mais de seiscentos representantes de organizações culturais de todo o Japão a um minucioso registro antes de permiti-los entrar no edifício. O presidente da reunião foi preso momentos antes da mesma, e poucos minutos depois de o novo presidente iniciar o pronunciamento de suas palavras de abertura, ordenaram suspender a sessão. Ao se proibir a assembleia, a polícia entrou no local e começaram um motim. O público foi retirado para a rua e dali marchou para a estação de polícia de Tsukiji para cobrar a libertação dos que haviam sido detidos.
Em diversos lugares de Tóquio eclodiram manifestações de protesto, e foram presas mais de duzentas pessoas.
No final de 1932, foi realizada outra importante prisão de duzentos dirigentes esquerdistas. A tentativa de destruir o partido dizimando sua liderança se encontrava agora em pleno curso.
O fim de Takiji chegou rapidamente. Na tarde de 20 de fevereiro de 1933, atraído para compromisso por um agente secreto da polícia infiltrado, caiu em uma cilada com o objetivo de prendê-lo. Tentou escapar assim que teve conhecimento da armadilha, mas foi capturado e conduzido à estação de polícia de Tsukiji. Ao negar-se a divulgar o que sabia das atividades do Partido Comunista, foi torturado e espancado pelos policiais até ser deixado inconsciente.
Foi transferido a um hospital nas redondezas, onde morreu menos de seis horas depois de sua prisão.
Norma Field (2009) [17] chama a atenção para o curto intervalo de tempo entre a prisão de Takiji e seu falecimento. Segundo a autora, se for levado em consideração que Takiji veio a morrer em poucas horas depois de preso, pode-se levantar a hipótese de que os policiais não estavam buscando informação de fato, do contrário teriam tomado cuidado para não torturar o prisioneiro tão rápido a ponto de levá-lo a morte. Ao mesmo tempo, não era seu objetivo simplesmente matá-lo, visto que se assim o desejassem o fariam com uma pistola. Para Field, os torturadores desejavam usar a morte de Takiji como exemplo, mostrando para outros membros de índole esquerdista o fim que podem tomar, caso desejassem seguir os passos do autor.
No entanto, ironicamente, a morte de Takiji resultou em um efeito reverso, trazendo para a defesa do autor até mesmo os opositores do movimento proletário:
Quando no dia seguinte foi divulgada a notícia da morte de Takiji, a polícia identificou a causa do falecimento como um ataque cardíaco e, premeditadamente, não enviou o inquérito oficial sobre a disposição do cadáver a sua mãe, que residia em Tóquio, mas a parentes em Hokkaidō, fundamentando-se no tecnicismo de que este era seu domicílio.
A comoção provocada pelos membros de grupos progressistas não tardou. Os amigos de Takiji protestaram contra o tratamento insensível dado a seu corpo até que a polícia cedeu e permitiu que a família imediata de Takiji reclamasse o cadáver. Levaram-no a casa de sua mãe, onde se levantou a possibilidade de uma autópsia.
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[17] Informação fornecida por Norma Field em Chicago, 2009, em conferencia apresentada pela America Society of Chicago.
O assassinato de Takiji não foi somente um ato de extrema brutalidade, mas de extrema estupidez: até mesmo pessoas antipáticas ao movimento, como o eminente Shiga Naoya, ficaram profundamente abaladas, e Kobayashi Takiji tornou-se um mártir para ser relembrado, senão emulado. (KEENE, Donald. Japanese Literature and Politics in the 1930s. Journal of Japanese Studies, v. 2, n. 2, p. 227, 1976.)
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[18] Explicação da figura: Amigos de Takiji levaram seu corpo até sua casa em Mashi, em Tóquio em 22 de fevereiro de 1933. (KOBAYASHI, Takiji. Kobayashi Takiji Zenshū (Antologia de Kobayashi Takiji). Tóquio: Shin Nihon Shuppansha, 1963, vol. 11)
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Estava evidentemente pelas contusões, hematomas e escoriações que apresentava o corpo que a morte não havia sido natural. Contudo, jamais se efetuou autópsia, visto que as escolas de medicina da Universidade Imperial de Tóquio e da Universidade de Keiō rechaçaram abertamente as solicitações feitas a estas, e uma terceira universidade retirou sua anuência no último minuto.
Acrescenta-se ainda que a assistência aos funerais foi limitada aos familiares; na entrada do cemitério fizeram voltar alguns dos enlutados.
Foi estabelecido que um velório aberto ao público seria realizado em 15 de março, aniversário das prisões em massa de 1928. A polícia, contudo, deteve os organizadores do evento, e quando diversos grupos tentaram se encontrar no Teatro de Tsukiji, onde haveriam de celebrar a cerimônia, os participantes foram dispersos, ou, quando persistiam, levados sob custódia. Em dezenas de cidades do Japão se celebraram cerimônias clandestinas em memória de Takiji, mas foi somente após o término da Segunda Guerra Mundial que foi permitido prestar homenagem abertamente em locais públicas ao destacado escritor proletário.
Minhas considerações sobre
KOBAYASHI TAKIJI me apareceu do filme The Cannery Boat, Kanikôsen, 1953, Sô Yamamura.
Aí deu a luz sobre uma pergunta que sempre me fazia. Existiu movimento proletário (marxista) japonês? Takiji respondeu. Sim e ele foi um dos seus próceres do movimento proletário daquele país no século XX. Lutou e sofreu por isso. Morreu torturado pela polícia aos 29 anos, mas deixou uma relevante obra literária. E viveu na práxis o marxismo.
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